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10/02/24

O Blogueiro Extemporâneo




Acho fascinante dispor do blogger numa era em que essa opção já não é tão popular entre os internautas. Com essa atitude eu ingresso na galeria dos blogueiros extemporâneos - os que usaram antes de ser moda e os que ainda usam depois da moda. Antevendo a pergunta: por que você ainda escreve no blogger? Deixo registrada, aqui, a minha resposta.

Faço-o porque traz consequências curiosas e interessantes. Começo explicando que, em relação aos leitores, a relativa invisibilidade do blogger no Google me blinda dos olhares indiscretos de uma multidão de internautas analfabetos culturais; muitos deles proselitistas ideológicos (à esquerda e à direita), com parca ou nenhuma formação filosófica, pouco acostumados à discordância esportiva, pesquisa, leitura, crítica racional e argumentação inteligente. A discrição protege-me também da geração floco de neve, para a qual toda conduta avessa ao sentimentalismo tóxico progressista é um venenoso fruto da árvore de algum ismo. Esses, formados quase integralmente por mocinhos e mocinhas histéricas, teriam verdadeiros ataques epilépticos ao constatarem minhas opiniões sociais e políticas. Excluída - ou minimizada - a possibilidade de visitação desses tipos, minha preocupação quanto a possíveis reações debilóides ao meu conteúdo já decai um bocado. As piores coisas para o escritor são a auto-censura e a crítica leviana.  

Ou seja: gosto da liberdade que o blogger me traz, da paz que tenho aqui. Paz: bem precioso que eu jamais teria em antros de caos e perdição, verdadeiras selvas de gritaria, como Facebook, Twitter ou Instagram. Ainda sobre os leitores: descobri que prefiro atrair gente da minha convivência ou quase – parentes, leitores antigos, amigos e amigos de amigos. Ao menos esses, quando não são cultos, demonstram interesse na elevação cultural. Buscam compreender antes de julgar.  Atrair essa gente foi um dos propósitos originais deste Notas de Um Blogueiro Em Crise (NdBC).  

Há pouco mais de três anos, em conversas, eu às vezes revelava que escrevia. Surpresas, as pessoas me perguntavam sobre o quê e onde. Para responder essas duas perguntinhas simples eu me enrolava todo. Havia escrito sobre vários temas, em gêneros distintos, e minha produção estava fragmentada em dezenas de postagens no Quora, Facebook, Medium e em blogs minúsculos no Wordpress e no Blogger. Eu não sabia nem quais eram os temas ou os gêneros que praticava com maior frequência. Por isso tomei vergonha na cara e decidi pegar todo texto que eu achasse relevante, ou divertido, e pôr num lugar só, um blogzinho, simples, minimalista, com tudo bem organizado por tags. Assim nasceu o NdBC.

E agora, quem diria, estou no quarto ano de blog. Ostentando um bocado de textos devidamente alocados e catalogados (130 textos, incluindo este). Há ainda alguns por incluir, creio que algo entre dez e quinze, porém só o farei depois de severa edição. Na transferência dos meus textos para cá eu fiz três curiosas descobertas: (1) como nos incomodam alguns dos nossos textos do passado!;(2) como cometemos plágio involuntário!; e (3) como mudam as nossas ideias! Muitos dos textos postados em outras redes, que eu achei que viriam para cá, acabaram se mostrando datados, levianos ou de inteligibilidade restrita ao ambiente original. Com isso surgiu a vontade de escrever textos inéditos para o blog, o que fiz em algumas ocasiões, geralmente na forma de crônicas, notinhas e até poemas. Tive, é verdade, vontade de escrever artigos mais elaborados, mas não consegui porque optei em focar na edição e organização dos meus diários, material que a cada ano se avoluma.

Não decidi ainda qual será a tônica do NdBC neste ano.  Sei que não tenho ânimo para falar de política e filosofia política aqui, porque é o assunto mais deprimente e é um dos mais exigentes (eu não conseguiria escrever sem ilustrar o discurso com referências, o que tornaria a produção mais demorada). Sem contar que política é o tema que mais atrai problema. Melhor evitar, como sabiamente tenho feito. 

Dos meus temas de estudo e interesse, brasilidade e violência são dois que talvez mereçam comentários. Indicações e comentários tematizando a vida intelectual e literária devem aparecer, assim como notinhas sobre livros, eventuais poesias e crônicas. Pensei em pôr aqui a correspondência que tive com amigos intelectualizados na juventude, o que houver de interessante para publicar, como exemplo a ser seguido aos meus leitores mais jovens. É uma possibilidade..

