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16/09/23

Não Era O Que Parecia





Pessoa que até a véspera nos tratava amigavelmente. Sorria, falava. Demonstrava interesse em manter conosco a boa relação, e depois surpreendeu virando a casaca: riscou o fósforo do desencontro para acender a dinamite do silêncio. O efeito, uma explosão de energia negativa. Antes, sua conversa receptiva sugeria uma conexão que, no futuro, continuasse tudo constante, daria em agradável amizade. 

Ser humano a quem nos abrimos, e a quem procuramos ajudar, aceitando com zelo o autoimposto dever do amigo. Imaginávamos, é claro, ser de confiança. E ao revelarmos elevada disposição afetiva, esperávamos tudo, até que risse de nós, os românticos do afeto; o que não esperávamos nunca é o gratuito desdém, o desprezo, a falta de consideração.

Diante de tamanho descaso, que podemos fazer? Como em tudo o que não podemos mudar, deve-se aceitar o ocorrido e refletir, buscando compreender o que de fato aconteceu. E, claro, aprender a evitar esse tipo de situação no futuro.

Eu sei, nós sabemos: há instabilidade no comportamento humano. As pessoas mudam: crenças, atitudes, ideias e sentimentos. Há em cada um de nós caprichos, defeitos, idiossincrasias, preconceitos, ansiedades e sentimentos não declaráveis. Algumas pessoas são mais volúveis, outras mais estáveis.

Vale entender que é possível uma relação muito agradável sem que exista de fato uma amizade. Isso porque, via de regra, as pessoas não expressam diretamente a desimportância que podem dar a alguém que consideram divertido, agradável, inteligente e gentil. Sem expressar verbalmente, tendem a demonstrar em atitudes negativas; descumprindo acordos e não honrando as próprias palavras. Também as pessoas não se revelam por completo. Podem mostrar uma coisa e pensar outra. Ao tratá-las de forma agradável e amigável, elas tendem a responder de igual forma, o que não implica, necessariamente, em amizade.

O amigo é aquele que já conhecemos o suficiente para nele confiar. O amigo é definido pelo grau de confiança, previsibilidade, cumplicidade e experiência que temos com ele, não pelo tamanho de nossa atração ou disposição afetiva. Não importa o quão elevados sejam nossos sentimentos por uma pessoa. Por mais querida que ela seja, nosso sentimento isolado não é suficiente para compor amizade. O que importa é o modo como ela nos trata: se nos valoriza ou não. Se nos valoriza e respeita, como a valorizamos e respeitamos, então a relação vale à pena. Se nos trata com desdém, o melhor é nos afastarmos.

Esse desapego afetivo pode ser doloroso, mas exercê-lo é se livrar de uma dor ainda maior: a que viria caso tivéssemos alimentado a relação, pois estaríamos nos iludindo, e quanto maior o apego, maior a frustração. Fato é que nem todos que apreciamos podem nos conceder a atenção e estima que precisamos. Eis o mundo como ele é. Portanto, quando percebemos que alguém de quem gostamos não nos valoriza, é mais inteligente desapegar e se afastar o quanto antes. Não é apenas questão de orgulho, mas de saúde mental e moral. A regra é simples: não existe amizade sem reciprocidade.

É nas atitudes que reconhecemos quem são as pessoas confiáveis, que devemos incluir como amigos, e quem são aquelas que, embora eventualmente agradáveis, não se importam de verdade conosco. O discurso mascara, mas as atitudes revelam. Aquele que nos diz "sou teu amigo", mas não age como tal; é sempre traiçoeiro e perigoso, porque fomenta em nós expectativas que jamais se poderão concretizar. Mais leal é um verdadeiro inimigo, que deixa claro a sua indiferença e não cria conosco uma relação dupla, mostrando uma face e agindo com outra. Vale mais esse inimigo franco que um amigo aparente.

Encontramos na vida pessoas cordiais, receptivas e agradáveis que parecem amigas, mas que, na realidade, são autocentradas, desinteressadas, desdenhosas e no fundo fazem de nós pouco caso. Quando não somos maliciosos e desconfiados, caímos na armadilha das aparências e nos deixamos levar, imaginando termos ganho uma boa relação. Chega cedo a primeira frustração e vemos que fomos enganados, que não eram por dentro o que pareciam por fora. Nesse momento, é hora de sorrir, lembrar que as aparências enganam, erguer a cabeça e continuar em busca de melhores relações.

A vida afetiva é um imenso garimpo: com paciência encontra-se o precioso, mas não vem sempre e não vem fácil; há sempre percalços no caminho. Como já dizia o bardo: "nem tudo o que reluz é ouro".

10/05/23

Ela Dança Enquanto Come





E se ela não gostasse? Meus amigos gastronômicos achavam maravilhoso, eu adorava, não conhecia quem reclamasse, mas... e se ela não gostasse? Ela cozinhava, parecia entendida. Talvez fosse chata com comida. Será? Tarde demais, porque já estávamos sentados esperando o yakisoba do china.

Eu apreensivo, ela revelando que lhe era habitual dançar levemente enquanto comia. Justificava se dizendo esquisita. Mas eu a pensava divertida, animada, espontânea. Fiquei de olho quando ela foi comer. Rejeitou a carne e pediu um mar de shoyu. Logo nas primeiras garfadas a expressão de satisfação despontou, e ela, tão bonita, meneava a cabeça em dança sutil enquanto comia. Eu assistia, dava risada e me deliciava com aquela presença. Porém, em meu íntimo, ainda duvidava. Estaria mesmo ali, com ela? Não seria delírio, sonho, ilusão?

