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10/03/22

Do Biquini à Piriquita: a ascensão do Kitsch nas metamorfoses da canção “Tédio”

 


Era 1985 quando a banda de rock Biquini Cavadão lançou a canção “Tédio”. Em cima de uma levada pop rock, a letra reproduzia o conteúdo de uma suposta ligação na qual uma das partes confessava sofrer do desagradável sentimento. 


Não era brilhante, mas era divertida e fazia sentido, já que tédio é algo que todo mundo sente ocasionalmente. A canção fez mais sucesso do que a banda esperava, tocou exaustivamente nas rádios e há relatos de que foi muito reproduzida em departamentos públicos.

Para os críticos musicais da época, o rock brasileiro oitentista, cheio de influências Punk e New Wave, era musicalmente inferior ao que fora produzido nos anos 70 e 60, como Jovem Guarda e Mutantes. De tal modo que as músicas do Biquini Cavadão eram consideradas como expressão de uma vertente cultural simplória e menos interessante em termos artísticos. Era música medíocre. Mesmo assim, ou talvez por isso, a melodia de “Tédio” grudou na cabeça do público.

Vinte e quatro anos depois, uma irrelevante banda de brega pop paraense chamada Banda Katrina, numa explosão de humor de duplo sentido, ressuscitou a melodia de “Tédio”, dessa vez expressando-a junto a uma letra criativa ao estilo Raimundos, na qual destacava-se o título: “Quem Vai Querer A Minha Piriquita”. Contava a história de moça fogosa, ou brincalhona, interessada em dar a piriquita. Música extremamente ruim, porém engraçada, foi sucesso instantâneo. A velha melodia voltou a grudar na cabeça do povo. 



Dois anos depois do estrago da Banda Katrina, o funkeiro Mr. Catra, que no início da carreira tocava numa banda de rock, entrou na onda e resolveu dispor da melodia de “Tédio”. Uma versão funk, por que não? Pôs na música batidas mais acentuadas, maior destaque na melodia e, claro, uma letra para lá de sacana. Chamou a canção de “Adultério”.



O perfil artístico de Catra é o de um oportunista que submeteu o pouco talento que tinha ao escracho, ao cinismo e ao deboche. Suas músicas mais relevantes são brincadeiras sacanas ou paródias. Produziu Kitsch e surfou no Trash Culture do funk proibidão. Nessa área a performance e a ousadia — ousadia aqui nada mais é do que a coragem de exibir sua mediocridade musical em público — são muito mais importantes que o talento. Catra era desinibido, excêntrico, bem humorado e carismático. Foi o suficiente para que os brasileiros ouvissem suas músicas e lhe devotassem atenção. A música “Adultério” foi um imenso sucesso. Tanto que até hoje muitos jovems quando escutam “Tédio” acreditam que é uma cópia da canção de Catra. É a criatura devorando o criador. A melodia, mais uma vez, grudou na cabeça do povo.

Finalmente, como o Brasil não é para amadores, neste ano de 2022 as coisas chegaram a um nível ainda mais estranho. Uma espertinha chamada Juliana Bonde, vocalista do Bonde do Forró, resolveu repaginar a versão da Banda Katrina, alterando um pouco a letra, mantendo o terrível teclado eletrônico e elevando a sonoridade forró. Eis a versão mais lixo de todas, o que no Brasil significa a fórmula mágica do sucesso. Mas como Juliana Bonde além de bela é astuta, deu o golpe fatal: tratou de ridicularizar na letra uns nomes famosos da cultura nacional. Atirou para todos os lados: religiosos, políticos e músicos. Disse que daria sua piriquita para o padre Fábio de Melo, mas não para Luan SantanaLula e Bolsonaro.

Antes dela, o último a dar o golpe das citações foi Serginho Malandro; em sua espirituosa paródia de Drake.



Desnecessário dizer, mas a versão de Juliana ( que o dileto leitor pode conferir no video abaixo) está fazendo tremendo sucesso. A melodia está grudando na cabeça do público.



O que não é bom sinal, e provavelmente indica que em breve vem coisa pior por aí.  E assim, uma vez mais, constatamos o Kitsch como expressão máxima da preferência nacional, neste caso — que está longe de ser um evento isolado, e por isso serve para ilustrar a tendência mais geral que assola a música comercial brasileira — temos uma canção boboca que é a cópia da cópia, sempre prometendo uma futura versão ainda pior; numa sucessão sempre previsível, numa dinâmica perpetuamente monótona.

É ou não é de entediar qualquer um?

29/11/21

Blogueiro: O Cronista da Cultura Esquecida


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Acrescentei a este blog o recurso de exibir os assuntos em tags por frequência. Feito isso, descobri que até agora (depois de 6 postagens) o tema sobre o qual eu mais falei foram blogs. Um blog falando sobre blogs e sobre pessoas que escrevem blogs - que recursivo, não? 

Felizmente criei este site para publicar nele o que eu quiser, e como é um blog sem leitores, ou de leitor único, tem a rechonchuda felicidade de ser um blog acima de críticas. Em verdade, confesso ao meu público inexistente: gosto do que estou fazendo aqui. É simples, é econômico e me impele a escrever. 

Há, para escritores iniciantes, várias vantagens em ter um blog, a principal delas talvez seja a efetivação de uma rotina, de uma regularidade no ofício. Outra coisa muito legal e interessante é que não importa o quão descompromissado possa ser um blog, se ele fala a respeito de algo (um produto cultural, uma notícia, um evento) que as mídias maiores não falam, então ele se torna uma fonte alternativa, uma mídia alternativa. Desse ponto de vista os blogs nada mais são que os fanzines da era digital.

Apenas para exemplificar, citarei dois exemplos de blogs descompromissados e em estilo antigo, amador, que me trouxeram informações sobre assuntos culturais não tratados em mídias maiores. 

O primeiro deles foi o divertido e meio monótono meuqiabaixodezero.blogspot.com, que é divertido por ser um daqueles blogs "nerds" que compilam informações sobre desenhos, séries e músicas dos anos 80, 90 e início dos 2000, e que é meio monótono porque em todas as postagens a autora começa com a mesma frase: "pois é, minha gente..."

Foi nele que encontrei informações sobre um desenho antigo chamado "Creepy Crawlers", que aqui no Brasil foi batizado como "Os Monstruosos". E foi fuxicando esse blog  que encontrei a indicação de uma banda divertida e pouco conhecida, chamada Jumbo Elektro.

Já recentemente, depois de ouvir esta divertida paródia (que é ainda mais divertida para quem já morou ou visitou Sepetiba):



Como eu dizia: depois de ouvir a paródia, indicada pelo meu queridíssimo irmão, eu quis saber quem eram os autores. Lá fui eu pesquisar no Google, e, para minha surpresa, cai num bloguezinho descompromissado de um amante de rock contando sobre sua experiência de ouvir um álbum da tal "Didi Subiu No Cristo", a obscura banda autora do Sepetiba Dreams.

Nos dois casos, os blogs, notavelmente despretensiosos, documentaram fenômenos culturais que não chamaram a atenção da mídia maior, mas que nem por isso deixam de ser interessantes ou relevantes para certos públicos. 

E assim o blogueiro cultural, esse personagem menor das Letras e do Web-Jornalismo, se afirma como um cronista da cultura esquecida. Nós lembramos daquilo que os outros esquecem. 

Eu gosto, e quem acha que cultura e informação nunca é demais, agradece.