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21/12/22

10 Brasileiras Notáveis Para Conhecer e se Orgulhar

Pensei em listar ao menos 10 grandes mulheres que, por motivos variados, me parecem de grande importância científica, cultural, intelectual ou histórica - ou tudo isso- para o nosso país. E mesmo que algumas não estejam mais entre nós, diria que seu legado continua atual.

Sempre advogando que precisamos de menos bundas e mais cérebros, considero que o brilhantismo, os talentos e as conquistas das mulheres abaixo jamais deveriam ser esquecidos, mas alardeados aos quatro ventos para mostrar a inteligência das nossas mulheres e assim, quem sabe, gerar um verdadeiro Efeito Scully a nível nacional.

Como qualquer lista, não é definitiva e inclui alguma dose de subjetividade, já que selecionei aquelas que, ao longo da minha vida intelectual, mais me impressionaram e impressionam.

Preparados? Então vamos lá:

  • #1-Maria Cristina Abdala Ribeiro

Quando se vai falar dos grandes nomes da Física e da Matemática produzidas no Brasil, todo mundo pensa em Cesar Lattes, Newton da Costa, Marcelo Gleiser e Jacob Palis. E sem dúvidas cada um deles, com seus trabalhos de alto nível, chamaram a atenção do mundo científico e acadêmico.

O que pouca gente sabe, contudo, é que andando junto dessa turma - e tirando onda entre ela - estava, também produzindo ciência de altíssimo nível, uma das mentes femininas mais inteligentes, discretas e penetrantes que o Brasil já produziu: Maria Cristina Abdla Ribeiro.

Fluente em seis idiomas, tendo recebido bolsa para fazer doutorado em física na Alemanha, é doutora em física pela USP, tem um pós-doc pelo Instituto Niels Bohr, foi convidada para trabalhar no LHC, o maior colisor de partículas subatômicas do mundo (sim, exatamente aquela máquina que aparentemente cria buracos negros ), que funciona no CERN, na Suíça. Ela tem ainda outro pós-doc, e mais outro e…Acho melhor parar por aqui mesmo, afinal suas realizações acadêmicas de qualidade constituem um currículo bastante extenso e impressionante. Não iria dar para citar nem a metade aqui.

Sendo uma profissional tão gabaritada no campo da física das partículas, supersimetria e teoria das cordas, com passagem por instituições tão respeitadas internacionalmente, justamente numa época em que a Física é tão popular, acho estranhíssimo - e até criminoso- que a Maria Cristina passe como anônima para a maior parte do povo brasileiro.

Como é que se fala tanto do Lattes e dos outros e tão pouco dela, hein?

Nessas horas, não consigo evitar a questão: onde estão as feministas para exaltar o trabalho e fazer a boa publicidade de uma das mulheres mais inteligentes e qualificadas do país, justamente numa das áreas mais machistas, difíceis e historicamente dominada por homens?

Como é possível que, numa breve pesquisa no Google, se encontre "feministas" defendendo apaixonadamente o direito de balançar as tetas em nome da liberdade ou de ficar seminuas para "combater o patriarcado" (não me perguntem a lógica disso), ou mesmo exaltando figuras ridículas e vulgares como Anitta e Valesca Popozuda, enquanto aparentemente ignoram a existência de uma mulher fenomenal que, com sua inteligência e trabalho, é a prova viva de que as mulheres em nada perdem para os homens quando se dedicam a algo com seriedade e afinco, mesmo algo extremamente difícil e exigente em termos cognitivos, mesmo numa área aparentemente masculina.

Alguém aí pode conceber um feminismo que troque a exaltação da inteligência feminina pela exaltação da sexualidade feminina? Peraí: mas isso não seria justamente o tal do machismo? Bom, deixo essa questão para vocês…

Perdoem-me pela digressão, mas confesso que essa negligência cultural aos nossos gênios me deprime, amigos. Vocês sabem: temo que a existência e a grandiosidade dessa mulher brilhante seja embaçada pelo mar de futilidade e tolice que parece ter contaminado nossa cultura. Na certa, nossas jornalistas e intelectuais "feministas" vão esperar ela morrer para descobrir o quão grande ela foi.

Mas espero que isso não seja necessário.

Seja como for, a Maria Cristina segue como exemplo e inspiração para qualquer pessoa, mas especialmente para aquelas mulheres que são apaixonadas por ciência e conhecimento.

E então, caro leitor, já tinha ouvido falar sobre ela? Ou a desconhecia e ficou curioso?

Para quem quiser saber mais sobre a Maria Cristina, que em termos intelectuais é nosso "Einstein de Saias", recomendo seu trabalho de divulgação científica, que é relativamente acessível para leigos (embora sempre tenha aqui e ali aquelas frases e conceitos meio incompreensíveis - coisa típica dos físicos).

Você pode entrar em contanto com a mente dessa mulher genial pelas seguintes obras e produções:

Por último, preciso dizer que enquanto escrevo estas palavras (28/06/2019) ela continua extremamente ativa em seu campo. E só para fazer inveja, vou revelar que tenho contato com ela. Aliás, posso dizer, com todas as palavras, que longe de ser "apenas" uma mulher genial, ela também é divertidíssima e incrível como pessoa, uma mulher extremamente inspiradora.

  • #2-Nise da Silveira

Filha de um professor de matemática e de uma pianista, minha segunda escolhida foi Nise da Silveira, a médica psiquiatra brasileira que foi discípula de Carl Jung, um dos maiores psiquiatras e psicólogos do século passado.

Acima uma fotografia com mestre e discípula, tirada no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, em de 1957.

Sendo uma das introdutoras da Psicologia Analítica no Brasil, Nise da Silveira também combateu durante toda a vida as atrocidades cometidas nas instituições de saúde mental , como eletrochoques, torturas e lobotomias.

Por ter sido uma das primeiras mulheres a se formar em Medicina no Brasil (foi a única mulher numa turma de 157 homens!); por sua vida militante, tanto no sentido político (tinha ligações com os comunistas de sua época e chegou inclusive a ser presa) quanto no sentido da saúde mental; por ter tido uma vida compromissada com seus ideais (preferiu não ter filhos para se dedicar inteiramente à psiquiatria); e, finalmente, por sua contribuição intelectual, não posso deixar de considerá-la uma das mulheres mais impressionantes e inteligentes que o Brasil já produziu.

  • #3-Lilia Moritz Scwarcz

Historiadora, antropóloga e fundadora da Companhia das Letras, Lilia é, no campo das ciências sociais, uma das nossas intelectuais mais sérias e competentes.

