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03/03/24

Contra Uniformes Ridículos





Hoje o técnico de redes veio em minha casa. Estava uniformizado. Verdadeiro ultraje estético era o uniforme, terrível a desarmonia entre as cores. Fruto provável do sadismo dos ricos em humilhar os pobres. Ou, talvez, uma demanda técnica; a combinação aberrante de cores serviria para torna-lo mais visível. Na certa, só a junção desses dois motivos explicava o uniforme. Humilhar e fazer ver a humilhação.

Preciso da rede digital funcionando, uso-a para conspirar. Faço parte de uma organização clandestina de pessoas que odeiam uniformes ridículos e acham imoral obrigar pais de família, homens de cabelos grisalhos, a vesti-los. Se for para existir uniformes, que se façam belíssimos uniformes, não essas monstruosidades, com calças largas e coloridas, que mais parecem roupas de palhaço.

Era um uniforme feio e eloquente: falava pelo homem. Apesar de minha piedade, a desumanidade do uniforme blindou-me: não enxerguei o homem, o pai de família. Tomei o uniforme pelo homem, achei que um falava pelo outro. Era um trabalhador manual e nada mais que um trabalhador manual. Subidor de escadas, colocador de cabos, medidor de potências, cumpridor de demandas jamais por ele escolhidas. Demandas como a minha. Então desejei que acertasse a rede o mais rápido e fosse embora com seu uniforme ridículo. Via o técnico, não o homem.

Ele e eu na mesma sala, a operação demorando mais que o esperado, resolvi estimular a conversa para me entreter. Nada de interessante eu esperava. Fiquei surpreso, porém, com um comentário. Ele achou estranho um sujeito tão jovem morar sozinho. Divertiu-me essa surpresa. Expliquei minha opção solitária contando como a criação controladora, por pais muito religiosos, tornou-me um individualista cioso de privacidade e liberdade. Contei que mantendo a distância melhorei muito a relação com meus pais. Ele de pronto compreendeu. Vivera a mesma situação com seu pai, talvez pior, já que este era um paraibano alcóolatra.

Dessa mútua compreensão nasceu, entre eu e ele, uma ponte. Caíram-me as escamas dos olhos e pude ver: havia ali um homem e não um uniforme! Era uma mente humana, uma vida humana, cheia de histórias a contar, experiências que eu não tive e jamais terei, crenças que não são as minhas, paixões que desconheço. Desejei, agora animado pela curiosidade psicológica, analisar o espécime. Para isso, usei a teoria controversa: a tese de que pela análise dos gostos musicais é possível derivar todo um perfil psicológico e geracional.

Armei-me com o celular e perguntei se ele gostava de Roberto Carlos. Como disse que não gostava, perguntei que tipo de música ele costumava ouvir. Pergunta arriscada, porque, se ele citasse algum gênero tenebroso, eu não saberia o que fazer. Explicou que gostava mais de músicas internacionais, o que queria dizer "em inglês". Fui nomeando os gêneros e citando bandas representativas, até que chegamos em Nu Metal e Triphop. Mais especificamente, Linkin Park e Gorillaz, que todo mundo ouvia no alvorecer dos anos 2000. Pus a tocar Feel Good Inc, e, enquanto ele trabalhava, apreciávamos e comentávamos curiosidades sobre a canção.

Seu gosto por músicas gringas vinha da experiência como professor de patinação no gelo. Achei a coisa inusitada e estimulei que falasse mais a respeito. Logo ele estava me contando toda a sua jornada no mundo da patinação. Começara sendo patinador de asfalto, depois interessou-se pela patinação no gelo, treinou até virar instrutor num grande shopping. Contou que tinha muita prática, fez notar que era talentoso, falou dos movimentos, da velocidade, dos tipos de patins, dos colegas.

Corpulento e enérgico, enquanto ele falava os seus olhos brilhavam, o tom de voz altíssimo; ele ia criando uma outra ponte, e eu, ao atravessá-la, ganhava naquele momento um novo universo de interesses, possibilidades e fantasias. Parecia divertido, poético e desafiador. Perguntei o que o fez deixar a vida de patinador. Com a voz cheia de sentimento, ele soltou um exaspero e fez retórica:

- Ah, meu amigo, a patinação no gelo... O que aconteceu com a patinação no gelo? Acabou a patinação no gelo!

