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01/07/24

Lembranças de Uma Utopia Virtual


Samuel Fernando polemizando
                                             

Há alguns anos eu tive um perfil excluído pela moderação do Facebook. O feice diz oferecer ao usuário um espaço de discurso, mas seu verdadeiro objetivo  é monitorar as ações dos usuários para criar perfis de consumo precisos; e, com isso, otimizar algoritmos de escolha de anúncios personalizados. Todos sabem disso, e eu sabia na época, mas quis jogar o jogo perigoso da liberdade de expressão, testar os limites, até porque, ingênuo, eu não esperava o pior. Deu no que deu, e me arrependo, pois havia conversas interessantes no perfil. 

Uma delas foi com o professor Adonai Santana, que é um importante físico teórico do país, e discípulo de Newton da Costa, um dos nossos maiores filósofos da ciência. Na conversa perdida, o ilustre professor (que durante a Pândemia escreveu um esclarecedor guia de Matemática) disse que o meu perfil era um dos mais divertidos, e que comentara a meu respeito com sua esposa.

John Ramalho: um caso psiquiátrico.

                     

Outro que disse coisa semelhante foi o meu mestre e amigo Paulo Cesar Santos. Programador, físico, músico e professor de Ciência Política da UFF, nas palavras dele o meu (antigo) perfil faria muito sucesso se o público geral fosse mais inteligente (disse isso ou algo parecido com isso). Era, de fato, um perfil bastante irreverente. Meio tresloucado, as vezes de um humor pitoresco, geralmente maligno, anti-humanista, misantrópico, apaixonadamente anti-sionista, muito politicamente incorreto e as vezes de uma paranoia quase delirante, palatável apenas às mais altas mentes. Prova disso é que até mesmo a Natália Sulman, essa modesta musa maior do olavismo, chegou a curtir e comentar uma minha humilde publicação.

Mas o arauto maior, o grande entusiasta das Más Letras Ramalhescas, aquele que me conduziu ao Olimpo dos Intelectuais e Musas Letradas do Facebook, foi, certamente, o indefectível Samuel Fernando. Biólogo, neurocientista e polímata paulista que, por algum período, engajou-se no mais elevado ativismo cultural que a comunidade letrada da internet tupiniquim já testemunhou. 

O perfil do Samuel Fernando – “Samuca” para os íntimos – era a Meca dos Pedantes. Todo mundo que achava que sabia muito (ou que desejava saber muito) acabava chegando lá, e, entre o deslumbramento e a inveja, descobria que o Samuel sabia mais; muito, muito mais

No que ele postava, e sobre o que ele postava, comentavam físicos, matemáticos, filósofos, biólogos, autistas com hiperfoco em ciências, altos QIs, professores, psiquiatras, psicólogos, neuropesquisadores, literatos, marxistas, olavetes, engenheiros, programadores; gente de todo o Brasil e de fora dele também. Era uma verdadeira utopia de gente articulada, que falava coisas com sentido e com algum (ou muito) conhecimento. E o Samuel, para o meu espanto e prazer, compartilhava, vez ou outra, algumas das minhas postagens. Logo pessoas começaram a me adicionar. Mulheres, inclusive. Era bom. Foi legal. Mas acabou. E acabou mal: com meu perfil excluído.


Diagnóstico rápido: "ele é doido".
       

Lembro carinhosamente desse período, não apenas por minha pequena popularidade de subcelebridade letrada de alto nicho, mas principalmente pelos amigos que fiz, as pessoas legais, divertidas e inteligentes que conheci. 

Gente como o querido Mateus Marcuzzo, engenheiro de software brasiliense e leitor filosófico com um coração nobre e ético, alguém cuja sensibilidade humanista exerce sobre mim um inegável efeito positivo. A Maria Cristina Batoni Abdalla Ribeiro, uma das maiores físicas do país - amiga de figurões como Marcelo Gleiser. Maria tornou-se uma amiga querida, uma fonte de inspiração e de bons conselhos. Cheguei a me encontrar com ela na UnB. 

Também o brilhante Stanis Lucksys, um expert em Linux que chegou a desenvolver seu próprio sistema operacional. Autodidata no que quisesse, Stan era também filósofo, músico, intelectual e um talentoso cronista. Amigo querido e cuja identificação foi grande e mútua. Stan cunhou para o nosso grupo de amigos a divertida alcunha de "Os Irresistíveis"

Enriquecia-nos a presença da Isa Murphy, apelidada “Lady Murphy”, uma goiana bela e cativante, melancolicamente solitária, falava francês, apreciava HQs, o gosto musical excelente, alma compatível, flertamos, claro. 