Listas de música, as famosas playlists, e dicas de música, devo publicar aqui também? Dicas de blogs, comentários sobre internet, tecnologia e blogosfera devem aparecer. E talvez eu entreviste alguns intelectuais, blogueiros, escritores e artistas, amigos ou não. Pensei em voltar a desenhar, e poderia publicar aqui os desenhos. Pensei também em traduzir alguns artigos interessantes em inglês. Eu poderia falar sobre quadrinhos,  cultura pop e sobre programas antigos de TV. Ou poderia falar de magia, tarôt, astrologia, parapsicologia, hipnose e outras heterodoxias, embora o melhor seja nunca falar sobre essas coisas à luz do dia e sóbrio, afinal, podem desconfiar – ou descobrir – que eu sou doido.

Bem, sem respostas precisas agora, vejamos o que o tempo e o capricho do autor trará ao blog. Que reine a liberdade. 

16/11/22

Rick Beato: o produtor que te ensina a compreender a estrutura musical das grandes canções do rock


Esse cara manja dos paranauês

Falta música neste blog. Para corrigir essa falha, a postagem de hoje inaugura a minha série de dicas e digressões sobre temas musicais - bandas, gêneros, canções, cantores, clássicos, alternativos, álbuns, produtores, bastidores, tretas, listas e o que mais houver de interessante no mundo da música. O critério é falar sobre música de qualidade, especialmente de gêneros e bandas que eu gosto, ou ao menos dos relevantes históricamente e musicalmente. Mas claro que, como John Ramalho é John Ramalho, pode aparecer por aqui algumas referências musicais kitsch, trash, humorísticas e bizarríssimas para provar que nem só de Chopin vive o homem. Espere por Rogério Skylab e coisas ainda mais doentias. Mas tenha calma: tudo em seu devido tempo.

Por hora, a minha dica número um é o canal de Youtube do músico e produtor norte-americano Rick Beato. Artista e produtor experiente, Rick faz exatamente o que eu sempre quis ver algum professor de música fazer: decompõe a música original mostrando a pegada de cada instrumento, fala sobre a mixagem, os efeitos sonoros, a progressão de acordes e o que torna a música em questão especial ou interessante. E faz tudo isso com uma naturalidade que é absolutamente inspiradora. É definitivamente um mestre em sua área. Seu canal é excelente para quem está começando a estudar música ou simplesmente gosta de saber um pouco mais. (Sugiro fortemente conferir a lista dele de melhores guitarristas, cita uma grande variedade de clássicos dos anos 30 e 40, do blues e até do jazz, sobre os quais eu jamais tinha ouvido falar.)

Abaixo, em sua série de vídeos chamada "What Makes This Song Great", no episódio 75, Rick explica a estrutura, a sonoridade e as sacadas de Under The Bridge, canção famosa da banda Red Hot Chilli Peppers:

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A dica está dada. Confira o canal do Rick, veja suas playlists, procure um vídeo de uma banda que te interesse e aprenda sobre música enquanto se diverte ouvindo música (e ainda pratica o seu inglês).

05/10/22

O Mundo É Muito Interessante...

Gosto de conhecimento, tanto ao ponto de sentir prazer em obtê-lo. Essa é uma característica tão expressiva em minha personalidade que já me acusaram de "viciado em conhecimento". Descobrir algo novo, fascinante, incrível e inusitado me deixa animado, meditativo, embasbacado; me faz pensar que o mundo é mesmo um lugar muito interessante, cheio de coisas doidas, inacreditáveis. Coisas que podem tornar  nossa experiência de vida muito mais dinâmica e interessante. E quando eu digo "mundo", refiro-me a tudo mesmo: pessoas, animais, objetos, ideias, relações...


                            [ O que fazer quando uma ponte resolve dançar?]

Suspeito que todo mundo tem, ao menos algumas vezes - talvez depois de assistir um documentário do Netgeo - certo deslumbramento com as coisas estranhas e maravilhosas do mundo. Mas, infelizmente, acontece que com o tempo as pessoas se esquecem e param de pensar nas coisas incríveis e misteriosas. Limitam-se ao cotidiano mais imediato, à vidinha suburbana e suas necessidades mequetrefes.