Dois meses antes, numa festa infantil, eu a vi pela primeira vez. Ela estava lá, muito peculiar, distinta, dona duma beleza mediterrânea e tropical; os traços finos, a cor morena, vestindo preto, um ar de mistério e de mulher interessante que lhe é tão próprio. Ela e o filhinho, muito novo, ambos num canto da festa, esparramados ao chão, brincavam, concentrados um no outro. Imensa devoção ao filho. Moça linda e encantadora, pensei, de aura magnética... Quem será? Donde vem? O que sente? O que pensa? Que dores, que amores, que temores? Que veria neste perdido? Daria-me amizade, carinho, afeto ou desdém?

Eu acompanhava a amiga Marina Lemos e conversava com agradáveis pessoas, mas a figura daquela mãe misteriosa me fazia a cabeça e me atiçava o olhar. Meu sentimento era estranho, vago, indefinido. Um repentino e aparentemente injustificável encantamento, vontade de conexão que me fazia querer mais dela: a voz, o sorriso, a personalidade, o jeito.

Impossível conhecê-la. O motivo: ela mãe, eu vagabundo. Ela integrada ao mundo, eu deslocado dele. Ela viva, muito viva, eu meio morto, meio suicida. Apesar do encanto, fui racional, optei pela renúncia. Um notívago na vida de uma mulher tão solar? Difícil. Se - mesmo sem malícia - eu lhe dissesse que ela se fazia radiante ao brincar com o filho, e que emanava um magnetismo muito próprio, passaria ridículo. Que pensariam? Sujeito mau caráter, cortejando mãe que cuida do filho, tarado implacável, canalha, imoral, pervertido, pornógrafo disfarçado de escritor. Não, eu não deveria aborda-la, não era prudente.

Ignorar a atração. Seguir a vida. Assim, sem saber quem ela era, tendo só a lembrança de um encantamento talvez injustificado. Capricho de minha imaginação literária, que via coisa onde nada havia. E tudo o que eu teria dela: um vislumbre.

Para renunciar sem lamento, uma técnica sofisticada. Primeiro, convenci-me de que foi a beleza o que me atraiu, depois imaginei nela uma personalidade banal. Evangélica, caretíssima, sem ideias próprias, experiências traumáticas ou um grande sofrimento na alma. Seria essa a minha verdade. Uma pena existirem no mundo pessoas de aura tão encantadora e conteúdo tão precário. Mais uma das grandes contradições da vida, pensei. E fiz-me liberto daquela atração. Deu muito certo, ao menos por um tempo.

Não mais a vi e já imaginava-me livre de seus encantos.  Assim foi até ontem - dia maldito no qual aquela moça me enredou de vez...

Ontem: o segundo e fortuito encontro. Outro lugar, outro contexto. Com ela lá, tive de novo o sentimento, a curiosidade, o interesse. Havia algo novo, uma informação que dizia: "Erraste feio, João Ramalho, porque ela não é medíocre coisa nenhuma, deve ser muito interessante, isso sim". A conduta diferente, inusitada. Naquele show de Rock, ela de aura solar, todos de preto e ela de regata amarela. No meio do caos, ela lia, sozinha, independente, certa de si, livre. Livro volumoso, capa dura, ela sentada em semi-lótus, arvore atrás, as pessoas passando, este autor  inebriado pelo álcool, o cover de Led Zeppeling tocando Immigrant Song, o entardecer, tudo ocasião propícia, tudo convidativo. Deveria falar com ela, era óbvio, era um chamado.

E então, passadas  algumas horas, nós estávamos ali, entrosados, atentos, falando sem parar e curiosos um com o outro. Ela mãe e trabalhadora, eu solitário e vagabundo. Ela solar, eu lunático. Nossa divertida interação incluiu peregrinar na noite pela cidade (ideia dela), apreciar o melhor yakisoba da região (ideia minha) e desfrutar uma rica conversa que esmiuçaria detalhes complicados de nossas biografias.

Já tarde, pouco antes das dez, depois de muita prosa, andanças, sorrisos e revelações, nos despedimos.

Longe de casa e do show, nas ruas escuras e quase desertas de uma região talvez perigosa, eu regressava ouvindo música no headphone, e pensava no inusitado daquela conexão.

Difícil compreender a nossa insuspeita harmonia. Antes, tentara fugir dela, renunciá-la. Mas agora me via girando em seu vórtex de charme, carisma e seu imenso fogo de vida. Uma sensação que aquilo devia acontecer, que não podia ter evitado. E ela... a personalidade tão parecida com algumas mulheres do meu passado... Relação déjà-vu? Fatalidade? Eterno retorno? Destino? Não sei, não sei...

Ainda penso no seu jeito divertido, na história de vida tão interessante, com episódios muito tristes, dramas e mistérios. Se a verei novamente eu não sei, nem me atrevo a especular.  Satisfeito com o encontro, alegro-me ao pensar naquela moça tão incomum. O brilho no olhar, o sorriso, o bom humor...

Lembro, sempre lembro e sorrio: se a refeição é boa, ela dança enquanto come.

29/03/23

A Culpa é da Marina


Gostei muito de Dona Marilene. Seu temperamento expansivo, sorridente, transbordava afetuosidade. Devia ter lá os seus cinquenta e tantos, talvez sessenta - idade sem importância, pois que vigor, que energia, que brilho no olhar. Toda bom-humor, divertida, moleca, beijou-me o rosto fazendo trocadilho com o doce ("beijinho"); depois repetiu a galhofa em Juan, que lhe era como um neto. Eu os conhecera apenas há algumas horas. Quem diria que, sábado pela tarde, um calor daqueles, eu estaria numa festa infantil, entrosado com um roqueiro e admirando o afeto cósmico de uma avó.