Quis saber porquê, perguntei onde ainda tinha, qual o preço, indaguei se ele havia transmitido aos filhos o legado dos patins. A sua paixão, o prazer ao falar do assunto; ao rememorar as aventuras, os saltos mortais, os tombos, ele ia assumindo ares de antigo herói da adrenalina esportiva, uma vida muito mais interessante que a de técnico de redes. Falava como quem viveu os tempos de ouro do desporto, o que eu não sei se é preciso, mas acreditei. Fascinado, lamentei não tê-lo conhecido antes. Desejei patinar no gelo ao som extasiante da Valsa Número 2 de Shostakovich.

Antes de sair, sorrindo, cumprimentou-me efusivamente. Duas pontes foram criadas entre este cronista e aquele patinador do gelo.

Quando ele foi embora pus me a refletir. Entrou em minha casa um uniforme ridículo usurpando a auto-expressão de um homem, mas quem saiu foi alguém que nada tinha de ridículo. Saiu dela um poeta de uma arte impopular, distante e por aqui esquecida. Hoje, mais do que nunca, sou contra uniformes ridículos.

                                            

                                                           A poesia da patinação no gelo

22/03/23

Um Milagre na Madrugada

Para cada homem e mulher, a vida social se mostra como uma perpétua Torre de Babel, povoada por gente de todo o tipo que, via de regra, não se entende de forma alguma. A comunicação, alma da vida social, desponta como drama absurdo no qual todos falam e ninguém se entende, porque tudo vira cacofonia e ruído, toda ideia de valor proferida termina obscurecida por conveniências, omissões, covardias, cooptações, ilusões, condicionamentos e desconfianças. Tudo o que é complexo acaba simplificado, diminuído, compactado e consequentemente falseado.


Rebelde, eu sonhei, pela honestidade de minhas pequenas letras, instigar mentes humanas com as minhas tímidas e pouco usuais verdades - porque a verdade, mesmo a minha verdade, que é a angústia da dúvida, e mesmo nas mãos de um tímido, é uma arma tremenda - mas me deparei com tanta barreira, tanta pedra no caminho, tanta incompreensão. Desiludido, por vezes deixei de acreditar na palavra, no entendimento e na virtude. Cheguei mesmo a divinizar o silêncio. E no entanto, por uma vontade que não se explica, fiz-me cético sobre meu ceticismo e lutei contra minha descrença. Dom Quixote filosófico, persigo agora uma miragem: a utopia da compreensão entre os homens, e nessa perseguição faço-me cronista, prosador, ridículo crente na palavra, no diálogo com a cultura letrada, seguidor do caminho da consciência, caridoso distribuidor de verdadezinhas íntimas, sensíveis, pessoais, grandes porque talvez irrelevantes.

Vida difícil essa, pois há nela mais solidão que comunhão. Entretanto, se nenhuma felicidade é completa, nenhum infortúnio pode sê-lo também. Mesmo a mais pungente solidão letrada não está livre de uma eventual contingência que traga o afeto luminoso, no qual, numa irrupção verbal imprevista, a compreensão se faz solene, abrangente, total. Ocorrência essa que considero verdadeiro milagre. Talvez pequeno, mas ainda assim milagroso. Foi isso o que, inesperadamente, me aconteceu. E para que os homens saibam ser possível, dou-lhes testemunho desse milagre que, passado na última madrugada, infundiu-me senso de fraternidade, uma paz, uma leveza, uma elevação, e mais do que tudo uma esperança em relação ao humano, como há muito este aqui não sentia.

