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17/05/23

Notinha #10: As Vantagens da Ignorância

O que me livrou do suicídio não foi Deus, o Amor, a Família ou a Esperança, mas sim a Burrice. Minha perfeita, gloriosa e abundante burrice.

Aconteceu que, pesquisando, obtive o raro e polêmico "Manual Completo do Suicídio". Livro escrito por um japonês que catalogou e descreveu os vários métodos, comparando eficiência, nível de dor e impacto social.

O problema é que estava tudo em língua japonesa. Nenhuma versão traduzida, nem em inglês. Meu último ânimo vinha da ideia de deixar esta vida, mas a embaraçosa situação irritou-me tanto que até esse ânimo eu perdi. Até nisso eu fracassei.

E hoje estou aqui, vivinho da silva. Prova incontestável de que a ignorância é uma benção.

18/01/23

A Lógica dos Coen

Alguns filmes dos irmãos Coen

Sempre dizem que os filmes dos irmãos Coen são caracterizados pelo niilismo e pelo absurdo não explicável das situações. Mas eu tenho a forte impressão de que quase todos (ainda não assisti a todos) os filmes da dupla apresentam um mesmo padrão lógico: falam sobre pessoas normais ou idiotas que se acham mais espertas do que realmente são. Que fazem planos apressados para se dar bem com falcatruas, mas ignoram a complexidade da realidade, sendo incapazes de suspeitar dos desdobramentos inusitados de suas ações.

Vejamos:

Em *Fargo* (1996):

Um vendedor incompetente e ressentido acha que tem o plano certo para extorquir o avarento e rico sogro por meio de um falso sequestro da própria esposa. Contrata dois bandidos tão idiotas quanto ele e tudo sai errado, e a esposa morre.

Em *Queime Depois de Ler* (2008):

Dois instrutores de academia medíocres encontram arquivos do livro de memórias de um agente da CIA. Acham que o conteúdo é importante e confidencial. Como se julgam muito espertos, eles bolam o plano genial de tentar chantagear o agente.. Tudo sai errado, e um deles morre.

Em *O Grande Lebowski* (1998):

Jeff Lebowski e seus dois amigos são três idiotas que se acham grande coisa. Lebowski é divertido porque, talvez consciente de sua própria mediocridade, é o que menos se leva a sério. Tentam trapacear um ricaço, mas tudo dá errado, e um deles morre. O "Grande" do título, aliás, é extremamente irônico, já que Lebowski é um ser humano da estatura moral de um chinelo de dedo.

Em *Onde os Fracos Não Têm Vez* (2007):

O aparente protagonista se acha muito esperto roubando a valise cheia de grana, mas é pego e, obviamente, morre. Ou seja: tudo dá errado pra ele também. A sensação ao assistir o filme é terrível. Você espera um trillher de ação que acaba no momento em que começa a ficar empolgante. Parece que o filme acaba pela metade.

Em suma, histórias ridículas que terminam de forma mais ou menos catastrófica e não oferecem lição alguma; gente normal ou idiota achando que um grande plano lhes irá livrar da ruína financeira em que vivem, golpistas e a opção pelo crime feita por gente que não consegue prever as consequências dos crimes... Tudo isso me faz gostar dos filmes dos irmãos Coen por um motivo muito particular: eles me lembram muito o Brasil.

19/10/22

As pessoas estão ocupadas demais para a Filosofia?

 

Não. A maioria das pessoas trata as questões filosóficas de forma leviana porque vivem num nível meramente biológico: não aprenderam nem sequer a pensar. Muitos passam a vida inteira sem ascender ao nível intelectual (abstrato). E mesmo os que atingem esse segundo nível, muitas vezes não chegam ao nível espiritual. A Filosofia, mãe de todas as ciências, encontra-se entre o segundo e o terceiro nível.

Assim como ninguém nasce sabendo tocar piano, ninguém nasce sabendo pensar de forma profunda. É preciso ser educado para isso. Se não houver ninguém para educar, será preciso se autoeducar por meio dos livros.

