27/07/22

Músicas Satânicas

Já dizia Raul Seixas: O Diabo é o pai do Rock!
É assunto velho e batido, mas nunca sai de moda. Sendo assim, vale algumas considerações.

Antes de tudo, vale esclarecer que algumas músicas se utilizam de referências satânicas mas não transmitem mensagens malignas. Exemplos de obras desse tipo são: “Mr. Crowley”, do Ozzy Osbourne (que faz referência ao mago britânico Aleister Crowley), “O Diabo é o Pai do Rock”, do Raul Seixas; e “Como o Diabo Gosta”, do bardo Belchior.

Tais músicas são “satânicas” apenas no mesmo sentido em que se poderia considerar a própria Bíblia Sagrada satânica, isto é: no fato de citarem e articularem narrativas em torno do demônio ou de figuras relacionadas a ele. Mas basta analisar as letras e o contexto de origem para compreender que não passam mensagens negativas.

Ainda nesses casos, seria razoável sugerir que vigora nessas letras um “satanismo” simbólico, romântico, que remonta ao mito de Prometeu, o titã que se rebela contra os deuses e ensina a arte de fazer fogo aos homens. Ou seja: trata-se da expressão poética e romantizada da rebeldia contra a autoridade. Sentimento que se torna perfeitamente compreensível quando consideramos a proposta de artistas oriundos da Contracultura.
[Black Sabbath- uma das bandas criadoras do gênero “heavy metal”, conhecida por explorar temas sombrios e sobrenaturais. O próprio nome da banda já revela muito, pois corresponde à “missa negra” das bruxas]

Saindo um pouco do romantismo, há também as canções mais sugestivas, aquelas que manifestam caráter obscuro, incorporando elementos do terror, do horror, do sobrenatural hostil e explorando aspectos mais sinistros do comportamento humano. As letras das canções desse tipo costumam incluir histórias e frases sangrentas, funestas, apocalípticas e de mau agouro. Dois bons exemplos são: “Number of the Beast”, do Iron Maiden e “Sympathy For the Devil”, dos Rolling Stones. A última contém trechos como:

Por gentileza me permita que eu me apresente
Sou um homem de fortuna e requinte
Estou por aí já faz alguns anos
Roubei as almas e a fé de muitos homens

E eu estava por perto quando Jesus Cristo
Teve seu momento de duvida e dor
Fiz a maldita questão de garantir que Pilatos
Lavasse suas mãos e selasse seu destino

….Prazer em lhe conhecer
Espero que adivinhem o meu nome, oh yeah
Mas o que lhes intrigam
É a natureza do meu jogo

…Assim como todo policial é um criminoso
E todos os pecadores Santos
Como cara é coroa
Basta me chamar de Lúcifer

…Pois estou precisando de alguma restrição

Então se me conhecer
Tenha alguma delicadeza
Tenha a simpatia, e algum requinte
Use toda sua educação bem aprendida
Ou deitarei sua alma para apodrecer 

Uma composição que certamente arrepiaria um crentão assembleiano.

Não podemos esquecer também daquelas canções cujo suposto conteúdo satânico não é óbvio, mas está camuflado ou diluído em várias referências simbólicas, engendrando diversas lendas urbanas. A mais clássica desse tipo é “Starways To Heaven” do Led Zeppelin. As especulações e análises de fãs sobre o significado esotérico dessa bela canção vão desde possíveis referências à lenda do Flautista de Hamelin, passando por obras do já citado Aleister Crowley (de quem o guitarrista Jimmy Page foi ardoroso fã) e fechando com, claro, possíveis mensagens satânicas que, dizem alguns, podem ser ouvidas quando o disco é tocado ao contrário.
[O fundador Anton Lavey, ao centro, e os outros membros da Igreja de Satan. Luxúria, vícios, egoísmo radical e sexualidade desvairada, eis os valores do satanismo moderno que eles defendem.]
Outra música que talvez fale de algo satânico é a música Hotel California, da banda Eagles. Acontece que o Hotel California, ao qual a banda se refere na letra, era nada mais nada menos que a sede da Igreja de Satan..

