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19/02/24

Secreto Quixotismo


Hermes, do escultor Giovanni Bologna

Disse-me que apanhara da vida. Tão fortes as pancadas que muito de sua sensibilidade poética foi perdida. Sem desistir de si, quer agora recuperá-la.

Eis aí, em resumo, a confidência de um velho amigo, também escritor - outrora jornalista, cronista, poeta e blogueiro. Amigo que me ensinou coisas importantes, que me inspirou e ajudou. Camarada irmão de letras, tanto que ostenta igual sobrenome, companheiro de fé, de dúvida e de voracidade cultural.

No momento da revelação, fui pego de surpresa, emudeci. Depois pensei, pensei e pensei. Agora, aqui, mais uma vez expondo minhas reflexões, eu o respondo.                                                    

Compreendo-te, meu bom amigo.

Esse desarranjo é sempre um risco à espreita. Para superá-lo eu penso que o escritor deve impor-se uma missão. Deve a todo custo lutar para manter vivo, em si e em seus leitores, um quixotismo: o desejo de elevar-se pela apreensão criativa das verdades e das belezas. Precisa ter a consciência que trava uma batalha. E deve tornar-se sagaz, pois, diante das inversões desta era, necessita disfarçar sua ânsia pelo superior, sua vontade de virtude e transcendência. Caso diga em público que busca uma linguagem superior, sagrada e divina, prontamente será condenado como reacionário. Terá sua honra questionada, será tiranizado, e, por não ver beleza ou verdade em toscas tentativas de linguagem inventadas ontem, será considerado um mestre do ódio, tendo a cabeça posta a prêmio. Vemos esse padrão repetir-se mundo afora.

Como fosse judeu marrano, o poeta destes tempos, querendo manter viva a sua tradição, cala e dissimula. Vive numa era em que não é permitido aos homens, nem mesmo aos poetas, contemplar as almas das criaturas ou espiar as vastidões dos céus, pois já não existe na imaginação dos mestres coisas como almas ou céus a serem contemplados. Há apenas matéria, moléculas, átomos, partículas. Tudo é fragmento, nada é absoluto. Assim dizem os doutos.

O poeta, tolo e sonhador, querendo-se algo mais do que a soma de seus neurônios, deve proteger-se. Numa sociedade que rejeita a beleza e a virtude, corre o risco de ver insuperáveis as suas dores e angústias; caminho que o levará ao suicídio. Ou, tão terrível quanto: pode testemunhar o clamor, proferido pela virtual tribuna dos ótimos cidadãos que jamais o conheceram, para que sofra um covarde apedrejamento público.

Ele demonstra, portanto, grande sensatez ao procurar resguardar-se. Mas deve tomar cuidado para não ceder ao desânimo, deixando esmorecer suas inquietações. Seu desafio, sua luta, é preservar o anseio pelo sublime, a eterna procura da alma das coisas. Deve cuidar dessa chama quixotesca como quem cuida de um tesouro precioso e frágil.

Confesso ao amigo que eu, menos tolo do que pareço, tratei de esconder do mundo o meu coração romântico, a minha alminha de pequeno poeta - perigosíssima para o mundo moderno, pois cheia de vontade de Deus e de Beleza.

Defensivo, pus em torno dela camadas de frieza, mordacidade, deboche e sarcasmo. Acossado pelo monstro que é a ignorância da vida social neste país, encontrei no escárnio a minha defesa. Aprendi a ser cruel nos atos e nas palavras, desmascarador na análise, niilista, simulador do mais profundo desprezo pelo mundo; sempre pronto a cuspir nas afetações dos pretensiosos e nas mediocridades dos conformistas.

Fiz antipático o meu exterior, mas não o fiz por completo. Fui deixando pistas sutis de que minha rabugem não era tudo, de que havia nas entrelinhas uma filosofia moral, uma sensibilidade, um anseio de virtude. E mesmo eu me passando por amargo, houve quem soube decifrar-me o caráter íntimo sensível, e até quem me acusasse de poeta.

Eu, evidentemente, negava, e em público negarei sempre essas coisas, pois sei que há multidões de embrutecidos que odeiam os sensíveis e que se esforçam por ridicularizá-los. Lembro bem do que ouvi sobre um dos meus primeiros poemas, o qual, meramente por ser poema, seria, conforme a opinião de um verme, prova de pederastia. Pois eu pensava, como sempre pensei, que ser poeta significa querer ser como o rei Davi - o salmista, o guerreiro corajoso, o mulherengo, o canalha assassino, miserável em todos os seus equívocos, mas, apesar disso, homem nobre e arrependido que pela oração buscava as virtudes faltantes. Pensava também, como ainda penso, que ser poeta significa querer ser como Fernando Pessoa, o fidalgo de alma múltipla; fascinante literato que, sendo humano e usando palavras humanas, falava com a eloquência do deus Hermes, e que mostrava ao mundo ter não uma alma, nem duas ou três, mas tantas quanto quisesse.

Busquei proteger-me de outros vermes falantes antes que obstruíssem meu ingresso na aristocracia do pensamento e na iniciação ao sacerdócio hermético. Astuto, compreendi que não poderiam destruir o que não eram capazes de perceber. Tornei-me um eremita; e, quando em contato com essa gente, fiz-me tóxico como arsênico, o quanto mais eu pude, para que vissem em mim apenas um desviante louco, agressivo, caótico e perigoso. As minhas aspirações superiores, a fim de dar-lhes sobrevida, eu tive de segredar, restringindo-as a confidência de uns poucos amigos. Somente assim logrei manter vivo esse meu quixotismo, a extraordinária ousadia da pretensão poética.

Por tudo isso, ao meu bom amigo eu aconselho: esconde com maestria a tua sensibilidade. Guarde-a codificada nas suas melhores palavras, faladas nunca, escritas sempre. Põe nelas as mais belas imagens, com seus mais elevados sonhos e utopias. Vai, dia após dia, no silêncio da noite, cultivando a leitura dos grandes poetas, rezando baixinho aos teus deuses, resguardando e nutrindo em segredo a tua sensibilidade. 

