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08/02/23

O Artista entre a Técnica e a Inspiração



"Macróbio" - Arte original de Marlos Salustiano

Conhecendo as impressionantes obras dos artistas que conheço, não me atrevo a classificar-me como um. No entanto, devo ser razoável e concluir, a partir da minha longeva paixão e prática cultural independente na área, que tenho algo de artista, mesmo que menor, menor, menor.

E assim, por essa breve autoridade de "ter algo de artista", venho cá dizer que a noção de que há um dilema artístico entre o trabalho técnico e a inspiração súbita é, no mínimo, falsa. Sendo ideia perigosa, porque restritiva. 

Todos os elementos que entram na fórmula para compor um bom trabalho artístico são elementos da maior importância, indispensáveis. Não há inspiração que dê bom resultado se não houver, por parte do artista, o domínio técnico: e não há domínio técnico que transpasse o formalismo se não houver inspiração, honestidade, autenticidade e um pouco de "alma". É como o que eu já disse sobre Nick Cave: que é ateu, mas tem alma. 

Ao grande artista, ou ao que se pretende tal, quase todo recurso é igualmente bem vindo. Outro dia mesmo deparei-me com conselho de um autor que muito estimo: dizia ele que uma boa dica para escritores é aprender pintura, porque, na visão dele, é fundamental na ficção a concretude, o domínio dos pequenos detalhes da composição de uma cena, como de um quadro. Em outras palavras, a recomendação era aprender algo de outra arte para, com o aprendizado, enriquecer os recursos da sua arte. Ele falava em expansão, não em restrição. Restrição é palavra perigosa em Arte.

Além disso, a contemplação da habilidade técnica alheia nos pode inspirar e o estado mental de inspiração pode nos estimular o treino e desenvolvimento das habilidades técnicas. Lembro quando, em 2014, numa exposição no CCBB do Rio de Janeiro,  desfrutando a companhia do mestre Marlos Salustiano, apreciei, encabulado, o resultado dos estudos técnicos de Salvador Dalí. Achei absurdamente inspirador a devoção do pintor espanhol ao estudo das técnicas dos gênios que o haviam precedido. 

Ainda sobre minha inspiração, sei que a noite me inspira, que determinadas músicas conduzem-me a certo estado de espírito, que o isolamento me é favorável, e bem sei usar isso em minha produção, entram como recursos para alterar meu estado mental. Não fico esperando que uma bela filosófica vá cair do céu, com divina nudez, em meu quarto, a me inspirar e provocar tamanho êxtase que me leve a intuir os segredos do estilo perfeito. Nada disso: a ideia de inspiração como um estado espontâneo, recebido, passivo, quase divino, oriundo dos cantos sedutores das ninfas, é caricatura. Só alguém que já exercitou muito a técnica pode chegar a mais alta inspiração, e só quem dominou a técnica pode ir além dela. A inspiração é um estado ativo, que é estado a ser construído. E como tudo que é construção, dá trabalho.

Talvez a decadência da arte brasileira dita popular tenha se dado, em parte, justamente porque os artistas contemporâneos se deixaram levar pela má filosofia estética de que técnica e inspiração opõe-se. Passaram a considerar a arte como um assunto sentimental, subjetivo, de ordem privada, deixando de lado o estudo diligente da história de arte e o esforço de dominar todos os recursos possíveis.

O resultado dessa mentalidade vocês já sabem qual foi. Toda a gente o pode ver ecoar nas precárias manifestações que hoje chamam de "arte" e "cultura".

                                                                     ***

Nota do Editor: A primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

28/09/22

Como conviver num ambiente em que meus familiares adoram o sentimentalismo do sertanejo e anseiam a próxima edição do BBB?

 

Já assistiu Malcolm in The Middle? Malcolm é uma criança gênio vivendo numa família grande e desfuncional. Cercado por imbecis que não o compreendem, ele se esforça para tentar se "normalizar."


                                                                     ***

Cá no Brasil, muita gente com inclinação filosófica, intelectual e literária acaba ficando decepcionada com a mediocridade da cultura popular nacional, que vai ficando cada vez mais idiota, cada vez mais torpe, alienante e degenerada.

Essas pessoas, muitas vezes, se ressentem ou sentem dificuldades em lidar com um povo que em tudo se quer superficial e alienado, e que, por isso mesmo, é ludibriado pela imprensa, explorado pelos bancos, pelos empresários, pelos políticos, e feito de otário por charlatães pseudo religiosos e golpistas que se aproveitam das aparências.