Havia também o sempre ponderado, lúcido, filosófico e divertido Marcus Vinícius. Psicólogo erudito, Marcus vive a combater os excessos e equívocos do identitarismo progressista. Por sua prosa bela, sóbria e profunda, considero-o um dos melhores escritores e comentaristas culturais do país. Tinha o Pedro Luiz Borba, de grande pendor argumentativo e estimulante inteligência, com quem travei alguns respeitáveis debates.

E a Carol Sorokin, que namorava o Stanis, mas que eu sonhava em ter para mim, porque era brilhante, linda e amiga. Também a queridíssima Paloma Rangel, de quem eu já falei numa carinhosa crônica e de quem pretendo falar ainda mais em outras. E não posso esquecer da doutora Ana, uma médica autista fascinante, com ouvido absoluto, inteligentíssima, a quem eu gostava de confundir com contradições, ironias e afetações de insanidade. Ela, a bela doutora de olhos hipnotizantes, fazendo o corolário de nossa divertida interação, proferiu a que talvez seja a melhor descrição que já fizeram deste blogueiro. Além desses amigos, havia outros cujo contato era menos frequente, mas de inegável enriquecimento mútuo. 

                                 Richard Nixon sorri no inferno..

Compartilho aqui as palavras da doutora Ana, pois até hoje me deliciam e divertem. Disse ela uma frase que, por seu poder de síntese, deverá constar nos comentários dos meus críticos futuros: “John Ramalho é para mentes privilegiadas”.


***

Abaixo, publico um inesquecível presente da Carol Sorokin. Gaúcha e psicóloga formada pela USP, a Carol era também enxadrista, poliglota, musicista e escritora. Sua aparência era tão sublime que ela evitava as fotos. De fato, Carol era praticamente uma sósia da Natalie Portman

Lembro dela mais pelas ótimas conversas madrugada afora, pela mente afiada e pela foto peculiar do perfil, que mostrava apenas dois pezinhos envoltos em meias de lã vermelha. Mas incluo aqui o fato da sua beleza, que era notável, e que ninguém poderia negar, ou esquecer. Nunca falei disso com ela, nem sequer um elogio, e conto a vocês apenas porque é verdade e ajuda a dimensionar as muitas qualidades dessa moça impressionante. Quando ela cismou de homenagear as pessoas que lhe eram queridas, fui um dos contemplados, e ganhei dela um tocante discurso: 

                                

O Homem Que Ri


Que as pessoas são todas diferentes todos dizem! Todos parecem ter decorado isto como se fosse a tabuada do um, mas na prática pouca gente compreende o significado dessa afirmação. Que existem problemas cuja a solução está fora do nosso alcance, seja na vida pessoal, ou em termos científicos, isso já é algo que nem todos sabem.

Ele sabe tudo isto! Ele manja de todas as coisas que não importam para quase ninguém, mas que na verdade são as coisas que mais importam para quem não é ninguém, é muito alguém!

E eu converso com ele e vivo elogiando terceiros e ele talvez não saiba que também falo dele pelas costas. Todas as suas qualidades! Mas só depois de minuciar cada mísero defeito, claro...

O que faz ele especial é que não é vaidoso, soberbo nem invejoso, é um romancista, filosofista, cronista, psicologista e até letrista, em crise com seu próprio lado romântico, que ele desesperadamente tenta esconder e não consegue. Mas nem todos percebem, só nós, os outros românticos. Pois ele é um personagem de um livro do Victor Hugo com ideias do século XXIII.

Assim, ele é bem humorado e carinhoso com as palavras. Com as palavras! Não necessariamente com quem ele as dirige. Tem um ar sedutor, dispendido para com as meninas inocentes em fóruns de literatura e filosofia, e é do tipo que escreve cartas e não envia. Depois, ainda reescreve para não reenviar!

Tem um carisma incomparável e não há quem não fique bravo com tamanhas bobagens inteligentes que ele fala. O carisma dele consiste em ser belo e imagético, mas só até certo ponto e até certa hora, depois ele muda de ideia em 180 graus e, num segundo, já é pela sua voz de locutor de radionovela da extinta Tupi.

E isto tudo é só um tiquinho, pois eu não conheço ele tão bem quanto eu gostaria, mas é uma brincadera com muito fundo de verdade, porque ele é, e todos sabem disso, uma pessoa excepcional, no melhor sentido. Em nada eu menti e espero sempre conhecer mais dele.

