Estava ouvindo Laguna Sunrise e de repente me pareceu muito errado não escrever a respeito. Eu, quando era jovem e queria explorar o básico do gênero Heavy Metal (que alguns consideravam "satânico"), fiquei surpreso ao descobrir a bela melodia:
Até então eu jamais imaginara que uma banda como o Black Sabbath, conhecida por sua atuação agourenta, fosse capaz de produzir uma baladinha instrumental tão agradável e harmônica. Tive a certeza que se colocasse minha mãe crente para ouvir, dizendo que era uma música instrumental gospel, ela acreditaria. E foi exatamente o que fiz.
Antes que você me julgue um inveterado mitomaníaco corruptor de inocentes mães crentes, explico que era uma gambiarra moral necessária. Lá em casa não entrava "música do mundo". Era uma restrição da minha mãe que meu pai aceitava (e eu detestava). Então ou eu ficava apenas com música "gospel" ou mentia para poder ouvir outras músicas. Apelei para a santa ignorância dos meus pais: passei a mentir o gênero das bandas e cantores.
O resultado foi épico: os meus pais não só ouviam, mas cantavam e se deliciavam com as boas canções que eu descobria nas minhas explorações na internet. Entre elas, Laguna Sunrise.
Curioso pensar nisto agora, mas a minha mãezinha morreu sem saber que, durante alguns anos, foi ouvinte e apreciadora da obra de uma banda que, no olhar dos crentes, alegra o Satanás. Caso eu tivesse revelado, ela faria uma careta de desaprovação; e, no entanto, por ser patologicamente indulgente com os filhos, me perdoaria.
Não sei de qual álbum é Laguna Sunrise e não sei se ela representa alguma variação temporária no estilo do Black Sabbath ou nos interesses musicais dos membros à época. Só sei que no mesmo período eu descobri Changes, também do Black Sabbath, canção esta que é, com certeza, um dos pequenos dramas musicais mais famosos da história do Rock.
Desde então as duas canções me acompanham. A primeira geralmente em momentos noturnos, de reflexão e leitura. A segunda quando fico nostálgico ou passo por grande mudança. Como durante esta minha vida eu morei em uns cinco estados deste país, e também em variados lugares dentro do mesmo estado, Changes era uma canção que não podia faltar.
Certo dia na casa nova, pela noite, olhando os livros e demais objetos empacotados, pensava nos amigos e amores que perderia pela falta de contato; pensava na vida nova, na cidade nova, nas novas perspectivas, e ouvia Changes, solitário, as vezes entorpecido...
Ouvi tanto que enjoei. Hoje em dia só as escuto em momentos especiais, e geralmente covers.
Este aqui, de Laguna Sunrise, é muito bom. (Eu, particularmente, prefiro assim - só no violão).
E este, de Changes, que coisa impressionante:
Alerto que a conexão emocional profunda com uma música específica é - perdoem-me a vulgaridade do termo - uma merda. Basta a música tocar e você é logo coberto de memórias-não-solicitadas-porém-inevitáveis (se for homem frouxo, pode até chorar).
Eu, confesso a vocês, tenho problemas de sentimentalismo com as baladinhas românticas, tristes e dramáticas. Gosto delas para valer, mas já não as ouço com a inocência dos primeiros dias, nem o que sinto é apenas deslumbramento estético. Não chego a chorar, porque homem não chora. Mas admito que algumas fomentam no meu espírito uma melancolia ponderada, autoconsciente e emocionalmente carregada.
É música que me lembra que eu, apesar de frio e insensível, também tenho coração.
Pessoa que até a véspera nos tratava amigavelmente. Sorria, falava. Demonstrava interesse em manter conosco a boa relação, e depois surpreendeu virando a casaca: riscou o fósforo do desencontro para acender a dinamite do silêncio. O efeito, uma explosão de energia negativa. Antes, sua conversa receptiva sugeria uma conexão que, no futuro, continuasse tudo constante, daria em agradável amizade.
Ser humano a quem nos abrimos, e a quem procuramos ajudar, aceitando com zelo o autoimposto dever do amigo. Imaginávamos, é claro, ser de confiança. E ao revelarmos elevada disposição afetiva, esperávamos tudo, até que risse de nós, os românticos do afeto; o que não esperávamos nunca é o gratuito desdém, o desprezo, a falta de consideração.
Diante de tamanho descaso, que podemos fazer? Como em tudo o que não podemos mudar, deve-se aceitar o ocorrido e refletir, buscando compreender o que de fato aconteceu. E, claro, aprender a evitar esse tipo de situação no futuro.
Eu sei, nós sabemos: há instabilidade no comportamento humano. As pessoas mudam: crenças, atitudes, ideias e sentimentos. Há em cada um de nós caprichos, defeitos, idiossincrasias, preconceitos, ansiedades e sentimentos não declaráveis. Algumas pessoas são mais volúveis, outras mais estáveis.