A educação filosófica leva tempo, demanda muito esforço mental, provoca frustração, decepção, angústia, insegurança e, muitas vezes, desestabiliza a personalidade. Raramente o estudo da Filosofia leva alguém a ser alegre e a viver melhor. Pelo contrário, boa parte, se já não era, chega mesmo a ficar depressivo ou antissocial.

O homem comum, em geral, tem asco e desconfiança do intelectual, do literato, do livresco. Ele confia mais nas palavras do pastor do que nas do acadêmico.

Sem contar que o objetivo maior na vida, para muita gente, consiste basicamente em "se divertir". A ignorância da maioria das pessoas é totalmente voluntária. As forças sociais opressoras só precisam de um pequeno esforço para incentivar as massas a continuar assim. A política do pão e circo é basicamente a mesma coisa desde a Roma dos gladiadores.

                                                                      ***

Tive, quando era jovem e nada sabia dessas verdades, uma conversa com um notável exemplar da mentalidade abjeta que move grande parte de nossa juventude:

[…Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente.

Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa…].

Como eu disse antes, vivem num nível meramente biológico. O ser humano é um animal racional? Alguns são, mas certamente não a maioria.

[Tirinha tosquíssima na forma, porém hiper realista no conteúdo, do genial Bruno Maron do Dinâmica de Bruto ]

                                                                     ***

É tolice pensar que todo mundo deveria aprender Filosofia ou que todo mundo deveria se importar com Filosofia. Sempre há quem vá preferir não pensar.

Filosofia não é para qualquer um. Nada há de mais aristocrático e elitista que o conhecimento e a sabedoria.

                                                                     ***


Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora.

21/09/22

Se for falar, que tal falar algo que preste?

Quem nunca?

Começo com uma indelicada - mas verdadeira - confissão. Gente com curiosidade  e horizonte intelectual pouco desenvolvidos me entedia bastante. Coisa de provocar bocejo e tudo, asseguro.

Digo isso porque, com frequência maior do que gostaria, vejo e ouço os outros macacos pelados conversarem sobre coisas banais de modo absolutamente banal. Vendo tal coisa, não consigo deixar de pensar na quantidade absurda de temas, abordagens e referências culturais  interessantes - que poderiam embasar ótimas e produtivas conversas - sobre tudo, inclusive sobre coisas aparentemente banais.

Há tantos livros interessantes, ou com uma abordagem tal, sobre quase tudo que se pode imaginar. Não só livros: há documentários, filmes, entrevistas, programas originais de TV, seriados, quadrinhos, vídeos de youtube, podcasts, fanzines, revistas, espetáculos teatrais, jogos, museus, músicas, eventos culturais, palestras, etc, etc, etc. Grande parte deles, pra nossa sorte, estão disponíveis na internet.

Tem tanta coisa curiosa, interessante, impressionante e impactante mundo afora que, não posso deixar de concluir: o sujeito deve ser muito limitado culturalmente pra falar apenas sobre o próprio umbigo ou sobre o que orbita o próprio umbigo, especialmente quando esse umbigo não é lá muito interessante.

Assim, na maioria das vezes, me parece quase impossível conversar com os macacos pelados sobre temas outros que amenidades. Coisa triste, já que aprecio conversas inteligentes sobre temas interessantes, ou, ao menos, conversas inteligentes sobre temas comuns. De fato, meu negócio é comunicação, especialmente a comunicação  instigante: uma notícia fascinante nova, uma análise intelectual que permita compreender algo melhor, um mistério, um conteúdo artístico relevante, um problema filosófico, um experimento, um insight, uma heresia, uma curiosidade sobre a vida de um gênio ou figurão histórico, uma teoria pseudocientífica  doida, uma teoria científica doida, uma reflexão, um debate,  uma anedota  esperta, em suma; qualquer tópico que enriqueça a conversa, obrigue a refletir e traga perspectivas que ampliem o horizonte mental e cultural.

