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26/08/23

Breve guia de dicas e referências para começar a desenvolver habilidades na escrita



Tenho um amigo jovem que anseia melhorar suas habilidades na arte de escrever.  Por isso resolvi publicar aqui alguns conselhos, sugestões e indicações. Explico que as dicas abaixo são úteis para qualquer pessoa que esteja começando a escrever, mas são ainda mais úteis para aquelas que estão começando "na lanterna"; isto é: aqueles que ainda não possuem o núcleo básico de habilidades - clareza, coesão, gramaticidade e senso estético- que um escritor deve ter.

Recomendo que, antes de prosseguir com o texto abaixo, o leitor leia este texto, este e este também, pois explicitam noções importantes e complementares que não exploro aqui (como o nível gramatical, a eloquência e expressividade de ideias, organização do pensamento e a função da leitura literária). O raciocínio manifestado nas considerações abaixo pressupõe que o leitor já saiba o que foi dito nos textos anteriores em que tratei sobre assuntos correlatos. Por isso a sugestão é que eles sejam lidos antes deste.

Pode ir lá ler os textos.

Pois bem. Leu os textos? Não, né? Vai deixar para depois (eu sabia!). Você é mesmo um preguiçoso. Mas, tudo bem, porque eu também sou. Se você não reclamar de mim, juro que não reclamo de você. Sendo assim, talvez você considere o texto abaixo demasiado incompleto (o que só  mudará quando ler os anteriores). De qualquer modo, você é quem sabe.

Como progredir na escrita dos gêneros literários?

A minha primeira sugestão é começar escrevendo registros memorialísticos em primeira pessoa, o que em linguagem leiga é conhecido como "escrever um diário". Em verdade, a frequência da coisa não precisa ser diária, pode ser semanal ou mensal. Contudo, é preciso ter em mente o seguinte: quanto mais frequente, maior o treino, e quanto maior o treino, melhor. Eu sugiro que o meu amigo comece escrevendo semanalmente. Separe um tempo no sábado, pela manhã ou noite, para escrever um texto que inclua, de forma resumida, os principais eventos da semana, reflexões pessoais, crises, tensões, reclamações, angústias, impressões sobre as pessoas, ideias, lugares, comentários sobre mulheres, etc.

Quanto ao estilo: comece com uma forma de escrita simples, compacta, direta e elegante; assim como o estilo de Albert Camus em O Estrangeiro. Perceba que esse livro de Camus não é mais que um diário: o diário de Meursault, o protagonista. Eu até admito que a obra não me agradou como romance, mas reconheço que sua prosa é simples e clara, o que lhe torna um bom modelo de registro memorialístico para iniciantes.

Uma vez dominado o básico da escrita memorialística, faz-se necessário dar um passo à frente. Agora o aspirante a escritor deverá treinar crônicas (onde ele pode aplicar elementos do gênero anteriormente aprendido). E então, finalmente, depois de algum treino, quando já se houver transmutado num hábil cronista, poderá partir para outros gêneros.

Tal ordem de estudo,  e de prática,  é didática e progressiva: caminha do mais fácil para o mais difícil. Para um sujeito sem prática  na escrita é muito mais difícil escrever um artigo, resenha ou um conto do que uma crônica. E é mais fácil escrever um texto memorialístico simples do que uma crônica. Além disso, cada gênero anterior da sequência prepara seu praticante para o gênero seguinte. Quero dizer: é mais fácil escrever uma crônica quando você já sabe escrever um registro memorialístico e é mais fácil escrever um conto, artigo ou resenha quando você já sabe escrever uma crônica.

Entendendo a Crônica

A crônica é um texto de tamanho curto¹,  maior que o poema e menor que o ensaio. Pode ter o tamanho de um artigo de jornal, mas geralmente é um pouco menor. Durante muito tempo, a crônica foi um dos gêneros literários mais lidos no Brasil, e ainda hoje ela é muito popular.