Sua vasta erudição lhe permite um olhar abrangente e profundo sobre os problemas culturais e históricos que maculam a teia social na qual operamos nossas relações.

Qualquer livro dela é um bom livro.

  • #4-Hilda Hilst

Há muitos motivos pelos quais prefiro Hilda Hilst à Clarice Lispector. E há muitos motivos pelos quais sua obra literária é mais revolucionária e importante.

Hilda se mostrou genial, mas depois de algum tempo, decepcionada com o mercado literário, cuspiu na cara de editores e críticos compondo uma obra tão satânica e provocativa que seria capaz de fazer corar até o Marquês de Sade.

Leiam Hilda Hilst! E vejam, nesta saudosa entrevista, que mulher inteligente, provocante e afiada ela era:



  • #5-Sônia Guimarães

Doutora em física e professora do ITA, uma das instituições mais prestigiadas e cognitivamente elitizadas do país, Sônia Guimarães é mais uma que, em termos de representatividade, fez mais pelas mulheres negras do que qualquer feminista de DCE que eu conheço.

O caso dela é outro que, creio eu, deveria ser muito mais divulgado e noticiado. Pela questão da representatividade, sua importância para a Ciência , para a Academia e para a nossa Cultura, em minha opinião, chega a ser maior que a o do finado Milton Santos.

  • #6-Suzana Herculano

Confesso que sou tão apaixonado por essa mulher que minhas mãos chegam a tremer enquanto escrevo sobre ela!

Perdoem-me, amigos! Tentei escrever sobre ela, juro que tentei. Mas não consegui. E não consigo: meu teclado vai estragar se eu continuar babando em cima dele.

Uma das nossas maiores neurocientistas, Suzana Herculano é simplesmente uma deusa. Assistam:



  • #7-Dilma Rousseff

Confesso que não foi fácil pôr aqui esta senhora. Nutro tanta simpatia por ela quanto Ferdinand Lassalle nutria por Karl Marx, ou seja: zero.

Mas é claro que isso não me impede de reconhecer seu importante papel em nossa História e Cultura, já que, bem ou mal, Dilma representa um tipo específico de intelectualidade feminina; tipo que, em minha opinião, é mil vezes superior as atuais mocinhas afetadas de classe média que acreditam que com posts no Facebook, Twitter, palavras de ordem e eventos parafílicos vão combater o capitalismo opressor e todo o mal no mundo.

A verdade é que você pode discordar de todas as ideias defendidas pela ex-"presidenta", mas precisa reconhecer que, se estivesse numa guerra, iria querer do seu lado uma companheira forte e determinada como ela. Afinal de contas, quantas mulheres se permitiriam passar por tantos sacrifícios e privações para defender seus ideais?

Sobre ela, há quem diga que o que lhe falta em carisma lhe sobra em competência técnica. Faz sentido. De outra forma ela não chegaria onde chegou.

Dilma é uma verdadeira intelectual militante, uma revolucionária de coração e espírito. Sua história e seus feitos são importantes e inspiradores para qualquer mulher de espírito político e guerreiro. E também para qualquer brasileiro que tenha o mínimo interesse pelo próprio país.

  • #8-Petra Costa

A intelectualidade nem sempre se manifesta por livros, cálculos avançados e discursos meramente literários. Quem estudou Cinema e Artes Gráficas sabe muito bem disso. Na verdade, muitas vezes a arte imagética acaba sendo a melhor forma de transmitir uma ideia ou uma dada visão de mundo.

Há em nosso país uma grande tradição de intelectuais documentaristas, que passa por Jorge Furtado, Walter Salles, José Padilha e desemboca no pernambucano dissidente Josias Teófilo.

Seria também essa uma área dominada por homens? Não mais! Com seu belíssimo, intimista e profundo documentário "Helena", Petra Costa se afirmou como uma das intelectuais e artistas mais relevantes do nosso tempo.

"Democracia em Vertigem", seu mais recente documentário, uma peça política repleta de nostalgia utópica e bastante criticável, tem dado o que falar.

Contudo, mais uma vez eu digo: discorde ou concorde com suas ideias e visões de mundo, não dá para negar a importância cultural e intelectual da moça.

  • #9-Luz Del Fuego

Alguém hoje em dia ainda se choca com nudez feminina? Nós estamos tão habituados à sensualidade e ao erotismo, e até mesmo à pornografia - recursos promovidos e exaltados pelo cinema e publicidade - que chegar a ser pueril a crença de que posar pelada hoje em dia seja "um ato crítico de emancipação feminina". É mais um ato de emancipação financeira, isso sim.

Contudo, se tal crença é anacrônica para o nosso tempo, era totalmente válida e realmente revolucionária para os anos sessenta do século passado. E justamente nesse período foi realizada com muita graça, estilo, irreverência e inteligência pela naturista, strip teaser, intelectual e atriz Luz Del Fuego.

Sobre feministas eu lhes digo: Socialista Morena? Credo, passo. Lola Abramovich? Deus nos livre! Luz Del Fuego? Aí sim!

  • #10-Cora Ronái

Filha de ninguém menos que Paulo Ronái (um dos maiores homens de letras que nosso país já teve), amante de ninguém menos que Millôr Fernandes, Cora Ronái teve e ainda tem importância ímpar para o jornalismo brasileiro, especialmente em sua expressão virtual e tecnológica.

Foi a primeira jornalista brasileira a iniciar e manter um blog e foi editora de vários cadernos de tecnologia de jornais influentes. Pelo eterno bom humor, simpatia, inteligência, pela prosa natural, sem pedantismos, Cora Ronái se destaca como uma das nossas maiores profissionais do jornalismo, merecendo assim seu lugar nessa lista.


                                                                      ***


Nota do editor: como outros textos abrigados neste blog, a lista acima foi originalmente publicada (em Junho de 2019) no site Quora.

14/12/22

Mata, Entorpece, Faz Gozar e dá Lucro: Corona Faz Tudo Isso e Muito Mais.


Sempre que, entoando aquela caricata voz paternalista e conselheira, uma autoridade pública lhe disser para não entrar em pânico, fique atento, pois é precisamente isso o que você deve fazer. Infelizmente não ensinam essas coisas na escola, mas, no mundo real, os jornais, governos e autoridades só te dizem para não entrar em pânico quando eles sabem que há motivos de sobra para entrar em pânico. Portanto, toda vez que você ver uma autoridade tentando minimizar um problema dizendo que não há motivos para o caos generalizado, pode ter certeza: ela mente e, muito provavelmente, irá haver caos generalizado.

