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02/01/22

Lucas Fez Contato: Breve Nota Sobre o Meu Amigo Mais Descolado

A foto do Lucas que capturou um interessante período de nossas vidas.

Fotógrafo e mestre em historia da arte, Lucas Lopes está entre os amigos que mais invejei. Um dos meus  mais longevos camaradas, a origem de nossa amizade deu-se há muitos anos numa divertida turma de oitava série. A paixão por rock, cinema, terror e contracultura nos uniu; assim como nossa sensibilidade melancólica, ou existencialista. Veio dele o primeiro CD do System of a Down que eu ouvi na vida. Sempre gentil, Lucas emprestou-me até o discman para que eu ouvisse o cd. Era 2006 e eu o achava muito descolado por ter um discman, além disso, simpatizava com seu estilo grunge, de cabelos grandes e desgrenhados, vez ou outra declamando alguma frase triste de Kurt Cobain.

Branco, de olhos claros, volumosos cabelos negros, lábios de um vermelho incisivo, olhar sereno, corpo magro e esbelto, deve ter quase um metro e setenta e cinco de altura. Seu rosto, fino e alongado, lembra um pouco o do escritor Robert Louis Stenvenson. Sua aparência, que sugere um perfil de modelo ou ator, sempre encantou as meninas. Daí parte de minha inveja, já que era impossível vencê-lo na arte de encantar as fêmeas. E, de fato, o safado abocanhou algumas meninas com quem eu gostaria de ter ficado, incluindo a bela e badalada Miss R.... Apesar da inveja, nunca levei para o lado pessoal. Não se pode ter tudo, afinal.

Desde os tempos do ensino fundamental continuamos amigos, travando contato as vezes mais e as vezes menos. Acho curioso notar que nosso desenvolvimento pessoal ocorreu por vias contrárias. Enquanto eu tornava-me cada vez mais ressentido, antissocial e arrogante intelectualmente, Lucas tornava-se cada vez mais aberto, humilde e acessível. Enquanto eu permanecia trancado em meu quarto cultuando filósofos mortos, Lucas desbravava o mundo, cultivando as pessoas legais e artísticas que existem nele. Sempre que nos encontrávamos eu ficava admirado com a popularidade e o carisma de meu amigo, que eu percebia pela quantidade de pessoas interessantes que o cercavam. Apesar disso, na maior parte do tempo eu desprezava sua abertura social. Apesar de bom leitor, Lucas não era tão intelectualizado quanto eu - ele era um hipster, e eu um projeto de intelectual diletante - ou ao menos era o que eu pensava, e por esse raciocínio eu concluía que para ele era mais fácil socializar com não-literatos e "cult-bacaninhas". (Na época, não me passava pela cabeça que o nível intelectual não é o melhor critério para julgar as pessoas. Eu realmente achava que era.)

Lucas e eu numa foto improvisada, num momento lúdico-canábico, há oito ou nove anos.

Hoje eu sei perfeitamente bem que a abertura social é uma das melhores qualidades de meu amigo, e que isso lhe proporcionou  muitas  experiências interessantes com gente diversa. Qualidade que aprendi a admirar e invejar. 

Por vezes noto certa atmosfera de mistério em meu amigo, algo difícil de descrever... Sempre achei que ele tinha algo de melancólico, não digo depressivo, mas uma aura de solidão resignada, com certo ar de nouvelle vague, apesar de vê-lo muito mais sociável e melhor integrado. Posso estar errado, mas parece que há um sentimento nele... Algo profundo e doloroso que eu não sei o que é. Impressão que faz lembrar a frase de Cobain que ele costumava citar: "Se meus olhos mostrassem minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo".

Eu e Lucas vivemos algumas boas aventuras juntos (uma delas foi acampar com amigos em comum). A última vez que o vi foi no início de 2019. Como eu visitava o Rio de Janeiro, marcamos encontro na casa do Matheus Antunes, um velho amigo em comum, aproveitando a ocasião para reunir alguns membros de nossa antiga gangue juvenil, os "Pés Pretos". Foi uma divertida noite, regada a boas substâncias ilícitas, bom álcool, boa conversa, sentimentos nostálgicos e boas músicas. Infelizmente, meu contato com Lucas arrefeceu consideravelmente nos últimos tempos, em parte porque passei anos morando em outro estado (Brasília) e em parte devido a escolhas naturais que nos levaram a caminhos distintos, o imprevisível fluxo da vida. Mas a amizade continua. Quem tem um bom amigo sabe como é: o respeito e o carinho permanece mesmo quando a frequência do contato se vai.