Uma crônica manifesta sempre a visão e reflexão do autor sobre alguma coisa. Dispondo de uma linguagem pessoal e artística (portanto, literária) ele compartilha com os leitores uma vivência sua e as reflexões que ela lhe inspirou. Também pode contar uma história sobre um amigo, comentar os fatos políticos ou culturais da semana, compartilhar memórias, criticar uma obra literária ou um filme. O mais importante, como traço característico da crônica, é que seja um texto leve, fácil, sem muita pretensão, algo como se fosse uma conversa escrita com o leitor. O objetivo do cronista é entreter o leitor com suas reflexões, ou seja: fazê-lo pensar, rir, lembrar,  apreciar a estética da linguagem, e, enfim, se emocionar.

De Machado de Assis à Luís Fernando Veríssimo, quase todos os nossos grandes literatos escreveram crônicas, e pelo menos dois deles - Rubem Braga e Ivan Lessa - foram majoritariamente escritores de crônicas.  Naturalmente, pela leveza e pelo caráter lúdico, a crônica é o gênero textual que tem maior e melhor recepção por parte do leitor comum. Isso a torna um excelente gênero para ser praticado por escritores iniciantes.

A Crônica na coluna de Jornal ou Revista

Alguns escritores recebem um espaço fixo - em jornais e revistas - para escreverem periodicamente sobre o que quiserem, ou, as vezes, a respeito de um determinado tema. No início esse espaço era limitado a uma coluna de texto nos jornais, e por isso recebeu nome de "coluna". Com o tempo o espaço aumentou, mas o nome permaneceu. Numa revista moderna esse espaço pode chegar a uma página inteira com duas, três ou mais colunas de texto ( esse era o caso, por exemplo, da coluna da atriz Fernanda Torres na revista VEJA).

A coluna  é o palanque do escritor. É também a vitrine onde ele expõe suas crônicas. A rigor, nem todo texto de uma coluna é uma crônica, mas é grande a intimidade entre uma coisa e a outra. Assim, o termo "colunista" e "cronista" estão quase sempre associados; afinal, antes da internet, os cronistas só escreviam em alguma coluna de jornal ou revista, e as melhores crônicas eram posteriormente publicadas em livros.

Os Escritores e as suas Crônicas

É importante conhecer os grandes cronistas, e, pelo menos no início, imitar suas virtudes e técnicas literárias. Por isso aqui vão algumas referências essenciais.

Indico especialmente três autores. O primeiro ainda vivo, o segundo muito contemporâneo (falecido ano passado) e o terceiro apenas contemporâneo (falecido nos anos noventa). Todos eles são divertidos, engraçados, polêmicos e apresentam vozes literárias mais próximas ao português do leitor moderno, o que os torna autores mais acessíveis aos iniciantes. São eles:

Diogo Mainardi.

Odiado por muitos devido à suas opiniões políticas reacionárias, Mainardi tornou-se famoso pelo estilo - satírico e mordaz - de suas crônicas publicadas na revista VEJA. Era o tempo do primeiro governo Lula e enquanto grande parte dos intelectuais estavam animados por terem um presidente de esquerda no poder, Diogo Mainardi via em Lula pouco mais do que um bebum semianalfabeto, e descia o sarrafo nele, em seus ministros, secretários e intelectuais. Muitas das crônicas dele dessa época são verdadeiras pérolas; causando grande impressão, raiva e alguns sorrisos. Uma boa coletânea, com crônicas selecionadas pelo próprio autor, você encontra no livro "À Tapas e Pontapés" (leia online pelo Scribd, baixando o aplicativo, ou compre pela Estante Virtual ou pelo aplicativo da Shopee). Ainda hoje circulam na internet alguns trechos de crônicas dessa época. 