E como eu estou escrevendo essa série e disse que ia incluir algumas pessoas, hoje é o meu homenageado. De coração!

John, meu querido, é uma felicidade saber que a internet e as pessoas em comum que temos afinidades proporcionaram que eu pudesse lhe conhecer. Você é um amigo, quero que você considere-se assim, como se nos conhecêssemos há tempos e vidas. Você é especial, tem uma mente e um coração especial que trabalham em plena sintonia entre si e com os outros.

John Ramalho é mais ou menos isto tudo, mais mais do que menos.


***

E eu respondi:

 

Sempre me perguntei se, numa amizade, é possível fugir à pieguice. Sempre concluí, indignado, que não. A coisa é inevitável: quando temos amigos, em algum momento seremos obrigados a demonstrar afeto. Pois não tendo ânimo para pieguices e demonstrações de afeto, decidi, por bem, não ter amigos. E assim matei dois coelhos numa cajadada só. Ou, ao menos, tentei.


Curiosamente, como em tudo o mais na vida, também nisso eu fracassei. Não só não consegui não ter amigos, como também não consegui não me afeiçoar a eles.


Coitados. Pobres coitados dos meus amigos. Coitados, porque meu amor é como um vírus sorrateiro: intoxica e faz adoecer. Por isso sempre aviso: não ande com o John, não converse com o John, não dê ideia para o John. O John é perigoso. Ele pode te fazer pensar. Ele pode te fazer duvidar. Ele pode te ferir, te fazer desistir ou te fazer tentar. E pior de tudo, ele pode te fazer acreditar. E nunca, nunquinha, jamais, você irá entender o John, porque ele é tão etéreo quanto as ideias que professa e tão verdadeiro quanto o éter que os físicos teorizaram no século XIX.

O John é como o átomo: é divisível e formado mais por vazio que por matéria. Ele é um nada que existe. John Ramalho é alguma coisa como um fantasma. Sua mãe sempre lhe disse que, em decorrência de dificuldades pulmonares que teve após o nascimento, ele "nasceu sem respirar" e, portanto, "nasceu praticamente morto".

Como vocês sabem, não é todo mundo que nasce praticamente morto. A maioria, segundo consta, nasce praticamente vivo. John Ramalho, portanto, é uma raridade. É um zumbi. Nasceu praticamente morto e viveu ainda mais morto. Sobre o Fernando Sabino dizem que nasceu homem e morreu menino. Sobre o John Ramalho dirão que nasceu morrendo e viveu a morte.

Seja como for, apesar dos avisos, há sempre algum tolo, ou tola, que não escuta. E lá vai, desprevenido ou desprevenida, fazer o pacto com o Fantasma, com o Zumbi, com a Besta. E acaba descobrindo que o Diabo, apesar de feio, é menos feio do que parece.

Há gente nesse mundo que tem o coração tão grande e tão generoso que consegue apaziguar mesmo aqueles que estão destinados ao inferno.

Você é uma dessas pessoas, Carol Sorokin.

Agradeço a amizade, a paciência, a boa prosa e as palavras, tão belas e divertidas, e que foram muito mais gentis do que a verdade. Não que tenhas feito mal, afinal, pelos amigos, sempre vale a pena mentir.

A Isa se foi e me deixou cá no peito um vazio. Um sentimento de trouxa. Mas quer saber? A Isa era legal, mas ela que se foda. Se ela era legal, você é muito mais.

 

        ***

 

Apesar da boa amizade e do afeto verdadeiro entre nós, pouco tempo depois de escrever isso, Carol desapareceu da minha vida. Sei bem porquê, e não posso dizer que não havia motivo, já que não foi só comigo. Mas ainda não sei se perdoo. Talvez a homenagem fosse a sua forma de despedida...

Fato astrológico curioso é que Carol fazia aniversário apenas um dia antes de mim. Era virginiana. Na verdade: eram; tanto ela quanto a Isa. Mas para a Lady Murphy eu nunca perguntei o dia do aniversário. Ao descobrir que a Isa era virginiana eu soube imediatamente da atração fatal que nos acometeria. Caso descobrisse que ela fazia aniversário no mesmo dia que eu, tal coisa teria um efeito profundo em minha mente, gerando uma ansiedade mística que eu preferia evitar.

Antes do sumiço da Carol, eu e Isa nos afastamos, não por brigas ou rancores, mas por contingências da vida que se colocaram entre nós. Ou, talvez, por conta da minha covardia afetiva; a constante fuga de tudo o que pode me levar a uma grande paixão.