Cria um sonho impossível, uma utopia romântica, loucura íntima que te traga imenso prazer no imaginar. E quando notar que a capacidade de sentimento voltou, continue em segredo. Não faz alarde da tua imaginação poética, esse grandioso bem que há em ti. Deixa ela protegida, eternizada em arte nos teus versos ou na tua elaborada prosa, e põe cada uma das tuas obras de arte, grandes ou pequenas, num destino esotérico; como livro sagrado em baú enterrado, só disponível aos templários, em caminho só percorrido por gente estranha que é cada vez mais rara: gente que, como eu e tu, luta não apenas para ter alma, mas para expressá-la com a eloquência dos deuses.

14/02/24

Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário




Na sua condição de criatura pensante, o filósofo  questiona até mesmo a natureza de seu ofício. Que é a filosofia e o que é o filosofar? Por que fazer tantas perguntas, desfilar tantas ideias e passar a vida investigando problemas talvez insolucionáveis? Refletindo a respeito ele percebe que, como tudo em filosofia, não existe apenas uma resposta possível.


A mesmíssima conclusão acomete os escritores que se indagam na tentativa de compreender suas motivações. E eu, escrevendo aqui no blog, não escapo desse comum destino do filósofo e do escritor. Assim, ponho-me a questionar o porquê escrevo.


Penso que é preciso, tanto para mim quanto para o meu leitor, que  as ideias na cabeça e as coisas no mundo fiquem claras. Busco organização e clareza. Não terá sido esse, desde sempre, o meu objetivo ao escrever? Quis sempre organizar meus pensamentos, sentimentos, experiências e entendimentos. Tudo nomear, classificar, empacotar, analisar e guardar para consulta e revisão futura. Demandava conhecer, ponderar, e a partir disso, orientar-me.


Isso dito, devo, agora, voltar-me ao passado. Devo, num esforço de auto-compreensão, recordar meus primeiros sentimentos na feitura dos primeiros textos dotados de ambição. Esse exercício há de me revelar detalhes. Daí a pergunta: qual era, aos treze anos, ao escrever o primeiro registro na primeira agenda, a minha ambição?


Sei bem a resposta. Eu queria memória. O que havia de específico naquele tempo, na minha vivência individual, no meu mundinho de adolescente letrado, eu queria fixar. Tencionava uma fotografia dos meus estados interiores, eu queria descrever, dar a conhecer, trazer luz ao que ao mundo era oculto. Era a ânsia do testemunho, a necessidade de contar minha história, com os atos e angústias dos quais era eu a única testemunha. 


Mas... Por quê? Donde é que me vinha essa ambição do testemunho? Qual era sua origem externa? Lembro de algumas influências.  Um homem interessante que escrevia reflexões em seu diário, e que vi num filme épico - O Último Samurai. Alguns livros infanto-juvenis da coleção Vaga-Lume, por terem histórias protagonizadas por adolescentes, como O Mistério do Cinco Estrelas e A Serra dos Dois Meninos. Os quadrinhos do Homem Aranha, onde eram mostrados os pensamentos, a voz interior do personagem. E o evento decisivo; que foi ler, na casa de um bom amigo, um trecho de seu diário (na verdade uma agenda), mostrado por ele com a casualidade de quem mostra um novo relógio ou uma fita de video-game. Esse amigo chamava-se Tiago e foi também ele quem me  apresentou a estética e o Rock do Guns N' Roses, além de outras referências culturais que, em meu meio neopentecostal, eu não tinha acesso. 


Foi pela soma dessas primeiras influências que pesou sobre mim uma intuição histórica: a necessidade de registrar e recordar. Registrar para recordar. Reflexões e memórias anotadas, lidas e relidas, eis a matéria prima da consciência. Eis o motivo pelo qual sei hoje sobre mim o que não vejo os outros saberem sobre si mesmos.  Com o tempo, Tiago abandonou seu diário. Eu continuei o meu. Continuo ainda hoje, e, até morrer, ou ser impedido, continuarei.


Feita essa retrospectiva, eu já consigo distinguir, com mais clareza, algumas causas do meu escrever. É certo que havia em mim tanto a sensibilidade quanto a vocação do memorialista. Sendo esse o gênero no qual, até hoje, a maior parte da minha literatura foi escrita. Gênero eminentemente doméstico, privado, familiar, e que só se torna célebre quando é também célebre o seu autor. 


No curso da vida o meu conhecimento literário foi crescendo e eu passei a apreciar, e as vezes cortejar, outros gêneros. O artigo, a crônica, o prefácio, o manual, o manifesto, o ensaio, o conto, a novela, o romance, a confissão, a análise crítica, o obituário, a poesia, a resenha crítica, o texto filosófico, a carta, o e-mail literário, o texto humorístico, a sátira, a polêmica, a retórica, a elaboração fina e sarcástica em redes sociais, o diálogo, as respostas em sites de perguntas, os relatos de internet, os bilhetes suicidas, a trollagem; as confissões, piadas, reflexões e relatos emocionados dos comentários dos vídeos de músicas antigas no Youtube; os roteiros de cinema e quadrinhos, as notas soltas; e, finalmente, o texto de blog, que é o mais contemporâneo, o mais completo, o que comporta todos os outros, mas o que em status é talvez o menor gênero, o menos prestigiado, sendo a um só tempo o mais acessível e o mais inacessível de todos.


Direi que esses gêneros, por mais diversos que pareçam entre si,  pertencem todos  a um mesmo grupo, um macrogênero que chamo de "o vasto conjunto das ideias interessantes que podem ser  transmitidas textualmente com beleza e charme". E como escrevinhador eu entendo que, por aqui, é nesse macrogênero que devo atuar.


