Mostrando postagens com marcador Filosofia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Filosofia. Mostrar todas as postagens

14/02/24

Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário




Na sua condição de criatura pensante, o filósofo  questiona até mesmo a natureza de seu ofício. Que é a filosofia e o que é o filosofar? Por que fazer tantas perguntas, desfilar tantas ideias e passar a vida investigando problemas talvez insolucionáveis? Refletindo a respeito ele percebe que, como tudo em filosofia, não existe apenas uma resposta possível.


A mesmíssima conclusão acomete os escritores que se indagam na tentativa de compreender suas motivações. E eu, escrevendo aqui no blog, não escapo desse comum destino do filósofo e do escritor. Assim, ponho-me a questionar o porquê escrevo.


Penso que é preciso, tanto para mim quanto para o meu leitor, que  as ideias na cabeça e as coisas no mundo fiquem claras. Busco organização e clareza. Não terá sido esse, desde sempre, o meu objetivo ao escrever? Quis sempre organizar meus pensamentos, sentimentos, experiências e entendimentos. Tudo nomear, classificar, empacotar, analisar e guardar para consulta e revisão futura. Demandava conhecer, ponderar, e a partir disso, orientar-me.


Isso dito, devo, agora, voltar-me ao passado. Devo, num esforço de auto-compreensão, recordar meus primeiros sentimentos na feitura dos primeiros textos dotados de ambição. Esse exercício há de me revelar detalhes. Daí a pergunta: qual era, aos treze anos, ao escrever o primeiro registro na primeira agenda, a minha ambição?


Sei bem a resposta. Eu queria memória. O que havia de específico naquele tempo, na minha vivência individual, no meu mundinho de adolescente letrado, eu queria fixar. Tencionava uma fotografia dos meus estados interiores, eu queria descrever, dar a conhecer, trazer luz ao que ao mundo era oculto. Era a ânsia do testemunho, a necessidade de contar minha história, com os atos e angústias dos quais era eu a única testemunha. 


Mas... Por quê? Donde é que me vinha essa ambição do testemunho? Qual era sua origem externa? Lembro de algumas influências.  Um homem interessante que escrevia reflexões em seu diário, e que vi num filme épico - O Último Samurai. Alguns livros infanto-juvenis da coleção Vaga-Lume, por terem histórias protagonizadas por adolescentes, como O Mistério do Cinco Estrelas e A Serra dos Dois Meninos. Os quadrinhos do Homem Aranha, onde eram mostrados os pensamentos, a voz interior do personagem. E o evento decisivo; que foi ler, na casa de um bom amigo, um trecho de seu diário (na verdade uma agenda), mostrado por ele com a casualidade de quem mostra um novo relógio ou uma fita de video-game. Esse amigo chamava-se Tiago e foi também ele quem me  apresentou a estética e o Rock do Guns N' Roses, além de outras referências culturais que, em meu meio neopentecostal, eu não tinha acesso. 


Foi pela soma dessas primeiras influências que pesou sobre mim uma intuição histórica: a necessidade de registrar e recordar. Registrar para recordar. Reflexões e memórias anotadas, lidas e relidas, eis a matéria prima da consciência. Eis o motivo pelo qual sei hoje sobre mim o que não vejo os outros saberem sobre si mesmos.  Com o tempo, Tiago abandonou seu diário. Eu continuei o meu. Continuo ainda hoje, e, até morrer, ou ser impedido, continuarei.


Feita essa retrospectiva, eu já consigo distinguir, com mais clareza, algumas causas do meu escrever. É certo que havia em mim tanto a sensibilidade quanto a vocação do memorialista. Sendo esse o gênero no qual, até hoje, a maior parte da minha literatura foi escrita. Gênero eminentemente doméstico, privado, familiar, e que só se torna célebre quando é também célebre o seu autor. 


No curso da vida o meu conhecimento literário foi crescendo e eu passei a apreciar, e as vezes cortejar, outros gêneros. O artigo, a crônica, o prefácio, o manual, o manifesto, o ensaio, o conto, a novela, o romance, a confissão, a análise crítica, o obituário, a poesia, a resenha crítica, o texto filosófico, a carta, o e-mail literário, o texto humorístico, a sátira, a polêmica, a retórica, a elaboração fina e sarcástica em redes sociais, o diálogo, as respostas em sites de perguntas, os relatos de internet, os bilhetes suicidas, a trollagem; as confissões, piadas, reflexões e relatos emocionados dos comentários dos vídeos de músicas antigas no Youtube; os roteiros de cinema e quadrinhos, as notas soltas; e, finalmente, o texto de blog, que é o mais contemporâneo, o mais completo, o que comporta todos os outros, mas o que em status é talvez o menor gênero, o menos prestigiado, sendo a um só tempo o mais acessível e o mais inacessível de todos.