Arnaldo Jabor

Figurão da cultura nacional, Jabor participou do Cinema Novo, ajudando a fazer história num período de grande efervescência da cultura brasileira. Como colunista, antes de se focar no mundo político, entreteve e ilustrou milhares de leitores durante décadas. Chegou a ser publicado semanalmente em 23 jornais. Com razão, pois esbanjava crônicas culturais engraçadas, inteligentes e enriquecidas com referências à dramaturgia, cinema, pintura, música, quadrinhos, literatura e história. Há em sua prosa o olhar desiludido de um ex-militante comunista, mas também a confissão cínica de quem viveu nossa história; e, para não enlouquecer, fez tragicomédia com nossos personagens e enredos quotidianos. Certo ou errado, sempre culto e opinativo, era uma mente instigante. O livro dele que eu indico é o "Sanduíches de Realidade e outros escritos" (sem e-book disponível, mas o livro está à venda na Estante Virtual e também  na Shopee, e com frete grátis se comprado pelo aplicativo).

Paulo Francis

É provável que nem Diogo Mainardi e nem Arnaldo Jabor fossem possíveis  como cronistas se antes deles não tivesse existido Paulo Francis. Isso porque Francis foi um dos maiores e mais influentes jornalistas brasileiros. Sua coluna na Folha de São Paulo, nos anos oitenta, era a mais lida do país. Francis vinha de uma família de classe alta - os Heilborn, de origem germânica - e, por meio da biblioteca da família, teve uma sólida formação literária e intelectual através dos clássicos europeus. Em cultura, era um elitista. Apesar disso, detestava o português empolado e, segundo ele, escrevia em "Português de gente"; quer dizer: um português mais próximo da linguagem falada de sua época. Era um homem muito sincero, que não escondia o que pensava. Naturalmente, incomodou muita gente de esquerda e de direita. Indico para leitura as crônicas contidas em seu livro "Diário da Corte" (baixe o e-book aqui)

Curioso é que os três autores indicados acima são de direita² e possuem um traço muito característico do intelectual brasileiro: são viciados em política.

Referências Digitais

O Portal da Crônica Brasileira, mantido pelo Instituto Moreira Salles, faz um bom trabalho resgatando e disponibilizando crônicas de autores consagrados.

O site Conto brasileiro, apesar do nome, inclui também várias crônicas de grandes escritores.

O site Digestivo Cultural é  um dos melhores e mais longevos sites brasileiros sobre Cultura e Literatura. Vários escritores possuem colunas nele, e alguns cronistas famosos já passaram por lá - como Millôr Fernandes, Paulo Polzonoff, Yuri Vieira e Alexandre Soares Silva (os textos continuam lá, acessíveis).

Grandes jornais

É possível acessar as colunas dos cronistas dos maiores jornais do país (Folha, Globo, Estadão, etc. ) usando um burlador de paywall³. Recomendo este aqui. Para burlar o bloqueio é só copiar o link do texto bloqueado e colá-lo no site que desbloqueia. No site do link você pode escolher se quer ler o artigo em pdf ou em página web usual (http).

Por fim, para que se tenha uma noção vívida do poder expressivo da crônica, eu sugiro a leitura das seguintes:





- Caça-níqueis (nesse caso, se trata de ouvir, já que é uma crônica de Nelson Rodrigues lida magistralmente pelo mestre em teatro Rodrigo Mallet).


 
                                                              ***

Notas:


1- O que significa que ela raramente passa de 18 parágrafos, sendo que a crônica média fica entre 8 e 14 parágrafos.

2- Como eu não me considero uma pessoa "de direita", o fato de eu ler e gostar desses autores talvez requeira uma explicação. O que posso dizer? Apenas a verdade. E a verdade é que o único motivo pelo qual leio e indico esses autores é porque eles são, de fato, bons cronistas. Isto é: escrevem bem e conseguem ser honestos em relação às suas opiniões, mesmo quando elas parecem meros preconceitos (ou mesmo quando são). Eles escrevem com humor as vezes maligno, autoironia e uma sinceridade - uma verdade pessoal - que é muito difícil encontrar nas opiniões dos esquerdistas modernos. O esquerdista moderno é hipersensível a tudo que soe preconceituoso. Ele morre de medo do julgamento de seus colegas militantes, e estes, por sua vez, estão sempre a buscar preconceitos nos outros. O resultado é que o cronista de esquerda, muitas vezes, acaba modulando as próprias opiniões para que sejam politicamente corretas ao invés de autênticas.