Em fins de 2021, uma grande surpresa: Lucas, que tem redes sociais mas raramente as usa, enviou enorme texto a um de meus perfis no Facebook. Com sua prosa poética e intimista, o amigo trazia sua perplexidade diante da vida, mandava um abraço e denunciava sua saudade. Foi inesperado mas ótimo presente de fim de ano. Uma dessas boas surpresas que a vida traz, e ótima oportunidade para retomar o contato.

06/12/21

Breve Nota Sobre Um Maldito

Lima Barreto com cara de poucos amigos.

Nascido numa funesta sexta feira 13, quase tudo em Lima Barreto parece triste, melancólico e cheirando à misantropia rancorosa. Mas não devemos nos deixar levar pelas aparências , pois o olhar desconfiado escondia um homem sensível, puro e nobre  -  talvez sensível demais.

Leitor de Dostoiévski e dos moralistas franceses, Lima Barreto desenvolveu uma afiada sensibilidade para notar as injustiças, contradições e misérias da condição humana. Se Machado preferia zombar do palhaço cósmico que é o homem, imergindo no cinismo cético, Lima preferia sinalizar sua revolta contra essa condição.

Simpático à monarquia, o autor de Policarpo Quaresma bateu-se contra os expoentes da Primeira República. Não era um homem de fazer concessões. Chegou a dizer que a República destinaria o Brasil à corrupção. Disse também que o Futebol iria produzir ódio e guerras entre os brasileiros. Ninguém o levou a sério. Hoje, porém, quando olhamos os jornais e vemos as tantas notícias sobre os roubos do governo ou sobre as brigas entre torcidas, fica difícil não lembrar de suas palavras.

Em mero início do século passado, e portanto bem antes da moda feminista, Lima já protestava contra o mau hábito dos brasileiros de assassinar suas esposas e  amantes. Hábito muito difundido entre os varões da nação e que, infelizmente, como atestam os noticiários, perdura até os dias atuais.

Taxado de autor marginal e de anarquista, Lima Barreto era, na verdade, um homem simples e frágil. Era homem do povo, mesmo sem ser popular.

30/04/21

Em Defesa do Charlatão — ou: porque Olavo de Carvalho é um mal necessário

 

Em artigo originalmente publicado na (ótima) revista Café Colombo, Joel Pinheiro da Fonseca — mestre em Filosofia, baluarte do EPL e integrante do Partido Novo— ataca com unhas, dentes e argumentos um antigo conhecido e colaborador. O atacado é ninguém menos que Olavo de Carvalho, o famoso Guru da Virgínia.

O senhor Pinheiro, que vem conquistando um público cada vez maior, é figurinha carimbada nos meios liberais. Eu mesmo já fui fã de seu trabalho e devo a ele, entre outros, a possibilidade de, anos atrás, ler in portuguese divergências inteligentes e racionais às falácias histéricas do Guru e de seus asseclas. Coisa que se deu no finado Ad-Hominem, blog do qual Joel fez parte e onde travou duelos intelectuais com seus amigos olavettes. Onde vislumbrei pela primeira vez na internet uma esgrima intelectual jovem, madura e inteligente, sem os vícios, xingamentos e aberrações que tanto vi em outras páginas de esquerda e direita.

Contudo, apesar de minha simpatia para com Pinheiro, farei aqui, dentro das minhas limitações (que são muitas), um esforço em apresentar um sincero ponto de vista divergente do exposto em seu artigo. Tentarei apresentar um ponto de vista que, ao mesmo tempo em que reconhece certo charlatanismo em Olavo, reconhece também os aspectos positivos dele.

Em principio, estou completamente de acordo com a crítica que Joel traça ao ego acachapante, ao aspecto sectário e à afetação de sabedoria mística tão evidentes em Olavo. Como o mestre em filosofia argumenta, para aqueles que estão familiarizados com o modus operandi do Guru, com seu passado sufi-perenialista, com suas frequentes incongruências, com seus erros cabeludos, paranoias, acusações infundadas e absurdos teóricos, nada é mais notório que o fato de se tratar de um sofista bem preparado, empenhando em vencer e influenciar incautos à qualquer custo.

