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10/01/25

Algumas Noções e Técnicas de Estudo para Intelectuais Autodidatas - Parte I


A Espiral de Livros

Na educação escolar nós revemos o mesmo assunto em níveis cada vez mais avançados e séries sucessivas no tempo. Essa progressão didática é inevitável e eu a chamo de Estudo em Espiral. A forma geométrica  da espiral descreve um fluxo concêntrico que, mesmo repetindo o movimento, expande-se à cada volta. 

Na espiral há começo, mas não há fim. O mesmo ocorre em relação ao conhecimento. É possível passar toda a vida estudando apenas as obras de Aristóteles ou a Biodivesidade da Amazônia. Fato esse que entristece os polímatas, pois eles, capazes de alcançar o ponto mais alto da vida intelectual, gostariam de saber o máximo que se pode saber sobre todos os assuntos que importam.  


I- A Superioridade dos Polímatas

O excesso de informação, a senescência e o curto tempo de vida impedem a máxima realização da libido sciendi dos polímatas. O que lhes restitui o ânimo é a consciência da sua inteligência superior, a posse do cérebro extraordinário, com alto QI e memória privilegiada. 

Mentalmente avançados, seu desempenho é muito acima da média em quase todas as tarefas de ordem intelectual. É nesse nível que estão os grandes gênios intelectuais da humanidade. E o polimatismo não é outra coisa senão expressão dessa condição.

Não que não façam esforço, não precisem de disciplina ou que não sintam dificuldades; tudo isso também acontece com eles. E acontece em intensidade maior, pois os assuntos aos quais se dedicam são mais difíceis do que aqueles aos quais nos dedicamos. 

Os polímatas atraem-se pelos mais difícies problemas, intuindo que podem fornecer alguma contribuição inovadora. E seu maior trunfo, não há dúvidas, está na condição mental privilegiada.


II- Ser Intelectual Sem Ser Polímata

Mas poucos são os polímatas. Em maior número estão aqueles que, como eu, não foram abençoados com um cérebro excepcional. Esses, para o seu martírio e infelicidade, precisam trabalhar com um cérebro que mais parece processador Pentium IV que desliga ao superaquecer. Nesses casos a possibilidade do polimatismo está excluída de antemão, e o máximo que se pode fazer é cultivar um generalismo cultural esclarecido, perpetuamente engajado na busca pela Erudição. 

Esse tipo de intelectual jamais será polímata, mas, com esforço, método e disciplina, poderá, em duas ou três décadas de estudo, tornar-se um intelectual digno de ser lido e comentado por gente muito inteligente; e, eventualmente, até mesmo por polímatas (como já me ocorreu). 

O trunfo desses é, sem dúvidas, o método e a persistência. 


III- A Espiral do Conhecimento

O Método de Estudo em Espiral é um dos métodos que gente como eu - autodidatas intelectualizados - devem usar, pois se adapta bem às exigências da vida urbana.

Suponhamos que o autodidata tenha lido “A Marcha Para o Oeste”, dos irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, e tenha se interessado em conhecer mais a respeito da temática sertanista, antropológica e indígena no Brasil. Imaginemos ainda que ele, atualmente, não pode dar continuidade a esses estudos por estar se preparando para um concurso público.

Conseguirá minorar seu problema caso tenha o hábito de registrar num caderno de notas o que de mais importante encontrou no livro. Assim ele poderá, sem muita dificuldade, retomar esse tema de estudo no futuro.

Um blog discreto (como este) é um excelente meio de manter ao menos um caderno de registros virtuais. É mais empolgante escrever notas de estudos quando sabemos que, sem ser a última e a maior referência no assunto, elas podem ser úteis aos outros.

A cada nova incursão na espiral temática, o autodidata deve revisar e melhorar suas anotações. Daí, também, a utilidade do blog, já que neste é possível editar o texto, enquanto no caderno o jeito é escrever em nova página e censurar a antiga (o que dá mais trabalho).