Misantropo velhaco que sou, conhecedor nato da farsa humana, ao ver o noticiário, algumas semanas atrás, contemplei alguma dessas apresentadoras magrinhas e insossas dizer alguma coisa sobre como o Ministério de alguma dessas áreas importantes que jamais deveriam ser administradas por políticos (Saúde, acho) estava se preparando para o combate ao tal vírus com nome de cerveja cult. Logo em seguida, a mocinha indicou uma série de procedimentos lógicos e básicos de higienização para combater o vírus.

Vejam só! Pleno 2020 - mais de cem anos depois de São Freud! - e eu ainda tenho que aturar essa gente "respeitável" apelando para a racionalidade humana. Ainda mais gente do jornalismo, cuja base de atuação é a propaganda e a criação de consenso, que funcionam com... apelos e mais apelos ao inconsciente.


Se o Corona mata, a Corona salva. Se não salva, ao menos traz aquele bom entorpecimento alcoólico. O qual, no fim das contas, não deixa de ser uma forma de salvação.


Naquele infernal dia, como em geral são os dias no Rio de Janeiro, olhei cauteloso para minha inconsequente progenitora (inconsequente porque me pariu) e lhe fiz o único pronunciamento que um cético social poderia:

_ É sério que alguém ainda espera racionalidade e higiene social do povão?

Nosso povão certamente tem muitas qualidades, mas higiene social certamente não é uma delas. Se nas camadas mais gerais domina uma certa "cultura do corpo" ( em nosso país, por algum motivo, todo popular quer ser Schwarzenegger e toda popular quer ser Kardashian), essas mesmas camadas carecem de cultura cívica - e higiênica - do espaço. Qualquer pessoa com alguma vivência urbana diversa sabe que a lógica espacial do nosso homem urbano médio é a mesma lógica organizacional dos bloquinhos de carnaval e das micaretas. Ou seja: há muita ordem, gente bonita, disciplina e uma organização quase prussiana. Só que tudo ao contrário.

E para melhorar temos o toque. O brasileiro, especialmente o carioca, é um sentimental. Tem sempre aquela coisa (nojenta) do aperto de mão, do beijinho no rosto (arghh!!) e do abraço. Coisas que só são úteis para órfãos carentes, turistas carentes e, claro, terroristas bacteriológicos.

Eu, cá no meu cantinho, observando a loucura dos outros e do mundo, indago: por que, meu Deus, por que as pessoas não podem se comunicar apenas por acenos de mão e cabeça? E por que o vírus só é mais perigoso para os mais idosos? Quer dizer que os detestáveis millenials vão continuar vivos e atuantes? Quer dizer que aqueles que conhecem a história, aqueles que possuem alguma sabedoria, alguma maturidade, alguma malícia, alguns valores tradicionais, algum racismo essencial, algum preconceito notável, algum machismo salvífico, esses, que são os meus, irão morrer? E isso tinha que acontecer logo durante uma das minhas crises de ateísmo!?

Mas tenham calma, meus amigos. Não façam como eu, não se desesperem, não comprem manuais de combate a zumbis e nem estoquem comida em casa. Ainda - ainda!-não há motivo para pânico. Afinal, nessa onda de vírus já criaram até um novo fetiche pornô, sobre o qual nos poderíamos dizer que é um tanto quanto... virótico.

Enquanto você está aí temendo o vírus, tem gente gozando e lucrando com ele. Aparentemente, não há desgraça que não possa ser, de algum modo, cooptada para gerar lucro para algum empresário oportunista.

A estratégia quase sempre é a mesma: apelar aos instintos, nunca a razão.


                                                                      ***


Nota do editor: como outros textos abrigados neste blog, a crônica acima foi originalmente publicada  no site Quora (mais especificamente: em Março de 2020).

02/11/22

Brasília Esotérica

O que um turista deveria saber sobre Brasília?

Morei no Distrito Federal por quase cinco anos. E se alguém me fizesse tal pergunta, minha resposta instantânea seria aquela que, dentre todas as informações disponíveis, considero a mais curiosa, inusitada e divertida de se saber:

"Brasília é a capital mística do Brasil".

Supreso? Pois vamos aos fatos:

Para começar, o caráter místico da cidade antecede em muito sua construção. Reza a lenda que São João Bosco, já no século XIX, teria sonhado com a capital:

“Entre os graus 15 e 20 havia uma enseada bastante longa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Disse então uma voz repetidamente: -Quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.”

Em agosto de 1883, Dom Bosco, como é mais conhecido, sonhou que fazia uma viagem à América do Sul – continente que jamais visitou. No sonho, ele passou por várias terras entre a Colômbia e o sul da Argentina, vislumbrando povos e riquezas. Ao chegar à região entre os paralelos 15° e 20°, viu um local especial, onde, nas palavras de um anjo que o acompanhava em sua visão, apareceria “a terra prometida” e que seria “uma riqueza inconcebível”.

Setenta e sete anos depois do sonho, era inaugurada no Planalto Central brasileiro a cidade de Brasília, exatamente dentro do intervalo de coordenadas geográficas mencionado na visão de Dom Bosco e emoldurada pelo Lago Paranoá.

A vinculação com o sonho do santo existiu desde o começo da construção da capital, tanto que a primeira obra de alvenaria a ser erguida foi a Ermida Dom Bosco, uma pequena capela em forma piramidal, projetada por Oscar Niemeyer e localizada às margens do Lago Paranoá. Foi construída em 1957 como uma homenagem ao santo – mais tarde feito padroeiro de Brasília ao lado de Nossa Senhora Aparecida – e como um pedido para que ele abençoasse a nova cidade. Além disso, a congregação fundada por São João Bosco, a dos Salesianos, desde 1956 se fez presente nos acampamentos dos trabalhadores – foi a primeira ordem religiosa a chegar ao Distrito Federal. 

Intrigante, não?

Existe também a especulação de que Brasília teria sido moldada como uma versão moderna da cidade egípica de Akhetaton, pois há semelhanças entre as duas. Dizem que Juscelino Kubitschek era maçom (não é informação confirmada), e como maçons gostam de embutir simbolismo críptico em suas obras, as semelhanças não seriam mero acaso. E claro, há quem alegue até que JK foi a reencarnação do imperador egípcio Akhenaton...

[Brasília e Akhetaton lado a lado]

[JK e Akhenaton. Reencarnação ou coincidência?]