Direi que esses gêneros, por mais diversos que pareçam entre si,  pertencem todos  a um mesmo grupo, um macrogênero que chamo de "o vasto conjunto das ideias interessantes que podem ser  transmitidas textualmente com beleza e charme". E como escrevinhador eu entendo que, por aqui, é nesse macrogênero que devo atuar.


O que quero aqui, no blog, é clarear as ideias, desenvolver e registrar os meus raciocínios sobre os meus temas de interesse. Não, não é verdade, eu quero mais. Preciso pôr aqui o meu pensamento primário, e depois, relendo-o, revisá-lo e apará-lo. Devo plantar aqui reflexões como quem planta arbustos e depois, carinhoso, faz a poda. É isso. Quero aqui não só os primeiros pensamentos, mas as revisões e reanálises. Quero, em suma, fazer da minha selva mental um belo jardim frutífero, único e singular, extirpando sempre as ervas daninhas. Quero dizer o que só eu posso dizer, numa minha linguagem própria e precisa; bela, porque simples.


É com essa pretensão que escrevo neste blog, e não com outra. Se algum bem eu posso fazer aqui, este bem é, primeiramente, em prol do meu pensamento e do meu progresso enquanto escritor. Lutar pelo encontro da própria voz, lutar pela descoberta dos próprios valores e conhecimentos fundamentais, e lutar pela  melhor expressão das próprias ideias. São essas as três grandes batalhas do escritor.


Devo pensar neste blog como o espaço público, embora discreto, de uma minha Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário. Entidade essa que é a soma dos meus esforços, públicos e privados, nesse âmbito. Nela treino e fortaleço meus músculos da mente, do raciocínio e do estilo para avançar nas batalhas que o mundo literário e intelectual me impõe.

22/02/23

Notinha #8: Filosofia e Tatuagens

Existe na Filosofia um conceito altamente sofisticado e preciso que descreve gente com cabelo colorido e tatuagens por todo o corpo. Chama-se: Abominação Estética.

Como digno representante da geração 90, preciso deixar claro: tatuagem só presta em maoris, putas, bandido mal encarado, mafiosos, policial matador e endemoninhados da Igreja Universal. E cabelo colorido só diverte quando em foliões no Carnaval e em eventos cospley. Só.

Enquanto as novas gerações não respeitarem esses limites sociológicos teremos o fenômeno do hipster nerdola tatuado e da gatinha em idade reprodutiva fazendo cospley fora de época.

Atentai-vos a esta dolorosa (mas verdadeira) lição, que trago com autoridade e sabedoria. Acatai sem reclamar. Apliquem e verão surgir em suas vidas uma nova aura de dignidade, respeito e autoestima.

19/10/22

As pessoas estão ocupadas demais para a Filosofia?

 

Não. A maioria das pessoas trata as questões filosóficas de forma leviana porque vivem num nível meramente biológico: não aprenderam nem sequer a pensar. Muitos passam a vida inteira sem ascender ao nível intelectual (abstrato). E mesmo os que atingem esse segundo nível, muitas vezes não chegam ao nível espiritual. A Filosofia, mãe de todas as ciências, encontra-se entre o segundo e o terceiro nível.

Assim como ninguém nasce sabendo tocar piano, ninguém nasce sabendo pensar de forma profunda. É preciso ser educado para isso. Se não houver ninguém para educar, será preciso se autoeducar por meio dos livros.

A educação filosófica leva tempo, demanda muito esforço mental, provoca frustração, decepção, angústia, insegurança e, muitas vezes, desestabiliza a personalidade. Raramente o estudo da Filosofia leva alguém a ser alegre e a viver melhor. Pelo contrário, boa parte, se já não era, chega mesmo a ficar depressivo ou antissocial.

O homem comum, em geral, tem asco e desconfiança do intelectual, do literato, do livresco. Ele confia mais nas palavras do pastor do que nas do acadêmico.

Sem contar que o objetivo maior na vida, para muita gente, consiste basicamente em "se divertir". A ignorância da maioria das pessoas é totalmente voluntária. As forças sociais opressoras só precisam de um pequeno esforço para incentivar as massas a continuar assim. A política do pão e circo é basicamente a mesma coisa desde a Roma dos gladiadores.