Intrigante, não? E tudo fica ainda mais suspeito quando se analisa a letra da música, pois ela fala, entre outras coisas, de uma missa sinistra num ambiente com mulheres, festins orgiásticos e itens de luxo. Realmente a conjuntura bem próxima do que viviam os membros da congregação.

E, finalmente, devo incluir minha categoria preferida: aquelas que são pesadas, sinistras e funestas, mas que não falam necessariamente sobre o Diabo. Dentre essas, a mais “satânica” que ouvi nos últimos tempos foi a canção ‘Bob’, do rapper ‘K a m a i t a c h i’. Pode ser descrita como uma baladinha sinistra que retrata as angústias de uma criança assombrada por um poltergeist. O ideal é ouvir à noite e a luz de velas. É uma linda canção. Muito recomendável.

Ouçam e apreciem:



Papai, tenho que te apresentar o Bob
Ele vem cuidar de mim enquanto tu dorme
Diz que eu tenho outras mamães, que tu esconde até da morte
E teu nariz fica branquinho usando algo que não pode

Não pode, não
Não pode, não
Não pode, não

….Meu amigo Bob diz
Que é um menininho corrompido
E toda vez que se acende a luz do quarto
Fica espantado, por isso todo esse caco de vidro

Bob diz que é filho de um anjinho que foi caído
E toda vez que se acende a luz do quarto
Fica espantado
Por isso ele inverte o crucifixo


20/07/22

George Orwell Continua Indispensável

George Orwell foi, sem dúvidas, um dos escritores políticos mais importantes do século XX. Seus livros mais famosos, “1984” e “A Revolução dos Bichos”¹, são leitura obrigatória para quem deseja se instruir sobre os complexos dilemas enfrentados pela civilização ocidental no alvorecer do século passado. 
Considerado um clássico contemporâneo, 1984 é um livro sofisticado que expõe a maneira pela qual sistemas totalitários manipulam a linguagem a fim de manipular as mentes de suas vítimas. Orwell imaginou o que lhe parecia a forma mais terrível de totalitarismo, na qual toda a vida doméstica e até mesmo os pensamentos são vigiados. O termo Big Brother e a ideia de ausência quase total de privacidade (que acabou virando uma forma grotesca de entretenimento) vem do livro. O termo Polícia do Pensamento também. Saber disso já dá uma certa noção do clima opressor que permeia a obra.

Não vá o leitor pensar que é um livro fácil. Devo confessar que 1984 é um livro perturbador. Lê-lo te fará compreender como 2+2 = 5, e como, enfim, as ideologias podem destruir nosso bom senso, nossa moralidade e nossa civilização.
Obama com certeza leu Orwell.

Ao falar de 1984, não posso deixar de citar um outro, que é irmão e ao mesmo tempo contraponto. Me refiro ao famoso “Admirável Mundo Novo”² de Aldous Huxley, outro livro e outro autor indispensáveis para compreender o século passado e também o nosso. Os dois livros descrevem distopias e indicam um futuro sombrio para a civilização. Os dois livros são clássicos e tiveram grande influência. O que gera, nos meios intelectuais, o vício de compará-los de modo asaber qual deles mais se aproximou das possibilidades totalitárias de hoje. Quem teria sido, afinal, o profeta mais preciso? Questão estimulante, mas é discussão pra outro texto. Por ora, fiquemos com Orwell.
Enquanto 1984 é um livro denso, A Revolução dos Bichos, uma fábula, é obra mais amena. Pode ser lida em um dia. De fato, se o leitor a pega pra ler, dificilmente a vai largar antes de concluir. De forma alegórica, o livro nos conta a história do fracasso do comunismo e de como seus teóricos e praticantes se traíram uns aos outros. É um lembrete cruel do quanto, sendo homens, estamos próximos de ser porcos.