O que quero aqui, no blog, é clarear as ideias, desenvolver e registrar os meus raciocínios sobre os meus temas de interesse. Não, não é verdade, eu quero mais. Preciso pôr aqui o meu pensamento primário, e depois, relendo-o, revisá-lo e apará-lo. Devo plantar aqui reflexões como quem planta arbustos e depois, carinhoso, faz a poda. É isso. Quero aqui não só os primeiros pensamentos, mas as revisões e reanálises. Quero, em suma, fazer da minha selva mental um belo jardim frutífero, único e singular, extirpando sempre as ervas daninhas. Quero dizer o que só eu posso dizer, numa minha linguagem própria e precisa; bela, porque simples.


É com essa pretensão que escrevo neste blog, e não com outra. Se algum bem eu posso fazer aqui, este bem é, primeiramente, em prol do meu pensamento e do meu progresso enquanto escritor. Lutar pelo encontro da própria voz, lutar pela descoberta dos próprios valores e conhecimentos fundamentais, e lutar pela  melhor expressão das próprias ideias. São essas as três grandes batalhas do escritor.


Devo pensar neste blog como o espaço público, embora discreto, de uma minha Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário. Entidade essa que é a soma dos meus esforços, públicos e privados, nesse âmbito. Nela treino e fortaleço meus músculos da mente, do raciocínio e do estilo para avançar nas batalhas que o mundo literário e intelectual me impõe.

26/08/23

Breve guia de dicas e referências para começar a desenvolver habilidades na escrita



Tenho um amigo jovem que anseia melhorar suas habilidades na arte de escrever.  Por isso resolvi publicar aqui alguns conselhos, sugestões e indicações. Explico que as dicas abaixo são úteis para qualquer pessoa que esteja começando a escrever, mas são ainda mais úteis para aquelas que estão começando "na lanterna"; isto é: aqueles que ainda não possuem o núcleo básico de habilidades - clareza, coesão, gramaticidade e senso estético- que um escritor deve ter.

Recomendo que, antes de prosseguir com o texto abaixo, o leitor leia este texto, este e este também, pois explicitam noções importantes e complementares que não exploro aqui (como o nível gramatical, a eloquência e expressividade de ideias, organização do pensamento e a função da leitura literária). O raciocínio manifestado nas considerações abaixo pressupõe que o leitor já saiba o que foi dito nos textos anteriores em que tratei sobre assuntos correlatos. Por isso a sugestão é que eles sejam lidos antes deste.

Pode ir lá ler os textos.

Pois bem. Leu os textos? Não, né? Vai deixar para depois (eu sabia!). Você é mesmo um preguiçoso. Mas, tudo bem, porque eu também sou. Se você não reclamar de mim, juro que não reclamo de você. Sendo assim, talvez você considere o texto abaixo demasiado incompleto (o que só  mudará quando ler os anteriores). De qualquer modo, você é quem sabe.

Como progredir na escrita dos gêneros literários?

A minha primeira sugestão é começar escrevendo registros memorialísticos em primeira pessoa, o que em linguagem leiga é conhecido como "escrever um diário". Em verdade, a frequência da coisa não precisa ser diária, pode ser semanal ou mensal. Contudo, é preciso ter em mente o seguinte: quanto mais frequente, maior o treino, e quanto maior o treino, melhor. Eu sugiro que o meu amigo comece escrevendo semanalmente. Separe um tempo no sábado, pela manhã ou noite, para escrever um texto que inclua, de forma resumida, os principais eventos da semana, reflexões pessoais, crises, tensões, reclamações, angústias, impressões sobre as pessoas, ideias, lugares, comentários sobre mulheres, etc.

Quanto ao estilo: comece com uma forma de escrita simples, compacta, direta e elegante; assim como o estilo de Albert Camus em O Estrangeiro. Perceba que esse livro de Camus não é mais que um diário: o diário de Meursault, o protagonista. Eu até admito que a obra não me agradou como romance, mas reconheço que sua prosa é simples e clara, o que lhe torna um bom modelo de registro memorialístico para iniciantes.

Uma vez dominado o básico da escrita memorialística, faz-se necessário dar um passo à frente. Agora o aspirante a escritor deverá treinar crônicas (onde ele pode aplicar elementos do gênero anteriormente aprendido). E então, finalmente, depois de algum treino, quando já se houver transmutado num hábil cronista, poderá partir para outros gêneros.

Tal ordem de estudo,  e de prática,  é didática e progressiva: caminha do mais fácil para o mais difícil. Para um sujeito sem prática  na escrita é muito mais difícil escrever um artigo, resenha ou um conto do que uma crônica. E é mais fácil escrever um texto memorialístico simples do que uma crônica. Além disso, cada gênero anterior da sequência prepara seu praticante para o gênero seguinte. Quero dizer: é mais fácil escrever uma crônica quando você já sabe escrever um registro memorialístico e é mais fácil escrever um conto, artigo ou resenha quando você já sabe escrever uma crônica.

Entendendo a Crônica

A crônica é um texto de tamanho curto¹,  maior que o poema e menor que o ensaio. Pode ter o tamanho de um artigo de jornal, mas geralmente é um pouco menor. Durante muito tempo, a crônica foi um dos gêneros literários mais lidos no Brasil, e ainda hoje ela é muito popular.

Uma crônica manifesta sempre a visão e reflexão do autor sobre alguma coisa. Dispondo de uma linguagem pessoal e artística (portanto, literária) ele compartilha com os leitores uma vivência sua e as reflexões que ela lhe inspirou. Também pode contar uma história sobre um amigo, comentar os fatos políticos ou culturais da semana, compartilhar memórias, criticar uma obra literária ou um filme. O mais importante, como traço característico da crônica, é que seja um texto leve, fácil, sem muita pretensão, algo como se fosse uma conversa escrita com o leitor. O objetivo do cronista é entreter o leitor com suas reflexões, ou seja: fazê-lo pensar, rir, lembrar,  apreciar a estética da linguagem, e, enfim, se emocionar.

De Machado de Assis à Luís Fernando Veríssimo, quase todos os nossos grandes literatos escreveram crônicas, e pelo menos dois deles - Rubem Braga e Ivan Lessa - foram majoritariamente escritores de crônicas.  Naturalmente, pela leveza e pelo caráter lúdico, a crônica é o gênero textual que tem maior e melhor recepção por parte do leitor comum. Isso a torna um excelente gênero para ser praticado por escritores iniciantes.

