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12/10/22

Qual a razão por trás do desinteresse dos alunos?

 

Bom, vamos lá. Comecemos com um exercício mental:

Imagine que você é uma pessoa curiosa, cheia de energia, fascinada por coisas novas, com uma dose elevada de humor e vontade enorme de se divertir. Em suma: se imagine como uma criança.

Imagine agora que seus pais lhe digam que você poderá ir no maior parque de diversões multitemático do mundo e desfrutar dos melhores brinquedos, quantas vezes quiser. Mas que você precisa seguir as regras de uma autoridade: o senhor Alfredo, seu mestre-guia acompanhante.

Imagine, ao viajar para o parque com o mestre-guia, que você descobre que os dois vão precisar lidar com três problemas pricipais:

  1. Só é possível visitar os brinquedos a pé, sendo que eles ficam muito longe uns dos outros.
  2. Vocês tem apenas 5 horas para aproveitar o parque
  3. E acompanhando vocês há mais umas vinte crianças, todas elas barulhentas, cheias de energia, curiosidade, bom humor e doidas para ir a lugares do parque pelos quais você não tem o menor interesse.

Agora imagine que o senhor Alfredo já visitou o parque tantas e tantas vezes, com tantas crianças ("diabinhos barulhentos" é como ele os chama mentalmente), ao longo de tantos anos, tendo que dar sempre as mesmas respostas sobre os brinquedos, que ele não aguenta mais esse lugar- e nem as crianças. Quando começou, é verdade que ele era jovem e adorava. Mas depois de dez anos fazendo isso, sendo mal remunerado e sem os incentivos adequados, tudo que ele quer é acabar logo esta maldita tarefa e poder ir para casa assistir La Casa de Papel no Netflix.

Para você, a visita é um prazer em potencial, por tudo que ela oferece a sua imaginação e vontade de descoberta e divertimento, mas para o senhor Alfredo é uma obrigação angustiante e um tanto quanto irritante.

Agora, pior, considere que o senhor Alfredo tem um problema de saúde nas pernas, que incham e doem calorosamente quando ele anda por muito tempo.

Agora imagine que o esquema de visita acompanhada consiste em levar você e as outras crianças para uma sala mal arejada, com cores horríveis, acústica pior ainda e mostrar fotos e vídeos desbotados e antigos de como era o parque há 10 anos atrás, assim como dos brinquedos mais próximos (nenhum deles muito interessantes para você) que vocês podem visitar.

Das 5 horas disponíveis, 3 o senhor Alfredo passa com você e seus amigos barulhentos na sala mal arejada, a quarta ele gasta para aplicar uma prova sobre o que ele ensinou na sala mal arejada e a última hora ele gasta permitindo que vocês andem um pouco, jundo dele, e experimentem um brinquedo pelo qual você não tem o menor interesse.

Conseguiu imaginar?

Pois então, depois de repetir essa experiência cem vezes, como você iria se sentir em relação a ideia de visitar o parque com o mestre-guia? Se sentiria animado ou completamente traumatizado e desinteressado, já que sempre foi uma experiência tediosa, limitadora e frustrante?

Bom, essa historinha, a meu ver, é perfeita para explicar o nosso sistema de ensino e os porquês do fracasso retumbante que ele reverbera com êxito em quase todos os seus aspectos. O parque de diversões multitemático representa o conhecimento e as milhares de possibilidades incríveis que ele enseja.

Note que, por natureza, crianças são enérgicas e ficam elétricas diante de um mundo inteiro de possibilidades, coisas novas, animais, cheiros, formas, máquinas, pessoas, brincadeiras, coisas para fazer e para investigar. O mundo lhes oferece uma riqueza fabulosa onde elas mesmas podem decidir o que lhes interessa investigar.

Basta pôr uma criança num Museu, numa Biblioteca ou dar a ela um jogo, ou desafio, que você verá como ela vai, naturalmente, sendo guiada por sua curiosidade e interesse em descobrir coisas e resolver problemas. Nessas situações, vai acontecer da criança ficar tão fascinada com algo que vai imediatamente te perguntar o que é, o que significa e como funciona, aí é justamente quando a curiosidade levou à necessidade de compreensão.

Esse tipo de experiência: o prazer da dúvida, do contato com o misterioso, da descoberta, é o que move a curiosidade natural e resulta na necessidade de compreender, apreender e resolver problemas, ou seja: é a base do amor ao conhecimento. É o que move cientistas, intelectuais, investigadores, filósofos e inventores. É o que move meu autodidatismo e minha paixão em aprender coisas interessantes e resolver problemas que são importantes para mim.

E, bom, a escola mata isso. Estraçalha, na verdade.

Na escola tudo já vem pronto: o que estudar, o como estudar, o onde estudar, o quando estudar e o com quem estudar. Não existe espaço para inovação, arte e criatividade. As matérias são divididas artificialmente, como se no mundo real não houvesse conexão entre Matemática e Português ou Matemática e História, ou seja: como os brinquedos do parque, estão distantes umas das outras.

