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08/07/24
Faz
01/07/24
Lembranças de Uma Utopia Virtual
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Samuel Fernando polemizando |
Há alguns anos eu tive um perfil excluído pela moderação do Facebook. O feice diz oferecer ao usuário um espaço de discurso, mas seu verdadeiro objetivo é monitorar as ações dos usuários para criar perfis de consumo precisos; e, com isso, otimizar algoritmos de escolha de anúncios personalizados. Todos sabem disso, e eu sabia na época, mas quis jogar o jogo perigoso da liberdade de expressão, testar os limites, até porque, ingênuo, eu não esperava o pior. Deu no que deu, e me arrependo, pois havia conversas interessantes no perfil.
Uma delas foi com o professor Adonai Santana, que é um importante físico teórico do país, e discípulo de Newton da Costa, um dos nossos maiores filósofos da ciência. Na conversa perdida, o ilustre professor (que durante a Pândemia escreveu um esclarecedor guia de Matemática) disse que o meu perfil era um dos mais divertidos, e que comentara a meu respeito com sua esposa.
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John Ramalho: um caso psiquiátrico. |
Outro que disse coisa semelhante foi o meu mestre e amigo Paulo Cesar Santos. Programador, físico, músico e professor de Ciência Política da UFF, nas palavras dele o meu (antigo) perfil faria muito sucesso se o público geral fosse
mais inteligente (disse isso ou algo parecido com isso). Era, de fato, um
perfil bastante irreverente. Meio tresloucado, as vezes de um humor pitoresco, geralmente
maligno, anti-humanista, misantrópico, apaixonadamente anti-sionista, muito politicamente incorreto e as vezes
de uma paranoia quase delirante, palatável apenas às mais altas
mentes. Prova disso é que até mesmo a Natália Sulman, essa modesta musa maior do olavismo, chegou a curtir e comentar
uma minha humilde publicação.
Mas o arauto maior, o grande entusiasta das Más Letras Ramalhescas, aquele que me conduziu ao Olimpo dos Intelectuais e Musas Letradas do Facebook, foi, certamente, o indefectível Samuel Fernando. Biólogo, neurocientista e polímata paulista que, por algum período, engajou-se no mais elevado ativismo cultural que a comunidade letrada da internet tupiniquim já testemunhou.
O perfil do Samuel Fernando – “Samuca” para os íntimos – era a Meca dos Pedantes. Todo mundo que achava que sabia muito (ou que desejava saber muito) acabava chegando lá, e, entre o deslumbramento e a inveja, descobria que o Samuel sabia mais; muito, muito mais.
No que ele postava, e sobre o que ele postava, comentavam físicos, matemáticos, filósofos, biólogos, autistas com hiperfoco em ciências, altos QIs, professores, psiquiatras, psicólogos, neuropesquisadores, literatos, marxistas, olavetes, engenheiros, programadores; gente de todo o Brasil e de fora dele também. Era uma verdadeira utopia de gente articulada, que falava coisas com sentido e com algum (ou muito) conhecimento. E o Samuel, para o meu espanto e prazer, compartilhava, vez ou outra, algumas das minhas postagens. Logo pessoas começaram a me adicionar. Mulheres, inclusive. Era bom. Foi legal. Mas acabou. E acabou mal: com meu perfil excluído.
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Diagnóstico rápido: "ele é doido". |
Lembro carinhosamente desse período, não apenas por minha pequena popularidade de subcelebridade letrada de alto nicho, mas principalmente pelos amigos que fiz, as pessoas legais, divertidas e inteligentes que conheci.
Gente como o querido Mateus Marcuzzo, engenheiro de software brasiliense e leitor filosófico com um coração nobre e ético, alguém cuja sensibilidade humanista exerce sobre mim um inegável efeito positivo. A Maria Cristina Batoni Abdalla Ribeiro, uma das maiores físicas do país - amiga de figurões como Marcelo Gleiser. Maria tornou-se uma amiga querida, uma fonte de inspiração e de bons conselhos. Cheguei a me encontrar com ela na UnB.
Também o brilhante Stanis Lucksys, um expert em Linux que chegou a desenvolver seu próprio sistema operacional. Autodidata no que quisesse, Stan era também filósofo, músico, intelectual e um talentoso cronista. Amigo querido e cuja identificação foi grande e mútua. Stan cunhou para o nosso grupo de amigos a divertida alcunha de "Os Irresistíveis".
Enriquecia-nos a presença da Isa Murphy, apelidada “Lady Murphy”, uma goiana bela e cativante, melancolicamente solitária, falava francês, apreciava HQs, o gosto musical excelente, alma compatível, flertamos, claro.