A experiência de estar no mundo e observá-lo é muito mais intensa e impressionante  quando somos mais jovens, e parece diminuir  de intensidade enquanto crescemos. Raramente um homem adulto olha para um cachorro do modo como ele olhou pela primeira vez, ou do modo como as crianças os olham. Raramente um adulto sente o mesmo que uma criança quando vai ao zoológico. Mas por quê? O que torna os adultos menos impressionáveis com as coisas do mundo?

[A mula certamente era lenda, mas frango sem cabeça existiu. E pelo que consta, sobreviveu por mais de um ano.]

Uma forma de explicar esse fenômeno - a apatia dos adultos - é por meio de uma teoria econômica chamada de Lei da Utilidade Marginal. Ela diz, mais ou menos, que quanto mais usamos um bem (ou quanto maior a quantidade dele), mais decresce o valor de utilidade subjetiva desse bem.  Não entendeu? Calma. O melhor jeito de entender é pensar no consumo da água. Se estivermos com muita sede, o primeiro copo de água que tomarmos terá, para nós, um alto valor de saciação. (Quanto mais sede, mais nos alegrará um copo de água). Contudo, nossa satisfação será menor no segundo e provavelmente sumirá no terceiro copo. Se continuarmos, embora já com pouquíssima sede, indo pro quarto e para o quinto copos, não ficaremos tão intensamente  satisfeitos quanto ficamos com o primeiro copo, pois já estaremos saturados. No jargão econômico isso significa que o "valor  de utilidade" subjetiva  do bem - no caso, a água - diminuiu com o consumo.

[E a teoria científica de que alguns dos nossos antepassados eram..macacos aquáticos?! ]

Resumindo, a ideia é que o valor que damos a um bem está, de algum modo, relacionado com a nossa exposição e consumo desse bem. Quando não temos um objeto, ou o temos em pouca quantidade, mais valoroso ele é. Quanto mais o temos, menos valoroso ele nos parece. Isso explica o chamado Paradoxo da Água e do Diamante, que é o fato da água ser objetivamente mais útil que um diamante, mas ser estranhamente muito mais barata que o mesmo. A explicação é que  o diamante é mais caro porque é mais raro, o que aumenta o seu valor subjetivo.


[Vão dizer que é loucura, mas... há indícios de que os fenícios vieram ao Brasil. Será?]

Se pensarmos no mundo como uma fonte de bens do quais dispomos, e daí aplicarmos a lei da utilidade marginal, ficará claro que nossa experiência com o mundo perde valor quando nos limitamos a consumir os mesmos bens, ou quando temos apenas o mesmo circuito de experiências. Um adulto, por exemplo, já teve muito mais experiências de interação com um cachorro que uma criança. Ficamos deslumbrados com as coisas quando elas são raras, quando são novidades,quando fogem do que já conhecemos.


                     [Sabia que em nosso planeta existem lagos cor de rosa?]

Sabendo disso, é preciso lembrar que o nosso planeta é enorme e está repleto de coisas  e experiências que desconhecemos, de bens ( mentais ou físicos) que não temos e que podemos obter ou conhecer, direta ou indiretamente. O fato da nossa inteligência ser limitada faz com que o conhecimento seja sempre escasso. Não importa o quanto você saiba, sempre haverão perguntas, sempre haverão mistérios. Não é preciso reduzir o mundo a nossa experiência mais imediata, ao que já conhecemos. Esse comportamento denota mediocridade, rigidez cognitiva e é terrivelmente limitador. A pior das prisões é a prisão mental, especialmente quando é reducionista.

             [O mestre kame existiu. E isso é algo realmente impressionante.]


Do que foi dito até  agora é possível concluir que a curiosidade é uma aliada imprescindível  dos que querem enriquecer suas mentes e ter uma visão mais ampla do mundo. A pessoa curiosa, com espírito inquieto e investigativo, sempre está descobrindo algo fantástico, curioso e muita vezes incrivelmente útil. Quem é curioso e imaginativo nãose limita a pensar apenas no mundo imediatamente acessível, porque sabe que existe um universo de possibilidades inexploradas das quais ela pode conhecer e dispor.
          
[Se você achou o lago rosa curioso é porque ainda não ouviu falar do tigre azul.]

Portanto se você já estava acostumado com o mundo, espero ter ajudado a mudar isso. Há muito pra se conhecer, para deslumbrar e maravilhar-se. A vida é, como dizem por aí, uma caixinha de surpresas. O mundo também. Mas para descobrir suas surpresas é preciso procurar. E a internet está aí pra isso.