Assim, mesmo que uma criança possa ser curiosa, a má abordagem de um professor ou de um livro sobre o assunto pode parecer a ela bem menos interessante do que, por exemplo, uma visita ao zoológico ou uma interação com outro grupo de crianças, tão divertidas, curiosas e animadas quanto ela.

Tudo o que a escola requer da criança é a obediência bovina e respostas condicionadas, ou seja: conformação. Quando na verdade a função de um bom mestre deveria ser guiar a curiosidade da criança para apresentar a ela novos universos, nunca sufocar o interesse, as habilidades e gostos pessoais para lhe oferecer a mesma fórmula oferecida a todas as outras.

Como o mestre-guia da metáfora, a maioria dos professores são descontentes, doentes (alguns com sérios transtornos psicológicos), frustrados e tem um domínio quetionável sobre sua matérias, um método sofrível e uma exposição mais questionável ainda.

Ora, agora pense bem: Que tipo de criança ou adolecente vai achar emocionante e inspirador ficar trancado entre quatro paredes, copiando textos e olhando para videos e imagens antigas enquanto escuta a voz monótona de um professor frustrado? Ainda mais quando lá fora tanto as pessoas quanto as coisas parece mais vivas, mais autênticas, mais desafiadoras, mais apaixonantes e mais interessantes!

Em suma: a escola, e seu esquema padrão de ensino, é chata, desinteressante, morta, cafona e limitadora. Enquanto o mundo e os desafios não. É por isso que as crianças preferem os esportes, os jogos e qualquer expansão de contato com o mundo por meio de viajens a lugares desconhecidos.

Jamais esqueça que foi justamente nesse sistema de ensino, que é o mesmo até hoje, que Einsten ouviu de um professor que "nunca chegaria a ser alguém".

Não precisa dizer mais, precisa?

                                          

                                                                *** 

Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora em 2019. Até a presente data teve mais de 7 mil visualizações, 257 votos positivos, 23 comentários e 14 compartilhamentos. Entre os comentaristas da resposta uns concordaram e outros discordaram. Um deles, no entanto, trouxe relato que, pela força da verdade que carrega, urge compartilhar:

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05/10/22

O Mundo É Muito Interessante...

Gosto de conhecimento, tanto ao ponto de sentir prazer em obtê-lo. Essa é uma característica tão expressiva em minha personalidade que já me acusaram de "viciado em conhecimento". Descobrir algo novo, fascinante, incrível e inusitado me deixa animado, meditativo, embasbacado; me faz pensar que o mundo é mesmo um lugar muito interessante, cheio de coisas doidas, inacreditáveis. Coisas que podem tornar  nossa experiência de vida muito mais dinâmica e interessante. E quando eu digo "mundo", refiro-me a tudo mesmo: pessoas, animais, objetos, ideias, relações...


                            [ O que fazer quando uma ponte resolve dançar?]

Suspeito que todo mundo tem, ao menos algumas vezes - talvez depois de assistir um documentário do Netgeo - certo deslumbramento com as coisas estranhas e maravilhosas do mundo. Mas, infelizmente, acontece que com o tempo as pessoas se esquecem e param de pensar nas coisas incríveis e misteriosas. Limitam-se ao cotidiano mais imediato, à vidinha suburbana e suas necessidades mequetrefes.

A experiência de estar no mundo e observá-lo é muito mais intensa e impressionante  quando somos mais jovens, e parece diminuir  de intensidade enquanto crescemos. Raramente um homem adulto olha para um cachorro do modo como ele olhou pela primeira vez, ou do modo como as crianças os olham. Raramente um adulto sente o mesmo que uma criança quando vai ao zoológico. Mas por quê? O que torna os adultos menos impressionáveis com as coisas do mundo?

[A mula certamente era lenda, mas frango sem cabeça existiu. E pelo que consta, sobreviveu por mais de um ano.]

Uma forma de explicar esse fenômeno - a apatia dos adultos - é por meio de uma teoria econômica chamada de Lei da Utilidade Marginal. Ela diz, mais ou menos, que quanto mais usamos um bem (ou quanto maior a quantidade dele), mais decresce o valor de utilidade subjetiva desse bem.  Não entendeu? Calma. O melhor jeito de entender é pensar no consumo da água. Se estivermos com muita sede, o primeiro copo de água que tomarmos terá, para nós, um alto valor de saciação. (Quanto mais sede, mais nos alegrará um copo de água). Contudo, nossa satisfação será menor no segundo e provavelmente sumirá no terceiro copo. Se continuarmos, embora já com pouquíssima sede, indo pro quarto e para o quinto copos, não ficaremos tão intensamente  satisfeitos quanto ficamos com o primeiro copo, pois já estaremos saturados. No jargão econômico isso significa que o "valor  de utilidade" subjetiva  do bem - no caso, a água - diminuiu com o consumo.