Havia também o sempre ponderado, lúcido, filosófico e divertido Marcus Vinícius. Psicólogo erudito, Marcus vive a combater os excessos e equívocos do identitarismo progressista. Por sua prosa bela, sóbria e profunda, considero-o um dos melhores escritores e comentaristas culturais do país. Tinha o Pedro Luiz Borba, de grande pendor argumentativo e estimulante inteligência, com quem travei alguns respeitáveis debates.
E a Carol Sorokin, que namorava o Stanis, mas que eu sonhava em ter para mim, porque era brilhante, linda e amiga. Também a queridíssima Paloma Rangel, de quem eu já falei numa carinhosa crônica e de quem pretendo falar ainda mais em outras. E não posso esquecer da doutora Ana, uma médica autista fascinante, com ouvido absoluto, inteligentíssima, a quem eu gostava de confundir com contradições, ironias e afetações de insanidade. Ela, a bela doutora de olhos hipnotizantes, fazendo o corolário de nossa divertida interação, proferiu a que talvez seja a melhor descrição que já fizeram deste blogueiro. Além desses amigos, havia outros cujo contato era menos frequente, mas de inegável enriquecimento mútuo.
Richard Nixon sorri no inferno..
Compartilho aqui as palavras da doutora Ana, pois até hoje me deliciam e divertem. Disse ela uma frase que, por seu poder de síntese, deverá constar nos comentários dos meus críticos futuros: “John Ramalho é para mentes privilegiadas”.
***
Abaixo, publico um inesquecível presente da Carol Sorokin. Gaúcha e psicóloga formada pela USP, a Carol era também enxadrista, poliglota, musicista e escritora. Sua aparência era tão sublime que ela evitava as fotos. De fato, Carol era praticamente uma sósia da Natalie Portman.
Lembro dela mais pelas ótimas conversas madrugada afora, pela mente afiada e pela foto peculiar do perfil, que mostrava apenas dois pezinhos envoltos em meias de lã vermelha. Mas incluo aqui o fato da sua beleza, que era notável, e que ninguém poderia negar, ou esquecer. Nunca falei disso com ela, nem sequer um elogio, e conto a vocês apenas porque é verdade e ajuda a dimensionar as muitas qualidades dessa moça impressionante. Quando ela cismou de homenagear as pessoas que lhe eram queridas, fui um dos contemplados, e ganhei dela um tocante discurso:
O Homem Que Ri
Que as
pessoas são todas diferentes todos dizem! Todos parecem ter decorado isto como
se fosse a tabuada do um, mas na prática pouca gente compreende o significado
dessa afirmação. Que existem problemas cuja a solução está fora do nosso
alcance, seja na vida pessoal, ou em termos científicos, isso já é algo que nem
todos sabem.
Ele sabe
tudo isto! Ele manja de todas as coisas que não importam para quase ninguém,
mas que na verdade são as coisas que mais importam para quem não é ninguém, é
muito alguém!
E eu
converso com ele e vivo elogiando terceiros e ele talvez não saiba que também
falo dele pelas costas. Todas as suas qualidades! Mas só depois de minuciar
cada mísero defeito, claro...
O que faz
ele especial é que não é vaidoso, soberbo nem invejoso, é um romancista,
filosofista, cronista, psicologista e até letrista, em crise com seu próprio
lado romântico, que ele desesperadamente tenta esconder e não consegue. Mas nem
todos percebem, só nós, os outros românticos. Pois ele é um personagem de um
livro do Victor Hugo com ideias do século XXIII.
Assim, ele
é bem humorado e carinhoso com as palavras. Com as palavras! Não
necessariamente com quem ele as dirige. Tem um ar sedutor, dispendido para com
as meninas inocentes em fóruns de literatura e filosofia, e é do tipo que
escreve cartas e não envia. Depois, ainda reescreve para não reenviar!
Tem um
carisma incomparável e não há quem não fique bravo com tamanhas bobagens
inteligentes que ele fala. O carisma dele consiste em ser belo e imagético, mas
só até certo ponto e até certa hora, depois ele muda de ideia em 180 graus e,
num segundo, já é pela sua voz de locutor de radionovela da extinta Tupi.
E isto tudo
é só um tiquinho, pois eu não conheço ele tão bem quanto eu gostaria, mas é uma
brincadera com muito fundo de verdade, porque ele é, e todos sabem disso, uma
pessoa excepcional, no melhor sentido. Em nada eu menti e espero sempre
conhecer mais dele.
E como eu
estou escrevendo essa série e disse que ia incluir algumas pessoas, hoje é o
meu homenageado. De coração!