Há milhares de coisas incríveis por aí. Algumas delas muito mais surpreendentes que as que eu mencionei aqui. Se for corajoso, poste uma nos comentários para que eu possa me maravilhar com ela também. E trate de lembrar que nosso mundo é mesmo um lugar muito interessante.



 [Ah, eu não poderia terminar sem dizer que existe uma agua viva que é imortal.]

14/09/22

Um Drama Profundamente Reacionário — Ou: Eu Ainda Não Mostrei o Popozão




Apesar de ter alguma pouca ambição literária (pecado infantil que ainda não perdi) não chego a me classificar como “escritor” e tampouco como “escritor em formação”. Quer o desejo de precisão que eu me qualifique pelo que fiz e faço. O que fiz e faço? Blogs: fiz e faço blogs. Tive-os aos montes e agora mantenho alguns. Sou, portanto, um blogueiro. Blogueiro blogspot. Blogspot, lembram o que é?

Há 10 ou 15 anos, o termo “blogueiro” designava uma pessoa geralmente jovem que tinha aptidão ou paixão literária e, por algum motivo, queria exercitá-la. Essa pessoa podia ser o seu vizinho adolescente, aquele seu amigo metido a cronista, aquele outro que se acha crítico cultural, ou podia ser um músico como o Lobão, o Humberto Gessinger e o Tico Santa Cruz (sim, todos eles tiveram blogs), podia ser também um escritor iniciante talentoso e com alguma reputação, como aconteceu com o Daniel Galera e o Alexandre Soares Silva, ou podia até ser um autor de nome consolidado e reputação mais ou menos ilibada, como o Sérgio Rodrigues. O comum entre todos era a paixão pelas letras, a busca do cuidado com as palavras, a performance literária, a reflexão.

Hoje, em grande parte por culpa de redes sociais como o Instagram, o termo “blogueiro” perdeu essa capacidade descritiva. Hoje qualquer jovenzinha de bunda mais ou menos arrebitada ou que saiba copiar e colar frases da Clarice Lispector se entitula “produtora de conteúdo” e “blogueirinha”.

Eu, que não quero de forma alguma me ver associado a esse tipo de gente, que pra mim nem é gente, ando tendo enormes crises de identidade. Não sei se me atualizo na carreira, migro pro Instagran e passo a tirar fotos da minha bunda e intercalá-las com versículos bíblicos e frases de empoderamento; ou se, estóico e teimoso, mantenho a tradição de blogueiros que escrevem — e tentam escrever algo mais ou menos interessante — em plataformas para blogs.

A minha solução provisória é me apresentar como cronista e blogueiro à moda antiga. Gosto, inclusive, de como soa reacionário e demodé. Já antecipo os olhares indignados da multidão, as falas de protesto: “Como assim ele é blogueiro e não mostra a bunda? Como ele não faz dancinhas? Como assim nenhuma citação da Clarice? Como ele quer ser blogueiro sem falar da opressão do polvo preto? Da dor das mulheres virgens com cachumba no joelho na Vila Inhaúma do Sertão de Atibáia? Como ele não usa SEO? Como não faz tráfico pago e não escreve copiaburro, digo: coypright? Que sujeito reacionário!”

Tenho medo que meu nome seja lançado aos guerreiros da justiça social e eu saia nos comentários do Twitter como o mais novo opressor das blogueirinhas. Estou amargo, desiludido, o peito dói. Mundo triste este em que nem os blogueiros de ofício são respeitados.

Ainda não mostrei o popozão. Mas até quando?

14/03/22

Pirataria Digital: Tô Dentro!

 


Brasileiro pobre, nascido nos anárquicos anos 90 e formado internauta na gloriosa web 2.0, a pirataria e o compartilhamento virtual estão entranhados no modo como encaro a internet. Para mim, sem compartilhamento a internet não é internet, até porque ela nasceu para isso...

Carrego a nostalgia pelo tempo áureo dos blogs, onde era possível compartilhar de quase tudo - e impunemente. Hoje em dia não é mais assim, de dez anos pra cá o compartilhamento, embora ainda não seja crime, em muitos casos revelou-se problemático... De qualquer modo, problemático ou não, é a tradição a qual me filio; e sendo como sou, pirata inveterado, jamais poderia tocar um blog pessoal sem essa atividade. 

Por isso decidi compartilhar aqui quadrinhos, filmes e o que mais der na telha. Com sorte, não terei problemas. Felizmente, costumo ser um homem de sorte. Pois vejamos...