Além dessas circunstâncias misteriosas, ou talvez por causa delas, Brasília está repleta de organizações espiritualistas, místicas e iniciáticas. Abaixo uma breve lista de algumas delas, com fotos e anúncios.

  • Maçonaria (Sim, os templários modernos dominam Brasília também).

  • Unipaz - ( Também conhecida como Universidade Holística de Brasília. Já estive lá. O lugar é lindo, e as moçoilas que o frequentam também...)

  • GETAP UNB - (Grupo de Estudos de Terapias Alternativas, com atuação na Universidade de Brasília e na Unipaz. O rapaz com o microfone, criador do grupo, é o psicólogo contracultural Erik Von Berh, meu amigo e uma das mentes mais instigantes que tive a oportunidade de conhecer.)

  • Eubiose (Não sei nem direito o que é. Mas aprovo.)


Há também os usuais: Espíritas, umbandistas, pessoal do Santo Daime e o pessoal do candomblé. E claro, os mais piradinhos, esquisitinhos:

  • Inri Cristo - (Ele mora no Gama, cidade-satélite. Morei lá algum tempo e já fui praticamente vizinho do todo poderoso.)


Então, caro amigo turista, se for a Brasília: vá preparado. É um lugar assombrado por políticos, espíritos, doidos, paranóicos, lunáticos, charlatães, bruxos e milagreiros de todos os tipos. Até o filho de Deus anda por lá.

Venha, mas não esqueça seu chapéu paranóico-protetor!

E não se esqueça, para atingir o Bom Senso e descobrir a Origem da Humanidade, leia o livro: UNIVERSO EM DESENCANTO!




***


Noda do editor: como outros textos publicados neste blog, o texto acima foi originalmente  publicado como resposta no site Quora.

28/09/22

Como conviver num ambiente em que meus familiares adoram o sentimentalismo do sertanejo e anseiam a próxima edição do BBB?

 

Já assistiu Malcolm in The Middle? Malcolm é uma criança gênio vivendo numa família grande e desfuncional. Cercado por imbecis que não o compreendem, ele se esforça para tentar se "normalizar."


                                                                     ***

Cá no Brasil, muita gente com inclinação filosófica, intelectual e literária acaba ficando decepcionada com a mediocridade da cultura popular nacional, que vai ficando cada vez mais idiota, cada vez mais torpe, alienante e degenerada.

Essas pessoas, muitas vezes, se ressentem ou sentem dificuldades em lidar com um povo que em tudo se quer superficial e alienado, e que, por isso mesmo, é ludibriado pela imprensa, explorado pelos bancos, pelos empresários, pelos políticos, e feito de otário por charlatães pseudo religiosos e golpistas que se aproveitam das aparências.

Mesmo assim, longe de procurar tomar consciência de sua condição, procurando meios para melhorar, esse povo ostenta a ignorância quase como o maior dos valores ,olhando com desprezo e estranhamento aquelas criaturas que apreciam livros e coisas esquisitas como música erudita, silêncio ou, coisa absurda!, solidão.

Cada um se orgulha de ser exatamente como todos os outros. E esse tal povo é, ao mesmo tempo, um dos mais violentos do mundo, um dos mais promíscuos, um dos mais mal-educados e um dos mais explorados; pagando as maiores taxas de juros do mundo e vivendo no país mais desigual do universo.

Mas, como são todos muito inteligentes e cordiais, a maioria não conhece os dados estatísticos básicos do próprio país; e, não os conhecendo, não podem conhecer a realidade onde vivem; e não conhecendo a realidade de onde vivem, nada podem compreender dela. Finalmente, nada compreendendo, nada podem mudar.

Nada mudando, tudo permanece o mesmo.

Sendo assim, o que aqueles que anseiam por algo mais elevado devem fazer na convivência com essa gente?

Nada. Absolutamente nada.

Se destacar é perigoso, pois gera ressentimento. A coisa mais insuportável ao medíocre é ter jogada na cara a sua mediocridade. Se alguém é melhor que ele, ou deseja algo melhor que ele, torna-se logo um inimigo.

A realidade está ai e é preciso, para a maturidade, aceitá-la. Resignar-se é preciso. Se, por um lado, a mediocridade impossibilita o desenvolvimento da inteligência, por outro garante uma certa estabilidade psicológica, um descompromisso com os problemas do mundo e uma vida bem menos angustiosa. Há muitas vantagens na mediocridade, no não-pensar, no ir com os outros. Quem pensa menos é mais feliz.

Entenda que nem todo mundo é como você, com a sua curiosidade e vocação pensante, e que nem todo mundo deveria ser. Se as pessoas amadas preferem se atulhar de conteúdo parvo, embrutecedor do espírito e da inteligência, a escolha é delas. Elas, portanto, que arquem com as consequências disso, assim como nós deveremos arcar com as angústias e conflitos morais de uma vida de estudos e de elevada atividade cultural.

Que podemos fazer de bom pelos que amamos? Instigar, instruir. Falar, vez ou outra, sobre uma coisa importante que valha a pena saber. Presentear com um bom livro ou um bom filme. Ensinar alguma coisa útil. Mas tudo isso é pouco, porque o compromisso com o esclarecimento é uma postura majoritariamente individual. E se a pessoa realmente não quiser, não haverá estímulo que a impulsione.

A família é alienada e problemática? Saia de casa, vá morar só, faça sua vida. Ajude os seus como e quando puder. Ninguém precisa morar junto para amar. Aliás, a minha experiência na vida me fez entender que a proximidade física só atrapalha o amor.

É impossível amar quem nos é próximo.

Mas, para não ser negativo demais, aqui vai uma dica positiva: procure alguém mais novo na família e invista nessa pessoa. As crianças são mais curiosas e mais receptivas ao conhecimento que os adultos.

Presenteie as crianças da sua família com bons livros, bons quadrinhos, boas músicas, boas referências e bons filmes. Envolva-as em boa cultura. Salve-as de Anitta, de BBB e de Wesley Safadão.

                                                             

                                                                        ***


Nota do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no Quora.

21/09/22

Se for falar, que tal falar algo que preste?

Quem nunca?

Começo com uma indelicada - mas verdadeira - confissão. Gente com curiosidade  e horizonte intelectual pouco desenvolvidos me entedia bastante. Coisa de provocar bocejo e tudo, asseguro.

