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11/01/23

Morpheus na Netflix


Sandman virou série na Netflix. Boa parte dos nerds saudosistas ficaram entusiasmados e eufóricos, mas eu pergunto: há real motivo para isso?

Infelizmente não há. A adaptação é fraca, diluída, entediante, com diálogos ruins, totalmente woke* - desnecessário para uma história que já era repleta dessa ideologia. Tiraram a maior parte do peso filosófico, do existencialismo melancólico (quase misantrópico) e do caldo de referências literárias e culturais que eram a perfumaria da HQ. A série, infantilizada para atingir maiores audiências, carece do brilho do cultuado gibi de Neil Gaiman; apesar da boa caracterização do protagonista e de que, sim, eu também acho legal ver o trevudo gótico e temperamental mestre dos sonhos (plágio descarado de Elric de Melniboné) numa versão "live action" com bons efeitos especiais.


Esse, porém, não é o único motivo. A atualização da história de Morpheus dos Perpétuos inevitavelmente provocará uma corrida ao ouro: assim como aconteceu a The Boys e The Walking Dead, os nerds que são de fato nerds - e hoje para ser nerd no Brasil basta saber ler e gostar de fazê-lo - irão buscar a fonte, recorrendo aos gibis clássicos de Gaiman. Bom para as editoras, ruim para os leitores; porque, a curto e médio prazo, como a cultura woke é a cultura oficial dos universitários e cronistas de cultura pop, veremos pipocar artigos do tipo: "Precisamos falar sobre o Machismo em Sandman"; "O Racismo e a ausência de deuses negros em Sandman"; "A gordofobia na obra de Neil Gaiman"; "Sexualidade, Transformismo e Identidade em Sandman".


E o nosso belo e querido Lorde, aristocrático e transcendente, será sequestrado para o discurso inconsequente de ateus toddynhos psolistas e jovens místicos, o que aumentará drasticamente a probabilidade de eu efetivar meus tão sonhados homicídios em massa num departamento de humanidades de uma boa e grande universidade deste país (USP, eu estou pensando em você!)

Gosto de Sandman e acho tudo isso lastimável. Assistam a série porque ainda assim é interessante e divertida, mas estejam avisados. E percam as esperanças...


* OBS: Por comodidade e espaço, usei aqui este termo gringo - "woke" - que refere-se a fenômenos como o identitarismo esquerdoso, o politicamente correto e a cultura do cancelamento.


                                                                        ***

Nota do Editor: o texto acima reflete uma opinião crítica milimetricamente fabricada para irritar fanboys e "guerreiros da justiça social", originalmente publicada em perfil no Facebook

03/08/22

Um Óculos Para Mersault


Um simples óculos evitaria o homicídio mais idiota da Literatura.

Agonia ao reler O Estrangeiro. Que bem faria a Mersault um óculos de sol! (já existia em 1942...)E que mania horrível aquela de "tanto faz", uma indiferença cuja origem só pode ser a apatia ou um germinal niilismo. Sugere o segundo quando, várias vezes, inclusive diante da proposta de casamento, reage com "isto não significa nada", negando o valor das convenções.

Tipinho hedonista e sem ambições, Mersault é motivado sempre por ideias de jerico e pelo seu caráter morno, sem sangue e sem sal. Tipinho que dá nos nervos. Homem sem drama, sem dor, sem paixão. Tem o espectro emocional resumido em duas sentenças: "isto me aborrece" e "isto me agrada". Se lhe cortassem os bagos, era capaz de reagir com:"Tanto se me faz" ou "Aborrecia-me viver sem os bagos".

Mesmo o crime que comete não lhe é fruto da vontade, mas antes de equívoco. Evento descrito numa cena que, aliás, é mal escrita e deficiente em credibilidade: como é que se explica que Mersault, desnorteado e cego pelo calor excessivo, a nove metros de seu inimigo, acerte-lhe nada menos do que cinco tiros?! Falta coerência nesse arranjo: a cena não convence. Ora, àquela distância, nem a navalha do árabe oferecia ameaça e nem Mersault lhe poderia acertar os cinco tiros, visto a sua condição ser a de um fotossensível cego pela luz solar. O mais cabível na cena era que este atirasse aos céus e que o outro, assustado, fugisse.

Ante personalidade tão mequetrefe, entende-se bem o incômodo da sociedade julgadora: que mais se admira da falta de emoção do homem do que propriamente de seu crime.

