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18/02/25
Heróico Quixotismo
23/10/24
Nossa Sinistra Tramóia
Existe um tipo de escritor que não escreve para o público. Um tipo de escritor que escreve apesar do público. Ele escreve primeiro para si mesmo, e escreve não porque quer, mas porque não pode evitar fazê-lo. Escrever é, para ele, um vício degradante, purificador e inevitável.
Ele escreve também para seus amigos, que são escritores, poetas, intelectuais e podem compreendê-lo. Afora esse pequeno grupo de amigos, esse escritor, finalmente, escreve não para todos os leitores, mas para uma minoria de estranhíssimos e inesperados leitores, que, por milagre, podem compreendê-lo. E a minoria da minoria, por milagre ainda maior, parece necessitar de seu discurso - ideia essa que honra e apavora o escritor. Ele, quando desanima, não raro vê-se motivado por leitores que dizem: "Continue, você é bom"; "Não pare de escrever", "Quando você vai escrever sobre aquele assunto?".
Quem e quantos exatamente são os membros dessa cabala? O escritor, na maioria das vezes, não sabe. Sabe, contudo, que se o leem é porque com algo se identificam, ou ao menos reconhecem as mesmas verdades. Isso faz nascer uma ponte, um sentimento comum, uma simpatia. E um pacto se estabelece entre o escritor e seu leitor. Sem pretender, sem jamais terem visto um ao outro, tornam-se cúmplices numa conspiração literária.
Somente em duas áreas é possível ser cúmplice de alguém que nunca vimos: na Espionagem e na Literatura. São, creio eu, coisas assemelhadas. O leitor, afinal, não passa de um grande bisbilhoteiro que sempre quer saber mais, e por isso se mete a ler tudo de interessante que encontra. E o escritor lírico não passa dum grande delator, traidor de si mesmo; espião que na oralidade esconde a sua angústia apenas para melhor revela-la em sua prosa.
São ambos, escritor e leitor, espiões. Um informa o conhecimento secreto e íntimo, e o outro observa, acompanha na surdina; calado toma nota. Por serem espiões, ambos desconfiam um do outro. "Será verdade aquela história que ele contou? Ou será ficção?" Pergunta o leitor. "Será que não vão me delatar à polícia, aos guerreiros da justiça social, ou pior, ao psiquiatra?" Pergunta o escritor. Escritor, você sabe, é sempre meio neurótico, meio paranoico, desregulado. "Será que vão entender que é ironia? Será que posso fazer tal citação? Será que posso usar aquela expressão latina?" Pergunta o escritor, desconfiado do leitor.
É uma relação complicada, estranha, fascinante. Eu, escritor menor, confesso, tenho medo dos leitores. Se este blog chegar aos cem leitores, pararei de escrever aqui. Quanto mais leitores, menor a possibilidade de dizer coisas relevantes e desagradáveis. Quanto mais leitores, menor a maturidade possível ao discurso. Quem fala para multidões fica restrito a falar tolice ou superficialidade. A menos que tenha vocação para mártir, o que não é meu caso.
Essa minoria de leitores da qual falo não constitui um grupo público, mas um grupo privado. Trata-se duma cabala de leitores cuja maioria desconheço, que se fazem anônimos e que não se conhecem entre si. A eles, a vocês, não escrevo como um escritor que se dirige ao público, mas aos privados. Não escrevo para povos ou multidões, escrevo para indivíduos. Escrevo como um espião que se dirige a outros espiões.
Afinal, como convém à ética do ofício, o bom espião deve revelar-se apenas aos outros espiões; nunca ao público. Sigamos, pois, com a nossa sinistra tramoia. Eu a me delatar em literatura, e você, silenciosamente, a tomar nota de tudo.
26/08/23
Um Apelo aos Leitores
Breve guia de dicas e referências para começar a desenvolver habilidades na escrita
21/06/23
Um Morto Muito Louco
O primeiro Jorge Amado a gente nunca esquece. Pois bem, no exercício de ler e conhecer ao menos uma obra dos grandes prosadores brasileiros, depois de me impressionar com a prosa do Carlos Heitor Cony, resolvi conhecer alguma coisa do nosso grande populista Jorge Amado. Populismo esse que para o crítico Wilson Martins era um pecado e que para mim não é - ao menos não necessariamente...