***

A voz era doce, afinada, limpa. A inflexão, embora temperada por uma excitação mental que ela não pretendia esconder, sugeria uma sobriedade, uma perspicácia, uma inteligência felina e ferina. Como eu, aquela mulher tinha algo de fera, também ela nutria a rebeldia que viceja nos espíritos altivos, angustiados; os tipos sombrios e deslumbrados que sofrem a posse duma inteligência diabólica, uma falha na consciência que os impele a contemplar o abismo de todas as coisas. Muito consciente, ela sabia de seu valor, e no entanto, diferente deste, não tinha em si o pecado do orgulho. Verdade é que, para ela, a própria superioridade era apenas subproduto de sua disposição livresca, uma febre de filósofo humanista, de latinista medieval, de erudito e de polímata subjugavam-na: tinha a curiosidade voraz e expansiva de quem tudo quer saber - não apenas acreditar, ela queria mesmo é saber! - um amor inegociável pela vida letrada e contemplativa, pela investigação e pelo conhecimento. Admirava-se disso: a curiosidade abundante, raiz indubitável de toda aquela inteligência que ela, ruiva fatal, desnudava sem pudores para o amigo cronista.

"Falamos a mesma linguagem" ela me disse. Com seu discurso pródigo, lúcido, culto e refinado. Com toda certeza o resultado da busca intelectual de uma vida inteira, de seu esforço e persistência, que permaneceria com ou sem estímulos da cultura exterior. Era assim a minha amiga: em tudo diferente do tipo de mulher vulgar e pretensiosa que parece ter dominado a maior parte dos espaços públicos deste século. Época trágica, na qual muitas mulheres se empenham em condutas bárbaras tão ou mais escabrosas que as praticadas pelos homens. Mulheres que se apequenam ao buscar paridade com uma coisa tão débil e ridícula quanto um homem.

Distinta, superior, impondo a si mesma os mais altos padrões, os gostos mais refinados, a sensibilidade mais poética, a inteligência mais penetrante, dispondo de enorme paixão pelo mistério perene que é a origem de cada coisa deste mundo, e apesar de tudo, de tão grandioso espírito, de tanta sabedoria, era ainda jovem, tão jovem que me causava espanto.

Eu a ouvi deslumbrado. Por todas aquelas horas, quando não era eu a divagar, em cada segundo, mesmo nos silêncios, eu a ouvi, deslumbrado. Com desenvoltura ela me falava de Emil Cioram, Mírcea Elíade, Terrence Mackena, Georges Bataille, Carlos Castaneda e tantos outros. Quantos? Não saberia dizer. Parecia-me um verdadeiro exército de homens e mulheres criativos, heterodoxos e instigantes; uma galeria de malditos, místicos e rebeldes cultivada com carinho e afeição. A riqueza cultural daquela mulher, a sua grandiosidade de espírito, tão rara, tão preciosa, tão única, era como se os deuses, cansados das minhas reclamações sobre a debilitada constituição mental e moral da mulher pátria, me tivessem concedido um gostinho do paraíso. Como uma resolução de Apolo a me dizer: "Para que não te atormentes em demasia, tu, criatura piedosa e de espírito trágico, que a todos os deuses venera, e que em todos eles inspira compaixão, conhecerá uma ninfa e nela encontrará abundância na formosura e na inteligência". Assim disse o deus, assim aconteceu ao mortal. E ali, naquele telefonema, naquela madrugada, travei a mais íntima relação mente a mente, alma a alma, com a ninfa de cabelos vermelhos e olhos esverdeados, tendo mais que um vislumbre de sua irrevogável grandeza.

A conexão verbal que se enriquecia no silêncio da noite. Como passou rápido o tempo! Foi a primeira parte da noite e veio a segunda, a madrugada. Passou a primeira, passou a segunda, e nenhum de nós, nem eu nem ela, ousou largar o telefone. Aquele elo, aquela conexão, aquela cumplicidade, aquilo talvez não fosse tudo na vida, mas era, certamente, uma das coisas mais valiosas, mais significativas, mais belas e mais poderosas. Era o que eu buscava numa relação, ela também. Como faríamos na despedida? Como desligar? Não havia vontade, mas, em algum momento, seria necessário.

