Mostrando postagens com marcador Loucura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Loucura. Mostrar todas as postagens

15/03/23

Um Dervixe Muito Louco

 


Cresci numa cidade superpovoada por doidos. Um dos mais icônicos era o "Rodadinha". O sujeito ganhara tal apelido porque exibia reação totalmente passiva e obediente ao comando: "Dá uma rodadinha!". Era dizer isso e ver o doidinho girar e girar, tal qual um dervixe em êxtase místico.
Óbvio que todo moleque satânico adorava encontrar com ele na rua; e, sem piedade alguma, berrar: "DÁ UMA RODADINHA!"
Havia também os "comandos secretos", aos quais ele também respondia. Eram ainda mais deliciosos: "Põe a mão no cu e cheira!"; e o diabólico: "Senta no vergalhão da obra!"
Como sempre fui um menino de Jesus, fiz ele fazer os três, várias e várias vezes. O coitado só faltava chorar quando me via. Eram horas e horas de um gostoso sadismo opressor. E eu, adolescente, aprendiz de capiroto, gargalhava, de lacrimejar de rir.
Depois dessa "iniciação", fiquei totalmente obcecado pela temática do controle mental. E sou até hoje.
***
(PS: O doidinho existiu mesmo, muita gente da cidade o conheceu. A história é absurda, mas verídica. Familiares e amigos de infância podem comprovar.)

01/02/23

O Artista e Sua "Loucura"

Há quem pense que os artistas são, quase sempre, pessoas instáveis, de mente fértil, porém perturbada, estando a apenas alguns passos de distância dos loucos.  Acontece que, apesar das aparências, isso não é bem verdade. Não é que artistas possuam maior tendência a ter transtornos mentais, a realidade é outra: artistas são corajosos o suficiente para expor sua alma via arte. Quem olha para dentro de si, por tempo suficiente e com a profundidade devida, sempre encontra imperfeições, transtornos, traumas, vieses. O artista trabalha isso, depura a si mesmo por meio de sua arte. Trata sua psique ferida com ela, que pode ser, entre outras coisas, uma forma de terapia espiritual. Tratando a si mesmo, expondo-se, ele se aprimora, podendo exorcizar seus males, enriquecer a cultura e o imaginário da humanidade. Colabora consigo e com o mundo.

Por isso, em geral, bons artistas se conhecem bem mais do que as pessoas comuns. Eles não são "mais doidos" que as pessoas normais (ao menos não todos, e certamente não a maioria). Ocorre que, diferente das pessoas normais, os artistas foram tão fundo dentro de si mesmos que perceberam o que neles era totalmente diferente, perceberam sua loucura, ou desajuste particular. Perceberam sua singularidade, e então, num segundo passo, a aceitaram. Depois deixaram de se intimidar com isso e pararam de fingir. Assim puderam abraçar a si mesmos e expressar isso sendo autênticos.

O que a maioria das pessoas chama de loucura na classe artística é apenas expressão da individualidade, singularidade e da autenticidade. É um abandono do fingimento. Como a nossa sociedade estimula o fingimento e o comportamento de manada, o homem comum estranha e acha esquisito quando alguém se permite ser autêntico e foge dos padrões.

Raramente conheci um artista que não tivesse consciência da sua loucura e dos seus dramas pessoais. Por outro lado, o que mais conheço é gente normal cheia de traumas e problemas mentais, mas sem consciência nenhuma disso; gente que vive na base do fingimento, do remedinho para camuflar as ansiedades e do autoengano. Gente que é incapaz de ser sincera até consigo mesmo. Essa é a tal da gente normal. Credo! Eu tenho até medo...

Aliás, sempre bom lembrar: normalidade não é exatamente algo saudável, pode ser uma doença. Se você é normal demais, por favor, vá se tratar:

Salvador Dalí manda lembranças:

Nota do Editor: como outras publicações deste blog, a primeira versão deste texto foi originalmente publicada como resposta no site Quora

20/04/22

Esquizofrenia Afetiva e Impermanência


JHN NES
John Nesh e seu grande amigo imaginário. Cena do filme Uma Mente Brilhante.

 

Ao contrário do que normalmente se supõe, a perda do senso de realidade não é o que distingue os loucos dos sãos, mas justamente o que os aproxima.

Usualmente, o louco é caracterizado pela total ou quase total perda do senso de realidade. O homem comum, contudo, é caracterizado pela  perda sempre pontual e parcial desse senso; perda essa que - diferente do caso do louco - não chega a impossibilitar as atividades do dia à dia, mesmo produzindo grandes angústias e confusões no espírito.