10/03/22

Do Biquini à Piriquita: a ascensão do Kitsch nas metamorfoses da canção “Tédio”

 


Era 1985 quando a banda de rock Biquini Cavadão lançou a canção “Tédio”. Em cima de uma levada pop rock, a letra reproduzia o conteúdo de uma suposta ligação na qual uma das partes confessava sofrer do desagradável sentimento. 


Não era brilhante, mas era divertida e fazia sentido, já que tédio é algo que todo mundo sente ocasionalmente. A canção fez mais sucesso do que a banda esperava, tocou exaustivamente nas rádios e há relatos de que foi muito reproduzida em departamentos públicos.

Para os críticos musicais da época, o rock brasileiro oitentista, cheio de influências Punk e New Wave, era musicalmente inferior ao que fora produzido nos anos 70 e 60, como Jovem Guarda e Mutantes. De tal modo que as músicas do Biquini Cavadão eram consideradas como expressão de uma vertente cultural simplória e menos interessante em termos artísticos. Era música medíocre. Mesmo assim, ou talvez por isso, a melodia de “Tédio” grudou na cabeça do público.

Vinte e quatro anos depois, uma irrelevante banda de brega pop paraense chamada Banda Katrina, numa explosão de humor de duplo sentido, ressuscitou a melodia de “Tédio”, dessa vez expressando-a junto a uma letra criativa ao estilo Raimundos, na qual destacava-se o título: “Quem Vai Querer A Minha Piriquita”. Contava a história de moça fogosa, ou brincalhona, interessada em dar a piriquita. Música extremamente ruim, porém engraçada, foi sucesso instantâneo. A velha melodia voltou a grudar na cabeça do povo. 



Dois anos depois do estrago da Banda Katrina, o funkeiro Mr. Catra, que no início da carreira tocava numa banda de rock, entrou na onda e resolveu dispor da melodia de “Tédio”. Uma versão funk, por que não? Pôs na música batidas mais acentuadas, maior destaque na melodia e, claro, uma letra para lá de sacana. Chamou a canção de “Adultério”.



O perfil artístico de Catra é o de um oportunista que submeteu o pouco talento que tinha ao escracho, ao cinismo e ao deboche. Suas músicas mais relevantes são brincadeiras sacanas ou paródias. Produziu Kitsch e surfou no Trash Culture do funk proibidão. Nessa área a performance e a ousadia — ousadia aqui nada mais é do que a coragem de exibir sua mediocridade musical em público — são muito mais importantes que o talento. Catra era desinibido, excêntrico, bem humorado e carismático. Foi o suficiente para que os brasileiros ouvissem suas músicas e lhe devotassem atenção. A música “Adultério” foi um imenso sucesso. Tanto que até hoje muitos jovems quando escutam “Tédio” acreditam que é uma cópia da canção de Catra. É a criatura devorando o criador. A melodia, mais uma vez, grudou na cabeça do povo.

Finalmente, como o Brasil não é para amadores, neste ano de 2022 as coisas chegaram a um nível ainda mais estranho. Uma espertinha chamada Juliana Bonde, vocalista do Bonde do Forró, resolveu repaginar a versão da Banda Katrina, alterando um pouco a letra, mantendo o terrível teclado eletrônico e elevando a sonoridade forró. Eis a versão mais lixo de todas, o que no Brasil significa a fórmula mágica do sucesso. Mas como Juliana Bonde além de bela é astuta, deu o golpe fatal: tratou de ridicularizar na letra uns nomes famosos da cultura nacional. Atirou para todos os lados: religiosos, políticos e músicos. Disse que daria sua piriquita para o padre Fábio de Melo, mas não para Luan SantanaLula e Bolsonaro.

Antes dela, o último a dar o golpe das citações foi Serginho Malandro; em sua espirituosa paródia de Drake.



Desnecessário dizer, mas a versão de Juliana ( que o dileto leitor pode conferir no video abaixo) está fazendo tremendo sucesso. A melodia está grudando na cabeça do público.



O que não é bom sinal, e provavelmente indica que em breve vem coisa pior por aí.  E assim, uma vez mais, constatamos o Kitsch como expressão máxima da preferência nacional, neste caso — que está longe de ser um evento isolado, e por isso serve para ilustrar a tendência mais geral que assola a música comercial brasileira — temos uma canção boboca que é a cópia da cópia, sempre prometendo uma futura versão ainda pior; numa sucessão sempre previsível, numa dinâmica perpetuamente monótona.