Tão importante quanto ler livros é a capacidade de reter na memória o que foi lido. Com o alucinante bombardeio de informações aos quais somos submetidos, essa capacidade anda comprometida. O uso de cadernos de registros, além de aumentar o tempo de contato com o assunto, obriga o sujeito a refletir sobre o que leu e a sintetizar, de modo crítico e hierárquico, o conteúdo.

O ideal é que, para cada assunto complexo que pretende estudar, o autodidata tenha um caderno de anotações. Pode ter um físico e um virtual. No virtual deve escrever mais demoradamente, fazendo resumos maiores, tomando notas. Já no caderno físico deve compactar a estrutura em mapas mentais, palavras chave, conceitos fundamentais, esquemas gráficos, significados essenciais. 

Seus cadernos devem ser preservados e utilizados como fonte pessoal de esclarecimento no assunto. Ele, com o tempo, acabará por ser grato a sua versão do passado, pois verá que suas anotações, mesmo se primárias e contendo equívoco, são extremamente úteis. 

Esse método é utilizado por muitos intelectuais e é a partir dele que surgiram muitos livros interessantes, como  o Guia de Curiosidades Matemáticas, do professor Ian Stuart.


IV-Imagem e  Peso do Esforço Cognitivo

Outra coisa importante é que, ao ver a quantidade de cadernos acumulados, o autodidata terá uma imagem mental concreta do próprio esforço reflexivo nos temas pelos quais se interessou. Pode empilhar os cadernos e sentir, literalmente, o peso de suas reflexões.

É preciso ter a consciência de que, ao exercitar essas técnicas, o que se está fazendo é, além do aspecto mnemônico, fomentar um progressivo aumento na qualidade e na profundidade das reflexões, coisa que muito ajuda no progresso da compreensão. 

A compreensão individual, enquanto não for uma compreensão máxima, deve ser tomada como uma compreensão parcial e limitada, uma ferramenta intelectual apenas, e deve ser tratada como tal, o que significa manter-se aberto para receber novos dados, analisá-los, e, com isso, ampliar sempre o nível de compreensão.

Eu, de forma relativamente desorganizada, tenho aplicado, ou tentado aplicar, essa conjunção de noções e técnicas ao longo dos anos. Faço adicionando duas outras técnicas, muito importantes, que são a anotação estratégica nos livros e a releitura orientada. Mas sobre elas eu falarei numa próxima postagem. 

Muitos leitores, e alguns deles inteligentes, ficam para trás no desenvolvimento intelectual por desconhecerem a importância desses pequenos hábitos. Recomendo que vocês os pratiquem com obstinada persistência. 

Finalizo com uma imagem: a manifestação concreta do engajamento reflexivo deste cronista, na forma de seus diários e cadernos de anotações.



12/10/22

Qual a razão por trás do desinteresse dos alunos?

 

Bom, vamos lá. Comecemos com um exercício mental:

Imagine que você é uma pessoa curiosa, cheia de energia, fascinada por coisas novas, com uma dose elevada de humor e vontade enorme de se divertir. Em suma: se imagine como uma criança.

Imagine agora que seus pais lhe digam que você poderá ir no maior parque de diversões multitemático do mundo e desfrutar dos melhores brinquedos, quantas vezes quiser. Mas que você precisa seguir as regras de uma autoridade: o senhor Alfredo, seu mestre-guia acompanhante.

Imagine, ao viajar para o parque com o mestre-guia, que você descobre que os dois vão precisar lidar com três problemas pricipais:

  1. Só é possível visitar os brinquedos a pé, sendo que eles ficam muito longe uns dos outros.
  2. Vocês tem apenas 5 horas para aproveitar o parque
  3. E acompanhando vocês há mais umas vinte crianças, todas elas barulhentas, cheias de energia, curiosidade, bom humor e doidas para ir a lugares do parque pelos quais você não tem o menor interesse.