Digo isso porque, com frequência maior do que gostaria, vejo e ouço os outros macacos pelados conversarem sobre coisas banais de modo absolutamente banal. Vendo tal coisa, não consigo deixar de pensar na quantidade absurda de temas, abordagens e referências culturais  interessantes - que poderiam embasar ótimas e produtivas conversas - sobre tudo, inclusive sobre coisas aparentemente banais.

Há tantos livros interessantes, ou com uma abordagem tal, sobre quase tudo que se pode imaginar. Não só livros: há documentários, filmes, entrevistas, programas originais de TV, seriados, quadrinhos, vídeos de youtube, podcasts, fanzines, revistas, espetáculos teatrais, jogos, museus, músicas, eventos culturais, palestras, etc, etc, etc. Grande parte deles, pra nossa sorte, estão disponíveis na internet.

Tem tanta coisa curiosa, interessante, impressionante e impactante mundo afora que, não posso deixar de concluir: o sujeito deve ser muito limitado culturalmente pra falar apenas sobre o próprio umbigo ou sobre o que orbita o próprio umbigo, especialmente quando esse umbigo não é lá muito interessante.

Assim, na maioria das vezes, me parece quase impossível conversar com os macacos pelados sobre temas outros que amenidades. Coisa triste, já que aprecio conversas inteligentes sobre temas interessantes, ou, ao menos, conversas inteligentes sobre temas comuns. De fato, meu negócio é comunicação, especialmente a comunicação  instigante: uma notícia fascinante nova, uma análise intelectual que permita compreender algo melhor, um mistério, um conteúdo artístico relevante, um problema filosófico, um experimento, um insight, uma heresia, uma curiosidade sobre a vida de um gênio ou figurão histórico, uma teoria pseudocientífica  doida, uma teoria científica doida, uma reflexão, um debate,  uma anedota  esperta, em suma; qualquer tópico que enriqueça a conversa, obrigue a refletir e traga perspectivas que ampliem o horizonte mental e cultural.

Sim, eu sei que é pedir demais. Sim, eu sei que  ao reclamar das preferências discursivas dos outros macacos falantes eu estou "impondo" meus valores e meus gostos, assumindo que eles são melhores  que outros. Mas são mesmo, pô! Então o que resta fazer? Sei que o brasileiro médio gosta mesmo é do "papo fiado", da fofoquinha, da zuêira sem limites e da conversinha de boteco. Sei também que nós, os introspectivos, curiosos intelectual e filosoficamente, sedentos e ávidos por cultura (nas suas melhores formas), estamos imersos num pequeno subgrupo social, que engloba; intelectuais, jornalistas, artistas e aspirantes a tais cargos. Mesmo assim, sejamos francos, como não sentir arrepios assustadores com esse mar de futilidade e esse deserto mental que é a cabeça do brasileiro médio - especialmente o jovem?

Eu, por exemplo, sei bem o quão frustrante é (tentar) conversar sobre um conteúdo instigante (Que tal o paralelo entre matrix e a alegoria da caverna, a dualidade onda-partícula, a lógica paraconsistente e as limitações da lógica clássica...) e ver uma respostinha tímida, resumida na frase  reveladora "Nossa, eu nunca tinha pensado nisso!".  Pois é, não falam sobre essas coisas no BBB, jumentinho.

Pelo que vejo, se depender do sistema educacional e da [in]cultura de massas, que tem um bizarro privilégio pelo kitsch, as pessoas nunca vão pensar nas coisas mais interessantes e estimulantes que existem.

Dito isso, devo abrir aqui um singelo parentesis e dar um desconto as pessoas engraçadas e divertidas, que tendem a dinamizar a interação, mesmo quando são incultas. Mas já digo que acho muito melhor quando o interlocutor é culto e bem humorado. Na minha visão, são dois pré requisitos indispensáveis para uma boa, interessante e produtiva conversa. 

Se for pra abrir a boca, que seja pra dizer algo que preste! 

...

NTC (Nota de contextualização): crônica originalmente escrita em 2017 para o meu finado blog (oleitoragnostico.blogspot.com). Contexto: minha eterna falta de paciência para a pobreza de temas e interesses nas conversas populares.

15/06/22

Notinha #5: Breve Reflexão Sobre Meritocracia

Não é que meritocracia não exista. Existir, existe. Mas, diria eu, existem ao menos três problemas principais em torno do tema.

O primeiro é que meritocracia não implica, necessariamente, em valorizar os melhores comportamentos. Na verdade, os critérios tendem a ser problemáticos: em contextos corporativos, por exemplo, premia-se a astúcia, a malandragem e a capacidade de influenciar; então, não se trata exatamente de "trabalhar duro"; mas de ser eficiente e gerar resultados (independente dos meios).

Já em contextos culturais, premia-se aquele que é capaz de produzir engajamento e produtos derivados (ruído comercial), independente da qualidade do conteúdo. Nesse caso, o critério é meramente gravitacional. Como os vícios chamam mais atenção que as virtudes, os agentes culturais com comportamento mais sórdido e reprovável levam vantagem, fazendo com que as pessoas orbitem em torno de suas obras e consumam seus derivados. Esse é o mérito de quem produz Kitsch Trash Culture, e por isso são premiados.

O segundo problema é que, cá no Brasil, a lógica do formalismo burguês (onde prevalece a igualdade formal) nunca dominou. Nossa psicologia é aristocrática, mentalidade herdeira da escravidão. O que isso significa na prática? Significa que aqueles que pertencem ao meu grupo social estão acima dos outros, por isso deverão ser favorecidos. O "mérito" (e também o "direito") será dado a quem é mais próximo socialmente ou afetivamente. Eis a tipologia política do "homem cordial".

E o terceiro problema é que, no mundo real, existem redes de fidelidade institucional não declaradas e mesmo obscuras que decidem "quem tem mérito". Isso é particularmente verdadeiro quando se adentra no submundo das de poder e influência: Maçonaria, Lions Clubs, Rotary Clubs e outras organizações, secretes, discretas ou desconhecidas, que influenciam escolhas e agendas em Editoras, Jornais, Canais de TV, Universidades, etc. E nem vou falar de espiões, agentes infiltrados e ativistas que se destacam e até parecem independentes, mas que são, na verdade, sócios e representantes de algum clubinho (como parece ser o caso do Guru da Virgínia).

07/05/22

Notinha #2: É melhor nem ler...