Vejamos: o homem comum é levado, pelo hábito ou pela inércia, a crer na realidade dos laços afetivos que cria tal como é levado a crer na realidade do vento ou das árvores. Na infância, se bem educado, ele aprendeu que o destino das coisas naturais é a finitude. Ele sabe que os ventos mudam de direção, sabe que as árvores morrem. Contudo, por algum motivo, quando os laços afetivos parecem fortes e poderosos, ele quer, ele deseja, ele espera que durem para sempre. Pior: ele conta com isso. Diz frases tolas e, inadvertidamente, em discursos apaixonados, faz uso do "para sempre" ou "de até que a morte nos separe". Ele faz  planos. E sonha. De tal modo que a ilusão se agiganta, tornando-se alucinação. Ele alucina na intenção de fazer perene um estado de coisas que, assim como tudo o que existe, está fadado a destruição.

É quando o laço subitamente se rompe, por um jorro qualquer de realidade inesperada - não é preciso a morte para separar, a realidade já basta - que ele vê a ilusão esquizofrênica ir pelos ares. O que parecia real e perene já não é mais. A realidade concreta, cruel, imprevista, atual, golpeia, viola, zomba do que ele julgava a realidade efetiva. E pela primeira vez o homem comum se sente obrigado a indagar-se sobre a natureza das coisas, sobre a natureza da realidade, das relações, dos afetos. Ao refletir sobre o contraste entre a realidade esperada e a realidade vivida, chega, enfim, à metafísica. Levanta questões: "Que é, afinal, a realidade? Que devo esperar dela? Como posso ter me iludido tanto, julgado real o que era imaginário, julgado perene o que era momento?"

Se bem educado, ele se lembrará de Heráclito, lembrará a máxima da impermanência, lembrará que "tudo flui". Ou talvez - mais provável- vá lembrar da canção de Lulu Santos: "...nada do que foi será/ do jeito que já foi um dia/ Tudo muda/ Tudo sempre mudará...". Se for dado a narrativas orientais, lembrará do princípio do "Tao". E talvez, como Proust ou como todos os grandes memorialistas, ficará obcecado pelo tempo, pelas interações humanas, pela natureza ilusória das coisas. Dará algum sorriso de suas tolas pretensões de juventude, quererá ter aproveitado melhor determinados momentos, dito certas coisas a certas pessoas.

Mais tarde, com o passar dos anos, vacilará em suas memórias. Voltará a duvidar do que foi real, do que pareceu real. "Ela me amou?" "Foi minha amiga?" "Era tudo ilusão?", "O que não existe mais, existiu algum dia?". Mas já não dá mais para saber. É tarde demais para saber. Nunca foi possível saberNunca será. Ele então aprenderá que a realidade nunca é óbvia e que sempre há algo de esquizofrênico nos afetos: no início você acredita neles, julga poder provar que  existem. Mais tarde, contudo, sabe perfeitamente bem que são ilusões, tudo coisa da sua cabeça.

Nas palavras dos Titãs "...Eu aprendi/ A vida é um jogo/ Cada um por si/ E Deus contra todos...."

Quando se trata das relações humanas, a única certeza que se pode ter é a da impermanência. Todo o resto é ilusão e esquizofrenia afetiva.

23/03/22

Um Breve Resumo de Como Chegamos até Aqui


Cabe notar que não chegaríamos tão longe sozinhos. Antes de tudo, devemos compreender que fomos vitimados por influências terríveis.

Dessas influências terríveis, foram agentes: o liberal,  que atua contra a liberdade do vizinho em ser socialista; o socialista,  que sonha em mudar o mundo mas atenta contra a ordem moral que inspirou o socialismo; o conservador, que rejeita a latinidade, da qual é herdeiro histórico, despreza a alta cultura do país onde vive, deixa seus museus queimarem e fetichiza o modo de vida americano; o cristão, que não lê a Bíblia e ainda não descobriu que o cristianismo ensina uma vida simples de abnegação, caridade e retiro; o  educador, que abomina hierarquia, correção e superioridade intelectual; o jornalista, que nem tenta ser imparcial porque na verdade é um militante travestido; o policial miliciano, que é mais criminoso que bandido, e de quem o pobre frequentemente é vítima colateral; o político, que roubou ontem, roubou hoje, roubará amanhã e roubará sempre, e que continuará a se eleger pregando contra a corrupção; o empresário, que detesta concorrência e prefere os favores escusos de políticos que receberam seu dinheiro em campanhas eleitorais; o amante, apaixonado e volúvel, que trai e mata sua mulher; a amante, pródiga e volúvel, que é fatalmente seduzida pelo amante apaixonado que a matará; o funcionário público, que não sabe informar corretamente e prefere conversar com os colegas a nos atender; o artista, limitado, que nada vê na arte senão uma arma de guerra cultural e subversão; o pastor, o guru ou o líder espirital, que é na verdade grande empresário e marqueteiro; o escritor desiludido, que se  ressente com as panelinhas e hipocrisias da classe intelectual na qual outrora almejava ingressar; o raro homem honesto que, diante de toda essa estranha fauna, entende rapidamente que sua conduta está fora de moda e, fatalmente, se deprime.

