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30/06/22

O Que Jovens Com Ambição Política Deveriam Saber

 

Frank Underwood (House of Cards)
Certa vez, ouvi uma amiga declarar-se apolítica. Aparentemente, ela não compreendia a sutil dimensão política que nos cerca. Ou, talvez, pior: compreendia, mas preferia ignorar. Na época, achei sintoma de terrível alienação. Posteriormente, conheci pessoas que, diferente de minha amiga, alegavam que “tudo” é política, outra forma terrível de alienação.

No primeiro caso, o problema é óbvio: quem não se interessa por política está fadado a ser regido por quem se interessa. No segundo caso, o preciosismo semântico faz-me pensar que “tudo” abrange coisa demais. Vejam bem: eu até admito que possa haver alguma dimensão política em coisas como o aroma das flatulências, a quantidade de vezes que uma criatura humana lava as mãos durante o dia, ou, até mesmo, o caminhar das lagostas; afinal, verdade é que alguma autoridade idiota pode, arbitrariamente, legislar sobre tais fenômenos. Mas deveria ser óbvio que nenhum desses tópicos, por si só, constitui matéria de relevância política (ao menos enquanto não ensejam conflitos capazes de prejudicar significativamente a estrutura social).

11/05/22

O Dia Em Que Eu Percebi Que Era Apenas Um Blogueiro Metido

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— Introdução —

Não é fácil lidar com a realidade, especialmente quando ela nos obriga a reconhecer que nossa posição não é tão lisonjeira quanto gostaríamos. 

Só vem a maturidade quando confrontamos nossas vaidades...

Parte 1 _ Ambiguidade

Sempre me vi de formas diversas e contraditórias ao longo da vida. Tenho meu lado cético, mas também meu lado místico, sou minimamente intelectualizado, mas não chego a ser acadêmico ou cientista; amo ensinar e aprender, mas detesto escola e tenho pavor da carreira de professor; amo as mulheres, mas, desde que uma tentou me atropelar, morro de medo delas.

Por ser uma criatura essencialmente ambígua, fico perplexo quando me deparo com aquelas pessoas com posturas firmes, confiantes, repletas de crenças inabaláveis. Caramba! Como conseguem?

Parte 2 _ Matrix

Nunca fui assim, tenho tanta inveja quanto estranhamento em relação a esse povo. Há certos dias em que acordo, olho para o Merlin (meu gato preto ) e lhe acosso:

“ Confesse, Merlin. Esse mundo é a matrix e você não passa de um dèjá-vu fofinho, pode dizer”.

Então ele dá um miado, como que debochando, e fica me encarando com aqueles olhos amarelos, o que eu evidentemente interpreto como uma confirmação.

“Rá! Eu sabia, esse mundo é a matrix!”

Houve o dia em que fiquei tão fissurado nessa ideia que cheguei a responder, no Quora, explicando um pouco sobre a matrix.

Matrix, de certa forma, pode ser interpretado como a grande metáfora cinematográfica do nosso tempo para as ilusões que fazemos do mundo e de nós mesmos. Ilusões que, via de regra, costumam ser muito importantes para a manutenção da falsa autoimagem que gostamos de construir. Convenientemente falsa, porque a realidade é sempre menos glamorosa que a ficção. Belas mulheres, por exemplo, não soltam peidos na ficção, mas os soltam na realidade (e infelizmente eles não são perfumados).

Mas mesmo que estejamos fadados a nos iludir, felizmente ou infelizmente, os mais autocríticos também estão fadados a perceber e ter que encarar as próprias ilusões. Foi justamente o que aconteceu comigo no dia em que percebi que, longe de ser escritor, eu era mero blogueiro.

Parte 3 _ Pau No C# do Leitor

Há gente que escreve por hobby e sem nenhuma pretensão literária, mas esse não é exatamente o meu caso. Sempre fui polêmico e pretensioso, para o bem ou para o mal. Kafka dizia que um texto deve ser como um soco no estômago. Em outras palavras, deve ser algo que cause alguma reação e impacto no leitor. Não basta dizer uma verdade, as vezes é preciso dizê-la de forma desagradável, e até mesmo leviana. O leitor hoje em dia anda tão entorpecido com literatura best-seller idiota que já perdeu o hábito de refletir, ou mesmo de perceber o quanto a reflexão é importante.