Decidi, à partir de hoje, não mais ler análises e artigos sobre a educação no Brasil. É tudo muito repetitivo, as observações e conclusões são sempre as mesmas: nossa educação é ruim,  nossos professores são despreparados e mal remunerados, nosso povo é ignorante - pra não dizer estúpido - e não há perspectiva de mudança sem intervenção política inteligente, bem informada e atenta às necessidades nacionais e locais. Ou seja: essa merda toda nunca vai mudar. Problema sem solução.

É mais fácil acreditar no sol parando, ou na cobra falante do Éden, do que acreditar que os brasileiros um dia serão educados, articulados, cultos, escrevendo com correção e lendo livros relevantes. Isso seria mais milagroso do que todos os relatos fantásticos das escrituras ditas sagradas. Ora, o espírito do brasileiro é profundamente farisaico e mesquinho. Nada, nem Deus, é capaz de salvar os brasileiros de si mesmos. Nada salvará o Brasil. Talvez um dilúvio, ou um vesúvio...

Notinha #1: Falta educação...

Aqui no Brasil, na vida em sociedade, muitas coisas seriam mais fáceis - e uma quantidade magnífica de problemas seriam evitados, se as pessoas recebessem educação apropriada.

23/03/22

Um Breve Resumo de Como Chegamos até Aqui


Cabe notar que não chegaríamos tão longe sozinhos. Antes de tudo, devemos compreender que fomos vitimados por influências terríveis.

Dessas influências terríveis, foram agentes: o liberal,  que atua contra a liberdade do vizinho em ser socialista; o socialista,  que sonha em mudar o mundo mas atenta contra a ordem moral que inspirou o socialismo; o conservador, que rejeita a latinidade, da qual é herdeiro histórico, despreza a alta cultura do país onde vive, deixa seus museus queimarem e fetichiza o modo de vida americano; o cristão, que não lê a Bíblia e ainda não descobriu que o cristianismo ensina uma vida simples de abnegação, caridade e retiro; o  educador, que abomina hierarquia, correção e superioridade intelectual; o jornalista, que nem tenta ser imparcial porque na verdade é um militante travestido; o policial miliciano, que é mais criminoso que bandido, e de quem o pobre frequentemente é vítima colateral; o político, que roubou ontem, roubou hoje, roubará amanhã e roubará sempre, e que continuará a se eleger pregando contra a corrupção; o empresário, que detesta concorrência e prefere os favores escusos de políticos que receberam seu dinheiro em campanhas eleitorais; o amante, apaixonado e volúvel, que trai e mata sua mulher; a amante, pródiga e volúvel, que é fatalmente seduzida pelo amante apaixonado que a matará; o funcionário público, que não sabe informar corretamente e prefere conversar com os colegas a nos atender; o artista, limitado, que nada vê na arte senão uma arma de guerra cultural e subversão; o pastor, o guru ou o líder espirital, que é na verdade grande empresário e marqueteiro; o escritor desiludido, que se  ressente com as panelinhas e hipocrisias da classe intelectual na qual outrora almejava ingressar; o raro homem honesto que, diante de toda essa estranha fauna, entende rapidamente que sua conduta está fora de moda e, fatalmente, se deprime.

Eis a surrealista marcha da vida social no país onde todos os pecados são pressentidos na véspera e esquecidos logo após a consumação. O país cuja vida nacional nas últimas décadas parece um pastiche de Chaves ou de Chapolim: história viciada e repetitiva onde conhecemos todos os personagens, todas as falas, todas as tiradas, mas, por algum motivo inexplicavel, continuamos assistindo e amando. Mais que meramente assistir, fazemos espetáculo: sorrimos, sambamos, bebemos e brindamos, e então, tarde da noite, entorpecidos, no auge de nosso hedonismo tropical imediatista, desregrados na vida e no gozo, nos vemos ante uma orgia sardônica e absurda: com anões, putas, travestis, padres pedófilos e crianças amputadas. O que aconteceu? Quem são essas pessoas? Onde estamos? Como chegamos a isto?  Queremos correr, escapar da cena, estamos arrependidos, envergonhados, queremos mudar, ficar sóbrios, sentimos culpa, confessamos, tentamos sair, mas não conseguimos: mãos e braços nos puxam, bocas deformadas por tratamentos com botox nos beijam, silicones exagerados de prostitutas televisivas nos atacam, corrompendo nossa face amedrontada. De um lado, a escandalosa gargalhada da Inês Brasil, do outro, o sorriso diabólico do Kid Bengala. E finalmente, depois de abusos que o pudor me impede de narrar, sentimos o mal imponderável: ELE: o elemento grosso, rijo, cilíndrico, pulsante, a violar sem qualquer piedade o nosso orifício sensível. Vindo sabe-se lá de quem e aviltando o que nos restava em dignidade.

E foi assim que, mais uma vez, no curso da vida nacional, por termos nos deixado levar, fomos magoados, naquele lugar.  Que ainda dói.

Agora só nos resta mancar. E agradecer, ou reclamar, a todos cuja influência foi decisiva. 

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O texto acima foi originalmente publicado no Facebook. Abaixo, as reações:



20/03/22

11 Conselhos Para Jovens Nerds


[Dexter, o pequeno e arrogante gênio.]
                                          
Há poucas coisas realmente importantes na vida. Inteligência é uma delas. Alguém aí duvida que tudo que temos de bom e de valoroso na sociedade (e que todos os bens, físicos ou conceituais,dos quais desfrutamos) são frutos da inteligência e do esforço contínuo dos homens do passado?

Se alguém ainda tem dúvidas, basta olhar ao redor. Celulares, arranha-céus, carros, geladeiras, televisores, lâmpadas, trens… Todos esses bens não vieram do nada, não se construíram sozinhos. O processo de construção de apenas alguns deles, como um computador ou um carro, ou mesmo um simples lápis, é tão complexo e apresenta tantas dificuldades técnicas que causa profunda impressão observar tais artefatos serem construídos aos montes, apesar de toda a dificuldade envolvida na confecção.

A inteligência humana aplicada tem permitido identificar e resolver problemas não apenas em questões de engenharia, mas também na medicina, na psicologia, no direito, na política e em qualquer outra área que você possa imaginar. Além disso, a quantidade de conhecimento acumulado, utilizado e acessível nunca foi tão alta em toda a história humana (o amigo leitor certamente já ouviu falar que vivemos na “Era da Informação”) e nossa civilização é totalmente dependente desses conhecimentos, dessa estrutura informacional.