É ou não é de entediar qualquer um?

07/02/22

O Texto, a Divulgação e a Polêmica da Piriquita



Embora desprovido de grandes pretensões literárias e consciente de minhas limitações nessa arte, creio que - mesmo sendo blogueiro e cronista de menor categoria -, mereço ser lido pelos leitores de crônicas e blogs; especialmente pelos leitores de crônicas e blogs de menor categoria, e mais especialmente ainda pela parcela que sofre de masoquismo literário e desprezo pelos gramáticos. Em minha autoindulgência chego até a considerar que posso, em alguma ocasião, ter escrito algum texto interessante ou provocativo, digno de um público maior.

No entanto, uma dificuldade persiste. Onde publicizar um texto quando você é apenas um blogueiro desconhecido e escritor amador? Como conseguir leitores que tenham interesse no que você tem a dizer? São questões que frequentemente me afligem.

Eis uma verdade universal que todo escritor digital deve saber: para quem quer leitores, não basta escrever; divulgar é tão importante quanto. É nesse aspecto - o da publicidade - onde muitos blogueiros falham, inclusive o autor destas linhas. Encontrar o público de certos textos pode dar trabalho, é preciso uma disposição que nem sempre me anima. Sou cronista preguiçoso, reconheço.

Além disso, há vantagem na obscuridade: ela nos protege da crítica indevida. A desvantagem é que protege-nos também da crítica pertinente. Ter o texto exposto e criticado pode servir - e geralmente serve - para amadurecer o entendimento do escritor sobre o próprio texto e as reações que ele suscitou. Outra parte interessante da exposição textual na internet é a oportunidade de interagir com os leitores. Digo: interagir com os bons leitores, aqueles que compreendem o texto e têm alguma contribuição cultural ou argumentativa a fornecer. Quanto aos maus leitores: o jeito é ignorá-los.

Trarei a seguir um bom exemplo prático de como a divulgação pode trazer resultados interessantes. Mas antes devo confessar, meus caros, que apesar ter iniciado este blog com o objetivo de abandonar o Facebook, eu continuo escrevendo, ocasionalmente, na rede social do Zuckerberg. E foi surfando por lá que, outro dia, em reação à postagem de uma amiga que compartilhou a "Piriquita" - refiro-me a inusitada e recente música de Juliana Bonde - escrevi um comentário longo (para os padrões do Facebook) a respeito da manifestação do Kitsch em tão peculiar canção. No comentário eu explicava o processo de decadência que sofreu a canção "Tédio", da banda Biquini Cavadão, até virar a estrambótica e terrivelmente bem humorada versão do Bonde do Forró.

Sujeito de tendências misantrópicas, tenho poucos amigos no Facebook - cerca de 168. Desses, há um pequeno grupo, que varia entre 10 e 15 pessoas, com quem interajo de modo recorrente. Formam o seleto grupo de insensatos que lêem as bobagens que escrevo por lá. Como são leitores qualificados e que sempre acrescentam, não tenho do que reclamar. No entanto, desta vez, como fiz comentário de um evento atual, coisa que evito, fiquei curioso para saber como outros leitores reagiriam ao texto, já que o assunto está muito falado no Twitter e em outras redes sociais.

De início, achei que era boa ideia publicá-lo em meu perfil no Medium, já que faz tempo que não publico por lá. Faria bem um texto novo, pra variar. Foi o que eu fiz. Porém, logo em seguida, lembrei-me que o ritmo de interação no Medium é mais lento, e que lá não é a melhor plataforma para explorar as polêmicas da semana. Então percebi que para que o texto fosse lido por mais leitores, eu deveria divulgar o link do texto do Medium em grupos do Facebook. Felizmente, por sorte, faço parte de alguns grupos de música cujos membros são muito engajados em debates e polêmicas. Divulguei o texto num desses grupos e o resultado foi melhor do que eu esperava. Os recortes das métricas confirmam:

Recorte 1) O alcance e as reações do seleto público do meu perfil principal no Facebook.



Recorte 2) O alcance e as reações à divulgação do texto no grupo "Psicodelia Brasileira"



Recorte 3) Em um dia e meio, as estatísticas de visualização do texto no Medium subiram de 0 para 213.


Recorte 4) Comparando com os textos não divulgados, e que estão no Medium há muito mais tempo, a diferença nas estatísticas é abissal.