                                                                      ***

Tive, quando era jovem e nada sabia dessas verdades, uma conversa com um notável exemplar da mentalidade abjeta que move grande parte de nossa juventude:

[…Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente.

Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa…].

Como eu disse antes, vivem num nível meramente biológico. O ser humano é um animal racional? Alguns são, mas certamente não a maioria.

[Tirinha tosquíssima na forma, porém hiper realista no conteúdo, do genial Bruno Maron do Dinâmica de Bruto ]

                                                                     ***

É tolice pensar que todo mundo deveria aprender Filosofia ou que todo mundo deveria se importar com Filosofia. Sempre há quem vá preferir não pensar.

Filosofia não é para qualquer um. Nada há de mais aristocrático e elitista que o conhecimento e a sabedoria.

                                                                     ***


Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora.

10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


                                                 ***

Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora

13/07/22

Filosofia: Ruim Com Ela, Pior Sem Ela


O pensador, de Auguste Rodin


Um dos Loops Filosóficos mais divertidos é a ideia de que a Filosofia é inescapável. Começa-se pela alegação de que a Filosofia é *inútil, sem valor e desnecessária*. Depois percebe-se que para convencer alguém de que a Filosofia é *inútil, sem valor e desnecessária* será preciso argumentar. Acontece que argumentar já é fazer filosofia: quem argumenta acredita (ou parece acreditar) que essa prática tem valor ou é necessária, caso contrário não argumentaria.

Logo, como podemos notar, para contrapor a Filosofia é preciso filosofar sobre a Filosofia. Disso concluí-se que o anti-filósofo é também um filósofo (um mau filosofo, eu diria) mesmo que não saiba e que não admita. A Filosofia seria, assim, uma espécie de “mal” inescapável, uma demanda do intelecto tal como o oxigênio é do organismo.

“Homens práticos, que acreditam estar imunes a qualquer influência intelectual, são em geral escravos de algum economista  falecido.”

John Maynard Keynes (economista)

Se pensarmos nessa frase de Lord Keynes, veremos que ela também se aplica aos filósofos. (Vale lembrar que a própria Economia foi criada por filósofos, como Adam Smith). De fato a maioria das pessoas são escravas de algum filósofo morto, elas apenas não se dão conta. Aquelas que pretendem fugir da Filosofia, ao tomarem essa postura, demonstram apenas que são maus filósofos, pouco amigos da sabedoria.

Infelizmente as coisas são de tal modo que não há escapatória: ou você pensa ou estará fadado a ser escravo mental de alguém que pensou mais que você.

21/03/22

Afinal de contas, o que é a Matrix?


Quer mesmo saber?

Então deixe-me te mostrar até onde vai a toca do coelho, pequeno neoPreparado? Vamos lá:

Sobre o Filme:

Basicamente, a “matrix”, segundo o contexto da trilogia cinematográfica dos irmãos wachowski, é o termo usado para descrever uma realidade virtual produzida por formas de inteligência artificial (A.I )que se rebelaram contra os seres humanos no passado, numa guerra onde as máquinas venceram.

Desde então, as máquinas vem utilizando os seres humanos como fonte de energia. Ao mesmo tempo, para que os humanos não tomem consciência disso, as máquinas criaram um meio de controlar a mente humana, criando um mundo virtual, ilusório, uma prisão mental a matrix—, mas que a maioria dos humanos aceitam como real.

09/02/22

Argumentos são discutíveis, opiniões não...



Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verdade, me constrangem um bocado; pois, vindas de pessoas inteligentes, só fazem reiterar minhas suspeitas quanto a eficácia da (des)educação tupiniquim.

 Falo da liberdade que as pessoas se dão para, com insistência, defenderem ideias a respeito de assuntos sobre os quais estão completamente desinformadas ou, na maioria dos casos, possuem apenas informações aleatórias, jornalísticas, toscas, oriundas do senso comum e de páginas de curiosidades da internet.

Tal fenômeno pode ser constatado em conversas corriqueiras sobre qualquer assunto. Se considerarmos tais opiniões quando inseridas em conversas informais e descompromissadas, não há do que se queixar. O problema é que as gentes costumam confundir conversa com debate e opinião com argumento. Erro muito comum, mas também muito danoso. O que chamamos de opinião, por si só, é incapaz de sustentar um debate saudável.