Não foram elas as primeiras moças virginianas de quem eu fui próximo, nem serão as últimas. Na verdade essa tem sido uma ocorrência tão peculiar e recorrente em minha vida que mudou minhas antigas ideias sobre a Astrologia (coisa sobre a qual devo escrever noutra ocasião).

 

***


Além de mim, e dos amigos já citados, há outra testemunha. O amigo Maycon Antônio, um jovem universitário com boa ambição intelectual, estudante da UFPR e leitor deste blog. Maycon frequentava o meu perfil e lá interagiu com essas pessoas, presenciando muitos dos debates e episódios divertidos. 

Registro tudo isso, pois aconteceu; e é bom que saibam que aconteceu. Resta a consciência de que, usando adequadamente a internet, esses encontros de pessoas afins, e de boas confrarias, acontecem. São as nossas pequenas utopias virtuais. Encontros que seriam muito difíceis de acontecer na realidade, mas são possíveis na web. 

Deixo, enfim, calorosos abraços aos meus amigos (e beijos e abraços às amigas). Que esta webcrônica sirva como testemunho do meu afeto aos que ficaram e aos que sumiram, onde quer que estejam. Por mim jamais serão esquecidos. 


05/07/23

O que aprendi jogando xadrez

 

[O desafio de xadrez mortal, em Harry Potter e a Pedra Filosofal*. A vez em que o Ron Weasley salvou todo mundo, mostrando que era mais esperto e nobre do que todos suspeitavam.]


Contarei a vocês sobre como o xadrez me fez aprender ao menos duas lições essenciais, que me forneceram maturidade para a vida inteira:

  1. Meus limites intelectuais
  2. A existência de gênios (e que eu não sou um deles)
  • Sobre Limites e Tipos Cognitivos

Como todo mundo do nosso tempo, eu fui educado para pensar que "todo mundo é igual" e que "todo mundo" possui os mesmos potenciais, inteligências e habilidades. Em outras palavras; fui infantilizado por A.O.E.C's (Agentes Oficiais do Emburrecimento Coletivo, vulgo "professores") para ignorar Verdades Fundamentais da Biologia, como a variação das habilidades entre os indivíduos e a desigualdade na distribuição dos dons, níveis e tipos de inteligência.

Isso me fez acreditar, de forma absolutamente inocente e tola, que eu poderia virar um Einstein ou um Kasparov, pois era apenas uma questão de treino e esforço.

Foi jogando xadrez que eu aprendi que os A.O.E.C'S haviam me enganado.

O que aconteceu? Já conto. Mas antes, como fazem os sábios, já aviso: Senta que lá vem história!

  • A Formação Enxadrística

Aprendi xadrez, junto ao meu irmão, aos doze anos. Aos dezesseis, cansados de jogar apenas entre nós, eu e o mano decidimos procurar outros enxadristas locais. Então descobrimos, no Orkut, que havia uma comunidade de xadrez na cidade. Rapidamente entramos em contato com os sujeitos e, previsivelmente, nos tornamos amigos e rivais.

Logo montamos um grupo. E todo final de semana, religiosamente, estavámos na praça, disputando nossos torneios, treinando novas aberturas, novas estratégias e trazendo novos desafiantes ao grupo. Tendo também muitas conversas inelectualmente estimulantes, misturadas com todo tipo de zoeira, trollagem juvenil e conversas sobre mulheres.

Em casa, jogava contra meu irmão (que quase sempre ganhava). Nossas disputas pessoais (quando não eram resolvidas no tapa) eram resolvidas racionalmente com base no resultado das partidas. Também jogava com desafiantes e amigos na escola. Então, para mim, era uma atividade muito presente.

A consequência natural foi me interessar por campeonatos. Naquela altura, eu sabia que poderia sair do nível amador e me tornar um jogador razoável, e começava a cobiçar a possibilidade de me tornar um G.M (Grande Mestre) - um enxadrista respeitado em nível internacional (sim, eu era ambicioso!).


[Bobby Fisher, lenda do xadrez mundial, ao ser questionado se ele achava que era o melhor jogador do mundo, respondeu placidamente:"sim, eu sinceramente acho que sou o melhor jogador de xadrez vivo dos nossos tempos". Duas semanas depois da entrevita ele conquistou o título de campeão mundial.]

Você acha que todo mundo pode ser tão bom no xadrez quanto ele? Que é só treinar? Então porque outros jogadores treinaram tanto quanto, mas não conseguiram os mesmos resultados?