Sim, eu sei que é pedir demais. Sim, eu sei que  ao reclamar das preferências discursivas dos outros macacos falantes eu estou "impondo" meus valores e meus gostos, assumindo que eles são melhores  que outros. Mas são mesmo, pô! Então o que resta fazer? Sei que o brasileiro médio gosta mesmo é do "papo fiado", da fofoquinha, da zuêira sem limites e da conversinha de boteco. Sei também que nós, os introspectivos, curiosos intelectual e filosoficamente, sedentos e ávidos por cultura (nas suas melhores formas), estamos imersos num pequeno subgrupo social, que engloba; intelectuais, jornalistas, artistas e aspirantes a tais cargos. Mesmo assim, sejamos francos, como não sentir arrepios assustadores com esse mar de futilidade e esse deserto mental que é a cabeça do brasileiro médio - especialmente o jovem?

Eu, por exemplo, sei bem o quão frustrante é (tentar) conversar sobre um conteúdo instigante (Que tal o paralelo entre matrix e a alegoria da caverna, a dualidade onda-partícula, a lógica paraconsistente e as limitações da lógica clássica...) e ver uma respostinha tímida, resumida na frase  reveladora "Nossa, eu nunca tinha pensado nisso!".  Pois é, não falam sobre essas coisas no BBB, jumentinho.

Pelo que vejo, se depender do sistema educacional e da [in]cultura de massas, que tem um bizarro privilégio pelo kitsch, as pessoas nunca vão pensar nas coisas mais interessantes e estimulantes que existem.

Dito isso, devo abrir aqui um singelo parentesis e dar um desconto as pessoas engraçadas e divertidas, que tendem a dinamizar a interação, mesmo quando são incultas. Mas já digo que acho muito melhor quando o interlocutor é culto e bem humorado. Na minha visão, são dois pré requisitos indispensáveis para uma boa, interessante e produtiva conversa. 

Se for pra abrir a boca, que seja pra dizer algo que preste! 

...

NTC (Nota de contextualização): crônica originalmente escrita em 2017 para o meu finado blog (oleitoragnostico.blogspot.com). Contexto: minha eterna falta de paciência para a pobreza de temas e interesses nas conversas populares.

23/03/22

Um Breve Resumo de Como Chegamos até Aqui


Cabe notar que não chegaríamos tão longe sozinhos. Antes de tudo, devemos compreender que fomos vitimados por influências terríveis.

Dessas influências terríveis, foram agentes: o liberal,  que atua contra a liberdade do vizinho em ser socialista; o socialista,  que sonha em mudar o mundo mas atenta contra a ordem moral que inspirou o socialismo; o conservador, que rejeita a latinidade, da qual é herdeiro histórico, despreza a alta cultura do país onde vive, deixa seus museus queimarem e fetichiza o modo de vida americano; o cristão, que não lê a Bíblia e ainda não descobriu que o cristianismo ensina uma vida simples de abnegação, caridade e retiro; o  educador, que abomina hierarquia, correção e superioridade intelectual; o jornalista, que nem tenta ser imparcial porque na verdade é um militante travestido; o policial miliciano, que é mais criminoso que bandido, e de quem o pobre frequentemente é vítima colateral; o político, que roubou ontem, roubou hoje, roubará amanhã e roubará sempre, e que continuará a se eleger pregando contra a corrupção; o empresário, que detesta concorrência e prefere os favores escusos de políticos que receberam seu dinheiro em campanhas eleitorais; o amante, apaixonado e volúvel, que trai e mata sua mulher; a amante, pródiga e volúvel, que é fatalmente seduzida pelo amante apaixonado que a matará; o funcionário público, que não sabe informar corretamente e prefere conversar com os colegas a nos atender; o artista, limitado, que nada vê na arte senão uma arma de guerra cultural e subversão; o pastor, o guru ou o líder espirital, que é na verdade grande empresário e marqueteiro; o escritor desiludido, que se  ressente com as panelinhas e hipocrisias da classe intelectual na qual outrora almejava ingressar; o raro homem honesto que, diante de toda essa estranha fauna, entende rapidamente que sua conduta está fora de moda e, fatalmente, se deprime.

