Mostrando postagens com marcador Melancolia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Melancolia. Mostrar todas as postagens

16/02/22

O Que Mais O Amedrontava

   


A verdade era uma só: ele tinha medo. Era isso o que sentia todas as vezes quando saia às ruas. Tinha medo deles. Tinha medo de suas leis, de seus chefes, de suas mentiras, de seus exércitos, de suas religiões, governos e ciências. Por isso pensou em ir para as montanhas, para as cavernas, para o mato. Mas o procurariam lá, ele sabia. Trariam holofotes e iriam fotografá-lo, fariam reportagens, contariam sua historia em jornais e logo ele ficaria famoso. Então iriam visitá-lo, tratá-lo como aberração e talvez alguns até o seguissem.

Ele pensava nestas coisas e seus olhos lacrimejavam. Os homens, que doença os teria dominado? Que loucura era esta a deles? não sabia. Só sabia que era de todo cruel e perturbadora. Ele pensou que não se poderia fugir deles, por que tinham tomado todo o globo para si. Assustava-lhe a natureza virótica que a raça emanava. Haviam chegado aos 7 bilhões, ele bem sabia. Vejam só, criaram números para medir seus bens e riquezas mas não haviam números para medir sua ignorância, para a sua miséria, para a sua vergonha. Lembrou-se daqueles por quem nutria alguma admiração e respeito. Aqueles que ousaram ensinar, que ousaram pensar, aqueles que foram por eles reconhecidos como sábios e iluminados. "Sempre idolatrados mas nunca escutados" disse de si para si. E pensou no quanto isto era assustador.

De certo modo, isto o enchia de medo, de pavor. Então ele continuava, como há muito, cabisbaixo e deprimido, com Deus e com os homens. Olhava a si no espelho num impulso qualquer de autopiedade e ali detinha-se e se assustava ainda mais. Era talvez aquilo que mais lhe causava sofrimento, pesar e amargura. Olhar-se no espelho, ver a si e saber que todos aqueles que tinham feito de um mundo maravilhoso um mundo que só se podia expressar com lamúrias e prantos, todos aqueles que se poderiam em perfeita coerência chamar de 'virus humanidade' eram, cada membro, exatamente como ele. Isto o fazia chorar. Isto lhe fazia por inteiro amedrontado.

26/11/21

Parabéns ao Diabo


Pequei contra o Espírito Santo.  Pecado fatal, de morte. Venho, portanto, reconhecer a  vitória triunfal da besta. Vitória, uma vez mais, contra este  sorumbático escrevinhador. Este farrapos de homem,  quase  demônio  quase anjo, que aspira fazer o bem, mas só encontra volição para o pérfido,  o torpe,  o hediondo.

Homem? Homem não. Homem: São Jorge, que venceu o Dragão.  São jorge: masculino, guerreiro, forte, símbolo de fé e vitorioso. Eu, quando muito, sou menino. Sofro a inocência frustrada de um garoto tímido, deslocado, que jamais ousou sair do mundo das idéias. Exceto para o que avilta o espírito; as causas do horror e da decadência, da pestilência e da profanação.

Mas se há defesa, e se havendo defesa eu me possa defender, diria, proclamaria até, única e derradeira verdade: eu fujo do mal. Ele, porém, me alcança e derruba. Nas lutas morais combato inimigo maior e mais forte, que esmaga-me sem a menor piedade. Apesar de tudo, apesar das inumeráveis derrotas e humilhações, apesar de ter o nome na lista dos malditos, apesar dos tantos recomeços, jamais -jamais! - deixei de desafiar o inimigo. A cabeça segue ensanguentada, mas não curvada.

Pois digo e repito: não me curvo ante a besta. Teatral e cínico, faço-me cordial. Evoco-a, encaro-lhe os olhos sem fundo, feitos de negrume abjeto, cumprimento; dou-lhe os parabéns. Vencestes hoje, criatura vil. Amanhã, porém, será outra luta. Guarda teus planos e ardis. Amanhã, no ringue dos pequenos dramas do universo, mais uma vez, duelaremos.

E neste dia, que eu tenha a força e a fé de São Jorge, que  este farrapos de homem,  quase  demônio  quase anjo, que aspira fazer o bem, mas só encontra volição para o pérfido,  o torpe,  o hediondo... Que este sorumbático escrevinhador,  um dia, ao menos, vença o Dragão.

Até lá, saibam todos: o pecado há de dominar-me as ações, escravizar-me os sentimentos.