A culpa, é claro, foi da Marina Lemos. Não fosse por ela eu jamais teria saído de casa. Passaria o sábado enfurnado, tentando estudar, lendo livros e ouvindo Manu Chao nos intervalos. E sim, eu percebo a ironia: John Ramalho, o eremita que gosta de Manu Chao. Logo ele, o eterno viajante e autor dos versos: "Me chamam de desaparecido/Fantasma que nunca está/Me chamam de desagradecido/Mas essa não é a verdade/Eu levo no corpo uma dor/Que não me deixa respirar/Levo no corpo um castigo/Que sempre me põe pra caminhar". John Ramalho, inconsistente, contraditório: gosta da lírica de quem viaja, mas não gosta de viajar.

Mas preciso falar dela, a culpada: Marina Lemos. Sobrinha do ex-prefeito, ex-namorada de um dos meus amigos mais eruditos e licenciada em letras-grego. A rotina de nossa amizade consiste em três constantes: 1) dar rolês aleatórios, 2) passar eras sem se ver e sem se falar e 3) se reencontrar por acaso e voltar a dar rolês aleatórios. A aleatoriedade, devo dizer, vinha toda dela. Eu talvez gostasse porque era um desafio ao meu jeito tão metódico. Com a Marina eu não sabia o que iria acontecer ou quem iríamos encontrar, o que era horrível, agonizante, mas interessante também.

Eu em casa, o telefone toca, olho e vejo que é Marina. "Ou está ligando por engano ou vai me chamar para algum rolê aleatório bem em cima da hora" pensei.

- Oi Jônatas, tem compromisso hoje à tarde? (Marina é uma das poucas pessoas no mundo que ainda me chama por meu nome de batismo. Coisa de quem me conheceu há dez anos, imagino.)

Escuto a voz de contralto dela e passo a me sentir muito importante. Vem a tentação de esnobar, dizer não, bancar o difícil. Por que sair nesse calor? Não, não vou.

- Oi, amor da minha vida. Provoco.

- O quê? Eu te enviei vídeo? Marina, sem me entender.

Não sei por que, mas com ela é sempre assim, bastam poucas palavras e um de nós já está passando raiva com o outro.

- Não, eu disse "amor da minha vida". Explico, de mau-humor.
- "Amor da minha vida"? Nossa, que infantil.
- Você acha "amor da minha vida" infantil?
- Acho.

Marina tinha essas opiniões esquisitas. No passado eu a apelidara "Luna Lovegood", por causa de sua excentricidade charmosa, como a personagem de Harry Potter. O divertido é que, antes de mim, outros amigos dela já haviam notado a semelhança e carimbado o mesmíssimo apelido. Marina: duas vezes Luna Lovegood.

- Olha, depende, Marina. Largo meus compromissos se você me convidar para algum rolê indecente.

Ela bufa, mau-humorada. Mas logo se acalma e, meio relutante, pergunta:

- Quer ir numa festa de criança comigo?
- Festa de criança? Indago, incrédulo.
- É. Ela responde.

Enchi os pulmões de ar e preparei meu sermão para dizer que não fazia nada que não fosse planejado, pensado com antecedência, premeditado, infinitesimamente calculado. Mas quando fui falar, ela me quebrou:

- Pô, é que eu tenho que ir, mas não quero ficar lá sozinha.

"Sozinha". A palavra ecoou e, de um jeito inesperado, me tocou. Marina era amiga, e amigos fazem companhia a amigos que precisam de companhia, certo? Certo, certíssimo - bonito até. E foi assim - pelo fascínio estético de cumprir meu dever como amigo - que, num sábado calorento, eu abandonei meus diligentes estudos, leituras e meu Manu Chao para dar um rolê aleatório com a Marina Lemos numa festa infantil, na casa de quem eu nunca havia visto, sem saber se seria bom ou ruim, chato ou divertido.

Para não sair no prejuízo, fiz uma condição: Marina deveria ler minha última crônica, analisá-la e me dar uma opinião sincera. Ela disse que leria na festa. Se ela diz, eu confio. Confio nos meus amigos. Tenho amigos para poder confiar em alguém.

Solícito e benevolente, eu a acompanhei até a festa. Fui esforçado: sorri para gente desconhecida, socializei, conversei, fiz piadas, conheci gente agradável e saí de lá sem cometer infanticídio, mesmo diante de tanta algazarra infantil e infernal. Fiz minha parte.

E Marina?

Marina nem leu minha crônica.

Cheguei em casa me sentindo meio idiota e um tanto irritado. Marina não cumprira o acordo, fiquei chateado. No entanto, meditando a respeito, percebi meu apego exagerado ao texto, minha volição comunal em compartilhar com amigos, ouvir deles opiniões. Antigamente a mera sugestão de precisar da atenção alheia já me soava ofensiva. Hoje, porém, reconheço a verdade: não fosse o afeto dos amigos e entes queridos, nenhuma literatura (nem mesmo esta subliteratura) me seria possível.

Mesmo assim, ao escrever esta crônica, na primeira versão, ainda colérico, pus nela um ultimo parágrafo rancoroso e um tanto ofensivo. Nele eu dizia a Marina uma crueldade; vileza grande, coisa imbecil que, sei bem, a magoaria. Foi cruel mas foi ótimo. Limpou-me a alma, exorcizou o sentimento tenebroso, deu um tom final triste e trágico. Uma beleza, e como o pessimismo está na moda, os leitores adorariam. Pena que eu não gostei. (Como sou mercenário, estou cobrando 50 reais pelo parágrafo proibido, desde que ninguém o mostre à Luna).