Também jornalista, Orwell ganhou notoriedade entre os intelectuais britânicos por sua preocupação moral, sendo um crítico do imperialismo britânico e ao mesmo tempo do comunismo soviético. Suas premissas humanitárias, sua honestidade (mesmo tendo algo de socialista, engajou-se em expor as mazelas dessa ideologia) e sua recusa à alienação política amparada num esteticismo puro influenciaram boas escolas de jornalismo mundo à fora, antes de serem quase todas arruinadas pelo irresponsável jornalismo gonzo de Hunter S. Thompson.

Uma coisa curiosa sobre Orwell é que seu nome, hoje em dia, é cooptado tanto pela esquerda quanto pela direita. Essa última evoca o autor e sugere que suas obras refletem uma posição anti-esquerdista. Enquanto a outra se apropria da fama de socialista de Orwell e conclui afirmando que ele era um esquerdista democrático. Ambas erram.
Aldous Huxley, outro profeta de distopias.

Num artigo que já não me lembro o nome, Orwell explica acreditar que o socialismo não é uma contraposição ao liberalismo, mas que, na verdade, o socialismo visa estender as liberdades que o liberalismo advoga. Não é uma posição estritamente original. Bertrand Russel, o filósofo logicista, ganhador do nobel da paz e contemporâneo de Orwell, acreditava em algo parecido. Assim, o escritor se situava politicamente numa posição de centro. Algo que tanto a esquerda quanto a direita detestariam admitir.
Se você nunca leu nada dele, vá correndo ler. É obrigatório. Tem muito a te acrescentar na vida intelectual. E para que você não diga que não sou camarada, indico aqui uma breve reflexão muito pertinente e cativante do autor, onde, com certo espírito agnóstico, ele evidencia que o acúmulo de informações disponíveis na modernidade nos torna muito mais crédulos que críticos.

Sempre atento à questões importantes, sempre bem humorado e sempre afiado, assim era Orwell.

Notas:

1. Tanto 1984 quanto A Revolução dos Bichos foram transpostos para a Sétima Arte. O primeiro tem duas versões famosas, uma de 1956 e esta outra, lançada em…1984. O segundo tem também duas versões, uma normal e a outra em animação.


13/07/22

Filosofia: Ruim Com Ela, Pior Sem Ela


O pensador, de Auguste Rodin


Um dos Loops Filosóficos mais divertidos é a ideia de que a Filosofia é inescapável. Começa-se pela alegação de que a Filosofia é *inútil, sem valor e desnecessária*. Depois percebe-se que para convencer alguém de que a Filosofia é *inútil, sem valor e desnecessária* será preciso argumentar. Acontece que argumentar já é fazer filosofia: quem argumenta acredita (ou parece acreditar) que essa prática tem valor ou é necessária, caso contrário não argumentaria.

Logo, como podemos notar, para contrapor a Filosofia é preciso filosofar sobre a Filosofia. Disso concluí-se que o anti-filósofo é também um filósofo (um mau filosofo, eu diria) mesmo que não saiba e que não admita. A Filosofia seria, assim, uma espécie de “mal” inescapável, uma demanda do intelecto tal como o oxigênio é do organismo.

“Homens práticos, que acreditam estar imunes a qualquer influência intelectual, são em geral escravos de algum economista  falecido.”

John Maynard Keynes (economista)

Se pensarmos nessa frase de Lord Keynes, veremos que ela também se aplica aos filósofos. (Vale lembrar que a própria Economia foi criada por filósofos, como Adam Smith). De fato a maioria das pessoas são escravas de algum filósofo morto, elas apenas não se dão conta. Aquelas que pretendem fugir da Filosofia, ao tomarem essa postura, demonstram apenas que são maus filósofos, pouco amigos da sabedoria.

Infelizmente as coisas são de tal modo que não há escapatória: ou você pensa ou estará fadado a ser escravo mental de alguém que pensou mais que você.

06/07/22

Ignorância (ou: Poema Paranoico)



Ignorância é força
Liberdade é escravidão
2012 esta chegando e os Anunak retornando
A realidade é manipulada
Então cuidado com o flúor na água

Judeus sionistas governam o mundo!
O Golem ira ressuscitar!
O que foi "Croatoan"?
Alguém pode explicar?

Fraude nas vacinas ?
Forjaram os atentados?
E quanto a viajem à lua?
E quanto aos Et's avistados?