Quando um escritor percebe isso, o dever dele é provocar os leitores, e o escritor pode realizar essa missão dizendo coisas importantes novas e inimagináveis ou dizendo coisas importantes antigas de um jeito novo e inusitado. O importante é incomodar o leitor, não deixá-lo confortável; afinal, um bom leitor é sempre um leitor incomodado, daquele tipo que te enche na caixa de mensagens ou te para na rua para falar alguma coisa daquele seu último texto, nem que seja para meter o malho. (E os bons escritores acham especialmente divertido quando os leitores metem o malho com propriedade).

Parte 4 _ Vaidade Besta

Nesse quesito, provocar a inteligência alheia, provocar reações, em minha recém carreira literária, eu tive algum sucesso, considerável até. Talvez mais sucesso do que um escritor iniciante e metido deveria ter. Tive a sorte de atrair leitores, alguns admiradores, alguns incentivadores e até um certo renome em alguns ambientes. Não quero falar em números, mas imagine ir dormir sendo um blogueiro absolutamente desconhecido e acordar sendo um nome relativamente conhecido numa das maiores plataformas para escritores online.

Foi mais ou menos o que me aconteceu. Um dia eu percebi que minhas iniciativas literárias estavam dando frutos, monetários, inclusive. Não era muita coisa, mas para alguém que achava que iria demorar ao menos uns vinte anos, era muita coisa. E foi então que comecei a querer introduzir um elemento de glamur na coisa. Mas, felizmente, em minha defesa, eu posso culpar uma mulher. Na verdade, duas.

Parte 5_ Golpista Afetivo

Tudo começou numa festa safada numa capital federal. Daquelas festas que as pessoas vão para fazer coisas inconfessáveis com pessoas que nunca viram na vida. E lá estava eu, no auge dos meus vinte e cinco, em minha fase junkie-intelectual, experimentando os prazeres da vida boêmia e da sexualidade desregrada. Conversava com duas loiras lindas, alunas de medicina, e preparava o bote. Conversa vai, conversa vem, uma delas pergunta o que eu faço.

Tecnicamente, na época, eu era um vagabundo profissional, blogueiro, golpista afetivo e psiconauta intelectualizado. Mas eu não respondi com a verdade. O diabo sussurrou a poderosa palavra em meus ouvidos: escritor. Fiquei excitado com aquela possibilidade, me apresentar como um homem de letras, um profissional da palavra, não um iniciante. Nenhuma mulher fica excitada com iniciantes. Não, eu tinha que posar de profissional, de garanhudo literato, e tinha de fazer isso porque era cool, divertido e interessante. E foi o que eu fiz.

Parte 6_ Pacto Com o Tinhoso

Deu certo. E eu peguei as louras. As duas. Assim o pacto com o Diabo foi consolidado. E eu não parei mais. Em qualquer canto que chegasse, dava a carimbada: “escritor”. Como o meu meio social não é o de pessoas letradas (no Brasil nem as classes letradas são realmente letradas), o impacto era fulminante. Todos os olhares se voltavam para mim, todas as atenções. E logo vinham as sugestões: “bem que você poderia escrever um livro sobre isso, ou sobre aquilo”.

Não vou mentir: foi bastante divertido. Mas, para ser franco, algo, em meu íntimo, me incomodava. Pelo simples fato de que, embora eu escreva, ainda não sou um escritor. Nem tenho livro publicado ainda. Sou apenas um blogueiro intelectualizado que conseguiu cativar algum público em alguns ambientes na internet. Blogueiro, futuro escritor. Sou um quase, uma promessa. Se eu terminar meu livro, e publicar, viro escritor. Estreante. Que não é lá grande coisa, mas já é um começo.

Parte 7 _ Blogueiro

“Ué, John, mas blogueiro não é escritor?”

Alguns são, outros não. A maioria não é. Eu não sou. Se for pegar o significado mecânico do termo, então até quem escreve bula de remédio é escritor, pois está escrevendo. Mas se considerarmos o aspecto artístico ou cultural da coisa, ou o caráter intelectual, veremos que nem todo mundo que escreve é, de fato, escritor.

Houve o dia em que percebi isso. Foi o dia em que eu saí da matrix. Foi quando finalmente percebi que só poderia virar um escritor quando reconhecesse que eu sou, por hora, um blogueiro. Um blogueiro interessante e promissor? Talvez. Mas preciso melhorar. Melhorar em muita coisa.

E, claro, preciso terminar o livro que comecei.

Até foi legal fingir que eu era escritor, mas resolvi parar.

Parte 8 _ Escritor Safadinho

É hora de começar a tentar ser um, de fato.

Afinal, ainda há muitas louras, e morenas, e negras, para quem quero me apresentar, e conceder alguns íntimos autógrafos. Se é que vocês me entendem…

23/03/22

Um Breve Resumo de Como Chegamos até Aqui


Cabe notar que não chegaríamos tão longe sozinhos. Antes de tudo, devemos compreender que fomos vitimados por influências terríveis.