Eis a surrealista marcha da vida social no país onde todos os pecados são pressentidos na véspera e esquecidos logo após a consumação. O país cuja vida nacional nas últimas décadas parece um pastiche de Chaves ou de Chapolim: história viciada e repetitiva onde conhecemos todos os personagens, todas as falas, todas as tiradas, mas, por algum motivo inexplicavel, continuamos assistindo e amando. Mais que meramente assistir, fazemos espetáculo: sorrimos, sambamos, bebemos e brindamos, e então, tarde da noite, entorpecidos, no auge de nosso hedonismo tropical imediatista, desregrados na vida e no gozo, nos vemos ante uma orgia sardônica e absurda: com anões, putas, travestis, padres pedófilos e crianças amputadas. O que aconteceu? Quem são essas pessoas? Onde estamos? Como chegamos a isto?  Queremos correr, escapar da cena, estamos arrependidos, envergonhados, queremos mudar, ficar sóbrios, sentimos culpa, confessamos, tentamos sair, mas não conseguimos: mãos e braços nos puxam, bocas deformadas por tratamentos com botox nos beijam, silicones exagerados de prostitutas televisivas nos atacam, corrompendo nossa face amedrontada. De um lado, a escandalosa gargalhada da Inês Brasil, do outro, o sorriso diabólico do Kid Bengala. E finalmente, depois de abusos que o pudor me impede de narrar, sentimos o mal imponderável: ELE: o elemento grosso, rijo, cilíndrico, pulsante, a violar sem qualquer piedade o nosso orifício sensível. Vindo sabe-se lá de quem e aviltando o que nos restava em dignidade.

E foi assim que, mais uma vez, no curso da vida nacional, por termos nos deixado levar, fomos magoados, naquele lugar.  Que ainda dói.

Agora só nos resta mancar. E agradecer, ou reclamar, a todos cuja influência foi decisiva. 

...

O texto acima foi originalmente publicado no Facebook. Abaixo, as reações:



21/03/22

Afinal de contas, o que é a Matrix?


Quer mesmo saber?

Então deixe-me te mostrar até onde vai a toca do coelho, pequeno neoPreparado? Vamos lá:

Sobre o Filme:

Basicamente, a “matrix”, segundo o contexto da trilogia cinematográfica dos irmãos wachowski, é o termo usado para descrever uma realidade virtual produzida por formas de inteligência artificial (A.I )que se rebelaram contra os seres humanos no passado, numa guerra onde as máquinas venceram.

Desde então, as máquinas vem utilizando os seres humanos como fonte de energia. Ao mesmo tempo, para que os humanos não tomem consciência disso, as máquinas criaram um meio de controlar a mente humana, criando um mundo virtual, ilusório, uma prisão mental a matrix—, mas que a maioria dos humanos aceitam como real.

16/02/22

O Que Mais O Amedrontava

   


A verdade era uma só: ele tinha medo. Era isso o que sentia todas as vezes quando saia às ruas. Tinha medo deles. Tinha medo de suas leis, de seus chefes, de suas mentiras, de seus exércitos, de suas religiões, governos e ciências. Por isso pensou em ir para as montanhas, para as cavernas, para o mato. Mas o procurariam lá, ele sabia. Trariam holofotes e iriam fotografá-lo, fariam reportagens, contariam sua historia em jornais e logo ele ficaria famoso. Então iriam visitá-lo, tratá-lo como aberração e talvez alguns até o seguissem.

Ele pensava nestas coisas e seus olhos lacrimejavam. Os homens, que doença os teria dominado? Que loucura era esta a deles? não sabia. Só sabia que era de todo cruel e perturbadora. Ele pensou que não se poderia fugir deles, por que tinham tomado todo o globo para si. Assustava-lhe a natureza virótica que a raça emanava. Haviam chegado aos 7 bilhões, ele bem sabia. Vejam só, criaram números para medir seus bens e riquezas mas não haviam números para medir sua ignorância, para a sua miséria, para a sua vergonha. Lembrou-se daqueles por quem nutria alguma admiração e respeito. Aqueles que ousaram ensinar, que ousaram pensar, aqueles que foram por eles reconhecidos como sábios e iluminados. "Sempre idolatrados mas nunca escutados" disse de si para si. E pensou no quanto isto era assustador.

De certo modo, isto o enchia de medo, de pavor. Então ele continuava, como há muito, cabisbaixo e deprimido, com Deus e com os homens. Olhava a si no espelho num impulso qualquer de autopiedade e ali detinha-se e se assustava ainda mais. Era talvez aquilo que mais lhe causava sofrimento, pesar e amargura. Olhar-se no espelho, ver a si e saber que todos aqueles que tinham feito de um mundo maravilhoso um mundo que só se podia expressar com lamúrias e prantos, todos aqueles que se poderiam em perfeita coerência chamar de 'virus humanidade' eram, cada membro, exatamente como ele. Isto o fazia chorar. Isto lhe fazia por inteiro amedrontado.