Foi somente ao raiar da aurora que nos despedimos, não sem antes denunciar ao outro a gratidão por aquela vivência. Naqueles momentos finais, a surpresa: a ligação durara até ali 7 horas e 30 minutos de conversa ininterrupta. Apesar da cifra, na história das afeições intelectuais não chegamos a bater o recorde. Nossa prosa daquela noite resulta cinco horas e meia a menos que as famosas 13 horas que Jung e Freud conversaram quando se encontraram pela primeira vez. Ainda assim, 7 horas e meia de conversa ininterrupta, sem sair dela entediado, parece-me uma comunhão deveras significativa. Além disso, eu e a ruiva ainda não nos encontramos pessoalmente. É nossa opinião que boas amizades e excelentes conversas são terapêuticas. Essa com certeza foi. Saí dela pensando na divindade de algumas mulheres, na grande comunhão que pode haver entre amigos, na magia da mútua e profunda compreensão.

Tudo isso eu digo e ainda provoco: o recorde dos mestres da psicanálise que se cuide: pois a ruiva e eu estamos no páreo.


04/01/23

Como convencer alguém a acreditar em algo surreal e absurdo

É possível fazer alguém acreditar no que você diz,  mesmo que se trate de inverdades, teorias mirabolantes e surreais. Mas, cuidado, pois sempre depende do nível mental do ouvinte e do contexto. Vamos às explicações:

[Não é só o Frank que manipula seus eleitores. Quase toda autoridade te manipula intencionalmente]

Basicamente, para convencer alguém a aceitar alguma crença absurda (especialmente se ela for falsa) você precisa de três fatores, todos baseados em manipulação de viézes cognitivos.

1.Alegação de Autoridade. Seja ela real ou fictícia. Essa autoridade pode ser sua, expressa em superioridade intelectual, superioridade espiritual, superioridade social, bélica, política, etc. Ou pode ser de outro, com quem você alegue ter tido contato ou de quem seja próximo (ou pode mesmo ser até algum livro ou mesmo uma experiência).

2.Repetição Exaustiva. Mesmo as crenças mais irracionais e absurdas passam a ser aceitas quando repetidas um número suficiente de vezes por um número suficiente de autoridades. (Se uma pessoa tende a não ser crítica sobre algo que acabou de aprender, a consequência natural é que quanto mais ela escute a mesma explicação, mais acredite nela. Crenças também são hábitos condicionados e modelados por reforço.

3.Vantagem Emocional e Apelo à Vaidade. Aqui está uma chave crucial: é preciso que a crença traga alguma vantagem emocional para o seu portador. Ela precisa favorecê-lo em algum sentido. Seja elevando seu ego, seja pacificando seus temores, seja lhe dando coragem, seja oferecendo esperança. (As pessoas tendem a acreditar primeiro no que lhes agrada e parece oportuno e conveniente.)

                             [Ben Linos, mestre da manipulação e da trapaça em Lost]

Tenha em mente que o comportamento humano foi modelado pela evolução e pela cultura para obedecer e seguir líderes (os "alfas"), então existe um forte viés cognitivo para acreditar no que é dito por pessoas em tais posições, daí o fundamento da nossa tendência de crença irracional em autoridades. Sobre isso, vale se informar sobre o famoso Experimento de Milgram

Sobre repetição, pequise a repeito de Goebbels e da propaganda nazista, assim como sobre Edward Bernays e as técnicas da propaganda moderna.

Sobre vantagem emocional, pesquise sobre o "maior 171 do Brasil" Marcelo Nascimento, que enganava pessoas oferecendo benefícios e vantagens absurdas, o que despertava a cobiça das vítimas e lhes atiçava a vaidade, já que se imaginavam muito espertas por conseguirem um negócio tão vantajoso.

Mas cuidado! Não é qualquer público que vai acreditar em qualquer discurso. Pessoas mais inteligentes, mais informadas, mais maliciosas e com senso crítico mais apurado tendem a ser mais criteriosas, mais céticas e a ter uma atitude investigativa quando se deparam com conjuntos de crenças ou afirmações aparentemente absurdas ou que demandam comprovação. Existe um bordão dos céticos que ilustra bem essa disposição crítica/analítica:

"Alegações extraordinárias demandam evidências extraordinárias."

Então, um primeiro passo é fazer uma medição geral das inteligências - a famosa "caça aos trouxas" - e deixar de lado aquelas pessoas que estão bem informadas sobre o assunto ou que são inteligentes e investigativas.