A Crônica na coluna de Jornal ou Revista

Alguns escritores recebem um espaço fixo - em jornais e revistas - para escreverem periodicamente sobre o que quiserem, ou, as vezes, a respeito de um determinado tema. No início esse espaço era limitado a uma coluna de texto nos jornais, e por isso recebeu nome de "coluna". Com o tempo o espaço aumentou, mas o nome permaneceu. Numa revista moderna esse espaço pode chegar a uma página inteira com duas, três ou mais colunas de texto ( esse era o caso, por exemplo, da coluna da atriz Fernanda Torres na revista VEJA).

A coluna  é o palanque do escritor. É também a vitrine onde ele expõe suas crônicas. A rigor, nem todo texto de uma coluna é uma crônica, mas é grande a intimidade entre uma coisa e a outra. Assim, o termo "colunista" e "cronista" estão quase sempre associados; afinal, antes da internet, os cronistas só escreviam em alguma coluna de jornal ou revista, e as melhores crônicas eram posteriormente publicadas em livros.

Os Escritores e as suas Crônicas

É importante conhecer os grandes cronistas, e, pelo menos no início, imitar suas virtudes e técnicas literárias. Por isso aqui vão algumas referências essenciais.

Indico especialmente três autores. O primeiro ainda vivo, o segundo muito contemporâneo (falecido ano passado) e o terceiro apenas contemporâneo (falecido nos anos noventa). Todos eles são divertidos, engraçados, polêmicos e apresentam vozes literárias mais próximas ao português do leitor moderno, o que os torna autores mais acessíveis aos iniciantes. São eles:

Diogo Mainardi.

Odiado por muitos devido à suas opiniões políticas reacionárias, Mainardi tornou-se famoso pelo estilo - satírico e mordaz - de suas crônicas publicadas na revista VEJA. Era o tempo do primeiro governo Lula e enquanto grande parte dos intelectuais estavam animados por terem um presidente de esquerda no poder, Diogo Mainardi via em Lula pouco mais do que um bebum semianalfabeto, e descia o sarrafo nele, em seus ministros, secretários e intelectuais. Muitas das crônicas dele dessa época são verdadeiras pérolas; causando grande impressão, raiva e alguns sorrisos. Uma boa coletânea, com crônicas selecionadas pelo próprio autor, você encontra no livro "À Tapas e Pontapés" (leia online pelo Scribd, baixando o aplicativo, ou compre pela Estante Virtual ou pelo aplicativo da Shopee). Ainda hoje circulam na internet alguns trechos de crônicas dessa época. 

Arnaldo Jabor

Figurão da cultura nacional, Jabor participou do Cinema Novo, ajudando a fazer história num período de grande efervescência da cultura brasileira. Como colunista, antes de se focar no mundo político, entreteve e ilustrou milhares de leitores durante décadas. Chegou a ser publicado semanalmente em 23 jornais. Com razão, pois esbanjava crônicas culturais engraçadas, inteligentes e enriquecidas com referências à dramaturgia, cinema, pintura, música, quadrinhos, literatura e história. Há em sua prosa o olhar desiludido de um ex-militante comunista, mas também a confissão cínica de quem viveu nossa história; e, para não enlouquecer, fez tragicomédia com nossos personagens e enredos quotidianos. Certo ou errado, sempre culto e opinativo, era uma mente instigante. O livro dele que eu indico é o "Sanduíches de Realidade e outros escritos" (sem e-book disponível, mas o livro está à venda na Estante Virtual e também  na Shopee, e com frete grátis se comprado pelo aplicativo).

Paulo Francis

É provável que nem Diogo Mainardi e nem Arnaldo Jabor fossem possíveis  como cronistas se antes deles não tivesse existido Paulo Francis. Isso porque Francis foi um dos maiores e mais influentes jornalistas brasileiros. Sua coluna na Folha de São Paulo, nos anos oitenta, era a mais lida do país. Francis vinha de uma família de classe alta - os Heilborn, de origem germânica - e, por meio da biblioteca da família, teve uma sólida formação literária e intelectual através dos clássicos europeus. Em cultura, era um elitista. Apesar disso, detestava o português empolado e, segundo ele, escrevia em "Português de gente"; quer dizer: um português mais próximo da linguagem falada de sua época. Era um homem muito sincero, que não escondia o que pensava. Naturalmente, incomodou muita gente de esquerda e de direita. Indico para leitura as crônicas contidas em seu livro "Diário da Corte" (baixe o e-book aqui)

Curioso é que os três autores indicados acima são de direita² e possuem um traço muito característico do intelectual brasileiro: são viciados em política.

Referências Digitais

O Portal da Crônica Brasileira, mantido pelo Instituto Moreira Salles, faz um bom trabalho resgatando e disponibilizando crônicas de autores consagrados.

O site Conto brasileiro, apesar do nome, inclui também várias crônicas de grandes escritores.

O site Digestivo Cultural é  um dos melhores e mais longevos sites brasileiros sobre Cultura e Literatura. Vários escritores possuem colunas nele, e alguns cronistas famosos já passaram por lá - como Millôr Fernandes, Paulo Polzonoff, Yuri Vieira e Alexandre Soares Silva (os textos continuam lá, acessíveis).

Grandes jornais

É possível acessar as colunas dos cronistas dos maiores jornais do país (Folha, Globo, Estadão, etc. ) usando um burlador de paywall³. Recomendo este aqui. Para burlar o bloqueio é só copiar o link do texto bloqueado e colá-lo no site que desbloqueia. No site do link você pode escolher se quer ler o artigo em pdf ou em página web usual (http).

Por fim, para que se tenha uma noção vívida do poder expressivo da crônica, eu sugiro a leitura das seguintes:





- Caça-níqueis (nesse caso, se trata de ouvir, já que é uma crônica de Nelson Rodrigues lida magistralmente pelo mestre em teatro Rodrigo Mallet).