Mesmo assim, longe de procurar tomar consciência de sua condição, procurando meios para melhorar, esse povo ostenta a ignorância quase como o maior dos valores ,olhando com desprezo e estranhamento aquelas criaturas que apreciam livros e coisas esquisitas como música erudita, silêncio ou, coisa absurda!, solidão.

Cada um se orgulha de ser exatamente como todos os outros. E esse tal povo é, ao mesmo tempo, um dos mais violentos do mundo, um dos mais promíscuos, um dos mais mal-educados e um dos mais explorados; pagando as maiores taxas de juros do mundo e vivendo no país mais desigual do universo.

Mas, como são todos muito inteligentes e cordiais, a maioria não conhece os dados estatísticos básicos do próprio país; e, não os conhecendo, não podem conhecer a realidade onde vivem; e não conhecendo a realidade de onde vivem, nada podem compreender dela. Finalmente, nada compreendendo, nada podem mudar.

Nada mudando, tudo permanece o mesmo.

Sendo assim, o que aqueles que anseiam por algo mais elevado devem fazer na convivência com essa gente?

Nada. Absolutamente nada.

Se destacar é perigoso, pois gera ressentimento. A coisa mais insuportável ao medíocre é ter jogada na cara a sua mediocridade. Se alguém é melhor que ele, ou deseja algo melhor que ele, torna-se logo um inimigo.

A realidade está ai e é preciso, para a maturidade, aceitá-la. Resignar-se é preciso. Se, por um lado, a mediocridade impossibilita o desenvolvimento da inteligência, por outro garante uma certa estabilidade psicológica, um descompromisso com os problemas do mundo e uma vida bem menos angustiosa. Há muitas vantagens na mediocridade, no não-pensar, no ir com os outros. Quem pensa menos é mais feliz.

Entenda que nem todo mundo é como você, com a sua curiosidade e vocação pensante, e que nem todo mundo deveria ser. Se as pessoas amadas preferem se atulhar de conteúdo parvo, embrutecedor do espírito e da inteligência, a escolha é delas. Elas, portanto, que arquem com as consequências disso, assim como nós deveremos arcar com as angústias e conflitos morais de uma vida de estudos e de elevada atividade cultural.

Que podemos fazer de bom pelos que amamos? Instigar, instruir. Falar, vez ou outra, sobre uma coisa importante que valha a pena saber. Presentear com um bom livro ou um bom filme. Ensinar alguma coisa útil. Mas tudo isso é pouco, porque o compromisso com o esclarecimento é uma postura majoritariamente individual. E se a pessoa realmente não quiser, não haverá estímulo que a impulsione.

A família é alienada e problemática? Saia de casa, vá morar só, faça sua vida. Ajude os seus como e quando puder. Ninguém precisa morar junto para amar. Aliás, a minha experiência na vida me fez entender que a proximidade física só atrapalha o amor.

É impossível amar quem nos é próximo.

Mas, para não ser negativo demais, aqui vai uma dica positiva: procure alguém mais novo na família e invista nessa pessoa. As crianças são mais curiosas e mais receptivas ao conhecimento que os adultos.

Presenteie as crianças da sua família com bons livros, bons quadrinhos, boas músicas, boas referências e bons filmes. Envolva-as em boa cultura. Salve-as de Anitta, de BBB e de Wesley Safadão.

                                                             

                                                                        ***


Nota do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no Quora.

31/08/22

Como Terminar Um Namoro




Dependendo do grau de proximidade, intimidade e dependência afetiva, não será uma coisa exatamente fácil de se fazer, mas é possível; e deve ser feito de forma madura e responsável.

Seguem as dicas:

#1- Pré término

Para início de conversa, busque refletir e listar os motivos pelos quais você prefere romper o relacionamento. Desses motivos, alguns provavelmente serão negativos, como os aspectos do comportamento do parceiro (ou da parceira) com os quais você não se sente mais à vontade para lidar. Por isso, selecione os aspectos mais positivos. É a eles que você deve recorrer na hora da conversa fatídica. Se a pessoa gosta de você, e você alega que o término terá consequências positivas para sua saúde mental, fica mais de aceitar.