[E a teoria científica de que alguns dos nossos antepassados eram..macacos aquáticos?! ]

Resumindo, a ideia é que o valor que damos a um bem está, de algum modo, relacionado com a nossa exposição e consumo desse bem. Quando não temos um objeto, ou o temos em pouca quantidade, mais valoroso ele é. Quanto mais o temos, menos valoroso ele nos parece. Isso explica o chamado Paradoxo da Água e do Diamante, que é o fato da água ser objetivamente mais útil que um diamante, mas ser estranhamente muito mais barata que o mesmo. A explicação é que  o diamante é mais caro porque é mais raro, o que aumenta o seu valor subjetivo.


[Vão dizer que é loucura, mas... há indícios de que os fenícios vieram ao Brasil. Será?]

Se pensarmos no mundo como uma fonte de bens do quais dispomos, e daí aplicarmos a lei da utilidade marginal, ficará claro que nossa experiência com o mundo perde valor quando nos limitamos a consumir os mesmos bens, ou quando temos apenas o mesmo circuito de experiências. Um adulto, por exemplo, já teve muito mais experiências de interação com um cachorro que uma criança. Ficamos deslumbrados com as coisas quando elas são raras, quando são novidades,quando fogem do que já conhecemos.


                     [Sabia que em nosso planeta existem lagos cor de rosa?]

Sabendo disso, é preciso lembrar que o nosso planeta é enorme e está repleto de coisas  e experiências que desconhecemos, de bens ( mentais ou físicos) que não temos e que podemos obter ou conhecer, direta ou indiretamente. O fato da nossa inteligência ser limitada faz com que o conhecimento seja sempre escasso. Não importa o quanto você saiba, sempre haverão perguntas, sempre haverão mistérios. Não é preciso reduzir o mundo a nossa experiência mais imediata, ao que já conhecemos. Esse comportamento denota mediocridade, rigidez cognitiva e é terrivelmente limitador. A pior das prisões é a prisão mental, especialmente quando é reducionista.

             [O mestre kame existiu. E isso é algo realmente impressionante.]


Do que foi dito até  agora é possível concluir que a curiosidade é uma aliada imprescindível  dos que querem enriquecer suas mentes e ter uma visão mais ampla do mundo. A pessoa curiosa, com espírito inquieto e investigativo, sempre está descobrindo algo fantástico, curioso e muita vezes incrivelmente útil. Quem é curioso e imaginativo nãose limita a pensar apenas no mundo imediatamente acessível, porque sabe que existe um universo de possibilidades inexploradas das quais ela pode conhecer e dispor.
          
[Se você achou o lago rosa curioso é porque ainda não ouviu falar do tigre azul.]

Portanto se você já estava acostumado com o mundo, espero ter ajudado a mudar isso. Há muito pra se conhecer, para deslumbrar e maravilhar-se. A vida é, como dizem por aí, uma caixinha de surpresas. O mundo também. Mas para descobrir suas surpresas é preciso procurar. E a internet está aí pra isso.

Há milhares de coisas incríveis por aí. Algumas delas muito mais surpreendentes que as que eu mencionei aqui. Se for corajoso, poste uma nos comentários para que eu possa me maravilhar com ela também. E trate de lembrar que nosso mundo é mesmo um lugar muito interessante.



 [Ah, eu não poderia terminar sem dizer que existe uma agua viva que é imortal.]

17/08/22

Lima Barreto: Sangue Nobre e Esquecido


 [Manuel Feliciano Pereira de Carvalho]      [Lima Barreto]

                              

Mulata livre, filha de escrava alforriada, a mãe de Lima Barreto - Amália Augusta - era originária da família Pereira de Carvalho. Segundo boatos, filha (bastarda) de algum dos varões da família.

Quem eram esses tais Pereira de Carvalho? Tratava-se, na verdade, duma importante e tradicional família carioca. Destacava-se o patricarca: o renomado cirurgião Manuel Feliciano Pereira de Carvalho. De ascendência portuguesa, Manuel Feliciano presidiu a Academia Imperial de Medicina e foi professor do médico espírita Bezerra de Menezes. Era tido como justo, caridoso e solícito; conhecido por seu tratamento humanista aos negros e mulatos. Os Pereira de Carvalho muito apoio concederam ao pai de Lima Barreto, o culto e jovem tipógrafo João Henriques. (Tanto apoio que foi da casa deles que veio a sua esposa, Amália).

Então, vejam, meus caros: de tal modo são as coisas neste mundo que, para nossa surpresa, o famoso escritor Lima Barreto, a quem conhecemos por anarquista, humilde e desafortunado, muito provavelmente tinha em suas veias o sangue da alta burguesia carioca - embora por vias bastardas.

A comparação entre suas feições e a de seu possível bisavô, Manuel Feliciano, é bastante sugestiva.

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