Marina não leu a outra crônica, mas leu esta. Deu risada, divertiu-se. Disse que Dona Marilene é mesmo incrível, que ficou feliz pela amizade que fiz com Juan, pelo meu esforço na socialização, e declarou que foi a melhor crônica que eu já escrevi na vida. Equivoca-se, claro, pois é apenas a terceira que ela lê.

Um pouquinho ainda de raiva de você, Marina. Tu é esquisita. Duas não: três, quatro, cinco vezes Luna Lovegood. Esquisita, mas amiga.

Não só pela minha raiva, mas também por esta crônica: a culpa é da Marina.

22/03/23

Um Milagre na Madrugada

Para cada homem e mulher, a vida social se mostra como uma perpétua Torre de Babel, povoada por gente de todo o tipo que, via de regra, não se entende de forma alguma. A comunicação, alma da vida social, desponta como drama absurdo no qual todos falam e ninguém se entende, porque tudo vira cacofonia e ruído, toda ideia de valor proferida termina obscurecida por conveniências, omissões, covardias, cooptações, ilusões, condicionamentos e desconfianças. Tudo o que é complexo acaba simplificado, diminuído, compactado e consequentemente falseado.


Rebelde, eu sonhei, pela honestidade de minhas pequenas letras, instigar mentes humanas com as minhas tímidas e pouco usuais verdades - porque a verdade, mesmo a minha verdade, que é a angústia da dúvida, e mesmo nas mãos de um tímido, é uma arma tremenda - mas me deparei com tanta barreira, tanta pedra no caminho, tanta incompreensão. Desiludido, por vezes deixei de acreditar na palavra, no entendimento e na virtude. Cheguei mesmo a divinizar o silêncio. E no entanto, por uma vontade que não se explica, fiz-me cético sobre meu ceticismo e lutei contra minha descrença. Dom Quixote filosófico, persigo agora uma miragem: a utopia da compreensão entre os homens, e nessa perseguição faço-me cronista, prosador, ridículo crente na palavra, no diálogo com a cultura letrada, seguidor do caminho da consciência, caridoso distribuidor de verdadezinhas íntimas, sensíveis, pessoais, grandes porque talvez irrelevantes.

Vida difícil essa, pois há nela mais solidão que comunhão. Entretanto, se nenhuma felicidade é completa, nenhum infortúnio pode sê-lo também. Mesmo a mais pungente solidão letrada não está livre de uma eventual contingência que traga o afeto luminoso, no qual, numa irrupção verbal imprevista, a compreensão se faz solene, abrangente, total. Ocorrência essa que considero verdadeiro milagre. Talvez pequeno, mas ainda assim milagroso. Foi isso o que, inesperadamente, me aconteceu. E para que os homens saibam ser possível, dou-lhes testemunho desse milagre que, passado na última madrugada, infundiu-me senso de fraternidade, uma paz, uma leveza, uma elevação, e mais do que tudo uma esperança em relação ao humano, como há muito este aqui não sentia.

***

A voz era doce, afinada, limpa. A inflexão, embora temperada por uma excitação mental que ela não pretendia esconder, sugeria uma sobriedade, uma perspicácia, uma inteligência felina e ferina. Como eu, aquela mulher tinha algo de fera, também ela nutria a rebeldia que viceja nos espíritos altivos, angustiados; os tipos sombrios e deslumbrados que sofrem a posse duma inteligência diabólica, uma falha na consciência que os impele a contemplar o abismo de todas as coisas. Muito consciente, ela sabia de seu valor, e no entanto, diferente deste, não tinha em si o pecado do orgulho. Verdade é que, para ela, a própria superioridade era apenas subproduto de sua disposição livresca, uma febre de filósofo humanista, de latinista medieval, de erudito e de polímata subjugavam-na: tinha a curiosidade voraz e expansiva de quem tudo quer saber - não apenas acreditar, ela queria mesmo é saber! - um amor inegociável pela vida letrada e contemplativa, pela investigação e pelo conhecimento. Admirava-se disso: a curiosidade abundante, raiz indubitável de toda aquela inteligência que ela, ruiva fatal, desnudava sem pudores para o amigo cronista.

"Falamos a mesma linguagem" ela me disse. Com seu discurso pródigo, lúcido, culto e refinado. Com toda certeza o resultado da busca intelectual de uma vida inteira, de seu esforço e persistência, que permaneceria com ou sem estímulos da cultura exterior. Era assim a minha amiga: em tudo diferente do tipo de mulher vulgar e pretensiosa que parece ter dominado a maior parte dos espaços públicos deste século. Época trágica, na qual muitas mulheres se empenham em condutas bárbaras tão ou mais escabrosas que as praticadas pelos homens. Mulheres que se apequenam ao buscar paridade com uma coisa tão débil e ridícula quanto um homem.

Distinta, superior, impondo a si mesma os mais altos padrões, os gostos mais refinados, a sensibilidade mais poética, a inteligência mais penetrante, dispondo de enorme paixão pelo mistério perene que é a origem de cada coisa deste mundo, e apesar de tudo, de tão grandioso espírito, de tanta sabedoria, era ainda jovem, tão jovem que me causava espanto.