A questão que quero enfatizar, porém, é que embora Olavo possa atrair gente inteligente e racional para perto de si, acredito que ele, como qualquer guru, só é capaz de hipnotizar aquelas pessoas que já querem ser hipnotizadas.

Explico. Acho que Olavo se aproveita do sentimento de devoção religioso e da disposição de crença de centenas de jovens e fiéis católicos, notavelmente ignorantes em filosofia, mas ao mesmo tempo ansiosos para fundamentar suas expectativas religiosas e condenar a plenos pulmões tudo o que destoe de seus dogmas. Assim, Olavo põe no ar a velha ideia medieval de que a “filosofia é serva da teologia” e os fiéis sentem que aderindo ao credo católico-olavético estarão a contemplar a mais sofisticada e profunda das ciências. Aqui, vê-se que Olavo é, acima de tudo, um místico disfarçado de filósofo.

Já o Olavo político, que só é ouvido e levado a sério pelos sectarios fiéis conquistados através da erística místico-filosófica, aparece como uma bizarra síntese de Gurdgieff, Alborghetti, Joseph Mccarthy e Alex Jones. Uma cria autêntica do espírito brasileiro de compor misturas impossíveis.

Para pessoas razoáveis, é difícil levar Olavo de Carvalho a sério depois de ler o que Orlando Fedeli escreveu sobre sua “Gnose Tradicionalista”. Ou depois de saber que ele, Olavo, rejeita a Teoria da Relatividade, defendendo a terra como centro do universo. Ou, ainda, que covardemente desistiu de um debate — que já havia sido marcado — com o vlogger e Biólogo Pirulla. E fica mais difícil quando compararmos seu comportamento de vinte anos atrás ao comportamento que tem hoje. Vê-se que o homem anda cada vez mais paranoico e enfurecido, vendo em todo lugar “agentes não pagos” do KGB.

Por isso, penso, Olavo só é levado a sério por gente desinformada ou fiéis que seriam capazes de levar a sério qualquer irracionalismo, qualquer guru, uma vez que a cosmovisão religiosa é pautada por uma necessidade de crença no absoluto e não pela necessidade de investigação sobre a natureza última da realidade, como é requisito da busca filosófica.

Entretanto, para nós outros — não olavettes em geral — , Olavo aparece como uma figura ímpar que merece ser lida e analisada, que merece ser discutida por quem pode evidenciar com racionalidade e seriedade suas paranoias e equívocos, justamente para desmascará-los. Falo aqui de conhecedores da obra de Olavo que hoje se opõe a ele, como Francisco Razzo, Jorge Velasco, Caio Rossi e o próprio Joel.

Apesar disso, é importante lembrar que não é em tudo que o guru se equivoca. Ouso dizer que há coisas boas na obra olavética. Sem dúvidas, a melhor delas é a diversidade de referências bibliográficas e intelectuais (“a bibliografia arcana” como chamou um amigo). Eu mesmo, por exemplo, conheci o excelente Antônio Paim lendo artigos do Olavo. E sei que muita gente só atentou para autores como Vilém Flusser, J.G. Merquior, Meira Penna, Alan Sokal, Otto Maria Carpeaux, Roger Scruton, Mario Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva depois de ler artigos dele ou de seguidores. Neste caso, ao menos devemos reconhecer que Olavo é eficiente em indicar autores notáveis. Ao menos como propagandista de intelectuais de peso ele presta.

Em segundo plano, como temas relevantes na obra de Olavo, pode-se citar as explanações sobre importância da Filosofia e Educação Clássica; validade de sistemas de ensino como Trivium e Quadrivium; discussões metodológicas sobre o filosofar; discussões sobre a argumentação, a erística e a lógica simbólica; assim como sobre a questão da importância da biografia de determinado filósofo no que se refere ao entendimento de sua filosofia. Tudo isso aparece na obra do guru, as vezes em forma de duelo com intelectuais divergentes. A rigor, tais conteúdos me parecem questões pertinentes e que devem ser discutidas.