Agora imagine que o senhor Alfredo já visitou o parque tantas e tantas vezes, com tantas crianças ("diabinhos barulhentos" é como ele os chama mentalmente), ao longo de tantos anos, tendo que dar sempre as mesmas respostas sobre os brinquedos, que ele não aguenta mais esse lugar- e nem as crianças. Quando começou, é verdade que ele era jovem e adorava. Mas depois de dez anos fazendo isso, sendo mal remunerado e sem os incentivos adequados, tudo que ele quer é acabar logo esta maldita tarefa e poder ir para casa assistir La Casa de Papel no Netflix.

Para você, a visita é um prazer em potencial, por tudo que ela oferece a sua imaginação e vontade de descoberta e divertimento, mas para o senhor Alfredo é uma obrigação angustiante e um tanto quanto irritante.

Agora, pior, considere que o senhor Alfredo tem um problema de saúde nas pernas, que incham e doem calorosamente quando ele anda por muito tempo.

Agora imagine que o esquema de visita acompanhada consiste em levar você e as outras crianças para uma sala mal arejada, com cores horríveis, acústica pior ainda e mostrar fotos e vídeos desbotados e antigos de como era o parque há 10 anos atrás, assim como dos brinquedos mais próximos (nenhum deles muito interessantes para você) que vocês podem visitar.

Das 5 horas disponíveis, 3 o senhor Alfredo passa com você e seus amigos barulhentos na sala mal arejada, a quarta ele gasta para aplicar uma prova sobre o que ele ensinou na sala mal arejada e a última hora ele gasta permitindo que vocês andem um pouco, jundo dele, e experimentem um brinquedo pelo qual você não tem o menor interesse.

Conseguiu imaginar?

Pois então, depois de repetir essa experiência cem vezes, como você iria se sentir em relação a ideia de visitar o parque com o mestre-guia? Se sentiria animado ou completamente traumatizado e desinteressado, já que sempre foi uma experiência tediosa, limitadora e frustrante?

Bom, essa historinha, a meu ver, é perfeita para explicar o nosso sistema de ensino e os porquês do fracasso retumbante que ele reverbera com êxito em quase todos os seus aspectos. O parque de diversões multitemático representa o conhecimento e as milhares de possibilidades incríveis que ele enseja.

Note que, por natureza, crianças são enérgicas e ficam elétricas diante de um mundo inteiro de possibilidades, coisas novas, animais, cheiros, formas, máquinas, pessoas, brincadeiras, coisas para fazer e para investigar. O mundo lhes oferece uma riqueza fabulosa onde elas mesmas podem decidir o que lhes interessa investigar.

Basta pôr uma criança num Museu, numa Biblioteca ou dar a ela um jogo, ou desafio, que você verá como ela vai, naturalmente, sendo guiada por sua curiosidade e interesse em descobrir coisas e resolver problemas. Nessas situações, vai acontecer da criança ficar tão fascinada com algo que vai imediatamente te perguntar o que é, o que significa e como funciona, aí é justamente quando a curiosidade levou à necessidade de compreensão.

Esse tipo de experiência: o prazer da dúvida, do contato com o misterioso, da descoberta, é o que move a curiosidade natural e resulta na necessidade de compreender, apreender e resolver problemas, ou seja: é a base do amor ao conhecimento. É o que move cientistas, intelectuais, investigadores, filósofos e inventores. É o que move meu autodidatismo e minha paixão em aprender coisas interessantes e resolver problemas que são importantes para mim.

E, bom, a escola mata isso. Estraçalha, na verdade.

Na escola tudo já vem pronto: o que estudar, o como estudar, o onde estudar, o quando estudar e o com quem estudar. Não existe espaço para inovação, arte e criatividade. As matérias são divididas artificialmente, como se no mundo real não houvesse conexão entre Matemática e Português ou Matemática e História, ou seja: como os brinquedos do parque, estão distantes umas das outras.