Eu a ouvi deslumbrado. Por todas aquelas horas, quando não era eu a divagar, em cada segundo, mesmo nos silêncios, eu a ouvi, deslumbrado. Com desenvoltura ela me falava de Emil Cioram, Mírcea Elíade, Terrence Mackena, Georges Bataille, Carlos Castaneda e tantos outros. Quantos? Não saberia dizer. Parecia-me um verdadeiro exército de homens e mulheres criativos, heterodoxos e instigantes; uma galeria de malditos, místicos e rebeldes cultivada com carinho e afeição. A riqueza cultural daquela mulher, a sua grandiosidade de espírito, tão rara, tão preciosa, tão única, era como se os deuses, cansados das minhas reclamações sobre a debilitada constituição mental e moral da mulher pátria, me tivessem concedido um gostinho do paraíso. Como uma resolução de Apolo a me dizer: "Para que não te atormentes em demasia, tu, criatura piedosa e de espírito trágico, que a todos os deuses venera, e que em todos eles inspira compaixão, conhecerá uma ninfa e nela encontrará abundância na formosura e na inteligência". Assim disse o deus, assim aconteceu ao mortal. E ali, naquele telefonema, naquela madrugada, travei a mais íntima relação mente a mente, alma a alma, com a ninfa de cabelos vermelhos e olhos esverdeados, tendo mais que um vislumbre de sua irrevogável grandeza.

A conexão verbal que se enriquecia no silêncio da noite. Como passou rápido o tempo! Foi a primeira parte da noite e veio a segunda, a madrugada. Passou a primeira, passou a segunda, e nenhum de nós, nem eu nem ela, ousou largar o telefone. Aquele elo, aquela conexão, aquela cumplicidade, aquilo talvez não fosse tudo na vida, mas era, certamente, uma das coisas mais valiosas, mais significativas, mais belas e mais poderosas. Era o que eu buscava numa relação, ela também. Como faríamos na despedida? Como desligar? Não havia vontade, mas, em algum momento, seria necessário.

Foi somente ao raiar da aurora que nos despedimos, não sem antes denunciar ao outro a gratidão por aquela vivência. Naqueles momentos finais, a surpresa: a ligação durara até ali 7 horas e 30 minutos de conversa ininterrupta. Apesar da cifra, na história das afeições intelectuais não chegamos a bater o recorde. Nossa prosa daquela noite resulta cinco horas e meia a menos que as famosas 13 horas que Jung e Freud conversaram quando se encontraram pela primeira vez. Ainda assim, 7 horas e meia de conversa ininterrupta, sem sair dela entediado, parece-me uma comunhão deveras significativa. Além disso, eu e a ruiva ainda não nos encontramos pessoalmente. É nossa opinião que boas amizades e excelentes conversas são terapêuticas. Essa com certeza foi. Saí dela pensando na divindade de algumas mulheres, na grande comunhão que pode haver entre amigos, na magia da mútua e profunda compreensão.

Tudo isso eu digo e ainda provoco: o recorde dos mestres da psicanálise que se cuide: pois a ruiva e eu estamos no páreo.


15/02/23

Rapazes, aprendam:



A grande diferença entre os rapazes da geração atual e das anteriores é que os jovens do passado, muito justos e parcimoniosos, aprendiam a desprezar as mulheres somente depois de conhecê-las e devorá-las; descobriam e apegavam-se ao que de melhor elas podem oferecer, queriam mais, ficavam dependentes, e assim o desprezo jamais os tomava por completo.

Já os moços da atualidade, cegados pela inadequação social, desprovidos do conhecimento das leis da canastrice e da patifaria, empunham a catastrófica bandeira de que o melhor é desprezá-las antes mesmo de lambuzá-las. Alguém deveria adverti-los que seu objetivo é nobre, mas seu sistema incorre em fatal equívoco; peca na disposição dos elementos. Amar primeiro; desprezar, depois.
Tu, jovem mancebo, filho destes tempos sojados, escutai com atenção as palavras do profeta: Primeiro, mamai nas tetas e nas bocetas; depois, quando estiveres falido e fodido, de tanto esbanjar as economias em orgias olimpianas com as mais belas e mais vendidas, maldiga o gênero; faça-o com retórica empolada, citações eruditas e o bom e merecido ressentimento. Mas faça na ordem correta. Depois, terás o direito ao desprezo. Antes, não.

28/12/22

Relações duradouras têm pouco a ver com amor



É raro que um casal fique junto, durante um longo período de tempo (leia-se mais de trinta anos), por amor. Pode acontecer? Pode. Mas é raro. O amor faz querer casar, ficar junto e até mesmo separar-se de alguém, mas não dá o que é necessário para conviver, domesticamente, a longo prazo.

Isso acontece porque o amor é um bem sujeito à lei da utilidade marginal. Noutras palavras: a quantidade de prazer, satisfação e desejo de proximidade que ele gera decaí com o uso.

O que realmente faz um casal ficar unido por muito tempo - até mesmo quando a paixão e o amor já se esvaíram - é uma série de outros elementos, dentre os quais se incluem: dependência afetiva, necessidade, hábito, medo de mudança brusca e medo da perda de vantagens já obtidas (o ser humano é mais reativo diante da possibilidade de perder um privilégio do que da possibilidade de ganhar outro).

Daí que não se deve confundir as coisas. Se você tem mais de trinta anos de casado, já está de saco cheio da sua esposa (e ela de você). Mesmo que vocês ainda se amem, esse amor é bem menos poderoso, em termos de coesão, do que era no início. No entanto, devido aos outros motivos citados, é grande a tendência de que vocês continuem juntos, mesmo que, lá no fundo, ruminem outras possibilidades. 

Se soubesse disso quando adolescente, eu teria entendido porque meus pais viviam falando em se separar, ou viviam reclamando um do outro, mas nunca se separavam.

                                                                   
                                                                  ***

   Texto originalmente publicado em perfil antigo no Facebook (em 2016 ou 2017).

21/09/22

Se for falar, que tal falar algo que preste?

Quem nunca?

Começo com uma indelicada - mas verdadeira - confissão. Gente com curiosidade  e horizonte intelectual pouco desenvolvidos me entedia bastante. Coisa de provocar bocejo e tudo, asseguro.