O termo “debate” se refere a um tipo específico de interação onde duas ou mais pessoas travam julgamentos diversos a cerca de um assunto, usando, para a avaliação desses juízos, um ou mais critérios — lógica, conhecimento técnico, conhecimento científico, argumentação crítica, conhecimento filosófico, uma mistura de saberes ou qualquer outra área do conhecimento — sempre de forma lógica, racionalizada, analítica e argumentativa.

Em outras palavras, é preciso ter uma quantidade mínima de informações e argumentos para defender uma ideia num debate.

Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.

Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.

É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.

É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.

A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.

Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.

Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.

Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos. 

O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.

Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.

De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.

02/02/22

Não Caia na Falácia da Igualdade

diversidade

Existe, no mercado de crenças contemporâneo, a ideia extremamente emburrecedora (muito vendida e muito comprada) de que somos todos iguais. Ela é tão alardeada, propagandeada e massificada que aposto que você, amigo leitor, já se deparou com alguma versão.

Se você é um dos inocentes que comprou essa ideia, estou aqui pra te avisar que fez péssimo negócio: você caiu numa vigarice intelectual. Sim, meu amigo, é triste dizer, mas você foi feito de otário. 

Calma, não fique bravo comigo: meu papel aqui é te alertar, e não posso fazer isso sem ser claro, sem ser realista e sem dizer as coisas tais como elas são. Por favor, caro leitor, não seja tão vaidoso a ponto de só aceitar a verdade quando ela vem recheada de eufemismos ou quando ela só favorece o que você acredita. 

Compreendo que isso pode ser difícil numa era em que o politicamente correto ameaça dominar a linguagem, mas garanto que ser autocrítico e realista lhe trará maturidade. Honrado e nobre é o ser humano que, ao identificar um tirano filho da puta, alerta seus companheiros declarando alto e em bom som: “Eis aqui um tirano filho da puta”. Por outro lado, vil e imperdoável deve ser aquele que mascara a linguagem para transformar assassinos em santos. 

Dito isso, podemos voltar ao tema central.

Já vou explicar o por que você foi enganado. Mas, para isso, lhe darei algumas pequenas tarefas. Nada que doa, eu prometo. Só preciso que você reflita um pouquinho.

Pense por alguns minutos na pessoa mais inteligente que você já conheceu. Pensou? Ok, muito bem. Agora pense na mais burra, na mais ignorante, na mais tola. Notou alguma diferença fundamental?

Pense agora, por alguns minutos, na Madre Tereza de Calcutá. Pense em Chico Xavier, em Jesus Cristo, em Mahatma Gandhi, em Martin Luther King ou simplesmente na pessoa mais sábia que você já conheceu. Agora pense em Hitler, em Charles Manson, em Calígula, no Maníaco do Parque ou simplesmente na pessoa mais cruel e depravada que você já conheceu. Percebeu alguma diferença?

Sem dúvidas, todas essas pessoas tinham algo em comum. Todas elas tinham uma estrutura biológica similar, a estrutura biológica dos humanos. Isso só significa, contudo, que elas tinham coisas em comum, não significa que eram iguais. Ao pensar nelas e compará-las, você provavelmente percebeu que elas não eram psicologicamente iguais. Em outras palavras, você percebeu que elas não pensavam e não agiam da mesma forma. 

Os seres humanos, quando comparados, possuem coisas em comum e também discrepâncias. É justamente por conta das discrepâncias, características individuais, exclusivas, que as pessoas não podem são exatamente iguais. O que torna cada ser humano único é o fato de que ninguém possui as mesmas particularidades. É aquela coisa de existir características em você que só existem em você. Aquela coisa da sua digital ser única: a isso chamamos individualidade 

Note que é crucial aqui entender o significado da palavra “igual”. Um ente “igual” a outro é um ente cuja constituição total é a mesma que a de outro ente. Agua é igual a H20. Cachorro é igual a Cão. Na boa e velha linguagem da lógica, o princípio da igualdade é formulado como A=A.

 Ocorre que seres humanos são constituídos por elementos comuns, como a estrutura fisiológica, mas também por elementos individuais, exclusivos, como a constituição psicológica de cada um. Ou seja: seres humanos não possuem exatamente a mesma constituição total. É por isso que eu sou eu, você é você e ele é ele. Se fossemos literalmente iguais, esses pronomes nem fariam sentido.Resumindo: temos coisas em comum, mas como temos características exclusivas, não somos iguais.