Em outras palavas: tentar convencer um geofísico de que a Terra é plana não é boa ideia. É melhor tentar convencer aquele seu vizinho abobado que se acha um espertalhão, mas todos sabem que é um idiota.

Sobre isso, aprenda com os erros do ex-astrólogo, jornalista, pseudofilósofo e guru da Nova Direita Olavo de Carvalho. Quase todas as vezes em que ele se meteu a desafiar um especialista no assunto, foi ridiculamente humilhado. Vou citar aqui as vezes em que, a meu ver, foram as mais interessantes:

Note que esses episódios constrangedores jamais acontecem dentro da seita olavista, pois, via de regra, Olavo é a pessoa melhor informada em seu bando, que é onde ele sempre é reconhecido como a autoridade suprema, o que o permite manipular os demais. Uma coisa básica que se pode notar em qualquer "olavette" é o culto a personalidade e a erudição do Olavo (sim, ele pode ser vigarista em alguns aspectos, mas é um erudito genuíno).

Olavo consegue convencer seus seguidores de que a Terrra não é redonda, de que Barack Obama não nasceu nos USA, que existe uma conspiração comunista orquestrada pelo Foro de São Paulo, que a Teoria da Relatividade está errada, que Georges Cantor não entendia matemática e que Newton era uma anta. Ele é provavelmente o maior guru, manipulador e mestre da persuasão que o Brasil já teve, o que, evidentemente, me faz ter uma extrema simpatia por ele. Recomendo acompanhá-lo e ficar de olho em suas técnicas e retórica delirante.

Aprenda a mentir, trapacear e bem enganar que o mundo será seu!

                                                                         

                                                                   ***

OBS: Assim como outras postagens deste blog, o texto acima foi originalmente publicado como resposta no site Quora.

21/09/22

Se for falar, que tal falar algo que preste?

Quem nunca?

Começo com uma indelicada - mas verdadeira - confissão. Gente com curiosidade  e horizonte intelectual pouco desenvolvidos me entedia bastante. Coisa de provocar bocejo e tudo, asseguro.

Digo isso porque, com frequência maior do que gostaria, vejo e ouço os outros macacos pelados conversarem sobre coisas banais de modo absolutamente banal. Vendo tal coisa, não consigo deixar de pensar na quantidade absurda de temas, abordagens e referências culturais  interessantes - que poderiam embasar ótimas e produtivas conversas - sobre tudo, inclusive sobre coisas aparentemente banais.

Há tantos livros interessantes, ou com uma abordagem tal, sobre quase tudo que se pode imaginar. Não só livros: há documentários, filmes, entrevistas, programas originais de TV, seriados, quadrinhos, vídeos de youtube, podcasts, fanzines, revistas, espetáculos teatrais, jogos, museus, músicas, eventos culturais, palestras, etc, etc, etc. Grande parte deles, pra nossa sorte, estão disponíveis na internet.

Tem tanta coisa curiosa, interessante, impressionante e impactante mundo afora que, não posso deixar de concluir: o sujeito deve ser muito limitado culturalmente pra falar apenas sobre o próprio umbigo ou sobre o que orbita o próprio umbigo, especialmente quando esse umbigo não é lá muito interessante.

Assim, na maioria das vezes, me parece quase impossível conversar com os macacos pelados sobre temas outros que amenidades. Coisa triste, já que aprecio conversas inteligentes sobre temas interessantes, ou, ao menos, conversas inteligentes sobre temas comuns. De fato, meu negócio é comunicação, especialmente a comunicação  instigante: uma notícia fascinante nova, uma análise intelectual que permita compreender algo melhor, um mistério, um conteúdo artístico relevante, um problema filosófico, um experimento, um insight, uma heresia, uma curiosidade sobre a vida de um gênio ou figurão histórico, uma teoria pseudocientífica  doida, uma teoria científica doida, uma reflexão, um debate,  uma anedota  esperta, em suma; qualquer tópico que enriqueça a conversa, obrigue a refletir e traga perspectivas que ampliem o horizonte mental e cultural.

