14/09/22

Um Drama Profundamente Reacionário — Ou: Eu Ainda Não Mostrei o Popozão




Apesar de ter alguma pouca ambição literária (pecado infantil que ainda não perdi) não chego a me classificar como “escritor” e tampouco como “escritor em formação”. Quer o desejo de precisão que eu me qualifique pelo que fiz e faço. O que fiz e faço? Blogs: fiz e faço blogs. Tive-os aos montes e agora mantenho alguns. Sou, portanto, um blogueiro. Blogueiro blogspot. Blogspot, lembram o que é?

Há 10 ou 15 anos, o termo “blogueiro” designava uma pessoa geralmente jovem que tinha aptidão ou paixão literária e, por algum motivo, queria exercitá-la. Essa pessoa podia ser o seu vizinho adolescente, aquele seu amigo metido a cronista, aquele outro que se acha crítico cultural, ou podia ser um músico como o Lobão, o Humberto Gessinger e o Tico Santa Cruz (sim, todos eles tiveram blogs), podia ser também um escritor iniciante talentoso e com alguma reputação, como aconteceu com o Daniel Galera e o Alexandre Soares Silva, ou podia até ser um autor de nome consolidado e reputação mais ou menos ilibada, como o Sérgio Rodrigues. O comum entre todos era a paixão pelas letras, a busca do cuidado com as palavras, a performance literária, a reflexão.

Hoje, em grande parte por culpa de redes sociais como o Instagram, o termo “blogueiro” perdeu essa capacidade descritiva. Hoje qualquer jovenzinha de bunda mais ou menos arrebitada ou que saiba copiar e colar frases da Clarice Lispector se entitula “produtora de conteúdo” e “blogueirinha”.

Eu, que não quero de forma alguma me ver associado a esse tipo de gente, que pra mim nem é gente, ando tendo enormes crises de identidade. Não sei se me atualizo na carreira, migro pro Instagran e passo a tirar fotos da minha bunda e intercalá-las com versículos bíblicos e frases de empoderamento; ou se, estóico e teimoso, mantenho a tradição de blogueiros que escrevem — e tentam escrever algo mais ou menos interessante — em plataformas para blogs.

A minha solução provisória é me apresentar como cronista e blogueiro à moda antiga. Gosto, inclusive, de como soa reacionário e demodé. Já antecipo os olhares indignados da multidão, as falas de protesto: “Como assim ele é blogueiro e não mostra a bunda? Como ele não faz dancinhas? Como assim nenhuma citação da Clarice? Como ele quer ser blogueiro sem falar da opressão do polvo preto? Da dor das mulheres virgens com cachumba no joelho na Vila Inhaúma do Sertão de Atibáia? Como ele não usa SEO? Como não faz tráfico pago e não escreve copiaburro, digo: coypright? Que sujeito reacionário!”

Tenho medo que meu nome seja lançado aos guerreiros da justiça social e eu saia nos comentários do Twitter como o mais novo opressor das blogueirinhas. Estou amargo, desiludido, o peito dói. Mundo triste este em que nem os blogueiros de ofício são respeitados.

Ainda não mostrei o popozão. Mas até quando?

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