Eis a surrealista marcha da vida social no país onde todos os pecados são pressentidos na véspera e esquecidos logo após a consumação. O país cuja vida nacional nas últimas décadas parece um pastiche de Chaves ou de Chapolim: história viciada e repetitiva onde conhecemos todos os personagens, todas as falas, todas as tiradas, mas, por algum motivo inexplicavel, continuamos assistindo e amando. Mais que meramente assistir, fazemos espetáculo: sorrimos, sambamos, bebemos e brindamos, e então, tarde da noite, entorpecidos, no auge de nosso hedonismo tropical imediatista, desregrados na vida e no gozo, nos vemos ante uma orgia sardônica e absurda: com anões, putas, travestis, padres pedófilos e crianças amputadas. O que aconteceu? Quem são essas pessoas? Onde estamos? Como chegamos a isto?  Queremos correr, escapar da cena, estamos arrependidos, envergonhados, queremos mudar, ficar sóbrios, sentimos culpa, confessamos, tentamos sair, mas não conseguimos: mãos e braços nos puxam, bocas deformadas por tratamentos com botox nos beijam, silicones exagerados de prostitutas televisivas nos atacam, corrompendo nossa face amedrontada. De um lado, a escandalosa gargalhada da Inês Brasil, do outro, o sorriso diabólico do Kid Bengala. E finalmente, depois de abusos que o pudor me impede de narrar, sentimos o mal imponderável: ELE: o elemento grosso, rijo, cilíndrico, pulsante, a violar sem qualquer piedade o nosso orifício sensível. Vindo sabe-se lá de quem e aviltando o que nos restava em dignidade.

E foi assim que, mais uma vez, no curso da vida nacional, por termos nos deixado levar, fomos magoados, naquele lugar.  Que ainda dói.

Agora só nos resta mancar. E agradecer, ou reclamar, a todos cuja influência foi decisiva. 

...

O texto acima foi originalmente publicado no Facebook. Abaixo, as reações:



29/12/21

Educação e Crescimento do Pênis


Concordo cem por cento com a frase do Daniel Fraga de que “pobre deveria pedir licença para existir”. Contudo, devo esclarecer: penso em outro tipo de pobre.

O Sr.Fraga, um anarco-capitalista, provavelmente se refere ao pobre da classificação econômica. Já eu, estudioso de Psicologia, penso numa pobreza mais séria, mais profunda e mais difícil de ser resolvida: a pobreza mental, da psique, do espírito.

Daniel Fraga
O lendário Daniel Fraga
Como apesar de novo sou um tanto vivido, já conheci fortes candidatos a mais baixos exemplares de nossa espécie (excluindo a hipótese — bastante provável — de que fossem neanderthais infiltrados).

Durante dois anos, senti-me como Immanuel Kant se sentiria se fosse obrigado a viver entre galinhas, que são, como diz meu irmão, os bichos mais burros que existem. A burrice, no meio onde fiquei, era tanta, mais tanta, que cheguei a me sentir primeiro um sujeito esperto; depois, inteligente; e, por fim, um gênio de capacidade incontestável.

conhecimento
O pobre de mente

Nesse lugar, superabundavam os pobres de mente. Pessoas que são incapazes de compreender a função de um livro, ou o prazer do aprendizado, ou de qualquer coisa que exija algum grau de abstração pós-primário.

Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê eu lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.
 

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

“Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!”

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente. Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa.
 
O mais curioso, no entanto, é que ele estava errado.




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Nota do editor: a crônica acima  foi originalmente escrita no ano de 2015.