 
                                                              ***

Notas:


1- O que significa que ela raramente passa de 18 parágrafos, sendo que a crônica média fica entre 8 e 14 parágrafos.

2- Como eu não me considero uma pessoa "de direita", o fato de eu ler e gostar desses autores talvez requeira uma explicação. O que posso dizer? Apenas a verdade. E a verdade é que o único motivo pelo qual leio e indico esses autores é porque eles são, de fato, bons cronistas. Isto é: escrevem bem e conseguem ser honestos em relação às suas opiniões, mesmo quando elas parecem meros preconceitos (ou mesmo quando são). Eles escrevem com humor as vezes maligno, autoironia e uma sinceridade - uma verdade pessoal - que é muito difícil encontrar nas opiniões dos esquerdistas modernos. O esquerdista moderno é hipersensível a tudo que soe preconceituoso. Ele morre de medo do julgamento de seus colegas militantes, e estes, por sua vez, estão sempre a buscar preconceitos nos outros. O resultado é que o cronista de esquerda, muitas vezes, acaba modulando as próprias opiniões para que sejam politicamente corretas ao invés de autênticas.

O cronista de classe média, quando é de direita, se permite dizer ou sugerir ideias impopulares. Ele pode dizer ou sugerir que desdenha dos pobres, ou que os bairros pobres são feios, sujos, desorganizados e fedidos (muitos, de fato, são), e é aí onde está o interessante: ele dirá tudo isso se assim pensar, ou talvez porque queira provocar, e o fará se expressando de forma engraçada e irônica. Já o cronista de classe média, quando é ligado à esquerda moderna, jamais pode dizer uma coisa dessas, mesmo que esse pensamento lhe venha à cabeça todas as vezes em que sobe numa favela para participar de ações sociais. O esquerdista impõe a si mesmo a regra de não se permitir pensar algo assim, porque lhe ensinaram que é "errado, incorreto e preconceituoso" atribuir características negativas aos pobres. Assim, se tais características existem, o esquerdista não pode mencioná-las.

O resultado é uma vantagem literária para os cronistas da direita, que ganham maior liberdade de ideias, uma liberdade expressiva maior, mais autenticidade e menos neuroticismo. O efeito natural é que sejam mais polêmicos também. É claro que isso não é uma Lei, no sentido de que é sempre assim; trata-se apenas de uma tendência. Vale notar que essa neurose anti preconceito dos esquerdistas modernos não se aplica a esquerdistas das antigas, como Lima Barreto ou Luís Fernando Veríssimo.

Seja como for, e seja qual ideologia for, a posição política de um autor é a menor coisa com a qual o leitor deveria se preocupar. O que importa é conhecer o estilo, reconhecer o talento, apreciar e aprender com o autor. A Literatura deve estar acima de nossas preferências políticas. 

3 - Paywall, para quem não sabe, é o bloqueio que jornais e revistas fazem em alguns dos seus artigos. Teoricamente serve pra forçar os leitores a pagar uma assinatura, e, de fato, a maioria paga. Porém, alguns anarquistas, terroristas, cybercriminosos e pobretões como este autor procuram métodos escusos de leitura como usar sites que desbloqueiam paywalls ou extensões que desabilitam o JavaScript da página do jornal.


                                                                 ***

Caso você tenha gostado e aprendido com o texto acima, sugiro que leia esta importante recomendação.

31/05/23

Algumas Dicas Para Melhorar Sua Escrita

Tenho pretensões literárias, culturais e intelectuais: alguns livros para terminar de escrever, ao menos uma editora para criar e muitos livros para traduzir.

De experiência, tive alguns contos e crônicas publicados em blogs e revistas literárias online, algum flerte com fanzines, alguns artigos opinativos espalhados pela internet, e performances literárias variadas em ambientes virtuais variados. Blogs, já os tive aos montes. No mínimo, uns treze. Mas eu chutaria uns quinze.

[Jack Kerouac tendo um orgasmo literário. Quem nunca?]

Passei em duas universidades públicas federais, sendo que uma delas é considerada uma das melhores do Brasil. Sem cursinho e sem sequer ter estudado muito. Tudo isso, em parte considerável, pelo peso das redações - e em outra parte pela cultura humanística que adquiri como autodidata. No vestibular de uma dessas instituições - uma das melhores e "mais difíceis" universidades do país- minha nota de redação foi 9.9.9.8. Ridículo, não é mesmo? Nem ostentar um dez eu consigo!

Já fiz mulheres inteligentes se apaixonarem por mim, com textos. Já fiz moças lindas se encantarem por mim, com textos. Já troquei e-mails com amigos, de forma recorrente, promovendo debates, durante alguns anos. Já fui convidado para escrever em site de amigo e até em revista de intelectual acadêmico. Ah, e já interagi e conquistei a atenção - as vezes até o respeito - de colunista famoso da Folha e de gênio de elevado QI com registro no Guiness.

Por meio dos meus textos, consegui a admiração de uma quantidade significativa de gente extremamente inteligente e brilhante. Gente com uma inteligência que provavelmente eu nunca vou ter. É tentador citar os nomes das pessoas que já me elogiaram (por que algumas delas são de enorme relevância para o cenário intelectual e cultural brasileiro) mas mesmo assim não o farei. E por que? Bom, porque sei que, embora tenha melhorado muito desde que começei a escrever, embora tenha vivido algumas coisas das quais me orgulhe, tenho a plena, visceral e tortuosa consciência de que estou longe, MUITO LONGE, de ser um bom escritor.

Escrever, eu escrevo, só não escrevo bem!

Todos os elogios que recebi servem muito bem para me motivar a continuar escrevendo e mostrar que estou no caminho certo, mas nenhum deles vai melhorar minhas habilidades literárias: e é isso o que me interessa.

Sendo assim, mesmo sem ser um bom escritor, acho que, dada essa leve bagagem, posso te deixar algumas dicas que me ajudaram muito.