É dito que essa obra de Albert Camus - considerada indevidamente um clássico - trata da filosofia do autor, que explora o conceito de Absurdo. É explicação leviana e equivocada, uma coisa nada tem a ver com a outra. O Mito de Sísifo é interessante e bem escrito. Em O Estrangeiro, exceto pela cena mal escrita de homicídio, nada há de absurdo no que acontece à Mersault.

Absurdo, absurdo mesmo, é que uma obra tal, tão tímida na forma e tão baixa no conteúdo, seja tão recomendada e tão lida por aí.

A minha vontade de leitor era a de aprender magia negra, ressuscitar Camus, pegar os meus volumes de Celine e Victor Hugo e dar-lhe incessantes bordoadas aos berros de: "Está vendo? É assim que se conta uma história, desgraçado!";"Tome! Sinta! Sinta, desgraçado! Sinta na pele a Literatura de gente!"

Concluo com o meu preconceito: quem nasce argelino, jamais chega a ser francês. Nasce pobre e faz pobre a literatura. Uma literatura assim, sem o L maiúsculo.

16/03/22

Mais Estranho Que A Ficção: E mais fácil do que deveria...




Há mais de dez anos, em algum canal de TV - acho que foi na extinta Play TV, passou uma interessante resenha sobre este filme. O enredo parecia inusitado e criativo, promissor, o suficiente para eu querer assistir. Mas o tempo passou e esqueci o nome do filme. Persistiu, porém, a vontade de assisti-lo. Foi só em 2021, no Segundo Ano da Peste, que eu descobri o nome, baixei o torrent e finalmente assisti Stranger Than Fiction.

E então, o filme é bom ou ruim?

Bem... eu não diria que é um filme ruim, mas parece-me que está fadado a ser mais interessante para amantes de Literatura que para o público geral. E sou obrigado a escrever isso pois existe um grande problema no desenvolvimento da obra: as relações acontecem com mais facilidade do que deveriam. Quero dizer: as reações e comportamentos dos coadjuvantes não são verossímeis. 

Vejamos: (1) a secretária, uma negra norte americana, é demasiado complacente com a escritora em crise, quando o esperado seria que brigassem e não se suportassem - afinal a escritora inglesa é terrivelmente arrogante e autocentrada, ao ponto de irritar o expectador. Pessoas vividas sabem que os negros norte-americanos não levam desaforo pra casa, logo; uma mulher negra americana sendo destratada por uma inglesa metida soa ridículo e inverossímil; (2) o professor de literatura decide passar o tempo tentando descobrir de quem é a voz narrativa que o protagonista escuta, mas faz isso sem ter nenhum bom motivo, simplesmente aceita a história fantástica de um desconhecido que possivelmente é esquizofrênico; e (3) a confeiteira esquerdista trata afetuosamente o protagonista, sujeito que ela detestava, e vai além, apaixonando-se pelo mesmo, que aliás é morno, monótono, burocrata, sem beleza e que em nada tem a ver com ela.

A piada é que, com isso tudo, o expectador fica com a sensação de que são os coadjuvantes que fazem parte de um roteiro invisível e abusivo, no qual são privados de autonomia e necessariamente devem ajudar o protagonista. É claro que os coadjuvantes precisam se comportar como se comportam para que a trama vá para frente - esse não é o problema. O problema é que suas motivações ou não existem ou são mal explicadas e não convencem.

Os que gostam de Literatura e de obras relacionadas, especialmente se possuírem interesse em gnosticismo hollywoodiano, poderão dar um desconto e focar na boa atuação de Will Ferrel e Emma Thompson.

Assim, Stranger Than Fiction, na opinião crítica deste blogueiro metido a cinéfilo, está longe de ser um grande filme e é apenas divertido e ligeiramente engraçado. Numa comparação qualitativa, eu diria que fica uma estrela abaixo de The Professor (2018), filme que tem ritmo semelhante e intensidade igualmente amena, mas com a vantagem de possuir personagens com justificações convincentes.

Para não parecer chato demais, vale dizer que a atuação de Emma Thompson como escritora está magistral, convincente e charmosa.

Dei ao filme duas estrelas e meio no Filmow, onde originalmente publiquei este comentário. Considero que três estrelas sejas bom, portanto, duas estrelas e meio seria algo como quase-bom.

10/03/22

Do Biquini à Piriquita: a ascensão do Kitsch nas metamorfoses da canção “Tédio”

 


Era 1985 quando a banda de rock Biquini Cavadão lançou a canção “Tédio”. Em cima de uma levada pop rock, a letra reproduzia o conteúdo de uma suposta ligação na qual uma das partes confessava sofrer do desagradável sentimento. 