John, meu
querido, é uma felicidade saber que a internet e as pessoas em comum que temos
afinidades proporcionaram que eu pudesse lhe conhecer. Você é um amigo, quero
que você considere-se assim, como se nos conhecêssemos há tempos e vidas. Você
é especial, tem uma mente e um coração especial que trabalham em plena sintonia
entre si e com os outros.
John Ramalho é mais ou menos isto tudo, mais mais do que menos.
***
E eu respondi:
Sempre me perguntei se, numa amizade, é possível fugir à pieguice.
Sempre concluí, indignado, que não. A coisa é
inevitável: quando temos amigos, em algum momento seremos obrigados a
demonstrar afeto. Pois não tendo ânimo para pieguices e demonstrações de afeto,
decidi, por bem, não ter amigos. E assim matei dois coelhos numa cajadada só.
Ou, ao menos, tentei.
Curiosamente, como em tudo o mais na vida, também nisso eu fracassei. Não só
não consegui não ter amigos, como também não consegui não me afeiçoar a eles.
Coitados. Pobres coitados dos meus amigos. Coitados, porque meu amor é como um
vírus sorrateiro: intoxica e faz adoecer. Por isso sempre aviso: não ande com o
John, não converse com o John, não dê ideia para o John. O John é perigoso. Ele
pode te fazer pensar. Ele pode te fazer duvidar. Ele pode te ferir, te fazer
desistir ou te fazer tentar. E pior de tudo, ele pode te fazer acreditar. E
nunca, nunquinha, jamais, você irá entender o John, porque ele é tão etéreo
quanto as ideias que professa e tão verdadeiro quanto o éter que os físicos
teorizaram no século XIX.
O John é como o átomo: é divisível e formado mais por vazio que por matéria.
Ele é um nada que existe. John Ramalho é alguma coisa como um fantasma. Sua mãe
sempre lhe disse que, em decorrência de dificuldades pulmonares que teve após o
nascimento, ele "nasceu sem respirar" e, portanto, "nasceu
praticamente morto".
Como vocês
sabem, não é todo mundo que nasce praticamente morto. A maioria, segundo
consta, nasce praticamente vivo. John Ramalho, portanto, é uma raridade. É um
zumbi. Nasceu praticamente morto e viveu ainda mais morto. Sobre o Fernando
Sabino dizem que nasceu homem e morreu menino. Sobre o John Ramalho dirão que
nasceu morrendo e viveu a morte.
Seja como for, apesar dos avisos, há sempre algum tolo, ou tola, que não
escuta. E lá vai, desprevenido ou desprevenida, fazer o pacto com o Fantasma,
com o Zumbi, com a Besta. E acaba descobrindo que o Diabo, apesar de feio, é
menos feio do que parece.
Há gente nesse mundo que tem o coração tão grande e tão generoso que consegue
apaziguar mesmo aqueles que estão destinados ao inferno.
Você é uma dessas pessoas, Carol Sorokin.
Agradeço a amizade, a paciência, a boa prosa e as palavras, tão belas e
divertidas, e que foram muito mais gentis do que a verdade. Não que tenhas
feito mal, afinal, pelos amigos, sempre vale a pena mentir.
A Isa se foi e me deixou cá no peito um vazio. Um sentimento de trouxa. Mas
quer saber? A Isa era legal, mas ela que se foda. Se ela era legal, você é
muito mais.
***
Apesar da boa amizade e do afeto verdadeiro entre nós, pouco tempo depois de escrever isso, Carol desapareceu da minha vida. Sei bem porquê, e não posso dizer que não havia motivo, já que não foi só comigo. Mas ainda não sei se perdoo. Talvez a homenagem fosse a sua forma de despedida...
Fato astrológico curioso é que Carol fazia aniversário apenas um dia antes de mim. Era virginiana. Na verdade: eram; tanto ela quanto a Isa. Mas para a Lady Murphy eu nunca perguntei o dia do aniversário. Ao descobrir que a Isa era virginiana eu soube imediatamente da atração fatal que nos acometeria. Caso descobrisse que ela fazia aniversário no mesmo dia que eu, tal coisa teria um efeito profundo em minha mente, gerando uma ansiedade mística que eu preferia evitar.
Antes do sumiço da Carol, eu e Isa nos afastamos, não por brigas ou rancores, mas por contingências da vida que se colocaram entre nós. Ou, talvez, por conta da minha covardia afetiva; a constante fuga de tudo o que pode me levar a uma grande paixão.