Saint Germain era o demônio!
Jesus esta voltando!
O que realmente significa
O Stonehenge americano?

A Nova Ordem esta a caminho?
Sera que George Wells iria se alegrar?
O mundo entrará em colapso
Quando o petróleo acabar?

Será que do futuro Hiram sabia
Quando fundou a maçonaria?
Ou Weishaupt ousou precisar
Ate onde sua organização iria chegar?

Comunismo é uma mentira!
Capitalismo a solução!
Não acreditem nos ideais
Do Exercito Simbionês de Libertação!

Kennedy alertou
Mas foi assassinado!
Bush julgou Saddam
Mas Bush era o culpado!

Controle a população!
Subverta a educação!
Use subliminares!
Venda alienação!

Onde os fracos não tem vez?
Ou simples realidade?
Jesus Cristo não existiu?
Ou a fraude é o Zeitgeist?

Construímos o mundo em nossas mentes?
Ou somos subjugados pela realidade?
E quanto a viajem no tempo?
O que diz a relatividade?

Onde estão as respostas?
Onde esta a solução?
Por que nunca nos ensinam
Que verdade é ilusão?
Sem resposta, sem salvação
Apenas o caos, a confusão

30/06/22

O Que Jovens Com Ambição Política Deveriam Saber

 

Frank Underwood (House of Cards)
Certa vez, ouvi uma amiga declarar-se apolítica. Aparentemente, ela não compreendia a sutil dimensão política que nos cerca. Ou, talvez, pior: compreendia, mas preferia ignorar. Na época, achei sintoma de terrível alienação. Posteriormente, conheci pessoas que, diferente de minha amiga, alegavam que “tudo” é política, outra forma terrível de alienação.

No primeiro caso, o problema é óbvio: quem não se interessa por política está fadado a ser regido por quem se interessa. No segundo caso, o preciosismo semântico faz-me pensar que “tudo” abrange coisa demais. Vejam bem: eu até admito que possa haver alguma dimensão política em coisas como o aroma das flatulências, a quantidade de vezes que uma criatura humana lava as mãos durante o dia, ou, até mesmo, o caminhar das lagostas; afinal, verdade é que alguma autoridade idiota pode, arbitrariamente, legislar sobre tais fenômenos. Mas deveria ser óbvio que nenhum desses tópicos, por si só, constitui matéria de relevância política (ao menos enquanto não ensejam conflitos capazes de prejudicar significativamente a estrutura social).

22/06/22

Notinha #6: Contra Gigantes

Ocorre, vez ou outra, de encontrar pessoas que parecem voar níveis acima dos meus em desenvolvimento moral, espiritual, artístico, cultural e intelectual. Falam sobre assuntos difíceis e complicados, de modo que nunca as compreendo na totalidade. Por vezes, sinto que emanam uma sapiência - poderia dizer uma superioridade - que não apenas surpreende, mas paralisa. Diante delas, envergonho-me de meu tamanho e tudo quanto sei ou fiz parece raso e sem valor.

Que fazer diante de quem em tudo se mostra superior? Que fazer com o brilho alheio que ofusca e cega?  Uma tragédia que haja no mundo qualquer criatura melhor e maior que eu! A mera ideia de olhar ao alto, de precisar erguer-me para alcançar outro ser, ofende-me demasiado. Que desigual e cruel batalha é a luta contra gigantes!

Não podendo jamais me elevar, seja por insuficiência de força moral ou de inteligência, só posso desprezar os que se elevam. A verdade é que primeiro senti a inveja, depois, o ranço; agora, rumino vingança. Vingar-me-ei do sentimento de mediocridade, de inferioridade, de nada, ao qual me condenaram. Zombarei dos ideais elevados, caluniarei seus nomes, desmentirei suas conquistas. Com a pena que empunho, tramarei para que sigam na história como fraudes e paspalhos.

Um mundo no qual eu não possa reinar é um mundo que não merece existir. Que caiam os gigantes, para que este pequenino seja rei.