Digo isso porque, com frequência maior do que gostaria, vejo e ouço os outros macacos pelados conversarem sobre coisas banais de modo absolutamente banal. Vendo tal coisa, não consigo deixar de pensar na quantidade absurda de temas, abordagens e referências culturais  interessantes - que poderiam embasar ótimas e produtivas conversas - sobre tudo, inclusive sobre coisas aparentemente banais.

Há tantos livros interessantes, ou com uma abordagem tal, sobre quase tudo que se pode imaginar. Não só livros: há documentários, filmes, entrevistas, programas originais de TV, seriados, quadrinhos, vídeos de youtube, podcasts, fanzines, revistas, espetáculos teatrais, jogos, museus, músicas, eventos culturais, palestras, etc, etc, etc. Grande parte deles, pra nossa sorte, estão disponíveis na internet.

Tem tanta coisa curiosa, interessante, impressionante e impactante mundo afora que, não posso deixar de concluir: o sujeito deve ser muito limitado culturalmente pra falar apenas sobre o próprio umbigo ou sobre o que orbita o próprio umbigo, especialmente quando esse umbigo não é lá muito interessante.

Assim, na maioria das vezes, me parece quase impossível conversar com os macacos pelados sobre temas outros que amenidades. Coisa triste, já que aprecio conversas inteligentes sobre temas interessantes, ou, ao menos, conversas inteligentes sobre temas comuns. De fato, meu negócio é comunicação, especialmente a comunicação  instigante: uma notícia fascinante nova, uma análise intelectual que permita compreender algo melhor, um mistério, um conteúdo artístico relevante, um problema filosófico, um experimento, um insight, uma heresia, uma curiosidade sobre a vida de um gênio ou figurão histórico, uma teoria pseudocientífica  doida, uma teoria científica doida, uma reflexão, um debate,  uma anedota  esperta, em suma; qualquer tópico que enriqueça a conversa, obrigue a refletir e traga perspectivas que ampliem o horizonte mental e cultural.

Sim, eu sei que é pedir demais. Sim, eu sei que  ao reclamar das preferências discursivas dos outros macacos falantes eu estou "impondo" meus valores e meus gostos, assumindo que eles são melhores  que outros. Mas são mesmo, pô! Então o que resta fazer? Sei que o brasileiro médio gosta mesmo é do "papo fiado", da fofoquinha, da zuêira sem limites e da conversinha de boteco. Sei também que nós, os introspectivos, curiosos intelectual e filosoficamente, sedentos e ávidos por cultura (nas suas melhores formas), estamos imersos num pequeno subgrupo social, que engloba; intelectuais, jornalistas, artistas e aspirantes a tais cargos. Mesmo assim, sejamos francos, como não sentir arrepios assustadores com esse mar de futilidade e esse deserto mental que é a cabeça do brasileiro médio - especialmente o jovem?

Eu, por exemplo, sei bem o quão frustrante é (tentar) conversar sobre um conteúdo instigante (Que tal o paralelo entre matrix e a alegoria da caverna, a dualidade onda-partícula, a lógica paraconsistente e as limitações da lógica clássica...) e ver uma respostinha tímida, resumida na frase  reveladora "Nossa, eu nunca tinha pensado nisso!".  Pois é, não falam sobre essas coisas no BBB, jumentinho.

Pelo que vejo, se depender do sistema educacional e da [in]cultura de massas, que tem um bizarro privilégio pelo kitsch, as pessoas nunca vão pensar nas coisas mais interessantes e estimulantes que existem.

Dito isso, devo abrir aqui um singelo parentesis e dar um desconto as pessoas engraçadas e divertidas, que tendem a dinamizar a interação, mesmo quando são incultas. Mas já digo que acho muito melhor quando o interlocutor é culto e bem humorado. Na minha visão, são dois pré requisitos indispensáveis para uma boa, interessante e produtiva conversa. 

Se for pra abrir a boca, que seja pra dizer algo que preste! 

...

NTC (Nota de contextualização): crônica originalmente escrita em 2017 para o meu finado blog (oleitoragnostico.blogspot.com). Contexto: minha eterna falta de paciência para a pobreza de temas e interesses nas conversas populares.

07/09/22

O Homem Que Perdeu a Mulher Amada



O amor conjugal, quando verdadeiro, só pode culminar em angústia, dor e intenso sofrimento. A união baseada nessa forma de amor engendra no espírito humano uma profunda e irrecuperável dependência. É pesado, é agonizante, é comovente e é trágico o sofrimento do homem que perdeu sua amada, que perdeu sua outra metade, sua razão de viver. Ele chorará com a facilidade de uma criança, mas sofrerá como se o próprio ar lhe aviltasse, como se cada inspiração o envenenasse; e a vida para ele figurará como equívoco, lástima, desvario. 

Desejaria aceitar o capricho divino, mas seu coração não pode, seu amor não permite. Quer a amada a seu lado. Queria antes, quer agora, quererá depois e sempre, sempre, sempre. Mas ele não passa de criatura humana, não tem o poder de ressuscitar os mortos, e a sua fé, mesmo quando grande, não lhe serve senão como consolo. A dor, a intensidade do sofrimento, o fará descobrir que não é verdade que a fé move montanhas, não é verdade que ressuscita os mortos... Descobrirá que não é mais forte a fé do que o fato, de tal modo que lhe consumirá o sofrimento, o sentimeno de perda, o amargor. Para continuar a viver, precisará acostumar-se com o vazio, com a saudade e com o sofrimento. 