O cronista de classe média, quando é de direita, se permite dizer ou sugerir ideias impopulares. Ele pode dizer ou sugerir que desdenha dos pobres, ou que os bairros pobres são feios, sujos, desorganizados e fedidos (muitos, de fato, são), e é aí onde está o interessante: ele dirá tudo isso se assim pensar, ou talvez porque queira provocar, e o fará se expressando de forma engraçada e irônica. Já o cronista de classe média, quando é ligado à esquerda moderna, jamais pode dizer uma coisa dessas, mesmo que esse pensamento lhe venha à cabeça todas as vezes em que sobe numa favela para participar de ações sociais. O esquerdista impõe a si mesmo a regra de não se permitir pensar algo assim, porque lhe ensinaram que é "errado, incorreto e preconceituoso" atribuir características negativas aos pobres. Assim, se tais características existem, o esquerdista não pode mencioná-las.

O resultado é uma vantagem literária para os cronistas da direita, que ganham maior liberdade de ideias, uma liberdade expressiva maior, mais autenticidade e menos neuroticismo. O efeito natural é que sejam mais polêmicos também. É claro que isso não é uma Lei, no sentido de que é sempre assim; trata-se apenas de uma tendência. Vale notar que essa neurose anti preconceito dos esquerdistas modernos não se aplica a esquerdistas das antigas, como Lima Barreto ou Luís Fernando Veríssimo.

Seja como for, e seja qual ideologia for, a posição política de um autor é a menor coisa com a qual o leitor deveria se preocupar. O que importa é conhecer o estilo, reconhecer o talento, apreciar e aprender com o autor. A Literatura deve estar acima de nossas preferências políticas. 

3 - Paywall, para quem não sabe, é o bloqueio que jornais e revistas fazem em alguns dos seus artigos. Teoricamente serve pra forçar os leitores a pagar uma assinatura, e, de fato, a maioria paga. Porém, alguns anarquistas, terroristas, cybercriminosos e pobretões como este autor procuram métodos escusos de leitura como usar sites que desbloqueiam paywalls ou extensões que desabilitam o JavaScript da página do jornal.


                                                                 ***

Caso você tenha gostado e aprendido com o texto acima, sugiro que leia esta importante recomendação.

07/12/22

Quais são os efeitos negativos da leitura de livros?



Todo mundo sabe que a prática da leitura pode ser muito positiva e enriquecedora, mas e quanto a seus aspectos negativos? Existem? Quais são? Vejamos os possíveis efeitos negativos da leitura e como lidar com eles.

1. Quebra de expectativa. As pessoas dos livros raramente são como as pessoas da vida real. E as mulheres dos livros então, nem se fala. Isso, claro, pode mudar se você lê obras de brasileiros como Rubem Fonseca ou se ler autores trágico-realistas. Mas, no geral, há uma grande distância entre a mediocridade das pessoas que conhecemos na vida cotidiana e daqueles personagens notáveis dos livros. Depois de ler muito, invariavelmente, você vai achar a maioria das pessoas chatas e desinteressantes.

2. Produção de Pensamento Acrítico. Se o livro é de um autor muito assertivo, pouco autocrítico e cheio de verdades, você pode acabar ficando muito convencido de coisas questionáveis e para as quais o conhecimento humano atual não é capaz de fornecer uma resposta definitiva. Sabe aqueles religiosos que SÓ LEEM livros sobre religião e só sabem falar o que a Bíblia diz sobre a Bíblia, num loop autoreferencial diabólico? Pois é. Não queira ser um deles. E o mesmo acontece pra ateus militantes como Dawkins e Sam Harris, que tentam usar a Ciência para provar o que ela não é capaz de provar.