Vale entender que é possível uma relação muito agradável sem que exista de fato uma amizade. Isso porque, via de regra, as pessoas não expressam diretamente a desimportância que podem dar a alguém que consideram divertido, agradável, inteligente e gentil. Sem expressar verbalmente, tendem a demonstrar em atitudes negativas; descumprindo acordos e não honrando as próprias palavras. Também as pessoas não se revelam por completo. Podem mostrar uma coisa e pensar outra. Ao tratá-las de forma agradável e amigável, elas tendem a responder de igual forma, o que não implica, necessariamente, em amizade.
O amigo é aquele que já conhecemos o suficiente para nele confiar. O amigo é definido pelo grau de confiança, previsibilidade, cumplicidade e experiência que temos com ele, não pelo tamanho de nossa atração ou disposição afetiva. Não importa o quão elevados sejam nossos sentimentos por uma pessoa. Por mais querida que ela seja, nosso sentimento isolado não é suficiente para compor amizade. O que importa é o modo como ela nos trata: se nos valoriza ou não. Se nos valoriza e respeita, como a valorizamos e respeitamos, então a relação vale à pena. Se nos trata com desdém, o melhor é nos afastarmos.
Esse desapego afetivo pode ser doloroso, mas exercê-lo é se livrar de uma dor ainda maior: a que viria caso tivéssemos alimentado a relação, pois estaríamos nos iludindo, e quanto maior o apego, maior a frustração. Fato é que nem todos que apreciamos podem nos conceder a atenção e estima que precisamos. Eis o mundo como ele é. Portanto, quando percebemos que alguém de quem gostamos não nos valoriza, é mais inteligente desapegar e se afastar o quanto antes. Não é apenas questão de orgulho, mas de saúde mental e moral. A regra é simples: não existe amizade sem reciprocidade.
É nas atitudes que reconhecemos quem são as pessoas confiáveis, que devemos incluir como amigos, e quem são aquelas que, embora eventualmente agradáveis, não se importam de verdade conosco. O discurso mascara, mas as atitudes revelam. Aquele que nos diz "sou teu amigo", mas não age como tal; é sempre traiçoeiro e perigoso, porque fomenta em nós expectativas que jamais se poderão concretizar. Mais leal é um verdadeiro inimigo, que deixa claro a sua indiferença e não cria conosco uma relação dupla, mostrando uma face e agindo com outra. Vale mais esse inimigo franco que um amigo aparente.
Encontramos na vida pessoas cordiais, receptivas e agradáveis que parecem amigas, mas que, na realidade, são autocentradas, desinteressadas, desdenhosas e no fundo fazem de nós pouco caso. Quando não somos maliciosos e desconfiados, caímos na armadilha das aparências e nos deixamos levar, imaginando termos ganho uma boa relação. Chega cedo a primeira frustração e vemos que fomos enganados, que não eram por dentro o que pareciam por fora. Nesse momento, é hora de sorrir, lembrar que as aparências enganam, erguer a cabeça e continuar em busca de melhores relações.
A vida afetiva é um imenso garimpo: com paciência encontra-se o precioso, mas não vem sempre e não vem fácil; há sempre percalços no caminho. Como já dizia o bardo: "nem tudo o que reluz é ouro".
Ocorre, vez ou outra, de encontrar pessoas que parecem voar níveis acima dos meus em desenvolvimento moral, espiritual, artístico, cultural e intelectual. Falam sobre assuntos difíceis e complicados, de modo que nunca as compreendo na totalidade. Por vezes, sinto que emanam uma sapiência - poderia dizer uma superioridade - que não apenas surpreende, mas paralisa. Diante delas, envergonho-me de meu tamanho e tudo quanto sei ou fiz parece raso e sem valor.
Que fazer diante de quem em tudo se mostra superior? Que fazer com o brilho alheio que ofusca e cega? Uma tragédia que haja no mundo qualquer criatura melhor e maior que eu! A mera ideia de olhar ao alto, de precisar erguer-me para alcançar outro ser, ofende-me demasiado. Que desigual e cruel batalha é a luta contra gigantes!
Não podendo jamais me elevar, seja por insuficiência de força moral ou de inteligência, só posso desprezar os que se elevam. A verdade é que primeiro senti a inveja, depois, o ranço; agora, rumino vingança. Vingar-me-ei do sentimento de mediocridade, de inferioridade, de nada, ao qual me condenaram. Zombarei dos ideais elevados, caluniarei seus nomes, desmentirei suas conquistas. Com a pena que empunho, tramarei para que sigam na história como fraudes e paspalhos.
Um mundo no qual eu não possa reinar é um mundo que não merece existir. Que caiam os gigantes, para que este pequenino seja rei.