#2 O que NÃO fazer

Claro que você pode romper simplesmente dizendo que não suporta mais determinadas características do outro ou que a qualidade da relação já não é mesma; no entanto, se fizer de tal modo, a tendência é aumentar o conflito e dificultar um término maduro, pois ninguém gosta de ser explicitamente rejeitado. Além disso, é importante tomar cuidado: sentimentos contrariados se transformam facilmente em ressentimento e ódio. Não queira ter alguém a) ressentido; b) obcecado em te dar o troco; e c) que te conhece relativamente bem como um inimigo, vai por mim, definitivamente não é boa ideia:

#3- Um término não é uma coisa, é um processo!

Vamos adicionar um elemento muito importante: o cálculo da dependência afetiva que seu parceiro/a tem em relação a você. A dinâmica é a seguinte:

Quando maior a dependência, mais difícil o término, pois a outra parte tende a rejeitar tal possibilidade.

Se for o caso de uma pessoa que é muito dependente de você, então vá com calma. Sair abruptamente da vida dela pode deixá-la desesperada, desorientada e traumatizada. Vai precisar ser gradativo. Minha dica é: assegure-se que a pessoa faça bons amigos e tenha acesso a uma rede social saudável, com pessoas que eventualmente possam substituir sua posição. Depois comece a fazer com que ela imagine o término, fazendo perguntas hipotéticas (é sempre mais fácil lidar com algo que já passou pela nossa cabeça do que com algo que não estamos esperando). Quando terminar o namoro, você, dependo da sua disposição e do quanto ainda gosta do outro, pode oferecer companhia ocasional como amigo, amigo com benefícios ou conselheiro ocasional. Ao demonstrar que você se importa, a pessoa tende a aceitar melhor suas decisões. Isso vai ajudar a fazê-la te ver de outra forma, perdendo a noção de que você é uma posse . Além disso, é mais fácil para permitir, no futuro, um total afastamento, já que é menos traumático se afastar de um amigo que de uma paixão.

#4- Pense no Futuro Próximo. Preveja suas reações.

Um outro fator importante é calcular as possibilidades futuras e o modo como você tende a reagir. Tem certeza que você quer terminar, não é mesmo? Você não é o tipo que, quatro meses depois, vai se arrepender e pedir para voltar, certo? Como vai reagir se descobrir que pouco tempo depois do término a pessoa já está se envolvendo com outro? Essas questões são importantes, porque elas vão te ajudar a decidir se você vai ser gradativo e virar amigo ou se vai romper de uma vez.

Exemplo: (a) A pessoa é muito dependente + (b) você não está tão seguro quanto ao termino + (c) acha que pode mudar de ideia no futuro = (MS- mudança de status) melhor mudar o status da relação do que terminar abruptamente.

Mudar o status pode significar virar amigos, amigos coloridos, iniciar uma relação aberta ou simplesmente "dar um tempo". Durante esse período a pessoa pode ir se desapegando, já que a tendência é diminuir o contato. E com essa experiência você pode ter certeza se vai querer mesmo terminar ou não.

#5- Veja os vídeos e conselhos do Gikovate.

 

 

Texto publicado originalmente no Quora

24/08/22

Como saber quando alguém é perigoso?




Bom, antes é preciso se perguntar: isso é possível?

A resposta é ambígua: sim e não. Veja bem:

Embora existam pessoas que deem claros sinais de que são uma ameaça, existem outras que nunca dão esses sinais. E algumas das pessoas mais perigosas serão extremamente carismáticas e aparentemente inofensivas (mais ou menos como eu).

Portanto, é preciso ter uma postura de desconfiança geral, uma suspeita de todos, a mentalidade de não se colocar em risco e a habilidade de reconhecer os sinais de periculosidade.

Para começar, quem é perigoso? Resposta: quase todo mundo. De fato, pouquíssimas pessoas são realmente não violentas. Entenda que as pessoas são basicamente bestas camufladas por um verniz de civilidade, bestas esperando um momento, um pretexto, para descarregar toda a repressão de animalidade que a civilização lhes obriga a manter.

"Ain, nossa… Mas esse John Ramalho é exagerado…"

Sou? Vejamos:

Pois é. Você está cercado de bárbaros sorridentes, sensuais e hipócritas. Doces bárbaros? Doces eu não sei, mas que são bárbaros e perigosos, ah, isso são.