  • Meu Primeiro Campeonato

No campeonato da minha cidade, achei que ficaria em primeiro lugar, então convidei o Ezequias, um amigo que era um pouco melhor, e que morava no município vizinho, para participar do torneio também. Os outros participantes, por melhor que fossem, eu sabia que poderia ganhar. O Ezequias estava "uns dois degraus" acima de mim. Embora já tivesse ganho dele, sabia que seria um desafio.

A final do torneio não deu outra: eu contra ele.

Numa jogada genial, eu tomei a dama. "Pronto, agora eu ganho!" foi o que pensei. E daí em diante, como me é típico, comecei a relaxar. Mas meu rival era entendido de tática e estratégia; e, muito orgulhoso, não iria desistir fácil. Ezequias pensou um bocado e conseguiu, numa jogada ainda mais brilhante, me dar um xeque-mate totalmente inesperado e imprevisível.

Fiquei em segundo lugar. Mas sabendo que poderia ter ganho, que tive uma vantagem e vacilei. Engoli a seco, mas o que eu poderia fazer? Ezequias era um bom jogador. Se eu quisesse ter ganho, deveria ter sido mais cuidadoso, mesmo com a vantagem. Foi um bom jogo, desafiador, instigante e justo. E ficar com o segundo lugar nem era tão mal assim.


[Henrique Mecking, o "mequinho", maior enxadrista brasileiro de todos os tempos. Esteve entre os top 10 do mundo. Depois de uma partida contra ele, que acabou em empate, Bobby Fisher - A LENDA - disse: "Eu achei que iria perder!"]

Você acha que é "todo mundo" que consegue dar um susto enxadrístico no Bobby Fisher?


  • Meu Segundo Campeonato

Meu município era pequeno e não tinha tradição alguma em atividades mentais. Então eu e minha gangue enxadrista migramos para o campeonato da cidade vizinha. Esse torneio já era um pouco mais significativo, e os resultados nele nos fariam ver o quão habilidosos nós realmente éramos, já que vários enxadristas de toda a região iriam participar.

No dia do campeonato, descobrimos que o vice campeão de xadrez do Rio de Janeiro estaria por lá. Incrível! Finalmente eu poderia ver um sujeito de nível elevado jogando.

Agora, preciso dizer a vocês que nesse torneio eu empatei com um jogador extremamente experiente, um senhor que era o professor de uma escolinha de xadrez da cidade. Foi empate por tempo. Segundo o professor, eu fiz apenas uma jogada errada. É claro que ele iria me ganhar e que tudo que eu estava fazendo era postergar o xeque-mate. Porém, considerando que se tratava de um amador, "de rua", contra um jogador experiente, um mestre local, posso dizer que postergar o jogo o suficiente para chegar a um empate por tempo foi um resultado bem interessante. Até hoje esse empate é o resultado do qual mais me orgulho, e guardo com carinho a notação da partida (depois tiro uma foto e posto aqui).

Já o Ezequias, que era o melhor de nós, foi jogar contra o "o vice-Rio". Entendam bem, caros leitores: o Ezequias, em nível amador, era um bom jogador. Tinha várias aberturas, saídas e movimentos, incusive de meios e finais, decorados e exercitados. Mesmo assim ele foi absolutamente massacrado pelo vice-Rio.

Eu nunca tinha visto ninguém normal prever tantos movimentos. E olha que já tinha jogado com ótimos jogadores, que tinham boa resposta para cada jogada minha. Era óbvio que aquele cara era fora do comum. Enquanto meu amigo Ezequias estava explodindo o cérebro e se matando de raciocinar, aquele cara, aquele maldito gênio, estava simplesmente brincando. As jogadas que nós considerávamos brilhantes eram nada menos do que cócegas para ele. Cócegas, amigos! Cócegas em pés de um gigante!

Eu havia acabado de empatar com um jogador já idoso e, embora altamente experiente, normal. Mas aquele cara, o vice-Rio, só a experiência e treino não explicava a habilidade dele; havia algo mais, algum tipo de habilidade inata, específica, para a coisa. O treino dele só reforçava e ampliava essa habilidade. E era uma habilidade que nem eu, nem meus amigos, nem o mestre local e nem nenhum dos outros jogadores ali tinha, simplesmente não era uma habilidade de raciocínio comum.

Então, talvez pela primeira vez na vida, eu pensei:

"Posso até estudar muito e ficar muito bom, mas nunca vou ser como esse cara. Nunca vou ter a facilidade, a velocidade de raciocínio e a memória absurda que ele tem. O filho da puta é um gênio!".