3. Desorientação. Alguns livros podem te deixar com mais dúvidas do que respostas, especialmente os livros de Filosofia. E isso pode realmente te deixar desorientado por um tempo (especialmente se você se focar apenas em autores com sistemas destrutivos, como Nietzsche, Foucault e o bizarro Zizek). Um exemplo notável é que a maioria das pessoas que tem algum interesse básico em Filosofia são facilmente atraídas pela falácia do Relativismo .

4. Ser enganado. Intelectuais mentem que é uma beleza. E sempre usam joguinhos linguísticos, retóricos e erísticos para convencer o leitor. Você ficaria terrivelmente chocado se fizesse uma checagem de fontes de cada livro que lê. O Noam Chomsky, por exemplo, considerado um dos maiores intelectuais do século XX, foi pego várias vezes (250 - pra ser preciso ) com a boca na botija.

E então, como enfrentar esses problemas? Bom, algumas dicas podem ajudar;

Para evitar 1) Leia livros sobre a realidade e não apenas ficção.

Para evitar 2) Leia livros sobre pontos de vista DIFERENTES sobre o mesmo assunto e veja debates de intelectuais e filósofos, não de youtubers. Isso vai te ajudar a a entender como o outro lado pensa. Mesmo que você discorde de uma ou outra premissa da pessoa, é mais fácil respeitá-la quando você entende o pensamento dela. Eu, por exemplo, leio tanto sobre Religião quanto sobre Ciência, e amo as duas áreas.

Para evitar 3) Leia livros de orientação pessoal e emocional, mesmo que pareçam auto-ajuda. Leia biografias de pessoas admiráveis e vai ver como elas lidavam com as coisas para ter sucesso. Quando a abstração torna um problema muito difícil, a prática costuma ensinar como esse problema pode ser resolvido. E quando na prática um problema parece ser simples, a abstração pode mostrar como ele é complexo.

Para evitar 4) Nunca acredite 100% no que você lê, ESPECIALMENTE SE HOUVER POLÍTICA ENVOLVIDA. Entenda - lembre-se sempre disso- que um autor SEMPRE fala mentiras e verdades. Ninguém sabe tudo. Por isso, vai ser preciso peneirar e separar o joio do trigo. E sempre que gostar demais e se sentir “crente” em um autor, trate de ler a críticas à obra e ao pensamento dele.

Pronto, seguir essas dicas vai te ajudar a ser um leitor mais maduro. Você tem sorte, eu tive que aprender na marra. Queria que alguém tivesse me dito antes.

Foto: Chomsky mentindo para uma plateia de universitários inocentes.



 ***


Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

28/09/22

Como conviver num ambiente em que meus familiares adoram o sentimentalismo do sertanejo e anseiam a próxima edição do BBB?

 

Já assistiu Malcolm in The Middle? Malcolm é uma criança gênio vivendo numa família grande e desfuncional. Cercado por imbecis que não o compreendem, ele se esforça para tentar se "normalizar."


                                                                     ***

Cá no Brasil, muita gente com inclinação filosófica, intelectual e literária acaba ficando decepcionada com a mediocridade da cultura popular nacional, que vai ficando cada vez mais idiota, cada vez mais torpe, alienante e degenerada.

Essas pessoas, muitas vezes, se ressentem ou sentem dificuldades em lidar com um povo que em tudo se quer superficial e alienado, e que, por isso mesmo, é ludibriado pela imprensa, explorado pelos bancos, pelos empresários, pelos políticos, e feito de otário por charlatães pseudo religiosos e golpistas que se aproveitam das aparências.

Mesmo assim, longe de procurar tomar consciência de sua condição, procurando meios para melhorar, esse povo ostenta a ignorância quase como o maior dos valores ,olhando com desprezo e estranhamento aquelas criaturas que apreciam livros e coisas esquisitas como música erudita, silêncio ou, coisa absurda!, solidão.

Cada um se orgulha de ser exatamente como todos os outros. E esse tal povo é, ao mesmo tempo, um dos mais violentos do mundo, um dos mais promíscuos, um dos mais mal-educados e um dos mais explorados; pagando as maiores taxas de juros do mundo e vivendo no país mais desigual do universo.