No meio de tanta gente pacífica e "cordial", como se prevenir e prever o grau de periculosidade de alguém? Difícil, né? Por isso nestas terras a melhor postura é aquela do Fox Mulder de Arquivo X: Não confie em ninguém!

Assim como a melhor forma de combater um incêndio é evitando que ele ocorra, a melhor forma de se prevenir contra a periculosidade alheia é sendo desconfiado, paranóico e mantendo uma distância preventiva, sempre.


Dito isso, existem algumas dicas que podem ajudar a separar o joio do trigo, afinal ninguém é capaz de desconfiar de todo mundo 24 horas por dia.

Anote aí:

#1- Desenvolva critérios rigorosos para confiar em alguém.

Acho absolutamente engraçado como as pessoas possuem uma tendência bovina para confiar em gente que tem: a) sorriso no rosto/ carisma; b) discurso bonitinho e politicamente correto; c) autoridade e; d) grana.

Inclusive, cheguei a responder sobre como é fácil enganar as pessoas utilizando alguns desses elementos: Resposta de John Ramalho a É possível convencer alguém a acreditar em algo que você diz, por mais surreal que seja? Se sim, como?

Se você vai realmente confiar em alguém a ponto de sair sozinho com a pessoa, se expor, entregar informações importantes e ficar vulnerável, ao menos tenha a sensatez de fazer isso com alguém que você conhece MUITO bem. Alguém que você já tenha noção sobre o grau de periculosidade e lealdade.

E quando você sabe que conhece alguém muito bem? Resposta: quando você conhece os piores defeitos, podres e tendências negativas da pessoa.

Se você não sabe de nada errado que uma pessoa já fez, nunca ouviu falar dos grandes defeitos ou mesmo dos pequenos, NÃO CONFIE! Quanto mais perigosa, mais a pessoa vai esconder informações negativas sobre seu passado e seu caráter; chegando, às vezes, a usar nomes ou identidades falsas.

Desconfie de todos, mas se parecer bonzinho demais, desconfie ainda mais!

#2- Cuidado dobrado com falastrões:

[fique esperto com os mentirosos a lá Ben Linus]

Um outro jeito de te manipular para ganhar sua confiança é quando a pessoa fala muito a respeito de si mesma, sempre contando vantagem ou destacando uma certa característica positiva. Ao mesmo tempo que ela pode estar sendo sincera, ela pode estar criando uma teia de autoficção para te enganar, te distrair e te desviar de alguma informação pessoal que ela quer esconder.

#3- Aprenda a se defender e a matar se necessário: não seja nem uma ovelha e nem um lobo, mas um cão de guarda.

[Walter White, da série Breaking Bad. Aprenda a ser durão e parecer perigoso, e então ninguém vai querer se meter contigo. Mas, pelo amor de Deus, nada de traficar metanfetamina!]

Mesmo sendo totalmente vigilante, paranoico e criterioso, você vai estar sujeito a riscos. Infelizmente, a vida é imprevisível e o comportamento humano é mutável. Pessoas que antes eram confiáveis podem te trair. Pessoas pacíficas podem surtar e cometer barbaridades. Nada é como parece, todo cuidado é pouco e nunca é demais se prevenir. Por isso, não pareça uma vítima, não seja uma vítima, APRENDA A SE DEFENDER: usar armas de fogo, lutar com facas, saber artes marciais, imobilização, enfim; tudo o que você puder aprender. Nunca se sabe quando será útil:

O melhor curso de defesa pessoal que conheço, e recomendo, é o Kombato:


Abaixo, algumas páginas com material, informações, análises e conselhos importantes:

#4- Ore ou reze todos os dias.

Ao acordar e antes de sair de casa, reze. Acredite: ajuda muito. (Mas se puder ande de armadura ou carro blindado, ajuda mais ainda).

Texto publicado originalmente no Quora

04/05/22

Como é Matar uma Pessoa? Qual é a Sensação?


 


Estive nas forças armadas e tive vários amigos fuzileiros navais que, no Haiti, a serviço da Marinha do Brasil, tiraram vidas de pessoas que eles jamais conheceram.

As respostas que vou dar para essa pergunta são baseadas nas conversas que tive com esses amigos e também em outros relatos que li.

Para começar, supondo que você não seja um psicopata e que esteja agindo em legítima defesa, ou a serviço do seu país, a sensação de matar uma pessoa, com uma arma de fogo, será complexa, pois ambígua.