Não era brilhante, mas era divertida e fazia sentido, já que tédio é algo que todo mundo sente ocasionalmente. A canção fez mais sucesso do que a banda esperava, tocou exaustivamente nas rádios e há relatos de que foi muito reproduzida em departamentos públicos.

Para os críticos musicais da época, o rock brasileiro oitentista, cheio de influências Punk e New Wave, era musicalmente inferior ao que fora produzido nos anos 70 e 60, como Jovem Guarda e Mutantes. De tal modo que as músicas do Biquini Cavadão eram consideradas como expressão de uma vertente cultural simplória e menos interessante em termos artísticos. Era música medíocre. Mesmo assim, ou talvez por isso, a melodia de “Tédio” grudou na cabeça do público.

Vinte e quatro anos depois, uma irrelevante banda de brega pop paraense chamada Banda Katrina, numa explosão de humor de duplo sentido, ressuscitou a melodia de “Tédio”, dessa vez expressando-a junto a uma letra criativa ao estilo Raimundos, na qual destacava-se o título: “Quem Vai Querer A Minha Piriquita”. Contava a história de moça fogosa, ou brincalhona, interessada em dar a piriquita. Música extremamente ruim, porém engraçada, foi sucesso instantâneo. A velha melodia voltou a grudar na cabeça do povo. 



Dois anos depois do estrago da Banda Katrina, o funkeiro Mr. Catra, que no início da carreira tocava numa banda de rock, entrou na onda e resolveu dispor da melodia de “Tédio”. Uma versão funk, por que não? Pôs na música batidas mais acentuadas, maior destaque na melodia e, claro, uma letra para lá de sacana. Chamou a canção de “Adultério”.



O perfil artístico de Catra é o de um oportunista que submeteu o pouco talento que tinha ao escracho, ao cinismo e ao deboche. Suas músicas mais relevantes são brincadeiras sacanas ou paródias. Produziu Kitsch e surfou no Trash Culture do funk proibidão. Nessa área a performance e a ousadia — ousadia aqui nada mais é do que a coragem de exibir sua mediocridade musical em público — são muito mais importantes que o talento. Catra era desinibido, excêntrico, bem humorado e carismático. Foi o suficiente para que os brasileiros ouvissem suas músicas e lhe devotassem atenção. A música “Adultério” foi um imenso sucesso. Tanto que até hoje muitos jovems quando escutam “Tédio” acreditam que é uma cópia da canção de Catra. É a criatura devorando o criador. A melodia, mais uma vez, grudou na cabeça do povo.

Finalmente, como o Brasil não é para amadores, neste ano de 2022 as coisas chegaram a um nível ainda mais estranho. Uma espertinha chamada Juliana Bonde, vocalista do Bonde do Forró, resolveu repaginar a versão da Banda Katrina, alterando um pouco a letra, mantendo o terrível teclado eletrônico e elevando a sonoridade forró. Eis a versão mais lixo de todas, o que no Brasil significa a fórmula mágica do sucesso. Mas como Juliana Bonde além de bela é astuta, deu o golpe fatal: tratou de ridicularizar na letra uns nomes famosos da cultura nacional. Atirou para todos os lados: religiosos, políticos e músicos. Disse que daria sua piriquita para o padre Fábio de Melo, mas não para Luan SantanaLula e Bolsonaro.

Antes dela, o último a dar o golpe das citações foi Serginho Malandro; em sua espirituosa paródia de Drake.



Desnecessário dizer, mas a versão de Juliana ( que o dileto leitor pode conferir no video abaixo) está fazendo tremendo sucesso. A melodia está grudando na cabeça do público.



O que não é bom sinal, e provavelmente indica que em breve vem coisa pior por aí.  E assim, uma vez mais, constatamos o Kitsch como expressão máxima da preferência nacional, neste caso — que está longe de ser um evento isolado, e por isso serve para ilustrar a tendência mais geral que assola a música comercial brasileira — temos uma canção boboca que é a cópia da cópia, sempre prometendo uma futura versão ainda pior; numa sucessão sempre previsível, numa dinâmica perpetuamente monótona.

É ou não é de entediar qualquer um?

07/02/22

O Texto, a Divulgação e a Polêmica da Piriquita



Embora desprovido de grandes pretensões literárias e consciente de minhas limitações nessa arte, creio que - mesmo sendo blogueiro e cronista de menor categoria -, mereço ser lido pelos leitores de crônicas e blogs; especialmente pelos leitores de crônicas e blogs de menor categoria, e mais especialmente ainda pela parcela que sofre de masoquismo literário e desprezo pelos gramáticos. Em minha autoindulgência chego até a considerar que posso, em alguma ocasião, ter escrito algum texto interessante ou provocativo, digno de um público maior.