15/06/22

Notinha #5: Breve Reflexão Sobre Meritocracia

Não é que meritocracia não exista. Existir, existe. Mas, diria eu, existem ao menos três problemas principais em torno do tema.

O primeiro é que meritocracia não implica, necessariamente, em valorizar os melhores comportamentos. Na verdade, os critérios tendem a ser problemáticos: em contextos corporativos, por exemplo, premia-se a astúcia, a malandragem e a capacidade de influenciar; então, não se trata exatamente de "trabalhar duro"; mas de ser eficiente e gerar resultados (independente dos meios).

Já em contextos culturais, premia-se aquele que é capaz de produzir engajamento e produtos derivados (ruído comercial), independente da qualidade do conteúdo. Nesse caso, o critério é meramente gravitacional. Como os vícios chamam mais atenção que as virtudes, os agentes culturais com comportamento mais sórdido e reprovável levam vantagem, fazendo com que as pessoas orbitem em torno de suas obras e consumam seus derivados. Esse é o mérito de quem produz Kitsch Trash Culture, e por isso são premiados.

O segundo problema é que, cá no Brasil, a lógica do formalismo burguês (onde prevalece a igualdade formal) nunca dominou. Nossa psicologia é aristocrática, mentalidade herdeira da escravidão. O que isso significa na prática? Significa que aqueles que pertencem ao meu grupo social estão acima dos outros, por isso deverão ser favorecidos. O "mérito" (e também o "direito") será dado a quem é mais próximo socialmente ou afetivamente. Eis a tipologia política do "homem cordial".

E o terceiro problema é que, no mundo real, existem redes de fidelidade institucional não declaradas e mesmo obscuras que decidem "quem tem mérito". Isso é particularmente verdadeiro quando se adentra no submundo das de poder e influência: Maçonaria, Lions Clubs, Rotary Clubs e outras organizações, secretes, discretas ou desconhecidas, que influenciam escolhas e agendas em Editoras, Jornais, Canais de TV, Universidades, etc. E nem vou falar de espiões, agentes infiltrados e ativistas que se destacam e até parecem independentes, mas que são, na verdade, sócios e representantes de algum clubinho (como parece ser o caso do Guru da Virgínia).

07/06/22

Como Estudar Qualquer Teoria Sem Virar Papagaio de Teórico

Ninguém aguenta papagaio intelectual

Não costumo ensinar isso as pessoas, mas uma dica intelectual importante é a seguinte: sempre comece a estudar uma teoria pelos críticos mais ferozes dela. Depois de você praticamente acreditar que tudo na teoria é balela, volte do zero e comece a ler a teoria pelos autores adeptos dela.

Com esse macete você fica prevenido de acreditar por completo na primeira teoria totalizante e interessante que te cruzar o caminho.

Em suma: leia Marx pela ótica de Proudhon, Proudhon pela ótica de Marx, leia a vida de Cristo pela ótica de um humanista como Ernest Renan e leia sobre o iluminismo pela ótica do contra-iluminismo.

Isso vai elevar significativamente sua habilidade e fluidez intelectual.

O único problema é que tem dois efeitos colaterais:

1) Te deixa cético.
2) Te deixa louco.

 


 *Acréscimo*.

O confrade Clark Aban, no Zuckbook, questionou-me:

"Porque te deixa louco?"

Eis a explicação resumida:

Basicamente, porque a pessoa desenvolve a habilidade de compreender e aceitar paradoxos. Como exemplo eu poderia citar um texto do Leszek Kolakowsky em que ele ensina "como ser um conservador, liberal e socialista".

Quando você começa a pensar que Deus pode existir e não existir, que o cristianismo é verdadeiro e falso, que a liberdade humana existe e não existe, que magia funciona e não funciona, ou, ainda, que você pode ser um conservador-liberal-socialista, então, para todos os fins, você já é um doidinho.

26/05/22

Enfant Terrible

Sim, eu entendo o padre do balão

Coisa importante, elemento de maturidade, é saber que jamais agradaremos a todos. Dependendo da personalidade e do estilo de comunicação, manter a integridade muitas vezes significa ser intragável para certas pessoas.