Assim, mesmo que uma criança possa ser curiosa, a má abordagem de um professor ou de um livro sobre o assunto pode parecer a ela bem menos interessante do que, por exemplo, uma visita ao zoológico ou uma interação com outro grupo de crianças, tão divertidas, curiosas e animadas quanto ela.

Tudo o que a escola requer da criança é a obediência bovina e respostas condicionadas, ou seja: conformação. Quando na verdade a função de um bom mestre deveria ser guiar a curiosidade da criança para apresentar a ela novos universos, nunca sufocar o interesse, as habilidades e gostos pessoais para lhe oferecer a mesma fórmula oferecida a todas as outras.

Como o mestre-guia da metáfora, a maioria dos professores são descontentes, doentes (alguns com sérios transtornos psicológicos), frustrados e tem um domínio quetionável sobre sua matérias, um método sofrível e uma exposição mais questionável ainda.

Ora, agora pense bem: Que tipo de criança ou adolecente vai achar emocionante e inspirador ficar trancado entre quatro paredes, copiando textos e olhando para videos e imagens antigas enquanto escuta a voz monótona de um professor frustrado? Ainda mais quando lá fora tanto as pessoas quanto as coisas parece mais vivas, mais autênticas, mais desafiadoras, mais apaixonantes e mais interessantes!

Em suma: a escola, e seu esquema padrão de ensino, é chata, desinteressante, morta, cafona e limitadora. Enquanto o mundo e os desafios não. É por isso que as crianças preferem os esportes, os jogos e qualquer expansão de contato com o mundo por meio de viajens a lugares desconhecidos.

Jamais esqueça que foi justamente nesse sistema de ensino, que é o mesmo até hoje, que Einsten ouviu de um professor que "nunca chegaria a ser alguém".

Não precisa dizer mais, precisa?

                                          

                                                                *** 

Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora em 2019. Até a presente data teve mais de 7 mil visualizações, 257 votos positivos, 23 comentários e 14 compartilhamentos. Entre os comentaristas da resposta uns concordaram e outros discordaram. Um deles, no entanto, trouxe relato que, pela força da verdade que carrega, urge compartilhar:

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07/06/22

Como Estudar Qualquer Teoria Sem Virar Papagaio de Teórico

Ninguém aguenta papagaio intelectual

Não costumo ensinar isso as pessoas, mas uma dica intelectual importante é a seguinte: sempre comece a estudar uma teoria pelos críticos mais ferozes dela. Depois de você praticamente acreditar que tudo na teoria é balela, volte do zero e comece a ler a teoria pelos autores adeptos dela.

Com esse macete você fica prevenido de acreditar por completo na primeira teoria totalizante e interessante que te cruzar o caminho.

Em suma: leia Marx pela ótica de Proudhon, Proudhon pela ótica de Marx, leia a vida de Cristo pela ótica de um humanista como Ernest Renan e leia sobre o iluminismo pela ótica do contra-iluminismo.

Isso vai elevar significativamente sua habilidade e fluidez intelectual.

O único problema é que tem dois efeitos colaterais:

1) Te deixa cético.
2) Te deixa louco.

 


 *Acréscimo*.

O confrade Clark Aban, no Zuckbook, questionou-me:

"Porque te deixa louco?"

Eis a explicação resumida:

Basicamente, porque a pessoa desenvolve a habilidade de compreender e aceitar paradoxos. Como exemplo eu poderia citar um texto do Leszek Kolakowsky em que ele ensina "como ser um conservador, liberal e socialista".

Quando você começa a pensar que Deus pode existir e não existir, que o cristianismo é verdadeiro e falso, que a liberdade humana existe e não existe, que magia funciona e não funciona, ou, ainda, que você pode ser um conservador-liberal-socialista, então, para todos os fins, você já é um doidinho.