Vamos lá:

Por hora, vou deixar as dicas apenas para quem quer dar uma melhorada no texto. Outra hora repasso algumas dicas para quem quer ser escritor, viver de texto e de livro (algo que eu ainda não consegui, mas que devo conseguir num futuro relativamente próximo).

Notem que determinadas dicas serão mais úteis para determinadas pessoas. Mas, de início, eu recomendaria que se investisse em cada uma delas. Selecione as que achar mais apropriadas e anote-as.

#1 Você não precisa ser um expert em Gramática

                      [Antonio Houass. Esse cara sabia tudo, só não sabia escrever]

Dica contra intuitiva? Talvez! Mas extremamente verdadeira. E é especialmente verdadeira no meu caso. Alguém entendido em português e gramática sente calafrios na alma ao ler meus textos, já que estão atulhados de erros.

Se isso é verdade por um lado, por outro é verdade que o conteúdo, a didática, a clareza e o bom (ou mal) humor chama a atenção. Então, existe esse aspecto, não formal e qualitativo, do texto; que se relaciona mais às ideias, ao ritmo de condução e encadeamento das mesmas do que à correção.

Claro: sem um domínio mínimo, elementar, de pontuação, sintaxe, regência, ortografia, colocação pronominal, tempos, modos verbais e demais ferramentas, você não faz muita coisa. E meu ponto é justamente este: domine ao menos o básico, o resto você melhora com o tempo, a prática, o estudo e com a ajuda dos mestres.

Não espere dominar a língua primeiro para depois escrever. Essa é a maior besteira que alguém pode te falar, pelo simples motivo de que você só domina alguma coisa quando a pratica exaustivamente. Se você não praticar os usos, aplicações e características do idioma em seus textos, como é que vai se tornar um bom escritor? Seria como tentar ser bom jogador lendo livros sobre a natureza do futebol e não praticando o esporte.

Acredite em mim: o futuro de todo formalista é virar um gramático ou crítico literário que não é lido por nenhuma pessoal normal, ou então um lexicógrafo ranhoso e pedante. Nesse sentido, cabem aqui as palavras de Millôr Fernandes sobre Antônio Houaiss (que, embora fosse um dos maiores eruditos da língua, era considerado mal escritor):

"Houaiss conhece todas as palavras da língua, ele só não sabe juntá-las"

Não vá me entender errado: não estou dizendo para abandonar os manuais, estou dizendo para não ficar apenas neles. É preciso estudar E praticar.

#2 Faça experimentações psiquico-literárias.

[O grande segredo que os escritores não te contam: escrever é fazer lavagem cerebral no leitor]

Essa dica é um complemento da anterior. Você deseja que seus textos sejam lidos e produzam algum efeito na sociedade ou ao menos em seu leitor, certo? Pois, para isso, você precisa conhecer não só o seus textos, mas os leitores disponíveis. Muitas vezes, para alcançar um público maior, você precisará simplificar vocabulário, modulando e adequando a linguagem e o conteúdo ao nível do ouvinte. Logo em seguida, conforme desperta a curiosidade dele, pode ir elevando-o para patamares e elocubrações mais sofisticadas.

Mas antes você precisa de leitores. Então não tenha medo de agradar, de provocar, de chocar. Atraia leitores. Escreva sobre o que o brasileiro gosta: putaria, sexo, futebol, novela, política, piada, fofoca. Mas escreva sob sua ótica, dê o seu ponto de vista, seja honesto, seja falsificado, seja polêmico. Eu odeio futebol e falo mal dele vez ou outra. Mas falo de futebol citando Nelson Rodrigues e Lima Barreto, ou seja: se a pessoa não conhece nada de literatura, mas gosta de futebol, eu já expando o universo dela, e expando para dentro do meu mundo, que é o mundo literário.

Escrever, em grande parte, é seduzir pessoas para o seu mundo mental, emocional, intelectual e filosófico. Também é invadir sutilmente a mente dos outros e plantar lá as suas ideias, ou deixar a sementinha delas. É entrar lá e corrigir perspectivas, ampliar horizontes, desfazer nós cegos que maus professores e educadores ajudaram a dar.

Em suma, o escritor é muito mais poderoso do que comumente se pensa. Mas antes ele precisa ser lido! Então aprenda a chamar a atenção e angariar leitores.

Faça textos para amigas, para professores, para seus pais, para blogs, para o facebook, para o Wattpad, para o Medium. Vá em eventos, organizações, escreva cartas para escritores ou blogueiros, enfim. Vá criando redes com leitores e escritores. Estudando como reagem aos seus textos, se adequando ao público de um nicho para depois roubar e conduzir esse público ao seu nicho.

#3 Não se deixe abater pela crítica especializada

[Olha, se não é um crítico da Folha/FLIP! Aposto que sei o que ele está pensando: "Hum…como vou citar o Philip Roth no meu artigo de amanhã sobre essa exposição cubo-dadaísta?"]

"O que é um crítico de arte? É um artista frustrado!"

Esse é um bordão malicioso, mas contém alguma verdade. Em geral, como todos os intelectuais, os críticos tendem a se agremiar em Torres de Marfim para ficar exaltando seus autores favoritos:

"Olha esse novo romance do Philip Roth, meu deus, como ele é bom!"

Ass: crítico literário qualquer da Folha de SP.

Raramente eles param para olhar o que se passa lá em baixo, entre o povo.

Eu conheço um bocado de gente que é leitor voraz, inclusive de literatura, e nunca conheci na vida alguém que lia Philiph Roth. Mas que lia Paulo Coelho e Augusto Cury eu conheci um monte.

Na verdade, Paulo Coelho e Cury só ficaram tão grandes justamente por que a crítica especializada não dava atenção nenhuma para eles. Você já conheceu gente normal que dá ouvido a críticos literários? Não existe. Gente normal gosta de resenha de blogueiro, lista da Amazon, Buzzfeed e literatura modinha.