Por um lado, no instante em que ela cair no chão, você se sentirá surpreso e aliviado. Pode ter alguma dúvida se ela está realmente morta, mas sua adrenalina estará tão alta que será difícil articular pensamentos racionais. Mesmo que você tenha sido treinado para isso, em seu primeiro homicídio, tudo que você vai querer é sair dali e ir para um lugar seguro. Questões morais não importam agora.

Porém, quando você acordar pela manhã no dia seguinte, vai se perguntar se foi tudo um sonho ou se você realmente matou alguém. E vai lembrar que matou.

A partir desse momento sua mente vai entrar numa terrível dissonância cognitiva, e você vai formular todas as possíveis respostas racionais para justificar o ato pregresso.

Esse é um momento crítico onde mudanças internas significativas podem acontecer. Também é o momento que vai determinar todas as suas futuras memórias e pensamentos sobre o ato. As pessoas dão respostas psíquicas variadas; mas para o caso dos fuzileiros, uma vez que é o trabalho deles, a resposta mais comum é um acréscimo de patriotismo, xenofobia e ódio generalizado ao inimigo, crenças advindas da necessidae de autojustificação.

Nesses casos, há o fato curioso de que muitos soldados geralmente são mais nacionalistas quando voltam da guerra do que quando vão para ela. Pode parecer estranho, mas faz todo o sentido psicológico: eles precisam acreditar que seu ato assassino era moral e que as mortes de seus amigos fizeram sentido, portanto, precisam acreditar que seus governos estavam corretos, que suas ações tinham um sentido nobre.

Se alguém tentar censurá-los pelo ato homicida, eles responderão algo como:

"Sabe o que eles teriam feito se nós não tivéssemos impedido? Era nosso dever intervir! Era necessário!".

Além disso, essas crenças permitem que eles continuem atuando na profissão. E até os encorajam a ser mais eficientes.


***


Por mais que a descrição acima seja razoável, ela é bem limitada, pois só serve para pessoas altamente treinandas para matar, como são fuzileitos e agentes das demais forças especiais.

Se não for o seu caso, se você não tem treinamento algum, mesmo que tenha uma arma de fogo carregada, as coisas serão muito mais complicadas. E os problemas vão começar bem antes da morte, mas justamente no "como matar".

Nesses casos, a melhor descrição que eu já vi é esta aqui :

Matar uma pessoa é fácil ou difícil?

Adivinha? As duas coisas.

Antes de tudo, esqueça sobre as cenas de filme onde as pessoas estão voando dez metros para trás quando você atira nelas com sua pistola. Tem muito exagero ali.

Quando você atira em um homem em uma curta distância algumas coisas podem acontecer.

Em alguns casos ele pode apenas cair (como se desligasse) e pronto, é isso. Ele se foi. E o mais interessante que posso dizer da minha experiência é o som da queda de um corpo. É algo como um grande saco cheio de alguma coisa molhada com pedaços duros. É basicamente o que o nosso corpo é.

É um som especial e se você ouvir ele vai lembrar pelo resto da sua vida.

Vamos dizer que um tiro bem posicionado, distância certa, quantidade de disparos, seu treinamento e calma fazem isso acontecer.

Em outros casos você pode se encontrar em uma situação onde o agressor está vindo para cima de você rapidamente, você continua atirando nele, a distância é bem curta e nada acontece… Ele ainda está chegando, você atira, atira, grita ou apenas pensa que está gritando, algo alto continua explodindo seu ouvido e você não sabe nem se sua arma está disparando, algo talvez esteja errada com ela, o cara está chegando mais perto, ele tem uma faca enorme… “Que !#$% está acontecendo? Eu vou morrer? Deus? Mãe?”

E de repente, ele cai.

Aquele cara foi difícil de matar? Sim, mais tarde você descobriu que atirou nele seis ou sete vezes mas não nos lugares certos. O cara era grande e a adrenalina fez ele esquecer da dor.

Os dois exemplos são experiências reais. Existem muitos fatores que podem entrar em jogo nisso.

Então para responder a pergunta deste tópico eu sugiro uma fórmula simples. Se você for forçado a matar alguém, considere o fato de que uma série de fatores precisa estar de acordo para você conseguir isso, mas se está em uma situação onde alguém está tentando te matar, aja como se você fosse muito fácil de morrer.