Dessas influências terríveis, foram agentes: o liberal,  que atua contra a liberdade do vizinho em ser socialista; o socialista,  que sonha em mudar o mundo mas atenta contra a ordem moral que inspirou o socialismo; o conservador, que rejeita a latinidade, da qual é herdeiro histórico, despreza a alta cultura do país onde vive, deixa seus museus queimarem e fetichiza o modo de vida americano; o cristão, que não lê a Bíblia e ainda não descobriu que o cristianismo ensina uma vida simples de abnegação, caridade e retiro; o  educador, que abomina hierarquia, correção e superioridade intelectual; o jornalista, que nem tenta ser imparcial porque na verdade é um militante travestido; o policial miliciano, que é mais criminoso que bandido, e de quem o pobre frequentemente é vítima colateral; o político, que roubou ontem, roubou hoje, roubará amanhã e roubará sempre, e que continuará a se eleger pregando contra a corrupção; o empresário, que detesta concorrência e prefere os favores escusos de políticos que receberam seu dinheiro em campanhas eleitorais; o amante, apaixonado e volúvel, que trai e mata sua mulher; a amante, pródiga e volúvel, que é fatalmente seduzida pelo amante apaixonado que a matará; o funcionário público, que não sabe informar corretamente e prefere conversar com os colegas a nos atender; o artista, limitado, que nada vê na arte senão uma arma de guerra cultural e subversão; o pastor, o guru ou o líder espirital, que é na verdade grande empresário e marqueteiro; o escritor desiludido, que se  ressente com as panelinhas e hipocrisias da classe intelectual na qual outrora almejava ingressar; o raro homem honesto que, diante de toda essa estranha fauna, entende rapidamente que sua conduta está fora de moda e, fatalmente, se deprime.

Eis a surrealista marcha da vida social no país onde todos os pecados são pressentidos na véspera e esquecidos logo após a consumação. O país cuja vida nacional nas últimas décadas parece um pastiche de Chaves ou de Chapolim: história viciada e repetitiva onde conhecemos todos os personagens, todas as falas, todas as tiradas, mas, por algum motivo inexplicavel, continuamos assistindo e amando. Mais que meramente assistir, fazemos espetáculo: sorrimos, sambamos, bebemos e brindamos, e então, tarde da noite, entorpecidos, no auge de nosso hedonismo tropical imediatista, desregrados na vida e no gozo, nos vemos ante uma orgia sardônica e absurda: com anões, putas, travestis, padres pedófilos e crianças amputadas. O que aconteceu? Quem são essas pessoas? Onde estamos? Como chegamos a isto?  Queremos correr, escapar da cena, estamos arrependidos, envergonhados, queremos mudar, ficar sóbrios, sentimos culpa, confessamos, tentamos sair, mas não conseguimos: mãos e braços nos puxam, bocas deformadas por tratamentos com botox nos beijam, silicones exagerados de prostitutas televisivas nos atacam, corrompendo nossa face amedrontada. De um lado, a escandalosa gargalhada da Inês Brasil, do outro, o sorriso diabólico do Kid Bengala. E finalmente, depois de abusos que o pudor me impede de narrar, sentimos o mal imponderável: ELE: o elemento grosso, rijo, cilíndrico, pulsante, a violar sem qualquer piedade o nosso orifício sensível. Vindo sabe-se lá de quem e aviltando o que nos restava em dignidade.

E foi assim que, mais uma vez, no curso da vida nacional, por termos nos deixado levar, fomos magoados, naquele lugar.  Que ainda dói.

Agora só nos resta mancar. E agradecer, ou reclamar, a todos cuja influência foi decisiva. 

...

O texto acima foi originalmente publicado no Facebook. Abaixo, as reações:



21/03/22

Afinal de contas, o que é a Matrix?


Quer mesmo saber?

Então deixe-me te mostrar até onde vai a toca do coelho, pequeno neoPreparado? Vamos lá:

Sobre o Filme:

Basicamente, a “matrix”, segundo o contexto da trilogia cinematográfica dos irmãos wachowski, é o termo usado para descrever uma realidade virtual produzida por formas de inteligência artificial (A.I )que se rebelaram contra os seres humanos no passado, numa guerra onde as máquinas venceram.

Desde então, as máquinas vem utilizando os seres humanos como fonte de energia. Ao mesmo tempo, para que os humanos não tomem consciência disso, as máquinas criaram um meio de controlar a mente humana, criando um mundo virtual, ilusório, uma prisão mental a matrix—, mas que a maioria dos humanos aceitam como real.