Não foram elas as primeiras moças virginianas de quem eu fui próximo, nem serão as últimas. Na verdade essa tem sido uma ocorrência tão peculiar e recorrente em minha vida que mudou minhas antigas ideias sobre a Astrologia (coisa sobre a qual devo escrever noutra ocasião).
***
Além de mim, e dos amigos já citados, há outra testemunha. O amigo Maycon Antônio, um jovem universitário com boa ambição intelectual, estudante da UFPR e leitor deste blog. Maycon frequentava o meu perfil e lá interagiu com essas pessoas, presenciando muitos dos debates e episódios divertidos.
Registro tudo isso, pois aconteceu; e é bom que saibam que aconteceu. Resta a consciência de que, usando adequadamente a internet, esses encontros de pessoas afins, e de boas confrarias, acontecem. São as nossas pequenas utopias virtuais. Encontros que seriam muito difíceis de acontecer na realidade, mas são possíveis na web.
Deixo, enfim, calorosos abraços aos meus amigos (e beijos e abraços às amigas). Que esta webcrônica sirva como testemunho do meu afeto aos que ficaram e aos que sumiram, onde quer que estejam. Por mim jamais serão esquecidos.
14/02/24
Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário
Na sua condição de criatura pensante, o filósofo questiona até mesmo a natureza de seu ofício. Que é a filosofia e o que é o filosofar? Por que fazer tantas perguntas, desfilar tantas ideias e passar a vida investigando problemas talvez insolucionáveis? Refletindo a respeito ele percebe que, como tudo em filosofia, não existe apenas uma resposta possível.
A mesmíssima conclusão acomete os escritores que se indagam na tentativa de compreender suas motivações. E eu, escrevendo aqui no blog, não escapo desse comum destino do filósofo e do escritor. Assim, ponho-me a questionar o porquê escrevo.
Penso que é preciso, tanto para mim quanto para o meu leitor, que as ideias na cabeça e as coisas no mundo fiquem claras. Busco organização e clareza. Não terá sido esse, desde sempre, o meu objetivo ao escrever? Quis sempre organizar meus pensamentos, sentimentos, experiências e entendimentos. Tudo nomear, classificar, empacotar, analisar e guardar para consulta e revisão futura. Demandava conhecer, ponderar, e a partir disso, orientar-me.
Isso dito, devo, agora, voltar-me ao passado. Devo, num esforço de auto-compreensão, recordar meus primeiros sentimentos na feitura dos primeiros textos dotados de ambição. Esse exercício há de me revelar detalhes. Daí a pergunta: qual era, aos treze anos, ao escrever o primeiro registro na primeira agenda, a minha ambição?
Sei bem a resposta. Eu queria memória. O que havia de específico naquele tempo, na minha vivência individual, no meu mundinho de adolescente letrado, eu queria fixar. Tencionava uma fotografia dos meus estados interiores, eu queria descrever, dar a conhecer, trazer luz ao que ao mundo era oculto. Era a ânsia do testemunho, a necessidade de contar minha história, com os atos e angústias dos quais era eu a única testemunha.
Mas... Por quê? Donde é que me vinha essa ambição do testemunho? Qual era sua origem externa? Lembro de algumas influências. Um homem interessante que escrevia reflexões em seu diário, e que vi num filme épico - O Último Samurai. Alguns livros infanto-juvenis da coleção Vaga-Lume, por terem histórias protagonizadas por adolescentes, como O Mistério do Cinco Estrelas e A Serra dos Dois Meninos. Os quadrinhos do Homem Aranha, onde eram mostrados os pensamentos, a voz interior do personagem. E o evento decisivo; que foi ler, na casa de um bom amigo, um trecho de seu diário (na verdade uma agenda), mostrado por ele com a casualidade de quem mostra um novo relógio ou uma fita de video-game. Esse amigo chamava-se Tiago e foi também ele quem me apresentou a estética e o Rock do Guns N' Roses, além de outras referências culturais que, em meu meio neopentecostal, eu não tinha acesso.
Foi pela soma dessas primeiras influências que pesou sobre mim uma intuição histórica: a necessidade de registrar e recordar. Registrar para recordar. Reflexões e memórias anotadas, lidas e relidas, eis a matéria prima da consciência. Eis o motivo pelo qual sei hoje sobre mim o que não vejo os outros saberem sobre si mesmos. Com o tempo, Tiago abandonou seu diário. Eu continuei o meu. Continuo ainda hoje, e, até morrer, ou ser impedido, continuarei.