Sim, eu sei que é pedir demais. Sim, eu sei que  ao reclamar das preferências discursivas dos outros macacos falantes eu estou "impondo" meus valores e meus gostos, assumindo que eles são melhores  que outros. Mas são mesmo, pô! Então o que resta fazer? Sei que o brasileiro médio gosta mesmo é do "papo fiado", da fofoquinha, da zuêira sem limites e da conversinha de boteco. Sei também que nós, os introspectivos, curiosos intelectual e filosoficamente, sedentos e ávidos por cultura (nas suas melhores formas), estamos imersos num pequeno subgrupo social, que engloba; intelectuais, jornalistas, artistas e aspirantes a tais cargos. Mesmo assim, sejamos francos, como não sentir arrepios assustadores com esse mar de futilidade e esse deserto mental que é a cabeça do brasileiro médio - especialmente o jovem?

Eu, por exemplo, sei bem o quão frustrante é (tentar) conversar sobre um conteúdo instigante (Que tal o paralelo entre matrix e a alegoria da caverna, a dualidade onda-partícula, a lógica paraconsistente e as limitações da lógica clássica...) e ver uma respostinha tímida, resumida na frase  reveladora "Nossa, eu nunca tinha pensado nisso!".  Pois é, não falam sobre essas coisas no BBB, jumentinho.

Pelo que vejo, se depender do sistema educacional e da [in]cultura de massas, que tem um bizarro privilégio pelo kitsch, as pessoas nunca vão pensar nas coisas mais interessantes e estimulantes que existem.

Dito isso, devo abrir aqui um singelo parentesis e dar um desconto as pessoas engraçadas e divertidas, que tendem a dinamizar a interação, mesmo quando são incultas. Mas já digo que acho muito melhor quando o interlocutor é culto e bem humorado. Na minha visão, são dois pré requisitos indispensáveis para uma boa, interessante e produtiva conversa. 

Se for pra abrir a boca, que seja pra dizer algo que preste! 

...

NTC (Nota de contextualização): crônica originalmente escrita em 2017 para o meu finado blog (oleitoragnostico.blogspot.com). Contexto: minha eterna falta de paciência para a pobreza de temas e interesses nas conversas populares.

10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


                                                 ***

Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora

26/05/22

Enfant Terrible

Sim, eu entendo o padre do balão

Coisa importante, elemento de maturidade, é saber que jamais agradaremos a todos. Dependendo da personalidade e do estilo de comunicação, manter a integridade muitas vezes significa ser intragável para certas pessoas.

O caso deste blogueiro é exemplar. Eu escrevo e digo, com muita abertura, as bobagens e traquinagens que me dão na telha, algumas de gosto duvidável e teor condenável. Na escrita, parte do meu estilo envolve a afetação, o passivo-agressivo, o politicamente incorreto, a ironia, o deboche, o pastiche e o pedantismo. É nas letras que expresso melhor os dinamismos de minha excêntrica personalidade, fazendo-me, muitas vezes, um personagem de mim mesmo. Irregular, minha crônica vai do ácido ao comedido, do insano ao estrambótico, da intuição pessoal ao apelo à autoridade dos sábios.

Não me pretendo original, mas me pretendo autêntico. Sou, sim, uma mistura de influências díspares e tensões profundas: o menino cristão fascinado em satanismo; o depravado fascinado em sublimação via celibato, o belicista cordial e diplomático, cujo coração comporta tanto a pulsão do conflito quanto a harmonia do acordo. Falador, não levanto a polêmica pela polêmica, mas sim porque uma ou outra interessa, serve como entrada a um debate importante, pertinente. Aposto sempre na inteligência e curiosidade dos leitores, o que, em vista de nosso cenário cultural, é aposta ousada e imprudente.

Sendo essa criatura confusa e estranha, sem fazer esforço, pelo estilo ou pelo conteúdo, agrado uns e incomodo outros. Certamente mais incomodo que agrado. Não é coisa que me atormenta, porque, não sendo capaz nem de agradar a mim mesmo, não vejo como poderia agradar a um grande número de pessoas. Perdendo ou ganhando amigos, satisfaço-me, com muita modéstia, na única virtude e qualidade que julgo manifestar: que é o compromisso em expressar, as vezes com paixão, o que me é próprio; aquela sinceridade íntima, tortuosa e desafiadora que não pode faltar ao literato, mesmo ao pequeno literato.