Acreditar que somos iguais é, portanto, negar a realidade. E a consequência dessa negação é muito perigosa, pois não estabelece a devida distinção. Tal negação coloca os maus no mesmo nível em que os bons, os virtuosos no mesmo nível em que os depravados, os honestos no mesmo nível em que os mentirosos. Tal negação equivale a não diferenciar um tigre de um gatinho.

 Equivale a dizer que Hitler e Jesus eram iguais. Pior: equivale a dizer que você é essencialmente igual ao que foi Hitler. Dizer que todo mundo é igual favorece os piores membros da espécie e praticamente anula a grandeza e o esforço dos melhores.

Por isso, não caia mais nessa, meu amigo.

 Aprenda a diferenciar as coisas — e os homens — segundo suas qualidades e atributos. Afinal, é para isso que serve sua inteligência.

25/01/22

A Morte do Guru



Morreu o véio lôco. Pela erudição e erística, era interessante como ensaísta heterodoxo. Ao reviver o anticomunismo mais caricato e tacanho, digno de um Carlos Lacerda, o Guru da Virgínia fez mal danado ao jornalismo político brasileiro. Sionista declarado, Olavo chegou a dizer que muitos judeus ricos estavam envolvidos com Nova Ordem Mundial, e denunciou o infame George Soros, o que surpreende.
Certa vez, foi condescendente com o Integralismo, dizendo que ter pertencido ao movimento não macula o passado de ninguém, opinião que lhe rendeu a ridícula acusação de antissemitismo, feita pelo ridículo Intercept.
Em artigo para o seu excelente blog Matemática e Sociedade, o físico Adonai Sant'Anna, comentando uma entrevista antiga do ensaísta, escreveu que Olavo conseguia misturar uma descrição precisa e inteligente da situação educacional brasileira com opiniões problemáticas e nonsense.
De gênio desequilibrado à doido varrido, de místico iluminado à agente da CIA, as opiniões sobre Olavo são tantas e tão diversas que só confirmam a complexidade do sujeito. Erudito de personalidade cativante e belicosa, tido por alguns como líder de seita, Olavo foi uma espécie de Chacrinha intelectual da Nova Direita: comandou um programa bizarro que influenciou grandes setores da cultura brasileira.
Essencialmente um anarquista místico que se fez conservador, Olavo formou-se na tradição intelectual do entre guerras - que incluia pensadores como Arthur Koestler, Curzio Malaparte, Rene Guenon e Aldous Huxley (foi provavelmente à partir de Huxley que chegou em Guenon) - e na escola do Realismo Fantástico dos franceses Jacques Berguier e Louis Pauwels, veiculado pela famosa revista Planète.
Revista que, aliás, teve uma versão nacional - "Planeta" - para a qual Olavo, ao lado de Paulo Coelho, chegou a colaborar. Tenho a edição que uma ex-amiga furtou da Biblioteca da UnB para me presentear- sabia ela que eu era fã da revista e leitor de Olavo -, nessa edição há artigo do ex-astrólogo sobre Cristianismo Esotérico, onde ele faz seus primeiros comentários públicos da obra de René Guenon e, de passagem, menciona que os conhecimentos de Dante Alighieri sobre alquimia árabe foram expressos na Divina Comédia.
Sempre atraído pelo bizarro e pelo heterodoxo, ao longo dos anos recorri à erudição arcana de Olavo e me vi seduzido por seu carisma galhofeiro e depravado. Mas não tardei a ver - certamente com a ajuda de amigos, como o Marlos Salustiano e o Hugo Motta - que a influência do homem era nefasta.
Uma vez, em casa de amigos hipsters, feministos e desconstruídos, citei o nome maldito. Os presentes emudeceram, o ar tornou-se aspero, o chão tremeu, nuvens negras subiram aos ceus, faltou o teto cair: e então, para minha surpresa e espanto, os presentes me olharam como se eu acabasse de confessar o estupro de minha genitora.
Noutra ocasião, na Baratos da Ribeiro (o tradicional sebo alternativo do Rio de Janeiro), em roda de intelectuais mesmo sem ser um deles, descobri que o Maurício Gouveia, o icônico dono da loja, também havia lido e criticado os livros do guru. Conversamos a respeito das reações exageradas à obra do Olavo, e os méritos e deméritos da mesma. Logo alguns presentes na roda fizeram aquela carinha de nojo. "Ah, não. Olavo não!" alguém bradou.
É sempre assim, o que talvez seja compreensível. Todas as opiniões sobre Olavo têm algum mérito, porque o homem era tudo isso ao mesmo tempo. Não era um todo coerente. Era uma dessas misturas impossíveis que só o Brasil é capaz de fabricar.
Com a morte de Olavo e o favoritismo de Lula na disputa eleitoral deste ano a Nova Direita perde força. O Olavismo era um de seus pilares. Resistirá o Olavismo sem Olavo de Carvalho? Em carisma e erudição, não há nenhum discípulo que se equipare ao mestre. O que tem mais chances é Ítalo Marsili, mas este peca pela arrogância, sempre ostentando seu vínculo a uma família de passado aristocrático, seu público é menor e em grande parte vinha pelo Olavo. Quanto aos filhos do guru, o mais inteligente é Luiz Gonzaga de Carvalho Neto (o "Gugu"), mas este é bem menos político e mais esotérico; e é muçulmano, não católico.
De minha parte, creio que o Olavismo não morrerá com Olavo. O que é vil e equívoco tende a perdurar entre os homens. O mais provavel é que continuaremos ouvindo as ideias estranhas de Olavo, mas através de outras faces e vozes. O exército de papagaios olavetes fará a única coisa que sabe fazer: repetirá Olavo. Mas sem o charme e o estranho carisma do mestre.
Para o bem ou para o mal, Olavo deixa este mundo para entrar na História. Foi o homem que ajudou a enlouquecer um Brasil que já não era muito são. Ajudou a eleger o demente retardado que usurpa a faixa presidencial e presta continência à bandeira estadunidense.
Olavo de Carvalho foi um homem carismático, inteligente, manipulador e perigoso. Que sua morte inaugure uma era de decreptude aos movimentos que ele ajudou a alimentar.