07/12/22
Quais são os efeitos negativos da leitura de livros?
Todo mundo sabe que a prática da leitura pode ser muito positiva e enriquecedora, mas e quanto a seus aspectos negativos? Existem? Quais são? Vejamos os possíveis efeitos negativos da leitura e como lidar com eles.
1. Quebra de expectativa. As pessoas dos livros raramente são como as pessoas da vida real. E as mulheres dos livros então, nem se fala. Isso, claro, pode mudar se você lê obras de brasileiros como Rubem Fonseca ou se ler autores trágico-realistas. Mas, no geral, há uma grande distância entre a mediocridade das pessoas que conhecemos na vida cotidiana e daqueles personagens notáveis dos livros. Depois de ler muito, invariavelmente, você vai achar a maioria das pessoas chatas e desinteressantes.
2. Produção de Pensamento Acrítico. Se o livro é de um autor muito assertivo, pouco autocrítico e cheio de verdades, você pode acabar ficando muito convencido de coisas questionáveis e para as quais o conhecimento humano atual não é capaz de fornecer uma resposta definitiva. Sabe aqueles religiosos que SÓ LEEM livros sobre religião e só sabem falar o que a Bíblia diz sobre a Bíblia, num loop autoreferencial diabólico? Pois é. Não queira ser um deles. E o mesmo acontece pra ateus militantes como Dawkins e Sam Harris, que tentam usar a Ciência para provar o que ela não é capaz de provar.
3. Desorientação. Alguns livros podem te deixar com mais dúvidas do que respostas, especialmente os livros de Filosofia. E isso pode realmente te deixar desorientado por um tempo (especialmente se você se focar apenas em autores com sistemas destrutivos, como Nietzsche, Foucault e o bizarro Zizek). Um exemplo notável é que a maioria das pessoas que tem algum interesse básico em Filosofia são facilmente atraídas pela falácia do Relativismo .
4. Ser enganado. Intelectuais mentem que é uma beleza. E sempre usam joguinhos linguísticos, retóricos e erísticos para convencer o leitor. Você ficaria terrivelmente chocado se fizesse uma checagem de fontes de cada livro que lê. O Noam Chomsky, por exemplo, considerado um dos maiores intelectuais do século XX, foi pego várias vezes (250 - pra ser preciso ) com a boca na botija.
E então, como enfrentar esses problemas? Bom, algumas dicas podem ajudar;
Para evitar 1) Leia livros sobre a realidade e não apenas ficção.
Para evitar 2) Leia livros sobre pontos de vista DIFERENTES sobre o mesmo assunto e veja debates de intelectuais e filósofos, não de youtubers. Isso vai te ajudar a a entender como o outro lado pensa. Mesmo que você discorde de uma ou outra premissa da pessoa, é mais fácil respeitá-la quando você entende o pensamento dela. Eu, por exemplo, leio tanto sobre Religião quanto sobre Ciência, e amo as duas áreas.
Para evitar 3) Leia livros de orientação pessoal e emocional, mesmo que pareçam auto-ajuda. Leia biografias de pessoas admiráveis e vai ver como elas lidavam com as coisas para ter sucesso. Quando a abstração torna um problema muito difícil, a prática costuma ensinar como esse problema pode ser resolvido. E quando na prática um problema parece ser simples, a abstração pode mostrar como ele é complexo.
Para evitar 4) Nunca acredite 100% no que você lê, ESPECIALMENTE SE HOUVER POLÍTICA ENVOLVIDA. Entenda - lembre-se sempre disso- que um autor SEMPRE fala mentiras e verdades. Ninguém sabe tudo. Por isso, vai ser preciso peneirar e separar o joio do trigo. E sempre que gostar demais e se sentir “crente” em um autor, trate de ler a críticas à obra e ao pensamento dele.
Pronto, seguir essas dicas vai te ajudar a ser um leitor mais maduro. Você tem sorte, eu tive que aprender na marra. Queria que alguém tivesse me dito antes.
Foto: Chomsky mentindo para uma plateia de universitários inocentes.
Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.