Assim, vejo com curiosidade aquelas pessoas que, julgando-me portador de alguma qualidade, aproximam-se, mas vão embora tão logo percebam alguns dos meus muitos defeitos (alguns dos quais eu considero qualidades) e opiniões . Acho justo: melhor que se afastem do que que sejam falsos amigos.

O lado bom é saber que os que me dão amizade e permanecem amigos fazem-no apesar dos meus muitos defeitos, limites e opiniões controversas, que conhecem bem, já que as divulgo com certo empenho.

30/04/21

Explicando os Termos

 


Ao caracterizar-me com o termo "escritor", faço-o num sentido meramente descritivo. Longe deste aqui pretender igualar-se aos grandes expoentes das artes literárias. Ocorre apenas que, de fato, escrever é  atividade recorrente e necessária em minha rotina. Escrevo. Sou daqueles que se sentem obrigados a escrever. É imperativo, não é escolha. Mas é também a atividade complementar a uma outra, a leitura, que também me sinto obrigado a praticar. Leio e escrevo. Sou, pode-se dizer, viciado em ler e escrever.

É verdade que não leio tanto e tão bem quanto gostaria, e também é verdade que não escrevo tão bem quanto gostaria. Porém, ao notar a calamitosa inabilidade textual de meus negligentes conterrâneos - que tudo sabem, menos o próprio idioma-, minha escrita (mesmo pobre e deficiente) assume ares de "passável": bem ou mal, consigo pôr uma palavra atrás da outra, uns pontos finais, umas vírgulas (geralmente erradas), procuro ser claro e fazer-me entender - e se essas são habilidades literárias, são as únicas que tenho. Assim, quanto ao que aqui faço, é-me impossível fazê-lo bem feito (fazê-lo-ia se pudesse). Infelizmente, falta-me conhecimento gramatical, lexical, semântico, sintático e, mais do que tudo, falta-me estilo. Aos poucos, com muita fé e labuta, pretendo superar tantas e tamanhas deficiências.

Do mesmo modo, ao considerar-me "em crise", uso o termo "crise" num sentido puramente descritivo. Por motivos variados, ando sempre em crise. Algumas duram segundos, outras duram anos. Todas, contudo, levam-me a refletir sobre a tragicomédia surreal e absurda que é a condição humana, que é o Brasil e que é minha vida. Tais reflexões levam-me a ler e a escrever, na busca de encontrar significado e compreensão.

Não sendo este o meu primeiro blog, também não é meu quarto ou quinto blog. Já iniciei e findei algumas dezenas de blogs, um mais fracassado que o outro. Em todos eles eu mantive a posição de que jamais deveria falar a meu respeito, minha vida particular e meus reais pensamentos. Não sou do tipo que aprecia exposição. Além disso, cultivo algumas opiniões polêmicas, e vivemos em tempos politicamente corretos, onde as pessoas perdem empregos e são difamadas por suas opiniões.

Com o passar do tempo fui percebendo que, por conta de minha vida instável, não conseguiria manter nenhum blog com posts periódicos que não tratasse, de um modo ou de outro, direta ou indiretamente, dos problemas que me assolam. Claro que tal abordagem parece-me algo voltado ao próprio umbigo, exemplo de conduta medíocre. Mas , afinal de contas, o que eu poderia fazer? Isolar-me numa Torre de Marfim escrevendo apenas sobre meus interesses mais filosóficos e impessoais, se é que algum interesse pode ser impessoal, não seria boa ideia. Não seria sincero e eu não teria a motivação necessária. Portanto, é ideia descartada. Agora, precisamente agora, resta-me falar sobre o mundo que orbita meu umbigo.

Obviamente, por conta dessa mediocridade inerente, não posso ter grandes expectativas sobre este blog. E é mesmo provável que ele interesse apenas a mim, coisa que entendo e que já não me incomoda. Tudo que preciso agora é ser minimamente sincero e dizer o que quero dizer. Sem filtro e sem temas pré-fixados (apesar de que a crônica é sempre o norte, mas isso é gênero, não é tema...). Escreverei o que precisar escrever, refletirei sobre o que me sentir obrigado a refletir.