Quando o assunto é Olavo, há que se falar também da questão do desenvolvimento intelectual dos indivíduos, coisa que se dá através do fundamental encontro com o erro. Eu mesmo já fui olavette e — quão difícil é confessar! — já andei a ruminar contra o Foro de São Paulo.

Sei que Joel e tantos outros já passaram por essa fase também. E suspeito que se voltarmos um pouco mais no tempo, veremos que provavelmente já fomos também mais inocentes às ideias de esquerda e às armadilhas da vida intelectual como um todo. Agora, um pouco mais preparados, podemos constatar que evoluímos e fomos desenvolvendo, aprimorando, nossa capacidade de juízo. Ora, tal progresso seria completamente impossível se não tivéssemos errado, não é mesmo? Afinal, que é o progresso senão a superação dos erros? Olavo é, creio, um dos erros mais importantes pelos quais devemos passar.

Costumo dizer ao meu irmão que há três passos para se iniciar na vida filosófica e intelectual: O primeiro é refutar o relativismo; o segundo é refutar o marxismo; e o terceiro é refutar o olavismo. Certamente que é uma piada, mas não deixa de ser séria. Creio mesmo que é preciso dialetizar, absorver o que há de bom e depois derrotar a erística olavética. Insisto que para o real investigador do mundo não há outra alternativa: é preciso investigar toda filosofia — ou filodoxia — que reivindique o status de verdade última. 

Puxando sardinha para o meu lado, faço notar que outro tema importante na obra de Olavo é o estímulo ao autodidatismo, aspecto educacional e cognitivo praticamente ignorado no sistema de ensino oficial. Jamais conheci um intelectual de língua portuguesa que desse tanta ênfase à curiosidade intelectual autônoma e espontânea e ao mesmo tempo fosse tão acessível quanto Olavo, e digo isso como um interessado em autodidatismo.

Não que não haja grandes defensores da pedagogia libertária entre os intelectuais brasileiros. Ainda reluzem os nomes de Jaime Cubero e Maurício Tragtenberg entre os expoentes do assunto. Mas, verdade seja dita, nenhum deles possui a mesma acessibilidade que a obra de Olavo.

Vejamos, por exemplo, o meu triste caso. Sou um sujeito pobre, e livro no Brasil é um troço bastante caro. Bibliotecas públicas, para quem mora no interior, são sempre distantes e extremamente precárias. Se desejo me educar, me informar, e então passo a ter contato com a obra de um sujeito preocupado justamente em não se prender a ideia de que educação é algo externo, feita num lugar específico e validada por carimbos oficiais; sendo ainda um sujeito culto e com variadas referências bibliográficas, é óbvio que ele terá papel importante em incentivar minha vida intelectual.

Precisamente o mesmo incentivo que me levou a instruir-me sobre posições outras e chegar até intelectuais como Joel Pinheiro ou mesmo o heterodoxo e interessantíssimo Uriel Irigaray. Nesse aspecto, Olavo está muito a frente dos intelectuais da academia que falam para pessoas que desejam carimbos e ignoram por completo as que estão ávidas por conhecimento. Afinal, porque as pessoas fora da universidade não poderiam buscar se educar e obter um bom nível cultural e humanístico? A falta quase total de consideração aos autodidatas deste país mostra que tal questão nem sequer passa pela cabeça de nossos pedagogos.

De qualquer forma, assuma ou não o Joel, a verdade é que Olavo tem lá suas qualidades, algumas das quais procurei mencionar neste texto. Além disso, Olavo também tem mérito: é o pai espiritual da Nova Direita, sendo uma figura proeminente no novo vigor que recebeu o ambiente intelectual brasileiro, principalmente na internet, particularmente nos últimos dez anos.

Sem dúvidas, é preciso falar sobre ele. Diria ainda que é preciso lê-lo e enfrentá-lo, e até mesmo expô-lo como fez o Marco Antônio Villa, como o próprio Joel está a fazer agora.

Enfim, digo com todas as letras: até que apareça um intelectual popular, realmente culto e bem mais simpático, o Guru da Virgínia será um mal necessário. E os que, como Joel, Uriel e Razzo, conseguirem passar por ele, certamente sairão fortalecidos e poderão contribuir intelectualmente, confrontado as incongruências do guru e abrindo os olhos das pessoas.