Tal experiência prática, além de confirmar a importância da divulgação, me fez pensar um bocado. Então, veja você, escritor iniciante, cronista, ou blogueiro, o como é possível e fácil ampliar o público de seus textos. Depois de escrever, basta a estratégia correta para divulgar. E depois é encarar as reações, boas e ruins.

No meu caso, entre as várias reações ao texto, este comentário, presente num debate cheio de farpas entre este autor e um leitor inteligente, foi difícil de ler, pois demasiado verdadeiro. Doeu-me o coração sensível.


Já este outro, eu adorei, por ser mais verdadeiro que o anterior e ser expresso por uma bela mulher, o que é ainda melhor.


19/11/21

Pequeno Incremento (em homenagem aos blogs antigos)


A página do antigo jornal O Indivíduo, editado por Pedro Sette Câmara

Andei vasculhando alguns blogs antigos (os bons blogs antigos, amadores, blogspot, .org ou wordpress, sem muito SEO...) e concluí que devo incrementar algo em minhas postagens por aqui. Devo adicionar imagens. Uma imagem para cada texto, à moda dos blogs antigos.

Por causa do charme, simplicidade e funcionalidade, o formato imagem + texto se impôs como estilo blogueirístico par excellence. Nos blogs de resenhas, especialmente neles, a organização gráfica mais comum era a foto do livro, ou do autor, seguida da resenha.

Acho elegante e econômico. Além disso, é conveniente, pois o efeito é quebrar a monotonia gráfica que o texto impresso sugere. Será essa a organização que adotarei por aqui. Em dia de maior disposição, editarei os textos já publicados aqui no blog, adicionando a eles alguma imagem apropriada (ou, talvez, inapropriada). 

Curiosidade: mal tomei a decisão mencionada e sinto que a estética retrô de blog antigo e de poucos leitores já me anima a escrever mais. Mas pode ser sentimento ilusório. Veremos.


13/05/21

Do F.A.R.R.A ao QUORA: ativismo cultural, opinião e debates na Web

Internet: o mundo em um clique; a loucura em dois.

 Era uma vez um jovem internauta...

Ainda na pré-adolescência, período de meus primeiros acessos, imaginava que a rede mundial de computadores poderia ser interessante fonte de conhecimento e de contatos. E então, tratei de explorá-la.
 
Na época, descobrir blogs e arranjar debates em fóruns eram algumas das coisas mais legais a se fazer. O Youtube estava engatinhando. O Facebook nem havia chegado aqui, e nem precisava: tínhamos o Orkut. Usávamos, para socialização básica e paquera, o MSN (melhor que os “mensageiros” populares de hoje).
 
As Comunidades e os  Interesses...

A opinião independente rolava solta no Orkut, nos blogs e nos fóruns. Tínhamos nós - os nerds, os supercuriosos, os inconformistas, os fazedores de mídia alternativa e os marginalmente intelectualizados – um paraíso artificial.
 
Os  paranoicos acessavam o Fórum Anti Nova Ordem Mundial. Os esotéricos tinham o Teoria da Conspiração. Os satanistas, anarquistas e experimentalistas frequentavam o Morte Súbita Inc – cujo lema era “segredos proibidos ao alcance de todos”- que ensinava desde hipnose até magia sexual até como fazer pactos com demônios. Os céticos acessavam o Ceticismo Aberto, certamente o maior portal do tipo. Os masculinistas se reuniam no Fórum do Búfalo e também em outros, menores, dedicados ao “Realismo”, movimento que problematiza o comportamento feminino e as interações homem-mulher. E os nerds da cultura tinham o F.A.R.RAFórum dos Revolucionários da Rapadura Açucarada.

A Farra Contagiante...

O F.A.R.R.A era basicamente uma universidade nerd. Sua equipe, que contava com voluntários do Brasil inteiro, traduzia e disponibilizava filmes raros, documentários, animes, desenhos, séries antigas, quadrinhos e mangás ainda não publicados no Brasil. Além disso, lá haviam os debates, as recomendações, os classificados, as conversas e os vários projetos internos. O projeto mais duradouro foi a revista: FARRAZINE. Teve mais de vinte edições. Era um fanzine online divertidíssimo, que continuou mesmo depois da derrocada do fórum, em 2009. Os membros, os mais variados: advogados, professores, tatuadores, desenhistas, roteiristas, escritores, artistas, programadores, donas de casa...
 