Não é grande, não é muito e serão apenas pequenas palavras, umas atrás das outras, com alguns pontos e vírgulas geralmente erradas. Mas serão sinceras. É pouco, eu sei. Mas, ao menos por enquanto, é tudo o que este pequeno e iniciante escritor - que por hora não passa de escrevinhador- pode oferecer.

28/04/21

Cansei do Feicibuque e fiz este blog



Nunca fui uma pessoa popular, e nunca quis ser. Sempre achei que a popularidade exige certo cinismo, certa hipocrisia ou, ao menos, certa leniência com a estupidez alheia. Não tenho muita paciência com estupidez. Gosto pouco da minha e menos ainda da dos outros. O que significa que evito conversas e interações desnecessárias com quem considero estúpido: acho que são perda de tempo, me tiram a paciência e nada me acrescentam. Além disso, tendo a verbalizar meus pensamentos, e se penso que alguém é estupido, é provável que eu diga ou insinue, coisa que, dependendo do meu humor, posso fazer de modo sutil ou escrachado - e isso é melhor não fazer, porque gera conflitos e ressentimentos desnecessários. 

Não sendo e nem querendo ser popular, fui sempre impopular, e persistentemente polêmico. Polêmico não porque eu queira, mas porque as pessoas tendem a achar estranho e prestar atenção em quem discorda delas. Mesmo assim, por gostar da vida cultural letrada, fiz questão de escrever análises opinativas e publicar na rede social do Zuckerberg. Para minha surpresa, chamei a atenção de algumas pessoas bem espertas.  Algumas, concordando ou discordando, comentavam e sempre acrescentavam, enriquecendo minha mente. Foi legal por um tempo, fiz amigos e ganhei até alguns admiradores, gente que compartilhava minhas postagens e elogiava alguns textos. 

São muitas as críticas que podem ser feitas ao Facebook, e muitos analistas culturais já as fizeram. Mesmo concordando com boa parte das críticas, fui um usuário assíduo da rede. Acontece que, ao longo do tempo, estabeleci algumas relações interessantes ali, e em maior quantidade do que na vida fora da internet. Lá, na rede do Zuck, tenho acesso às opiniões e perfis de grandes cientistas, professores, artistas, escritores e militantes diversos. Pessoas que não encontro em meu meio social imediato (que é periférico e precário...). 

Por tudo isso o Facebook foi muito útil e importante para mim, um mero nerd e blogueiro pretencioso, mas sem recursos e originário da periferia do Rio. Sem ele, eu dificilmente teria travado contato com figuras relevantes dos  meios científicos, artísticos e literários do país. Então acho até que fiz bom uso, porque busquei por pessoas mais inteligentes e tentei aprender com elas. E eu realmente aprendi um bocado.

O  que me cansou no Face foi a mesma coisa que me cansou no Quora: o público. Talvez não exatamente o público, mas a dinâmica do debate, das reações e das explicações posteriores, cada vez mais necessárias. Se escrevo sobre algo polêmico ou trago alguma linha de raciocínio ou de humor menos comum, são poucos os que compreendem. Algumas reações, muito caricatas, se repetem a cada elaboração incomum. Eu sei que faz parte, e o objetivo do texto é provocar o leitor. Sei que quando não há compreensão, é importante tentar esclarecer. O problema é que essa é a parte que envolve paciência e outras qualidades que, muitas vezes, eu não tenho.

Comentários e reações de natureza profundamente débil-mental eram mais comuns no Quora, porque  lá meus textos recebiam mais visualizações. No entanto, na medida em que expando meu círculo de contatos interessantes e necessários no Face, tenho que lidar com comentários descabidos, o que me frustra e cansa. Sei que não sou o único, porque outros amigos já reclamaram da mesma coisa.

Por isso eu decidi substituir minha escrita no Facebook pela escrita neste blogzinho, que é  muito simples e feito apenas para isso mesmo: escrever, sem precisar ficar explicando cada vírgula ou sutileza em meus raciocínios. Virá por aqui o que me der na telha. O que certamente não é bom sinal...