12/01/22

Estoicismo e Política

 

Busco de Marco Aurélio, o Imperador Estóico

Se há um juízo que considero verdadeiro é a noção de que, neste mundo em que vivemos, TODAS as coisas boas - o amor, a amizade, a lei, a honra, a honestidade, a justiça, a moral, etc - são extremamente frágeis e demandam de nós um esforço colossal para serem mantidas sem perderem a essência.

A lei da tendência à entropia parece não se aplicar apenas a  sistemas físicos, mas também à realidade ontológica das relações e construções humanas: tudo que é bom é fácil de ser perdido, roubado, arruinado. O  mal, por sua vez, nos é dado naturalmente - não é a barbárie o estado natural do "sapiens-sapiens"?
 
É aí que reside, penso, a grande força do pensamento conservador. A ideia de pecado, de tendência natural ao erro, de desconfiança da capacidade humana, torna-se um complemento essencial ao liberalismo iluminista. Pode-se dizer que o conservador será sempre mais realista que o liberal, enquanto o liberal será sempre mais realista que o socialista.

Diante das loucuras e incongruências humanas o socialista irá se deprimir e propor 'um outro socialismo' e 'um outro homem', o liberal vacilará em sua crença no progresso e na ciência, já o conservador, estóico, se limitará a dizer o seu ponderado  "eu avisei".



***


Nota do editor: o comentário acima  foi escrito em 2015 e originalmente publicado no Faceboook.

05/01/22

Como Não Fazer Amigos, Não Pegar Gatinhas e Não Influenciar Pessoas


Como alguns adolescentes, aos treze anos eu era inseguro e assombrado pela interação social.  Mas com o terrível inconveniente de ser nerd: adorava quadrinhos de super-herois musculosos, revistas, programas de animes com japinhas gostosas, desenhos, filmes da Sessão da Tarde, do Cinema em Casa, Cine Band Privê e, muitas, muitas punhetas pela madrugada afora.

Tudo isso coisas que não me aproximavam nem das gatinhas nem da estima alheia.

 A stranger in a strange land.

A moda na época era fazer cursinhos, e o Inglês era a bola da vez. Sorteado, caí de paraquedas no cursinho gratuito do município. Eu detestava o idioma gringo, principalmente por conta de dificuldades na pronúncia. ‘Strawberry’ — Oh, céus! — como querem que eu fale esse treco? A possibilidade de ser zoado por mais uma inadequação me era quase tão assustadora quanto o apocalipse cristão. Pouco importava. Quem mandava em casa era o coroa. Lembram da ‘vondade geral’ de Rosseau? Era a vontade do meu pai.

No primeiro dia de aula, várias mulheres na turma. A maioria mais velhas que eu, o que achava menos pior. Na cadeira ao lado, Fernando, o garanhão da minha rua (‘Fernandinho’ para as meninas que, como a minha irmã, caiam babando por ele). Era meu completo antípoda: falso cristão, falso ‘cara legal’, sucesso com as mulheres, muito prestígio social (sei disso por que depois viramos amigos). E eu lá, ‘o carinha esquisito’, torcendo pra aula acabar antes que fizesse alguma vergonha.Mas quem disse que a vida é fácil? Não dei sorte; a teacher pediu que nos apresentássemos, começando por “hi, my name is… “ e depois seguindo no idioma de Camões.

Falar em publico, e falar inglês, na frente de uma dúziza ou mais de desconhecidos, recebendo todos aqueles olhares curiosos e julgadores. Enquanto os outros falavam, eu transpirava, nervoso. “Por que senhor ? Por quê ? Não tenho sido um bom cristão ? Tudo bem, eu prometo que paro de ver putaria, prometo!” Era uma prova, pensei. Eu tinha que passar. Se quisesse ser pregador, teria que aprender a falar em público um dia. O dia chegara. Enfim, aceitei meu destino, encarando o desafio com resignação e coragem. Chegada minha vez, fui confiante. Como todos antes de mim, levantei e falei.

Mal abri a boca e, em uníssono, todos gargalharam.

Demorei alguns minutos para perceber: o nervosismo foi tanto que eu falara ‘Hau’ ao invés de ‘Hi’. Com isso, entregara-lhes precisamente o que tencionava esconder; o fato de que eu era, naquela época e circunstâncias, um completo bicho do mato, comunicando-me tal qual um selvagem.



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Nota do editor: a crônica acima  foi originalmente escrita no ano de 2015.