Se não me engano, era gente do F.A.R.RA que estava por trás do excelente site VERTIGEMHQ, que traduzia e disponibilizava quadrinhos adultos e alternativos, especialmente os da Vertigo, a famosa linha de quadrinhos adultos da DC comics. O F.A.R.R.A era um mundo alternativo. Seus membros eram piratas da cultura. Todos lá amavam o Pirate Bay e o Wikileaks. Não havia um membro que não entendesse como o acesso à internet poderia educar o público e revolucionar o mundo. Foi uma pequena utopia. Infelizmente, faz mais de dez anos que acabou. Deixou-me órfão. Nunca me recuperei.
 
Junto com o Fórum dos Revolucionários da Rapadura Açucarada morreram inúmeros grandes sites e portais de upload e download; o mais memorável, talvez, foi o Rapshare. Morreram, mas não de morte natural. A verdade é que foram assassinados, perseguidos e denunciados por lobistas e advogados de grandes corporações da indústria cultural.
 
O Monstro Corporativo...

Foi a burocracia restritiva do capitalismo digital que matou nossa utopia. O mesmo sistema que, em alguns anos, iria transformar a internet.  Foi ele que impulsionou as redes sociais mais populares, herdeiras do modo Zuckerberg de fazer startup, todas elas moldadas pelos mesmos gatilhos psicológicos de recompensa viciante, fizeram a cabeça – e o comportamento – das novas gerações de usuários. Tudo financiado e possibilitado pelo assanhamento dos anunciantes. Essas plataformas andam deixando muita gente ansiosa, depressiva e suicida, mas isso é detalhe, importante mesmo é o lucro. Capitalismo, onde quer que se encontre, é sempre a mesma história: o monstro corporativo tentando manter nossos olhos vendados e influenciar nosso comportamento consumidor. E sabem qual é o pior? O monstro corporativo sempre vence no final. Ou quase.
 
Hoje em dia ainda há algum pensamento livre na internet. E para ironia do destino, grande parte dele se dá em fóruns ou comunidades frequentemente acusadas de racismo ou antissemitismo, como o Reddit e alguns Chans. Os blogs ainda vivem, mas já não tão vivos quanto antes. O nascimento do Bitchute e do Mastodon, coisa de alguns anos atrás, parece uma lufada de ar fresco. O Pirate Bay permanece, cambaleante, mas ainda lá. O Wikileaks eu nem sei como vai, mas o futuro de Assange não é nada promissor: já foi pego e já foi torturado. Se o deixarem viver, jamais será o mesmo.
 

Algo Errado Com o Quora...

E neste mundo, onde uns querem controlar nossa mente e uns  poucos querem livrá-la, há o Quora. Quando entrei no Quora, vi logo o potencial da plataforma. Parecia um espaço promissor. Dois anos de uso, contudo, me fazem pensar  que algo deu errado. A qualidade do conteúdo, tanto das perguntas como das respostas, decaiu bastante. Não há qualquer tipo de recompensa para as boas iniciativas e para as respostas mais profundas e informativas. O viés dos moderadores é óbvio e incômodo. Alguns usuários mais críticos ou sarcásticos frequentemente se veem com respostas excluídas, sem justificações satisfatórias por parte dos moderadores.
 
E embora tudo isso seja relativamente fácil de resolver, nada indica que será resolvido. Eu mesmo, embora seja tido como rebelde e provocador, resignei-me tanto que já não escrevo por lá. A ideia de que uma ou outra resposta, mesmo quando nitidamente humorística, possa ser apagada tende a me desanimar. E se for para escrever um texto mais trabalhoso e profundo, a sensação é de que o local não é adequado: terá poucas visualizações e poucos comentários. Melhor compartilhar em algum grupo de Facebook, no Medium, num blog ou em algum fórum. Ou, talvez, numa Newsletter. Não no Quora. O Quora é para curiosidades, gracejos moderados e textos menos exigentes.
 
Tudo muda por aqui...

Plataformas que inovam e que se vão, sites e aplicativos que dominam décadas mas depois desaparecem, comunidades que crescem exponencialmente e depois viram memória...
 
Pois é... Se há uma verdade sobre a internet é que ela é dinâmica e fluida: aberta à novidades e mudanças severas. O que vem por aí? Ninguém sabe. Então é bom ficar atento. Estar aberto ao futuro, mas sem esquecer do passado; eis a obrigação do internauta inteligente. E sigamos, que a vida cultural online não pode parar.