12/01/22

Estoicismo e Política

 

Busco de Marco Aurélio, o Imperador Estóico

Se há um juízo que considero verdadeiro é a noção de que, neste mundo em que vivemos, TODAS as coisas boas - o amor, a amizade, a lei, a honra, a honestidade, a justiça, a moral, etc - são extremamente frágeis e demandam de nós um esforço colossal para serem mantidas sem perderem a essência.

A lei da tendência à entropia parece não se aplicar apenas a  sistemas físicos, mas também à realidade ontológica das relações e construções humanas: tudo que é bom é fácil de ser perdido, roubado, arruinado. O  mal, por sua vez, nos é dado naturalmente - não é a barbárie o estado natural do "sapiens-sapiens"?
 
É aí que reside, penso, a grande força do pensamento conservador. A ideia de pecado, de tendência natural ao erro, de desconfiança da capacidade humana, torna-se um complemento essencial ao liberalismo iluminista. Pode-se dizer que o conservador será sempre mais realista que o liberal, enquanto o liberal será sempre mais realista que o socialista.

Diante das loucuras e incongruências humanas o socialista irá se deprimir e propor 'um outro socialismo' e 'um outro homem', o liberal vacilará em sua crença no progresso e na ciência, já o conservador, estóico, se limitará a dizer o seu ponderado  "eu avisei".



***


Nota do editor: o comentário acima  foi escrito em 2015 e originalmente publicado no Faceboook.

30/04/21

Em Defesa do Charlatão — ou: porque Olavo de Carvalho é um mal necessário

 

Em artigo originalmente publicado na (ótima) revista Café Colombo, Joel Pinheiro da Fonseca — mestre em Filosofia, baluarte do EPL e integrante do Partido Novo— ataca com unhas, dentes e argumentos um antigo conhecido e colaborador. O atacado é ninguém menos que Olavo de Carvalho, o famoso Guru da Virgínia.

O senhor Pinheiro, que vem conquistando um público cada vez maior, é figurinha carimbada nos meios liberais. Eu mesmo já fui fã de seu trabalho e devo a ele, entre outros, a possibilidade de, anos atrás, ler in portuguese divergências inteligentes e racionais às falácias histéricas do Guru e de seus asseclas. Coisa que se deu no finado Ad-Hominem, blog do qual Joel fez parte e onde travou duelos intelectuais com seus amigos olavettes. Onde vislumbrei pela primeira vez na internet uma esgrima intelectual jovem, madura e inteligente, sem os vícios, xingamentos e aberrações que tanto vi em outras páginas de esquerda e direita.

Contudo, apesar de minha simpatia para com Pinheiro, farei aqui, dentro das minhas limitações (que são muitas), um esforço em apresentar um sincero ponto de vista divergente do exposto em seu artigo. Tentarei apresentar um ponto de vista que, ao mesmo tempo em que reconhece certo charlatanismo em Olavo, reconhece também os aspectos positivos dele.