Mas, como são todos muito inteligentes e cordiais, a maioria não conhece os dados estatísticos básicos do próprio país; e, não os conhecendo, não podem conhecer a realidade onde vivem; e não conhecendo a realidade de onde vivem, nada podem compreender dela. Finalmente, nada compreendendo, nada podem mudar.

Nada mudando, tudo permanece o mesmo.

Sendo assim, o que aqueles que anseiam por algo mais elevado devem fazer na convivência com essa gente?

Nada. Absolutamente nada.

Se destacar é perigoso, pois gera ressentimento. A coisa mais insuportável ao medíocre é ter jogada na cara a sua mediocridade. Se alguém é melhor que ele, ou deseja algo melhor que ele, torna-se logo um inimigo.

A realidade está ai e é preciso, para a maturidade, aceitá-la. Resignar-se é preciso. Se, por um lado, a mediocridade impossibilita o desenvolvimento da inteligência, por outro garante uma certa estabilidade psicológica, um descompromisso com os problemas do mundo e uma vida bem menos angustiosa. Há muitas vantagens na mediocridade, no não-pensar, no ir com os outros. Quem pensa menos é mais feliz.

Entenda que nem todo mundo é como você, com a sua curiosidade e vocação pensante, e que nem todo mundo deveria ser. Se as pessoas amadas preferem se atulhar de conteúdo parvo, embrutecedor do espírito e da inteligência, a escolha é delas. Elas, portanto, que arquem com as consequências disso, assim como nós deveremos arcar com as angústias e conflitos morais de uma vida de estudos e de elevada atividade cultural.

Que podemos fazer de bom pelos que amamos? Instigar, instruir. Falar, vez ou outra, sobre uma coisa importante que valha a pena saber. Presentear com um bom livro ou um bom filme. Ensinar alguma coisa útil. Mas tudo isso é pouco, porque o compromisso com o esclarecimento é uma postura majoritariamente individual. E se a pessoa realmente não quiser, não haverá estímulo que a impulsione.

A família é alienada e problemática? Saia de casa, vá morar só, faça sua vida. Ajude os seus como e quando puder. Ninguém precisa morar junto para amar. Aliás, a minha experiência na vida me fez entender que a proximidade física só atrapalha o amor.

É impossível amar quem nos é próximo.

Mas, para não ser negativo demais, aqui vai uma dica positiva: procure alguém mais novo na família e invista nessa pessoa. As crianças são mais curiosas e mais receptivas ao conhecimento que os adultos.

Presenteie as crianças da sua família com bons livros, bons quadrinhos, boas músicas, boas referências e bons filmes. Envolva-as em boa cultura. Salve-as de Anitta, de BBB e de Wesley Safadão.

                                                             

                                                                        ***


Nota do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no Quora.

10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


                                                 ***

Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora

30/06/22

O Que Jovens Com Ambição Política Deveriam Saber

 

Frank Underwood (House of Cards)
Certa vez, ouvi uma amiga declarar-se apolítica. Aparentemente, ela não compreendia a sutil dimensão política que nos cerca. Ou, talvez, pior: compreendia, mas preferia ignorar. Na época, achei sintoma de terrível alienação. Posteriormente, conheci pessoas que, diferente de minha amiga, alegavam que “tudo” é política, outra forma terrível de alienação.

No primeiro caso, o problema é óbvio: quem não se interessa por política está fadado a ser regido por quem se interessa. No segundo caso, o preciosismo semântico faz-me pensar que “tudo” abrange coisa demais. Vejam bem: eu até admito que possa haver alguma dimensão política em coisas como o aroma das flatulências, a quantidade de vezes que uma criatura humana lava as mãos durante o dia, ou, até mesmo, o caminhar das lagostas; afinal, verdade é que alguma autoridade idiota pode, arbitrariamente, legislar sobre tais fenômenos. Mas deveria ser óbvio que nenhum desses tópicos, por si só, constitui matéria de relevância política (ao menos enquanto não ensejam conflitos capazes de prejudicar significativamente a estrutura social).