E então? Curiosidade saciada?

Tente não matar ninguém, meu caro. Mas, se precisar fazê-lo, saiba muito bem o como.


...

Texto originalmente publicado no Quora

18/03/22

A Erva Que Não Era do Capeta - Um Breve Relato de Experiência Psiconauta

  

[Paulo Francis fumando um… cigarro…]

Certa vez, acho que no Manhathan Connection, perguntaram ao Paulo Francis quais drogas ele já havia usado, ao que ele respondeu:

"Todas. A melhor é speed ball. E maconha não faz mal algum".


Pois bem. Diferente do Francis, eu usei poucas drogas.

E só as usei quando já havia saído de casa, tinha já meu emprego, minha independência e, finalmente, era "o dono do meu nariz": livre para cometer a burrada que me desse na telha.

Mas devo confessar que, de início, drogas não me atraiam. Como fui criado numa cultura puritana, não via o entorpecimento com bons olhos. Lembro de, já adulto, um amigo ter me oferecido maconha várias vezes e eu sempre ter recusado, cheio de orgulho do que considerava minha pureza de caráter. E eu teria permanecido em tal postura não fosse um motivo de ordem puramente intelectual:


Um amigo me apresentou as teorias de Terence Mckenna sobre a influência dos psicotrópicos e enteógenos no desenvolimento da cultura humana e na origem das experiências religiosas. Em 'O Alimento dos Deuses', Mckenna, que era um etnobotânico e pensador bastante heterodoxo, especula sobre a tese de que o uso gradativo e irregular de determinados tipos de cogumelos alucinógenos podem ter levado o ser humano a desenvolver a linguagem e um nivel maior de autoconsciência, provocando nosso salto evolutivo.

13/05/21

Do F.A.R.R.A ao QUORA: ativismo cultural, opinião e debates na Web

Internet: o mundo em um clique; a loucura em dois.

 Era uma vez um jovem internauta...

Ainda na pré-adolescência, período de meus primeiros acessos, imaginava que a rede mundial de computadores poderia ser interessante fonte de conhecimento e de contatos. E então, tratei de explorá-la.
 
Na época, descobrir blogs e arranjar debates em fóruns eram algumas das coisas mais legais a se fazer. O Youtube estava engatinhando. O Facebook nem havia chegado aqui, e nem precisava: tínhamos o Orkut. Usávamos, para socialização básica e paquera, o MSN (melhor que os “mensageiros” populares de hoje).
 
As Comunidades e os  Interesses...

A opinião independente rolava solta no Orkut, nos blogs e nos fóruns. Tínhamos nós - os nerds, os supercuriosos, os inconformistas, os fazedores de mídia alternativa e os marginalmente intelectualizados – um paraíso artificial.
 
Os  paranoicos acessavam o Fórum Anti Nova Ordem Mundial. Os esotéricos tinham o Teoria da Conspiração. Os satanistas, anarquistas e experimentalistas frequentavam o Morte Súbita Inc – cujo lema era “segredos proibidos ao alcance de todos”- que ensinava desde hipnose até magia sexual até como fazer pactos com demônios. Os céticos acessavam o Ceticismo Aberto, certamente o maior portal do tipo. Os masculinistas se reuniam no Fórum do Búfalo e também em outros, menores, dedicados ao “Realismo”, movimento que problematiza o comportamento feminino e as interações homem-mulher. E os nerds da cultura tinham o F.A.R.RAFórum dos Revolucionários da Rapadura Açucarada.

A Farra Contagiante...

O F.A.R.R.A era basicamente uma universidade nerd. Sua equipe, que contava com voluntários do Brasil inteiro, traduzia e disponibilizava filmes raros, documentários, animes, desenhos, séries antigas, quadrinhos e mangás ainda não publicados no Brasil. Além disso, lá haviam os debates, as recomendações, os classificados, as conversas e os vários projetos internos. O projeto mais duradouro foi a revista: FARRAZINE. Teve mais de vinte edições. Era um fanzine online divertidíssimo, que continuou mesmo depois da derrocada do fórum, em 2009. Os membros, os mais variados: advogados, professores, tatuadores, desenhistas, roteiristas, escritores, artistas, programadores, donas de casa...
 