O caso deste blogueiro é exemplar. Eu escrevo e digo, com muita abertura, as bobagens e traquinagens que me dão na telha, algumas de gosto duvidável e teor condenável. Na escrita, parte do meu estilo envolve a afetação, o passivo-agressivo, o politicamente incorreto, a ironia, o deboche, o pastiche e o pedantismo. É nas letras que expresso melhor os dinamismos de minha excêntrica personalidade, fazendo-me, muitas vezes, um personagem de mim mesmo. Irregular, minha crônica vai do ácido ao comedido, do insano ao estrambótico, da intuição pessoal ao apelo à autoridade dos sábios.

Não me pretendo original, mas me pretendo autêntico. Sou, sim, uma mistura de influências díspares e tensões profundas: o menino cristão fascinado em satanismo; o depravado fascinado em sublimação via celibato, o belicista cordial e diplomático, cujo coração comporta tanto a pulsão do conflito quanto a harmonia do acordo. Falador, não levanto a polêmica pela polêmica, mas sim porque uma ou outra interessa, serve como entrada a um debate importante, pertinente. Aposto sempre na inteligência e curiosidade dos leitores, o que, em vista de nosso cenário cultural, é aposta ousada e imprudente.

Sendo essa criatura confusa e estranha, sem fazer esforço, pelo estilo ou pelo conteúdo, agrado uns e incomodo outros. Certamente mais incomodo que agrado. Não é coisa que me atormenta, porque, não sendo capaz nem de agradar a mim mesmo, não vejo como poderia agradar a um grande número de pessoas. Perdendo ou ganhando amigos, satisfaço-me, com muita modéstia, na única virtude e qualidade que julgo manifestar: que é o compromisso em expressar, as vezes com paixão, o que me é próprio; aquela sinceridade íntima, tortuosa e desafiadora que não pode faltar ao literato, mesmo ao pequeno literato.

Assim, vejo com curiosidade aquelas pessoas que, julgando-me portador de alguma qualidade, aproximam-se, mas vão embora tão logo percebam alguns dos meus muitos defeitos (alguns dos quais eu considero qualidades) e opiniões . Acho justo: melhor que se afastem do que que sejam falsos amigos.

O lado bom é saber que os que me dão amizade e permanecem amigos fazem-no apesar dos meus muitos defeitos, limites e opiniões controversas, que conhecem bem, já que as divulgo com certo empenho.

17/05/22

Notinha #4: Quatro Anos e Vinte e Sete Notas Depois

Notinha pra não passar batido. Evento da vida afetiva: Morte. Morte Simbólica. Moça que já me foi da maior importância e que, refém do curso da vida, perdeu o significado. Há anos, tinha todo e total; hoje já não tem nenhum (o que poderia ter ela fez questão de jogar fora). Memória específica que me causa algum embaraço e crescente indiferença. Curiosidade autobiográfica. Ironia da vida. Notinha de rodapé.

Amei-a no passado e - sempre no passado-  desfrutei a lascívia de seus florescentes anos de beleza e ardor juvenil. Foram quase quatro anos entre o chororô e o nheco-nheco. Fiz planos. Deu em nada, tudo pelo ralo. Motivos muitos. Diferenças muitas. Insuperáveis. Culpa minha. Culpa dela. Passou o tempo e a lembrança deixou gosto amargo, passou mais tempo e passou também o gosto amargo. Hoje: gosto nenhum na boca, apenas espanto e perplexidade diante da efemeridade de alguns votos e afetos. Hoje: ela me despreza, o que é provavelmente o melhor que já me aconteceu. (Ao menos a mantém afastada).

Curiosos, estranhos, imprevisíveis os rumos desta vida. 

Durante quatro anos, tal memória rendeu-me vinte e sete notas (o dobro, talvez, se incluir as contidas em cadernos físicos, e mais um tanto caso incluia os e-mails não enviados); na verdade: bem mais que vinte e sete notas. 50, talvez. Talvez mais. Escrevi o suficiente. Agora passou a vontade, passou a inquietação.

Notinha última esta, para fins de registro apenas.