Feita essa retrospectiva, eu já consigo distinguir, com mais clareza, algumas causas do meu escrever. É certo que havia em mim tanto a sensibilidade quanto a vocação do memorialista. Sendo esse o gênero no qual, até hoje, a maior parte da minha literatura foi escrita. Gênero eminentemente doméstico, privado, familiar, e que só se torna célebre quando é também célebre o seu autor.
No curso da vida o meu conhecimento literário foi crescendo e eu passei a apreciar, e as vezes cortejar, outros gêneros. O artigo, a crônica, o prefácio, o manual, o manifesto, o ensaio, o conto, a novela, o romance, a confissão, a análise crítica, o obituário, a poesia, a resenha crítica, o texto filosófico, a carta, o e-mail literário, o texto humorístico, a sátira, a polêmica, a retórica, a elaboração fina e sarcástica em redes sociais, o diálogo, as respostas em sites de perguntas, os relatos de internet, os bilhetes suicidas, a trollagem; as confissões, piadas, reflexões e relatos emocionados dos comentários dos vídeos de músicas antigas no Youtube; os roteiros de cinema e quadrinhos, as notas soltas; e, finalmente, o texto de blog, que é o mais contemporâneo, o mais completo, o que comporta todos os outros, mas o que em status é talvez o menor gênero, o menos prestigiado, sendo a um só tempo o mais acessível e o mais inacessível de todos.
Direi que esses gêneros, por mais diversos que pareçam entre si, pertencem todos a um mesmo grupo, um macrogênero que chamo de "o vasto conjunto das ideias interessantes que podem ser transmitidas textualmente com beleza e charme". E como escrevinhador eu entendo que, por aqui, é nesse macrogênero que devo atuar.
O que quero aqui, no blog, é clarear as ideias, desenvolver e registrar os meus raciocínios sobre os meus temas de interesse. Não, não é verdade, eu quero mais. Preciso pôr aqui o meu pensamento primário, e depois, relendo-o, revisá-lo e apará-lo. Devo plantar aqui reflexões como quem planta arbustos e depois, carinhoso, faz a poda. É isso. Quero aqui não só os primeiros pensamentos, mas as revisões e reanálises. Quero, em suma, fazer da minha selva mental um belo jardim frutífero, único e singular, extirpando sempre as ervas daninhas. Quero dizer o que só eu posso dizer, numa minha linguagem própria e precisa; bela, porque simples.
É com essa pretensão que escrevo neste blog, e não com outra. Se algum bem eu posso fazer aqui, este bem é, primeiramente, em prol do meu pensamento e do meu progresso enquanto escritor. Lutar pelo encontro da própria voz, lutar pela descoberta dos próprios valores e conhecimentos fundamentais, e lutar pela melhor expressão das próprias ideias. São essas as três grandes batalhas do escritor.
Devo pensar neste blog como o espaço público, embora discreto, de uma minha Academia Individual do Esforço Intelectual e Literário. Entidade essa que é a soma dos meus esforços, públicos e privados, nesse âmbito. Nela treino e fortaleço meus músculos da mente, do raciocínio e do estilo para avançar nas batalhas que o mundo literário e intelectual me impõe.
15/03/23
Um Dervixe Muito Louco
18/03/22
A Erva Que Não Era do Capeta - Um Breve Relato de Experiência Psiconauta
[Paulo Francis fumando um… cigarro…]
Certa vez, acho que no Manhathan Connection, perguntaram ao Paulo Francis quais drogas ele já havia usado, ao que ele respondeu:
"Todas. A melhor é speed ball. E maconha não faz mal algum".
Pois bem. Diferente do Francis, eu usei poucas drogas.
E só as usei quando já havia saído de casa, tinha já meu emprego, minha independência e, finalmente, era "o dono do meu nariz": livre para cometer a burrada que me desse na telha.
Mas devo confessar que, de início, drogas não me atraiam. Como fui criado numa cultura puritana, não via o entorpecimento com bons olhos. Lembro de, já adulto, um amigo ter me oferecido maconha várias vezes e eu sempre ter recusado, cheio de orgulho do que considerava minha pureza de caráter. E eu teria permanecido em tal postura não fosse um motivo de ordem puramente intelectual:
22/02/22
Foi-se o Comentarista
Imagino que os amigos de mesma geração tiveram experiência semelhante. No meu caso, aconteceu assim: sentado no sofá da sala, acompanhando meus pais enquanto assistiam ao Jornal Nacional (evento rigidamente tradicional para famílias brasileiras dos anos noventa), eu ficava deslumbrado e perturbado quando, em algum momento do noticiário, surgia um senhor grisalho e muito eloquente; que falava dos principais eventos com comentários irônicos, certeiros, perversamente bem-humorados e espirituosos.