Exatamente o mesmo sentimento que o Vegeta teve nesse dia:

                                    


[Hindenburg Melão Júnior, superdotado brasileiro, enxadrista com recorde no Guiness por ter vencido a maior simultânea do mundo de xadrez às cegas. Ou seja: jogou contra vários enxadristas profissionais SEM OLHAR PARA O TABULEIRO. E ganhou.]

E você, o que me diz? É todo mundo que consegue isso? É só treinar? Ou é preciso algum tipo de habilidade computacional e mnemônica inata, além do treino?


  • As Lições

Depois, ao longo da vida, conheci pessoalmente alguns gênios, alguns superdotados, alguns "aspies" e algumas pessoas com alto QI. E tive sempre a mesma percepção, de que estava diante de um talento natural.

Aquele dia no campeonato foi apenas a primeira vez; e como tal, foi marcante e inesquecível. Desfez o emburrecimento que os AOEC'S haviam induzido em mim.

Nunca mais confiei em professores. Se alguém é incapaz de reconhecer um aspecto óbvio - elementar- da realidade, e o falsifica, então esse alguém não é cognitivamente confiável para mais nada, o que o torna totalmente inepto para o ensino. Até hoje, 90% dos professores que conheci eram desse tipo- o que me fez detestar a escola.

Mas não é bem culpa deles: é um fenômeno da modernidade/pós-modernidade negar a realidade em função de necessidades psicológicas e sociais. Assunto sobre o qual irei falar em outra resposta.

Se eu tivesse comprado essa balela de que "todo mundo é igual, com a mesma inteligência", eu estaria até hoje tentando, sem sucesso, ser um enxadrista tão bom quanto o Bob Fisher ou o Magnus Carlsen. Estaria infeliz e deprimido, sem saber aceitar minhas limitações e provavelmente nunca teria descoberto minhas habilidades naturais, que são outras.


[Samuel Reshevsky, com apenas oito anos, em 1920, derrotando mestres de xadrez na França.]

Você acha que toda criança é - ou pode ser - igual a esse guri?


Por outro lado, com o tempo, descobri que era muito mais habilidoso em escrever do que em jogar xadrez. E de fato, várias pessoas já me disseram que "tenho o dom". Não sei se é dom, mas realmente sinto que nasci para escrever, que é uma vocação, que tenho algum jeito para a coisa. E embora eu ainda tenha que melhorar MUITO para ser um bom escritor, posso dizer que escrever "é o meu negócio", como dizem os gringos.

Então, três coisas posso dizer para vocês: jamais confie 100% em seus professores, especialmente se algo na sua experiência pessoal - ou intuição- contradiz diretamente o que eles alegam. Segundo: saiba reconhecer quando alguém é superior a você em algo, e terceiro: busque sempre saber no que você é bom. Se fizer essas três coisas, você vai conseguir:

  • a) ir além dos seus professores- e saber quando eles estão te enganando, omitindo fontes e fatos ou apenas propagando inverdades porque é como aprenderam;
  • b) aprender com as pessoas que são muito melhores que você numa dada área ou atividade e;
  • c) impressionar e ensinar algo as pessoas (mesmo àquelas que podem ser muito superiores em outras áreas).

Hoje, por exemplo, eu sei que se não treinar muito pesado e muito consistentemente durante anos, não terei a mínima chance de vencer um enxadrista mediano.

Mas não me ressinto disso, porque sei que com meus textos, posso chamar a atenção para a história do xadrez, para os seus benefícios, para as biografias dos grandes mestres e para a beleza e grandiosidade do jogo que ao mesmo tempo é arte e guerra. E com isso posso despertar o amor e o interesse das pessoas pela Arte de Caíssa.

Esse é um prazer que eu teria perdido se tivesse ouvido o populismo de meus professores e de outros demagogos.

                                                                              

                                                                        ***

Nota do editor: Assim como outros textos deste blog, a obra acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora

22/03/23

Um Milagre na Madrugada

Para cada homem e mulher, a vida social se mostra como uma perpétua Torre de Babel, povoada por gente de todo o tipo que, via de regra, não se entende de forma alguma. A comunicação, alma da vida social, desponta como drama absurdo no qual todos falam e ninguém se entende, porque tudo vira cacofonia e ruído, toda ideia de valor proferida termina obscurecida por conveniências, omissões, covardias, cooptações, ilusões, condicionamentos e desconfianças. Tudo o que é complexo acaba simplificado, diminuído, compactado e consequentemente falseado.