No entanto, uma dificuldade persiste. Onde publicizar um texto quando você é apenas um blogueiro desconhecido e escritor amador? Como conseguir leitores que tenham interesse no que você tem a dizer? São questões que frequentemente me afligem.

Eis uma verdade universal que todo escritor digital deve saber: para quem quer leitores, não basta escrever; divulgar é tão importante quanto. É nesse aspecto - o da publicidade - onde muitos blogueiros falham, inclusive o autor destas linhas. Encontrar o público de certos textos pode dar trabalho, é preciso uma disposição que nem sempre me anima. Sou cronista preguiçoso, reconheço.

Além disso, há vantagem na obscuridade: ela nos protege da crítica indevida. A desvantagem é que protege-nos também da crítica pertinente. Ter o texto exposto e criticado pode servir - e geralmente serve - para amadurecer o entendimento do escritor sobre o próprio texto e as reações que ele suscitou. Outra parte interessante da exposição textual na internet é a oportunidade de interagir com os leitores. Digo: interagir com os bons leitores, aqueles que compreendem o texto e têm alguma contribuição cultural ou argumentativa a fornecer. Quanto aos maus leitores: o jeito é ignorá-los.

Trarei a seguir um bom exemplo prático de como a divulgação pode trazer resultados interessantes. Mas antes devo confessar, meus caros, que apesar ter iniciado este blog com o objetivo de abandonar o Facebook, eu continuo escrevendo, ocasionalmente, na rede social do Zuckerberg. E foi surfando por lá que, outro dia, em reação à postagem de uma amiga que compartilhou a "Piriquita" - refiro-me a inusitada e recente música de Juliana Bonde - escrevi um comentário longo (para os padrões do Facebook) a respeito da manifestação do Kitsch em tão peculiar canção. No comentário eu explicava o processo de decadência que sofreu a canção "Tédio", da banda Biquini Cavadão, até virar a estrambótica e terrivelmente bem humorada versão do Bonde do Forró.

Sujeito de tendências misantrópicas, tenho poucos amigos no Facebook - cerca de 168. Desses, há um pequeno grupo, que varia entre 10 e 15 pessoas, com quem interajo de modo recorrente. Formam o seleto grupo de insensatos que lêem as bobagens que escrevo por lá. Como são leitores qualificados e que sempre acrescentam, não tenho do que reclamar. No entanto, desta vez, como fiz comentário de um evento atual, coisa que evito, fiquei curioso para saber como outros leitores reagiriam ao texto, já que o assunto está muito falado no Twitter e em outras redes sociais.

De início, achei que era boa ideia publicá-lo em meu perfil no Medium, já que faz tempo que não publico por lá. Faria bem um texto novo, pra variar. Foi o que eu fiz. Porém, logo em seguida, lembrei-me que o ritmo de interação no Medium é mais lento, e que lá não é a melhor plataforma para explorar as polêmicas da semana. Então percebi que para que o texto fosse lido por mais leitores, eu deveria divulgar o link do texto do Medium em grupos do Facebook. Felizmente, por sorte, faço parte de alguns grupos de música cujos membros são muito engajados em debates e polêmicas. Divulguei o texto num desses grupos e o resultado foi melhor do que eu esperava. Os recortes das métricas confirmam:

Recorte 1) O alcance e as reações do seleto público do meu perfil principal no Facebook.



Recorte 2) O alcance e as reações à divulgação do texto no grupo "Psicodelia Brasileira"



Recorte 3) Em um dia e meio, as estatísticas de visualização do texto no Medium subiram de 0 para 213.


Recorte 4) Comparando com os textos não divulgados, e que estão no Medium há muito mais tempo, a diferença nas estatísticas é abissal.


Tal experiência prática, além de confirmar a importância da divulgação, me fez pensar um bocado. Então, veja você, escritor iniciante, cronista, ou blogueiro, o como é possível e fácil ampliar o público de seus textos. Depois de escrever, basta a estratégia correta para divulgar. E depois é encarar as reações, boas e ruins.

No meu caso, entre as várias reações ao texto, este comentário, presente num debate cheio de farpas entre este autor e um leitor inteligente, foi difícil de ler, pois demasiado verdadeiro. Doeu-me o coração sensível.


Já este outro, eu adorei, por ser mais verdadeiro que o anterior e ser expresso por uma bela mulher, o que é ainda melhor.