Em principio, estou completamente de acordo com a crítica que Joel traça ao ego acachapante, ao aspecto sectário e à afetação de sabedoria mística tão evidentes em Olavo. Como o mestre em filosofia argumenta, para aqueles que estão familiarizados com o modus operandi do Guru, com seu passado sufi-perenialista, com suas frequentes incongruências, com seus erros cabeludos, paranoias, acusações infundadas e absurdos teóricos, nada é mais notório que o fato de se tratar de um sofista bem preparado, empenhando em vencer e influenciar incautos à qualquer custo.

A questão que quero enfatizar, porém, é que embora Olavo possa atrair gente inteligente e racional para perto de si, acredito que ele, como qualquer guru, só é capaz de hipnotizar aquelas pessoas que já querem ser hipnotizadas.

Explico. Acho que Olavo se aproveita do sentimento de devoção religioso e da disposição de crença de centenas de jovens e fiéis católicos, notavelmente ignorantes em filosofia, mas ao mesmo tempo ansiosos para fundamentar suas expectativas religiosas e condenar a plenos pulmões tudo o que destoe de seus dogmas. Assim, Olavo põe no ar a velha ideia medieval de que a “filosofia é serva da teologia” e os fiéis sentem que aderindo ao credo católico-olavético estarão a contemplar a mais sofisticada e profunda das ciências. Aqui, vê-se que Olavo é, acima de tudo, um místico disfarçado de filósofo.

Já o Olavo político, que só é ouvido e levado a sério pelos sectarios fiéis conquistados através da erística místico-filosófica, aparece como uma bizarra síntese de Gurdgieff, Alborghetti, Joseph Mccarthy e Alex Jones. Uma cria autêntica do espírito brasileiro de compor misturas impossíveis.

Para pessoas razoáveis, é difícil levar Olavo de Carvalho a sério depois de ler o que Orlando Fedeli escreveu sobre sua “Gnose Tradicionalista”. Ou depois de saber que ele, Olavo, rejeita a Teoria da Relatividade, defendendo a terra como centro do universo. Ou, ainda, que covardemente desistiu de um debate — que já havia sido marcado — com o vlogger e Biólogo Pirulla. E fica mais difícil quando compararmos seu comportamento de vinte anos atrás ao comportamento que tem hoje. Vê-se que o homem anda cada vez mais paranoico e enfurecido, vendo em todo lugar “agentes não pagos” do KGB.

Por isso, penso, Olavo só é levado a sério por gente desinformada ou fiéis que seriam capazes de levar a sério qualquer irracionalismo, qualquer guru, uma vez que a cosmovisão religiosa é pautada por uma necessidade de crença no absoluto e não pela necessidade de investigação sobre a natureza última da realidade, como é requisito da busca filosófica.

Entretanto, para nós outros — não olavettes em geral — , Olavo aparece como uma figura ímpar que merece ser lida e analisada, que merece ser discutida por quem pode evidenciar com racionalidade e seriedade suas paranoias e equívocos, justamente para desmascará-los. Falo aqui de conhecedores da obra de Olavo que hoje se opõe a ele, como Francisco Razzo, Jorge Velasco, Caio Rossi e o próprio Joel.

Apesar disso, é importante lembrar que não é em tudo que o guru se equivoca. Ouso dizer que há coisas boas na obra olavética. Sem dúvidas, a melhor delas é a diversidade de referências bibliográficas e intelectuais (“a bibliografia arcana” como chamou um amigo). Eu mesmo, por exemplo, conheci o excelente Antônio Paim lendo artigos do Olavo. E sei que muita gente só atentou para autores como Vilém Flusser, J.G. Merquior, Meira Penna, Alan Sokal, Otto Maria Carpeaux, Roger Scruton, Mario Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva depois de ler artigos dele ou de seguidores. Neste caso, ao menos devemos reconhecer que Olavo é eficiente em indicar autores notáveis. Ao menos como propagandista de intelectuais de peso ele presta.

Em segundo plano, como temas relevantes na obra de Olavo, pode-se citar as explanações sobre importância da Filosofia e Educação Clássica; validade de sistemas de ensino como Trivium e Quadrivium; discussões metodológicas sobre o filosofar; discussões sobre a argumentação, a erística e a lógica simbólica; assim como sobre a questão da importância da biografia de determinado filósofo no que se refere ao entendimento de sua filosofia. Tudo isso aparece na obra do guru, as vezes em forma de duelo com intelectuais divergentes. A rigor, tais conteúdos me parecem questões pertinentes e que devem ser discutidas.