Sabemos que o gênero humano, para o bem ou para o mal, é do tipo que se acostuma. Assim, o mais provável é que o homem que perdeu a amada, depois de intenso sofrimento e desilusão, um dia deixará de chorar; e se não deixar de sofrer, ao menos se acostumará a viver com o sofrimento. 

Amar, viver, sofrer... A tudo o homem se acostuma.

02/09/22

Com Família, com Música, com Coragem



Mamãe e eu no hospital, alguns meses antes...


Hoje, sexta feira, 02 de Setembro de 2022, dez dias antes do meu aniversário, mamãe morreu. Foi hoje, sei bem. Aconteceu às 16:35. No quarto do hospital, durante a partida, mamãe estava acompanhada por quatro dos membros mais próximos da família- Eraldo (papai), Juliane (minha irmã), Thiago (meu cunhado) e eu. Os outros dois - Eliseu e Lorena (meu irmão e minha cunhada) - estavam a caminho. 

Chorávamos, nós quatro, e ao mesmo tempo a confortávamos expressando nosso amor. Papai a abraçava, Juju lhe segurava as mãos em um momento, eu em outro. Thiago lhe beijava a testa. "Estamos com você"; "Te amamos"; "Não tenha medo" era o que dizíamos. Embora tudo nela fosse fraqueza e decadência física, mamãe pareceu sentir algo. Mudou o semblante e também a posição. Antes deitada, inclinou-se a frente e tirou a máscara de oxigênio. Papai tentou repor, mas por três vezes ela o repeliu. Ele a questionou: "-mas, meu bem, não queres a máscara? É isso mesmo?" Ela fez que sim com a cabeça.

Sem máscara, abraçada pelo esposo, assistida pelos filhos e genro, mamãe, segurando as mãos de papai, revirou os olhos e depois aquietou-se. Assim, enquanto nós chorávamos, o seu elevado espírito deixou o seu debilitado corpo. Partiu sem dor, sem violência, sem medo. Naquele momento, tocava a versão instrumental, em sax, de "Alvo Mais Que a Neve". Choramos, nos abraçamos, choramos, oramos. O momento derradeiro finalmente chegara, e mamãe foi de peito aberto, preparada, sem medo. 

Estava consumado. Agora mamãe não mais sofreria, agora; ficaria em paz. O corpo padece e fenece, mas eu acredito que a alma é imortal. Eu sei que vive a alma de minha mãe, Julia Ramalho Barbosa, que foi professora, esposa, filha exemplar, anjo doméstico, cuidadora, fiel devota, ativista social, artesã, excelente cozinheira e amiga leal.

Sei que ela partiu preparada. Sei que foram feitas as suas vontades. Despediu-se dos parentes amados, inclusive dos pais. Passou alguns dias em casa, recebendo pessoas, despedindo-se. Contou aos filhos os seus desejos. No fim, ela, que não se achava forte, foi muito mais forte do que todos nós imaginávamos.

Registro que mamãe foi um anjo que, muitas vezes, de muitas formas, salvou-me a vida. Viveu para e pela família, e - não poderia ser diferente - durante o momento de maior sofrimento de sua vida, sua família esteve literalmente a seu lado, dia após dia, impressionando médicos e enfermeiras pela união ativa e altiva (nós enlouquecíamos os burocratas do hospital que tentavam limitar as visitas). 

Mamãe viveu uma vida repleta de honestidade, generosidade, responsabilidade, caridade, amor e fé. Odiava mentiras. Era inocente, de uma pureza infantil, muito meiga, tímida, não sabia receber elogios, e era sempre muito preocupada com os entes queridos. Mulher de outros tempos - eu nunca a vi dizer um palavrão.  Era daquele tipo raro de gente que a feiúra do mundo não conseguiu macular. 

Quanto menos eu merecia, mais me amava. Quanto menos eu acreditava na vida, mais insistia que eu não deveria parar. Tudo o que tenho de qualidade moral, de amor às artes e ciências, tudo que tenho de fé, devo a ela e a meu pai. 

Apesar da tristeza, e do luto, não me permito tragificar o que é fenómeno natural. Mamãe viveu, e viveu bem, como mulher honrada. Partiu, e partiu bem, sentindo a mulher amada que era, com família, com música, com coragem. Sua vida foi bela, e seu derradeiro momento também. Sou imensamente grato pelo que com ela vivi, sou grato de ter seu sangue, seus traços, seu temperamento caseiro e letrado, sua cor, seu conservadorismo. Foi uma grande mulher, uma grande mãe, uma esposa fiel e cuidadora, uma inconformada com a pobreza e a injustiça social (cursava Direito quando descobriu a doença...). Não deixou inimigos e não há neste mundo quem a maldiga. Por tudo isso, deixará imensas saudades e jamais será esquecida pelos que a amam. 

Obrigado por tudo, mamãe. 

31/08/22

Como Terminar Um Namoro




Dependendo do grau de proximidade, intimidade e dependência afetiva, não será uma coisa exatamente fácil de se fazer, mas é possível; e deve ser feito de forma madura e responsável.

Seguem as dicas:

#1- Pré término

Para início de conversa, busque refletir e listar os motivos pelos quais você prefere romper o relacionamento. Desses motivos, alguns provavelmente serão negativos, como os aspectos do comportamento do parceiro (ou da parceira) com os quais você não se sente mais à vontade para lidar. Por isso, selecione os aspectos mais positivos. É a eles que você deve recorrer na hora da conversa fatídica. Se a pessoa gosta de você, e você alega que o término terá consequências positivas para sua saúde mental, fica mais de aceitar.