Rebelde, eu sonhei, pela honestidade de minhas pequenas letras, instigar mentes humanas com as minhas tímidas e pouco usuais verdades - porque a verdade, mesmo a minha verdade, que é a angústia da dúvida, e mesmo nas mãos de um tímido, é uma arma tremenda - mas me deparei com tanta barreira, tanta pedra no caminho, tanta incompreensão. Desiludido, por vezes deixei de acreditar na palavra, no entendimento e na virtude. Cheguei mesmo a divinizar o silêncio. E no entanto, por uma vontade que não se explica, fiz-me cético sobre meu ceticismo e lutei contra minha descrença. Dom Quixote filosófico, persigo agora uma miragem: a utopia da compreensão entre os homens, e nessa perseguição faço-me cronista, prosador, ridículo crente na palavra, no diálogo com a cultura letrada, seguidor do caminho da consciência, caridoso distribuidor de verdadezinhas íntimas, sensíveis, pessoais, grandes porque talvez irrelevantes.

Vida difícil essa, pois há nela mais solidão que comunhão. Entretanto, se nenhuma felicidade é completa, nenhum infortúnio pode sê-lo também. Mesmo a mais pungente solidão letrada não está livre de uma eventual contingência que traga o afeto luminoso, no qual, numa irrupção verbal imprevista, a compreensão se faz solene, abrangente, total. Ocorrência essa que considero verdadeiro milagre. Talvez pequeno, mas ainda assim milagroso. Foi isso o que, inesperadamente, me aconteceu. E para que os homens saibam ser possível, dou-lhes testemunho desse milagre que, passado na última madrugada, infundiu-me senso de fraternidade, uma paz, uma leveza, uma elevação, e mais do que tudo uma esperança em relação ao humano, como há muito este aqui não sentia.

***

A voz era doce, afinada, limpa. A inflexão, embora temperada por uma excitação mental que ela não pretendia esconder, sugeria uma sobriedade, uma perspicácia, uma inteligência felina e ferina. Como eu, aquela mulher tinha algo de fera, também ela nutria a rebeldia que viceja nos espíritos altivos, angustiados; os tipos sombrios e deslumbrados que sofrem a posse duma inteligência diabólica, uma falha na consciência que os impele a contemplar o abismo de todas as coisas. Muito consciente, ela sabia de seu valor, e no entanto, diferente deste, não tinha em si o pecado do orgulho. Verdade é que, para ela, a própria superioridade era apenas subproduto de sua disposição livresca, uma febre de filósofo humanista, de latinista medieval, de erudito e de polímata subjugavam-na: tinha a curiosidade voraz e expansiva de quem tudo quer saber - não apenas acreditar, ela queria mesmo é saber! - um amor inegociável pela vida letrada e contemplativa, pela investigação e pelo conhecimento. Admirava-se disso: a curiosidade abundante, raiz indubitável de toda aquela inteligência que ela, ruiva fatal, desnudava sem pudores para o amigo cronista.

"Falamos a mesma linguagem" ela me disse. Com seu discurso pródigo, lúcido, culto e refinado. Com toda certeza o resultado da busca intelectual de uma vida inteira, de seu esforço e persistência, que permaneceria com ou sem estímulos da cultura exterior. Era assim a minha amiga: em tudo diferente do tipo de mulher vulgar e pretensiosa que parece ter dominado a maior parte dos espaços públicos deste século. Época trágica, na qual muitas mulheres se empenham em condutas bárbaras tão ou mais escabrosas que as praticadas pelos homens. Mulheres que se apequenam ao buscar paridade com uma coisa tão débil e ridícula quanto um homem.

Distinta, superior, impondo a si mesma os mais altos padrões, os gostos mais refinados, a sensibilidade mais poética, a inteligência mais penetrante, dispondo de enorme paixão pelo mistério perene que é a origem de cada coisa deste mundo, e apesar de tudo, de tão grandioso espírito, de tanta sabedoria, era ainda jovem, tão jovem que me causava espanto.