Sabendo disso, percebendo que a manutenção da nossa frágil civilização e de seus bens depende do conhecimento e da inteligência, era de se esperar que nossas crianças e jovens tivessem sua curiosidade natural (esse elemento formador da inteligência) mais do que estimulada. Era de se esperar que as mentes mais destacadas, os espíritos introspectivos, dados à leitura e à reflexão, ao cálculo, à descoberta e à solução de problemas difíceis, fossem encorajados e incentivados, tidos até como heróis mantenedores da vida, da civilização e do progresso, afinal, se não houver ninguém para guardar, descobrir e utilizar o conhecimento, que será de uma civilização baseada nele?

Infelizmente, porém, o brasileiro está longe, muito longe, de compreender isso. E consequentemente está longe de valorizar e de incentivar a inteligência e a curiosidade dos mais jovens. Por outro lado, os brasileiros são excelentes em incentivar a sexualização precoce e o retardamento infanto-juvenil.

10/03/22

Do Biquini à Piriquita: a ascensão do Kitsch nas metamorfoses da canção “Tédio”

 


Era 1985 quando a banda de rock Biquini Cavadão lançou a canção “Tédio”. Em cima de uma levada pop rock, a letra reproduzia o conteúdo de uma suposta ligação na qual uma das partes confessava sofrer do desagradável sentimento. 


Não era brilhante, mas era divertida e fazia sentido, já que tédio é algo que todo mundo sente ocasionalmente. A canção fez mais sucesso do que a banda esperava, tocou exaustivamente nas rádios e há relatos de que foi muito reproduzida em departamentos públicos.

Para os críticos musicais da época, o rock brasileiro oitentista, cheio de influências Punk e New Wave, era musicalmente inferior ao que fora produzido nos anos 70 e 60, como Jovem Guarda e Mutantes. De tal modo que as músicas do Biquini Cavadão eram consideradas como expressão de uma vertente cultural simplória e menos interessante em termos artísticos. Era música medíocre. Mesmo assim, ou talvez por isso, a melodia de “Tédio” grudou na cabeça do público.

Vinte e quatro anos depois, uma irrelevante banda de brega pop paraense chamada Banda Katrina, numa explosão de humor de duplo sentido, ressuscitou a melodia de “Tédio”, dessa vez expressando-a junto a uma letra criativa ao estilo Raimundos, na qual destacava-se o título: “Quem Vai Querer A Minha Piriquita”. Contava a história de moça fogosa, ou brincalhona, interessada em dar a piriquita. Música extremamente ruim, porém engraçada, foi sucesso instantâneo. A velha melodia voltou a grudar na cabeça do povo. 



Dois anos depois do estrago da Banda Katrina, o funkeiro Mr. Catra, que no início da carreira tocava numa banda de rock, entrou na onda e resolveu dispor da melodia de “Tédio”. Uma versão funk, por que não? Pôs na música batidas mais acentuadas, maior destaque na melodia e, claro, uma letra para lá de sacana. Chamou a canção de “Adultério”.



O perfil artístico de Catra é o de um oportunista que submeteu o pouco talento que tinha ao escracho, ao cinismo e ao deboche. Suas músicas mais relevantes são brincadeiras sacanas ou paródias. Produziu Kitsch e surfou no Trash Culture do funk proibidão. Nessa área a performance e a ousadia — ousadia aqui nada mais é do que a coragem de exibir sua mediocridade musical em público — são muito mais importantes que o talento. Catra era desinibido, excêntrico, bem humorado e carismático. Foi o suficiente para que os brasileiros ouvissem suas músicas e lhe devotassem atenção. A música “Adultério” foi um imenso sucesso. Tanto que até hoje muitos jovems quando escutam “Tédio” acreditam que é uma cópia da canção de Catra. É a criatura devorando o criador. A melodia, mais uma vez, grudou na cabeça do povo.

Finalmente, como o Brasil não é para amadores, neste ano de 2022 as coisas chegaram a um nível ainda mais estranho. Uma espertinha chamada Juliana Bonde, vocalista do Bonde do Forró, resolveu repaginar a versão da Banda Katrina, alterando um pouco a letra, mantendo o terrível teclado eletrônico e elevando a sonoridade forró. Eis a versão mais lixo de todas, o que no Brasil significa a fórmula mágica do sucesso. Mas como Juliana Bonde além de bela é astuta, deu o golpe fatal: tratou de ridicularizar na letra uns nomes famosos da cultura nacional. Atirou para todos os lados: religiosos, políticos e músicos. Disse que daria sua piriquita para o padre Fábio de Melo, mas não para Luan SantanaLula e Bolsonaro.

Antes dela, o último a dar o golpe das citações foi Serginho Malandro; em sua espirituosa paródia de Drake.



Desnecessário dizer, mas a versão de Juliana ( que o dileto leitor pode conferir no video abaixo) está fazendo tremendo sucesso. A melodia está grudando na cabeça do público.



O que não é bom sinal, e provavelmente indica que em breve vem coisa pior por aí.  E assim, uma vez mais, constatamos o Kitsch como expressão máxima da preferência nacional, neste caso — que está longe de ser um evento isolado, e por isso serve para ilustrar a tendência mais geral que assola a música comercial brasileira — temos uma canção boboca que é a cópia da cópia, sempre prometendo uma futura versão ainda pior; numa sucessão sempre previsível, numa dinâmica perpetuamente monótona.

É ou não é de entediar qualquer um?

22/02/22

Foi-se o Comentarista



Imagino que os amigos de mesma geração tiveram experiência semelhante. No meu caso, aconteceu assim: sentado no sofá da sala, acompanhando meus pais enquanto assistiam ao Jornal Nacional (evento rigidamente tradicional para famílias brasileiras dos anos noventa), eu ficava deslumbrado e perturbado quando, em algum momento do noticiário, surgia um senhor grisalho e muito eloquente; que falava dos principais eventos com comentários irônicos, certeiros, perversamente bem-humorados e espirituosos.

Pré-adolescente, eu não entendia muito, mas catava, numa frase ou em outra, um deboche, uma sátira, um pastiche. Notava que ali havia humor e achava estranho, pois contrastava com a sisudez do jornal. E não era o humor que eu conhecia. Era algo novo, mais refinado.
Esse curioso comentarista tinha nome: Arnaldo Jabor.
Mais tarde, soube que ele era um figurão da cultura nacional. Participou do Cinema Novo, ajudando a fazer história num período de grande efervescência da cultura brasileira. Como colunista, antes de se focar no mundo político, entreteve e ilustrou milhares de leitores durante décadas. Publicado semanalmente em 23 jornais, esbanjava crônicas culturais engraçadas, inteligentes e enriquecidas com referências à dramaturgia, cinema, pintura, música, quadrinhos, literatura e história. Há em sua prosa o olhar desiludido de um ex-militante comunista, mas também a confissão cínica de quem viveu nossa história; e, para não enlouquecer, fez tragicomédia com nossos personagens e enredos quotidianos.
Certo ou errado, sempre culto e opinativo, era uma mente instigante.