Se não me engano, era gente do F.A.R.RA que estava por trás do excelente site VERTIGEMHQ, que traduzia e disponibilizava quadrinhos adultos e alternativos, especialmente os da Vertigo, a famosa linha de quadrinhos adultos da DC comics. O F.A.R.R.A era um mundo alternativo. Seus membros eram piratas da cultura. Todos lá amavam o Pirate Bay e o Wikileaks. Não havia um membro que não entendesse como o acesso à internet poderia educar o público e revolucionar o mundo. Foi uma pequena utopia. Infelizmente, faz mais de dez anos que acabou. Deixou-me órfão. Nunca me recuperei.
 
Junto com o Fórum dos Revolucionários da Rapadura Açucarada morreram inúmeros grandes sites e portais de upload e download; o mais memorável, talvez, foi o Rapshare. Morreram, mas não de morte natural. A verdade é que foram assassinados, perseguidos e denunciados por lobistas e advogados de grandes corporações da indústria cultural.
 
O Monstro Corporativo...

Foi a burocracia restritiva do capitalismo digital que matou nossa utopia. O mesmo sistema que, em alguns anos, iria transformar a internet.  Foi ele que impulsionou as redes sociais mais populares, herdeiras do modo Zuckerberg de fazer startup, todas elas moldadas pelos mesmos gatilhos psicológicos de recompensa viciante, fizeram a cabeça – e o comportamento – das novas gerações de usuários. Tudo financiado e possibilitado pelo assanhamento dos anunciantes. Essas plataformas andam deixando muita gente ansiosa, depressiva e suicida, mas isso é detalhe, importante mesmo é o lucro. Capitalismo, onde quer que se encontre, é sempre a mesma história: o monstro corporativo tentando manter nossos olhos vendados e influenciar nosso comportamento consumidor. E sabem qual é o pior? O monstro corporativo sempre vence no final. Ou quase.
 
Hoje em dia ainda há algum pensamento livre na internet. E para ironia do destino, grande parte dele se dá em fóruns ou comunidades frequentemente acusadas de racismo ou antissemitismo, como o Reddit e alguns Chans. Os blogs ainda vivem, mas já não tão vivos quanto antes. O nascimento do Bitchute e do Mastodon, coisa de alguns anos atrás, parece uma lufada de ar fresco. O Pirate Bay permanece, cambaleante, mas ainda lá. O Wikileaks eu nem sei como vai, mas o futuro de Assange não é nada promissor: já foi pego e já foi torturado. Se o deixarem viver, jamais será o mesmo.
 

Algo Errado Com o Quora...

E neste mundo, onde uns querem controlar nossa mente e uns  poucos querem livrá-la, há o Quora. Quando entrei no Quora, vi logo o potencial da plataforma. Parecia um espaço promissor. Dois anos de uso, contudo, me fazem pensar  que algo deu errado. A qualidade do conteúdo, tanto das perguntas como das respostas, decaiu bastante. Não há qualquer tipo de recompensa para as boas iniciativas e para as respostas mais profundas e informativas. O viés dos moderadores é óbvio e incômodo. Alguns usuários mais críticos ou sarcásticos frequentemente se veem com respostas excluídas, sem justificações satisfatórias por parte dos moderadores.
 
E embora tudo isso seja relativamente fácil de resolver, nada indica que será resolvido. Eu mesmo, embora seja tido como rebelde e provocador, resignei-me tanto que já não escrevo por lá. A ideia de que uma ou outra resposta, mesmo quando nitidamente humorística, possa ser apagada tende a me desanimar. E se for para escrever um texto mais trabalhoso e profundo, a sensação é de que o local não é adequado: terá poucas visualizações e poucos comentários. Melhor compartilhar em algum grupo de Facebook, no Medium, num blog ou em algum fórum. Ou, talvez, numa Newsletter. Não no Quora. O Quora é para curiosidades, gracejos moderados e textos menos exigentes.
 
Tudo muda por aqui...

Plataformas que inovam e que se vão, sites e aplicativos que dominam décadas mas depois desaparecem, comunidades que crescem exponencialmente e depois viram memória...
 
Pois é... Se há uma verdade sobre a internet é que ela é dinâmica e fluida: aberta à novidades e mudanças severas. O que vem por aí? Ninguém sabe. Então é bom ficar atento. Estar aberto ao futuro, mas sem esquecer do passado; eis a obrigação do internauta inteligente. E sigamos, que a vida cultural online não pode parar.