Quando o assunto é Olavo, há que se falar também da questão do desenvolvimento intelectual dos indivíduos, coisa que se dá através do fundamental encontro com o erro. Eu mesmo já fui olavette e — quão difícil é confessar! — já andei a ruminar contra o Foro de São Paulo.

Sei que Joel e tantos outros já passaram por essa fase também. E suspeito que se voltarmos um pouco mais no tempo, veremos que provavelmente já fomos também mais inocentes às ideias de esquerda e às armadilhas da vida intelectual como um todo. Agora, um pouco mais preparados, podemos constatar que evoluímos e fomos desenvolvendo, aprimorando, nossa capacidade de juízo. Ora, tal progresso seria completamente impossível se não tivéssemos errado, não é mesmo? Afinal, que é o progresso senão a superação dos erros? Olavo é, creio, um dos erros mais importantes pelos quais devemos passar.

Costumo dizer ao meu irmão que há três passos para se iniciar na vida filosófica e intelectual: O primeiro é refutar o relativismo; o segundo é refutar o marxismo; e o terceiro é refutar o olavismo. Certamente que é uma piada, mas não deixa de ser séria. Creio mesmo que é preciso dialetizar, absorver o que há de bom e depois derrotar a erística olavética. Insisto que para o real investigador do mundo não há outra alternativa: é preciso investigar toda filosofia — ou filodoxia — que reivindique o status de verdade última. 

Puxando sardinha para o meu lado, faço notar que outro tema importante na obra de Olavo é o estímulo ao autodidatismo, aspecto educacional e cognitivo praticamente ignorado no sistema de ensino oficial. Jamais conheci um intelectual de língua portuguesa que desse tanta ênfase à curiosidade intelectual autônoma e espontânea e ao mesmo tempo fosse tão acessível quanto Olavo, e digo isso como um interessado em autodidatismo.

Não que não haja grandes defensores da pedagogia libertária entre os intelectuais brasileiros. Ainda reluzem os nomes de Jaime Cubero e Maurício Tragtenberg entre os expoentes do assunto. Mas, verdade seja dita, nenhum deles possui a mesma acessibilidade que a obra de Olavo.

Vejamos, por exemplo, o meu triste caso. Sou um sujeito pobre, e livro no Brasil é um troço bastante caro. Bibliotecas públicas, para quem mora no interior, são sempre distantes e extremamente precárias. Se desejo me educar, me informar, e então passo a ter contato com a obra de um sujeito preocupado justamente em não se prender a ideia de que educação é algo externo, feita num lugar específico e validada por carimbos oficiais; sendo ainda um sujeito culto e com variadas referências bibliográficas, é óbvio que ele terá papel importante em incentivar minha vida intelectual.

Precisamente o mesmo incentivo que me levou a instruir-me sobre posições outras e chegar até intelectuais como Joel Pinheiro ou mesmo o heterodoxo e interessantíssimo Uriel Irigaray. Nesse aspecto, Olavo está muito a frente dos intelectuais da academia que falam para pessoas que desejam carimbos e ignoram por completo as que estão ávidas por conhecimento. Afinal, porque as pessoas fora da universidade não poderiam buscar se educar e obter um bom nível cultural e humanístico? A falta quase total de consideração aos autodidatas deste país mostra que tal questão nem sequer passa pela cabeça de nossos pedagogos.

De qualquer forma, assuma ou não o Joel, a verdade é que Olavo tem lá suas qualidades, algumas das quais procurei mencionar neste texto. Além disso, Olavo também tem mérito: é o pai espiritual da Nova Direita, sendo uma figura proeminente no novo vigor que recebeu o ambiente intelectual brasileiro, principalmente na internet, particularmente nos últimos dez anos.

Sem dúvidas, é preciso falar sobre ele. Diria ainda que é preciso lê-lo e enfrentá-lo, e até mesmo expô-lo como fez o Marco Antônio Villa, como o próprio Joel está a fazer agora.

Enfim, digo com todas as letras: até que apareça um intelectual popular, realmente culto e bem mais simpático, o Guru da Virgínia será um mal necessário. E os que, como Joel, Uriel e Razzo, conseguirem passar por ele, certamente sairão fortalecidos e poderão contribuir intelectualmente, confrontado as incongruências do guru e abrindo os olhos das pessoas.