#2 O que NÃO fazer

Claro que você pode romper simplesmente dizendo que não suporta mais determinadas características do outro ou que a qualidade da relação já não é mesma; no entanto, se fizer de tal modo, a tendência é aumentar o conflito e dificultar um término maduro, pois ninguém gosta de ser explicitamente rejeitado. Além disso, é importante tomar cuidado: sentimentos contrariados se transformam facilmente em ressentimento e ódio. Não queira ter alguém a) ressentido; b) obcecado em te dar o troco; e c) que te conhece relativamente bem como um inimigo, vai por mim, definitivamente não é boa ideia:

#3- Um término não é uma coisa, é um processo!

Vamos adicionar um elemento muito importante: o cálculo da dependência afetiva que seu parceiro/a tem em relação a você. A dinâmica é a seguinte:

Quando maior a dependência, mais difícil o término, pois a outra parte tende a rejeitar tal possibilidade.

Se for o caso de uma pessoa que é muito dependente de você, então vá com calma. Sair abruptamente da vida dela pode deixá-la desesperada, desorientada e traumatizada. Vai precisar ser gradativo. Minha dica é: assegure-se que a pessoa faça bons amigos e tenha acesso a uma rede social saudável, com pessoas que eventualmente possam substituir sua posição. Depois comece a fazer com que ela imagine o término, fazendo perguntas hipotéticas (é sempre mais fácil lidar com algo que já passou pela nossa cabeça do que com algo que não estamos esperando). Quando terminar o namoro, você, dependo da sua disposição e do quanto ainda gosta do outro, pode oferecer companhia ocasional como amigo, amigo com benefícios ou conselheiro ocasional. Ao demonstrar que você se importa, a pessoa tende a aceitar melhor suas decisões. Isso vai ajudar a fazê-la te ver de outra forma, perdendo a noção de que você é uma posse . Além disso, é mais fácil para permitir, no futuro, um total afastamento, já que é menos traumático se afastar de um amigo que de uma paixão.

#4- Pense no Futuro Próximo. Preveja suas reações.

Um outro fator importante é calcular as possibilidades futuras e o modo como você tende a reagir. Tem certeza que você quer terminar, não é mesmo? Você não é o tipo que, quatro meses depois, vai se arrepender e pedir para voltar, certo? Como vai reagir se descobrir que pouco tempo depois do término a pessoa já está se envolvendo com outro? Essas questões são importantes, porque elas vão te ajudar a decidir se você vai ser gradativo e virar amigo ou se vai romper de uma vez.

Exemplo: (a) A pessoa é muito dependente + (b) você não está tão seguro quanto ao termino + (c) acha que pode mudar de ideia no futuro = (MS- mudança de status) melhor mudar o status da relação do que terminar abruptamente.

Mudar o status pode significar virar amigos, amigos coloridos, iniciar uma relação aberta ou simplesmente "dar um tempo". Durante esse período a pessoa pode ir se desapegando, já que a tendência é diminuir o contato. E com essa experiência você pode ter certeza se vai querer mesmo terminar ou não.

#5- Veja os vídeos e conselhos do Gikovate.

 

 

Texto publicado originalmente no Quora

26/05/22

Enfant Terrible

Sim, eu entendo o padre do balão

Coisa importante, elemento de maturidade, é saber que jamais agradaremos a todos. Dependendo da personalidade e do estilo de comunicação, manter a integridade muitas vezes significa ser intragável para certas pessoas.

O caso deste blogueiro é exemplar. Eu escrevo e digo, com muita abertura, as bobagens e traquinagens que me dão na telha, algumas de gosto duvidável e teor condenável. Na escrita, parte do meu estilo envolve a afetação, o passivo-agressivo, o politicamente incorreto, a ironia, o deboche, o pastiche e o pedantismo. É nas letras que expresso melhor os dinamismos de minha excêntrica personalidade, fazendo-me, muitas vezes, um personagem de mim mesmo. Irregular, minha crônica vai do ácido ao comedido, do insano ao estrambótico, da intuição pessoal ao apelo à autoridade dos sábios.

Não me pretendo original, mas me pretendo autêntico. Sou, sim, uma mistura de influências díspares e tensões profundas: o menino cristão fascinado em satanismo; o depravado fascinado em sublimação via celibato, o belicista cordial e diplomático, cujo coração comporta tanto a pulsão do conflito quanto a harmonia do acordo. Falador, não levanto a polêmica pela polêmica, mas sim porque uma ou outra interessa, serve como entrada a um debate importante, pertinente. Aposto sempre na inteligência e curiosidade dos leitores, o que, em vista de nosso cenário cultural, é aposta ousada e imprudente.

Sendo essa criatura confusa e estranha, sem fazer esforço, pelo estilo ou pelo conteúdo, agrado uns e incomodo outros. Certamente mais incomodo que agrado. Não é coisa que me atormenta, porque, não sendo capaz nem de agradar a mim mesmo, não vejo como poderia agradar a um grande número de pessoas. Perdendo ou ganhando amigos, satisfaço-me, com muita modéstia, na única virtude e qualidade que julgo manifestar: que é o compromisso em expressar, as vezes com paixão, o que me é próprio; aquela sinceridade íntima, tortuosa e desafiadora que não pode faltar ao literato, mesmo ao pequeno literato.

Assim, vejo com curiosidade aquelas pessoas que, julgando-me portador de alguma qualidade, aproximam-se, mas vão embora tão logo percebam alguns dos meus muitos defeitos (alguns dos quais eu considero qualidades) e opiniões . Acho justo: melhor que se afastem do que que sejam falsos amigos.

O lado bom é saber que os que me dão amizade e permanecem amigos fazem-no apesar dos meus muitos defeitos, limites e opiniões controversas, que conhecem bem, já que as divulgo com certo empenho.