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07/03/22

Adeus, Mérlin...


Mérlin contemplativo, depois de algumas leituras.

Apesar de gostar de animais, eu não queria um gato. Assim, ao morar com meu querido irmão, Eliseu Ramalho, eu não tinha pretensão nem interesse de criar um bichano. Criar também significa cuidar, e eu, egoísta, não simpatizo com a ideia de dedicar-me à vida de outrem, seja gente seja bicho. Mas aconteceu. Quem banca é quem manda, e meu irmão, que me bancava, decidiu que criaríamos um gato. Decisão tomada, não havia o que discutir: criaríamos um gato.

Ganhamos uma gata preta, filhote de duas ou três semanas. Nada sabíamos sobre gatos. Primeira descoberta: eles fazem um estranho barulho com a garganta quando se sentem seguros e confortáveis com os donos, chama-se ronronar. Segunda descoberta: eles adoram camas. Terceira: eles mordiscam e arranham tudo enquanto crescem. Quarta: eles odeiam água. Quinta: de início eles acham que podem voar, mas, depois de cair do terceiro ou quarto andar, descobrem que não podem. Sexta: eles são tão famintos por peixes que podem pular em poços, atraídos pelo movimento e cheiro dos bichos. Sétima: para leigos, gatos e gatas são praticamente indistinguíveis nas primeiras semanas, o que, em nosso caso, fez ascender a polêmica. Nossa gata - Morgana - seria, afinal, gata ou gato? O tempo nos ensinou que era, na verdade, um gato. E assim Morgana virou Mérlin, o primeiro gato transgênero da história felina mundial.

Depois, veio a mudança. O mano foi morar mais perto do trampo e eu mais perto dos pais. Como fiquei numa casa com quintal, e tinha mais tempo livre, o gato veio comigo. Eu não queria, mas era tarde demais. O bichano já me havia cativado. Agora seríamos só eu e ele.

Não foi fácil. Gatos gostam de rotina e estabilidade, e eu sou mais desorganizado que o próprio caos. O coitado sofria comigo. As vezes eu passava dias fora e ele tinha de se virar. Quando eu voltava, lá estava ele, todo lanhado das brigas com os gatos da vizinhança. E lá ia eu, fulo da vida, cuidar. Ligava para o mano, explicava, pedia compaixão, dinheiro, ajuda, ânimo, apelava ao seu instinto compassivo e afetuoso, ao seu carinho pela natureza e pelos bichos. E ele, irritado, me intimava a cuidar do bicho como se minha vida dependesse disso.

Logo vi no gato um argumento para extorquir meu querido e exemplar irmão, o que fez minha afeição pelo bichinho crescer. De lá pra cá, mais de um ano, Eliseu Ramalho foi extremamente gentil e custeou 99% das despesas com a pequena pantera, ao que sou grato. Mês sim, mês não, o mano vinha visitar o gato, ver como estava, criticar-me pelos maus tratos.

Maltratei, é verdade. Dava-lhe, ocasionalmente, umas bicudas, uns gritos de psicopata, chamava-o de merdinha, idiota, carente, imbecil, burro, lerdo, mimado; jogava-o a uns dois ou três metros de altura, deixava-o sem comer por pura maldade, e fazia seu banho durar mais tempo apenas para deleitar-me com os gritos de horror do felino em protesto. Mas apesar de meus traços tendentes ao sadismo, confesso de todo o coração que eu amava aquele bicho. Vezes houve em que ele dormiu junto a mim, em que o carinhei efusivamente e abundei em afagos. Se em alguns momentos o furor me arrebatou, creio que os muitos outros de animação e carinho compensaram. Prova disso é que o gato jamais se mostrou agressivo diante de mim. Quando raivoso, chegou a mostrar os dentes ao meu irmão, a mim, nunca (talvez porque soubesse que se fizesse eu o espancaria na hora).

Com o tempo e os estudos, eu lhe devotava cada vez menor atenção. Por isso Mérlin, que foi criado em apartamento e sem contato com outros gatos, já vinha sofrendo tédio demasiado, o que lhe gerou uma psicodermatite: lambia-se excessivamente, retirando os próprios pêlos, sinal de stress elevado. Concluímos que era melhor doá-lo. Papai, que conhece todo mundo na cidade, encontrou interessado. Ontem, levou Mérlin para sua nova casa. Hoje, já sinto falta de seus miados e grunhidos.

Obrigado, Mérlin; você foi um bom amigo. Agora, ficarei por aqui, sozinho... e sentirei saudades.

Vai o gato, fica a homenagem registrada em vídeo:


29/12/21

Educação e Crescimento do Pênis


Concordo cem por cento com a frase do Daniel Fraga de que “pobre deveria pedir licença para existir”. Contudo, devo esclarecer: penso em outro tipo de pobre.

O Sr.Fraga, um anarco-capitalista, provavelmente se refere ao pobre da classificação econômica. Já eu, estudioso de Psicologia, penso numa pobreza mais séria, mais profunda e mais difícil de ser resolvida: a pobreza mental, da psique, do espírito.

Daniel Fraga
O lendário Daniel Fraga
Como apesar de novo sou um tanto vivido, já conheci fortes candidatos a mais baixos exemplares de nossa espécie (excluindo a hipótese — bastante provável — de que fossem neanderthais infiltrados).

Durante dois anos, senti-me como Immanuel Kant se sentiria se fosse obrigado a viver entre galinhas, que são, como diz meu irmão, os bichos mais burros que existem. A burrice, no meio onde fiquei, era tanta, mais tanta, que cheguei a me sentir primeiro um sujeito esperto; depois, inteligente; e, por fim, um gênio de capacidade incontestável.

conhecimento
O pobre de mente

Nesse lugar, superabundavam os pobres de mente. Pessoas que são incapazes de compreender a função de um livro, ou o prazer do aprendizado, ou de qualquer coisa que exija algum grau de abstração pós-primário.

Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê eu lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.
 

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

“Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!”

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente. Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa.
 
O mais curioso, no entanto, é que ele estava errado.




***


Nota do editor: a crônica acima  foi originalmente escrita no ano de 2015.