26/01/22

Nick Cave, Um Ateu Espiritual

 

Nos anos 90, depois de se apaixonar por uma brasileira, Nick Cave abandonou sua rotina de turnês internacionais e foi viver uma vidinha quase pacata  em  São Paulo.

Lá ele gravou um álbum chamado "The Good Son". Logo na primeira faixa, Nick homenageia uma música que eu ouvi centenas de vezes na igreja, mas que nunca vi ser executada de um jeito tão melodioso e tocante.

Acho fascinante o modo como Nick e outros artistas que são ateus/agnósticos conseguem expressar uma espiritualidade muito mais pura e sincera do que muita gente que é nominalmente religiosa.

Nick Cave pode até ser ateu, mas uma coisa é inegável:  ele tem alma.

25/01/22

A Morte do Guru



Morreu o véio lôco. Pela erudição e erística, era interessante como ensaísta heterodoxo. Ao reviver o anticomunismo mais caricato e tacanho, digno de um Carlos Lacerda, o Guru da Virgínia fez mal danado ao jornalismo político brasileiro. Sionista declarado, Olavo chegou a dizer que muitos judeus ricos estavam envolvidos com Nova Ordem Mundial, e denunciou o infame George Soros, o que surpreende.
Certa vez, foi condescendente com o Integralismo, dizendo que ter pertencido ao movimento não macula o passado de ninguém, opinião que lhe rendeu a ridícula acusação de antissemitismo, feita pelo ridículo Intercept.
Em artigo para o seu excelente blog Matemática e Sociedade, o físico Adonai Sant'Anna, comentando uma entrevista antiga do ensaísta, escreveu que Olavo conseguia misturar uma descrição precisa e inteligente da situação educacional brasileira com opiniões problemáticas e nonsense.
De gênio desequilibrado à doido varrido, de místico iluminado à agente da CIA, as opiniões sobre Olavo são tantas e tão diversas que só confirmam a complexidade do sujeito. Erudito de personalidade cativante e belicosa, tido por alguns como líder de seita, Olavo foi uma espécie de Chacrinha intelectual da Nova Direita: comandou um programa bizarro que influenciou grandes setores da cultura brasileira.
Essencialmente um anarquista místico que se fez conservador, Olavo formou-se na tradição intelectual do entre guerras - que incluia pensadores como Arthur Koestler, Curzio Malaparte, Rene Guenon e Aldous Huxley (foi provavelmente à partir de Huxley que chegou em Guenon) - e na escola do Realismo Fantástico dos franceses Jacques Berguier e Louis Pauwels, veiculado pela famosa revista Planète.
Revista que, aliás, teve uma versão nacional - "Planeta" - para a qual Olavo, ao lado de Paulo Coelho, chegou a colaborar. Tenho a edição que uma ex-amiga furtou da Biblioteca da UnB para me presentear- sabia ela que eu era fã da revista e leitor de Olavo -, nessa edição há artigo do ex-astrólogo sobre Cristianismo Esotérico, onde ele faz seus primeiros comentários públicos da obra de René Guenon e, de passagem, menciona que os conhecimentos de Dante Alighieri sobre alquimia árabe foram expressos na Divina Comédia.
Sempre atraído pelo bizarro e pelo heterodoxo, ao longo dos anos recorri à erudição arcana de Olavo e me vi seduzido por seu carisma galhofeiro e depravado. Mas não tardei a ver - certamente com a ajuda de amigos, como o Marlos Salustiano e o Hugo Motta - que a influência do homem era nefasta.
Uma vez, em casa de amigos hipsters, feministos e desconstruídos, citei o nome maldito. Os presentes emudeceram, o ar tornou-se aspero, o chão tremeu, nuvens negras subiram aos ceus, faltou o teto cair: e então, para minha surpresa e espanto, os presentes me olharam como se eu acabasse de confessar o estupro de minha genitora.
Noutra ocasião, na Baratos da Ribeiro (o tradicional sebo alternativo do Rio de Janeiro), em roda de intelectuais mesmo sem ser um deles, descobri que o Maurício Gouveia, o icônico dono da loja, também havia lido e criticado os livros do guru. Conversamos a respeito das reações exageradas à obra do Olavo, e os méritos e deméritos da mesma. Logo alguns presentes na roda fizeram aquela carinha de nojo. "Ah, não. Olavo não!" alguém bradou.
É sempre assim, o que talvez seja compreensível. Todas as opiniões sobre Olavo têm algum mérito, porque o homem era tudo isso ao mesmo tempo. Não era um todo coerente. Era uma dessas misturas impossíveis que só o Brasil é capaz de fabricar.
Com a morte de Olavo e o favoritismo de Lula na disputa eleitoral deste ano a Nova Direita perde força. O Olavismo era um de seus pilares. Resistirá o Olavismo sem Olavo de Carvalho? Em carisma e erudição, não há nenhum discípulo que se equipare ao mestre. O que tem mais chances é Ítalo Marsili, mas este peca pela arrogância, sempre ostentando seu vínculo a uma família de passado aristocrático, seu público é menor e em grande parte vinha pelo Olavo. Quanto aos filhos do guru, o mais inteligente é Luiz Gonzaga de Carvalho Neto (o "Gugu"), mas este é bem menos político e mais esotérico; e é muçulmano, não católico.
De minha parte, creio que o Olavismo não morrerá com Olavo. O que é vil e equívoco tende a perdurar entre os homens. O mais provavel é que continuaremos ouvindo as ideias estranhas de Olavo, mas através de outras faces e vozes. O exército de papagaios olavetes fará a única coisa que sabe fazer: repetirá Olavo. Mas sem o charme e o estranho carisma do mestre.
Para o bem ou para o mal, Olavo deixa este mundo para entrar na História. Foi o homem que ajudou a enlouquecer um Brasil que já não era muito são. Ajudou a eleger o demente retardado que usurpa a faixa presidencial e presta continência à bandeira estadunidense.
Olavo de Carvalho foi um homem carismático, inteligente, manipulador e perigoso. Que sua morte inaugure uma era de decreptude aos movimentos que ele ajudou a alimentar.