Enfim, não queira escrever para agradar intelectual, nem para agradar professor. Escreva para comunicar algo que você acredita relevante, que tenha a ver com seus valores ou que produza no leitor os comportamentos e pensamentos que você julga apropriados e saudáveis, ou que apenas conte a história que você quer contar.

#4 Mostre seus textos como dançarinas de funk mostram a bunda.

[O que é bonito é para se mostrar, o que é feio também!]

Mostre seus textos, sem pudor, para amigos mais cultos, mais intelectualizados e com maior bagagem literária. Eles lhe darão os feedbacks mais produtivos. Se conseguir angariar o elogio do leitor comum e deles, vais estar no caminho certo.

#5 Aprenda com os melhores/ Seja humilde

[Seja um eterno aprendiz dos gênios. No seu caso, dos literários]

Faça um monte de amigos mais fodas que você, cerque-se de gente melhor que você em tudo, e seja minimamente humilde para aprender com todos. Gente inteligente e culta adora falar e ensinar o que aprendeu. Ainda mais num país em que as pessoas fogem de livro e de reflexão como o diabo foge da cruz

#6 Seja Eficiente

[A famosa poesia-porcaria]

Poesia? PARA A PUTA QUE PARIU COM A POESIA!

Grande parte do que se chama poesia hoje são textículos vagabundos sentimentalóides que fazem joguinhos de palavras. E quer uma novidade? Isso não impressiona ninguém! Qualquer mocinha de 13 anos que tenha sentimento romântico e um Minidicionário Aurélio faz isso.

Poesia de verdade é um treco difícil para cacete. Tem métrica, exige um domínio desgraçado da sintaxe e das figuras de linguagem. Esse treco que o pessoal faz é, no máximo, peido poético: a expressão de um sentimento genuíno que a preguiça intelectual impediu que se transformasse em algo realmente impressionante.

Comece pela prosa. Aprenda a ser claro, a distinguir bem o significado da palavra. Tenha bagagem semântica, filosófica, lógica, gramática. Quando você souber usar o básico dessas ferramentas, aí sim pode começar a brincar com as palavras e tentar torcer o idioma expressivamente.

Mas antes disso, sem recursos, seria como tentar construir uma casa só com tijolos. Não dá: precisa de argamassa, cimento, telhas, sapatas, vergalhões, janelas, portas, etc.

#7 Jamais seja comedido

       [Pavonei-se sempre que for conveniente. Se você tem algo a oferecer: exiba!]

Eis aqui um grande segredo que aprendi com o Ray Cruz, um amigo poeta underground que infelizmente não se encontra mais entre nós. Que é:

"Transforme-se em um personagem, antes que a sociedade faça isso com você"

As pessoas gostam de personagens. E entendem as coisas melhor por meio de caricaturas. Então saiba abusar disso, dos clichês. Você acha que o Bolsonaro seria eleito se não endossasse o mito do Comunismo Onipresente? Não, não seria. Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e vários outros autores ficaram anos moldando o imaginário popular com a ideia de que todos os setores culturais no Brasil estavam dominados por Comunistas.

Se você for sensato, comedido, justo, ninguém vai te ler. Seja radical, bata em todo mundo, fale mal de gente famosa, você quer ser lido, ou não? (Até hoje o meu texto mais comentado é o que eu dou pancada carinhosa no Olavo.)

Claro, é possível fazer contraposições e ataques com classe, estilo, ironia e sofisticação. Com o tempo, você pode aprender a fazer críticas pesadas, mas extremamente pertinentes, com um humor absolutamente genial. Quer um exemplo? Deixarei quatro:


Por hora, é isso. Leiam meus textos, me sigam, acompanhem minhas dicas, me façam boas perguntas, corrijam meus erros nos comentários, me escrevam cartas de amor, de ódio, me xinguem nos comentários, me mandem propostas indecentes inbox, me deem um emprego.

Me façam rico e bem sucedido, e então eu escrevo um livro com tudo o que sei ("TODOS OS SEGREDOS DA VIDA, DA ARTE, DA FILOSOFIA, DO SEXO E DA RELIGIÃO - VOLUME ÚNICO- especial para antigos amigos, leitores e colaboradores do Quora) só para vocês.

Abraços,

especialmente nas leitoras

:)

10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


                                                 ***

Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora

03/08/22

Um Óculos Para Mersault


Um simples óculos evitaria o homicídio mais idiota da Literatura.

Agonia ao reler O Estrangeiro. Que bem faria a Mersault um óculos de sol! (já existia em 1942...)E que mania horrível aquela de "tanto faz", uma indiferença cuja origem só pode ser a apatia ou um germinal niilismo. Sugere o segundo quando, várias vezes, inclusive diante da proposta de casamento, reage com "isto não significa nada", negando o valor das convenções.

Tipinho hedonista e sem ambições, Mersault é motivado sempre por ideias de jerico e pelo seu caráter morno, sem sangue e sem sal. Tipinho que dá nos nervos. Homem sem drama, sem dor, sem paixão. Tem o espectro emocional resumido em duas sentenças: "isto me aborrece" e "isto me agrada". Se lhe cortassem os bagos, era capaz de reagir com:"Tanto se me faz" ou "Aborrecia-me viver sem os bagos".

Mesmo o crime que comete não lhe é fruto da vontade, mas antes de equívoco. Evento descrito numa cena que, aliás, é mal escrita e deficiente em credibilidade: como é que se explica que Mersault, desnorteado e cego pelo calor excessivo, a nove metros de seu inimigo, acerte-lhe nada menos do que cinco tiros?! Falta coerência nesse arranjo: a cena não convence. Ora, àquela distância, nem a navalha do árabe oferecia ameaça e nem Mersault lhe poderia acertar os cinco tiros, visto a sua condição ser a de um fotossensível cego pela luz solar. O mais cabível na cena era que este atirasse aos céus e que o outro, assustado, fugisse.

Ante personalidade tão mequetrefe, entende-se bem o incômodo da sociedade julgadora: que mais se admira da falta de emoção do homem do que propriamente de seu crime.