07/06/22

Como Estudar Qualquer Teoria Sem Virar Papagaio de Teórico

Ninguém aguenta papagaio intelectual

Não costumo ensinar isso as pessoas, mas uma dica intelectual importante é a seguinte: sempre comece a estudar uma teoria pelos críticos mais ferozes dela. Depois de você praticamente acreditar que tudo na teoria é balela, volte do zero e comece a ler a teoria pelos autores adeptos dela.

Com esse macete você fica prevenido de acreditar por completo na primeira teoria totalizante e interessante que te cruzar o caminho.

Em suma: leia Marx pela ótica de Proudhon, Proudhon pela ótica de Marx, leia a vida de Cristo pela ótica de um humanista como Ernest Renan e leia sobre o iluminismo pela ótica do contra-iluminismo.

Isso vai elevar significativamente sua habilidade e fluidez intelectual.

O único problema é que tem dois efeitos colaterais:

1) Te deixa cético.
2) Te deixa louco.

 


 *Acréscimo*.

O confrade Clark Aban, no Zuckbook, questionou-me:

"Porque te deixa louco?"

Eis a explicação resumida:

Basicamente, porque a pessoa desenvolve a habilidade de compreender e aceitar paradoxos. Como exemplo eu poderia citar um texto do Leszek Kolakowsky em que ele ensina "como ser um conservador, liberal e socialista".

Quando você começa a pensar que Deus pode existir e não existir, que o cristianismo é verdadeiro e falso, que a liberdade humana existe e não existe, que magia funciona e não funciona, ou, ainda, que você pode ser um conservador-liberal-socialista, então, para todos os fins, você já é um doidinho.

02/03/22

Dica Herética Para Se Aproximar de Deus



Se não me engano, era Rasputin quem dizia que a melhor forma de se aproximar de Deus era pecando.

Eu sei que parece contra senso, mas tem lógica nisso aí.

Deixe-me explicar:

Acontece que, no Cristianismo, a via de acesso à misericórdia de Cristo é o arrependimento. O arrependimento, contudo, é um estado mental e emocional que só pode ser alcançado por um pecador.

Quanto mais pecarmos, mais nos arrependeremos, quanto mais arrependidos, mais próximos da misericórdia e da graça de Cristo estaremos.

Logo, meu conselho é: pequem bastante.

09/02/22

Argumentos são discutíveis, opiniões não...



Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verdade, me constrangem um bocado; pois, vindas de pessoas inteligentes, só fazem reiterar minhas suspeitas quanto a eficácia da (des)educação tupiniquim.

 Falo da liberdade que as pessoas se dão para, com insistência, defenderem ideias a respeito de assuntos sobre os quais estão completamente desinformadas ou, na maioria dos casos, possuem apenas informações aleatórias, jornalísticas, toscas, oriundas do senso comum e de páginas de curiosidades da internet.

Tal fenômeno pode ser constatado em conversas corriqueiras sobre qualquer assunto. Se considerarmos tais opiniões quando inseridas em conversas informais e descompromissadas, não há do que se queixar. O problema é que as gentes costumam confundir conversa com debate e opinião com argumento. Erro muito comum, mas também muito danoso. O que chamamos de opinião, por si só, é incapaz de sustentar um debate saudável.

O termo “debate” se refere a um tipo específico de interação onde duas ou mais pessoas travam julgamentos diversos a cerca de um assunto, usando, para a avaliação desses juízos, um ou mais critérios — lógica, conhecimento técnico, conhecimento científico, argumentação crítica, conhecimento filosófico, uma mistura de saberes ou qualquer outra área do conhecimento — sempre de forma lógica, racionalizada, analítica e argumentativa.

Em outras palavras, é preciso ter uma quantidade mínima de informações e argumentos para defender uma ideia num debate.

Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.

Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.

É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.

É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.

A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.

Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.

Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.

Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos. 

O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.

Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.

De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.