É dito que essa obra de Albert Camus - considerada indevidamente um clássico - trata da filosofia do autor, que explora o conceito de Absurdo. É explicação leviana e equivocada, uma coisa nada tem a ver com a outra. O Mito de Sísifo é interessante e bem escrito. Em O Estrangeiro, exceto pela cena mal escrita de homicídio, nada há de absurdo no que acontece à Mersault.

Absurdo, absurdo mesmo, é que uma obra tal, tão tímida na forma e tão baixa no conteúdo, seja tão recomendada e tão lida por aí.

A minha vontade de leitor era a de aprender magia negra, ressuscitar Camus, pegar os meus volumes de Celine e Victor Hugo e dar-lhe incessantes bordoadas aos berros de: "Está vendo? É assim que se conta uma história, desgraçado!";"Tome! Sinta! Sinta, desgraçado! Sinta na pele a Literatura de gente!"

Concluo com o meu preconceito: quem nasce argelino, jamais chega a ser francês. Nasce pobre e faz pobre a literatura. Uma literatura assim, sem o L maiúsculo.

07/02/22

O Texto, a Divulgação e a Polêmica da Piriquita



Embora desprovido de grandes pretensões literárias e consciente de minhas limitações nessa arte, creio que - mesmo sendo blogueiro e cronista de menor categoria -, mereço ser lido pelos leitores de crônicas e blogs; especialmente pelos leitores de crônicas e blogs de menor categoria, e mais especialmente ainda pela parcela que sofre de masoquismo literário e desprezo pelos gramáticos. Em minha autoindulgência chego até a considerar que posso, em alguma ocasião, ter escrito algum texto interessante ou provocativo, digno de um público maior.

No entanto, uma dificuldade persiste. Onde publicizar um texto quando você é apenas um blogueiro desconhecido e escritor amador? Como conseguir leitores que tenham interesse no que você tem a dizer? São questões que frequentemente me afligem.

Eis uma verdade universal que todo escritor digital deve saber: para quem quer leitores, não basta escrever; divulgar é tão importante quanto. É nesse aspecto - o da publicidade - onde muitos blogueiros falham, inclusive o autor destas linhas. Encontrar o público de certos textos pode dar trabalho, é preciso uma disposição que nem sempre me anima. Sou cronista preguiçoso, reconheço.

Além disso, há vantagem na obscuridade: ela nos protege da crítica indevida. A desvantagem é que protege-nos também da crítica pertinente. Ter o texto exposto e criticado pode servir - e geralmente serve - para amadurecer o entendimento do escritor sobre o próprio texto e as reações que ele suscitou. Outra parte interessante da exposição textual na internet é a oportunidade de interagir com os leitores. Digo: interagir com os bons leitores, aqueles que compreendem o texto e têm alguma contribuição cultural ou argumentativa a fornecer. Quanto aos maus leitores: o jeito é ignorá-los.

Trarei a seguir um bom exemplo prático de como a divulgação pode trazer resultados interessantes. Mas antes devo confessar, meus caros, que apesar ter iniciado este blog com o objetivo de abandonar o Facebook, eu continuo escrevendo, ocasionalmente, na rede social do Zuckerberg. E foi surfando por lá que, outro dia, em reação à postagem de uma amiga que compartilhou a "Piriquita" - refiro-me a inusitada e recente música de Juliana Bonde - escrevi um comentário longo (para os padrões do Facebook) a respeito da manifestação do Kitsch em tão peculiar canção. No comentário eu explicava o processo de decadência que sofreu a canção "Tédio", da banda Biquini Cavadão, até virar a estrambótica e terrivelmente bem humorada versão do Bonde do Forró.

Sujeito de tendências misantrópicas, tenho poucos amigos no Facebook - cerca de 168. Desses, há um pequeno grupo, que varia entre 10 e 15 pessoas, com quem interajo de modo recorrente. Formam o seleto grupo de insensatos que lêem as bobagens que escrevo por lá. Como são leitores qualificados e que sempre acrescentam, não tenho do que reclamar. No entanto, desta vez, como fiz comentário de um evento atual, coisa que evito, fiquei curioso para saber como outros leitores reagiriam ao texto, já que o assunto está muito falado no Twitter e em outras redes sociais.

De início, achei que era boa ideia publicá-lo em meu perfil no Medium, já que faz tempo que não publico por lá. Faria bem um texto novo, pra variar. Foi o que eu fiz. Porém, logo em seguida, lembrei-me que o ritmo de interação no Medium é mais lento, e que lá não é a melhor plataforma para explorar as polêmicas da semana. Então percebi que para que o texto fosse lido por mais leitores, eu deveria divulgar o link do texto do Medium em grupos do Facebook. Felizmente, por sorte, faço parte de alguns grupos de música cujos membros são muito engajados em debates e polêmicas. Divulguei o texto num desses grupos e o resultado foi melhor do que eu esperava. Os recortes das métricas confirmam:

Recorte 1) O alcance e as reações do seleto público do meu perfil principal no Facebook.



Recorte 2) O alcance e as reações à divulgação do texto no grupo "Psicodelia Brasileira"



Recorte 3) Em um dia e meio, as estatísticas de visualização do texto no Medium subiram de 0 para 213.


Recorte 4) Comparando com os textos não divulgados, e que estão no Medium há muito mais tempo, a diferença nas estatísticas é abissal.


Tal experiência prática, além de confirmar a importância da divulgação, me fez pensar um bocado. Então, veja você, escritor iniciante, cronista, ou blogueiro, o como é possível e fácil ampliar o público de seus textos. Depois de escrever, basta a estratégia correta para divulgar. E depois é encarar as reações, boas e ruins.

No meu caso, entre as várias reações ao texto, este comentário, presente num debate cheio de farpas entre este autor e um leitor inteligente, foi difícil de ler, pois demasiado verdadeiro. Doeu-me o coração sensível.


Já este outro, eu adorei, por ser mais verdadeiro que o anterior e ser expresso por uma bela mulher, o que é ainda melhor.