Eu a ouvi deslumbrado. Por todas aquelas horas, quando não era eu a divagar, em cada segundo, mesmo nos silêncios, eu a ouvi, deslumbrado. Com desenvoltura ela me falava de Emil Cioram, Mírcea Elíade, Terrence Mackena, Georges Bataille, Carlos Castaneda e tantos outros. Quantos? Não saberia dizer. Parecia-me um verdadeiro exército de homens e mulheres criativos, heterodoxos e instigantes; uma galeria de malditos, místicos e rebeldes cultivada com carinho e afeição. A riqueza cultural daquela mulher, a sua grandiosidade de espírito, tão rara, tão preciosa, tão única, era como se os deuses, cansados das minhas reclamações sobre a debilitada constituição mental e moral da mulher pátria, me tivessem concedido um gostinho do paraíso. Como uma resolução de Apolo a me dizer: "Para que não te atormentes em demasia, tu, criatura piedosa e de espírito trágico, que a todos os deuses venera, e que em todos eles inspira compaixão, conhecerá uma ninfa e nela encontrará abundância na formosura e na inteligência". Assim disse o deus, assim aconteceu ao mortal. E ali, naquele telefonema, naquela madrugada, travei a mais íntima relação mente a mente, alma a alma, com a ninfa de cabelos vermelhos e olhos esverdeados, tendo mais que um vislumbre de sua irrevogável grandeza.

A conexão verbal que se enriquecia no silêncio da noite. Como passou rápido o tempo! Foi a primeira parte da noite e veio a segunda, a madrugada. Passou a primeira, passou a segunda, e nenhum de nós, nem eu nem ela, ousou largar o telefone. Aquele elo, aquela conexão, aquela cumplicidade, aquilo talvez não fosse tudo na vida, mas era, certamente, uma das coisas mais valiosas, mais significativas, mais belas e mais poderosas. Era o que eu buscava numa relação, ela também. Como faríamos na despedida? Como desligar? Não havia vontade, mas, em algum momento, seria necessário.

Foi somente ao raiar da aurora que nos despedimos, não sem antes denunciar ao outro a gratidão por aquela vivência. Naqueles momentos finais, a surpresa: a ligação durara até ali 7 horas e 30 minutos de conversa ininterrupta. Apesar da cifra, na história das afeições intelectuais não chegamos a bater o recorde. Nossa prosa daquela noite resulta cinco horas e meia a menos que as famosas 13 horas que Jung e Freud conversaram quando se encontraram pela primeira vez. Ainda assim, 7 horas e meia de conversa ininterrupta, sem sair dela entediado, parece-me uma comunhão deveras significativa. Além disso, eu e a ruiva ainda não nos encontramos pessoalmente. É nossa opinião que boas amizades e excelentes conversas são terapêuticas. Essa com certeza foi. Saí dela pensando na divindade de algumas mulheres, na grande comunhão que pode haver entre amigos, na magia da mútua e profunda compreensão.

Tudo isso eu digo e ainda provoco: o recorde dos mestres da psicanálise que se cuide: pois a ruiva e eu estamos no páreo.


04/01/23

Como convencer alguém a acreditar em algo surreal e absurdo

É possível fazer alguém acreditar no que você diz,  mesmo que se trate de inverdades, teorias mirabolantes e surreais. Mas, cuidado, pois sempre depende do nível mental do ouvinte e do contexto. Vamos às explicações:

[Não é só o Frank que manipula seus eleitores. Quase toda autoridade te manipula intencionalmente]

Basicamente, para convencer alguém a aceitar alguma crença absurda (especialmente se ela for falsa) você precisa de três fatores, todos baseados em manipulação de viézes cognitivos.

1.Alegação de Autoridade. Seja ela real ou fictícia. Essa autoridade pode ser sua, expressa em superioridade intelectual, superioridade espiritual, superioridade social, bélica, política, etc. Ou pode ser de outro, com quem você alegue ter tido contato ou de quem seja próximo (ou pode mesmo ser até algum livro ou mesmo uma experiência).

2.Repetição Exaustiva. Mesmo as crenças mais irracionais e absurdas passam a ser aceitas quando repetidas um número suficiente de vezes por um número suficiente de autoridades. (Se uma pessoa tende a não ser crítica sobre algo que acabou de aprender, a consequência natural é que quanto mais ela escute a mesma explicação, mais acredite nela. Crenças também são hábitos condicionados e modelados por reforço.

3.Vantagem Emocional e Apelo à Vaidade. Aqui está uma chave crucial: é preciso que a crença traga alguma vantagem emocional para o seu portador. Ela precisa favorecê-lo em algum sentido. Seja elevando seu ego, seja pacificando seus temores, seja lhe dando coragem, seja oferecendo esperança. (As pessoas tendem a acreditar primeiro no que lhes agrada e parece oportuno e conveniente.)

                             [Ben Linos, mestre da manipulação e da trapaça em Lost]

Tenha em mente que o comportamento humano foi modelado pela evolução e pela cultura para obedecer e seguir líderes (os "alfas"), então existe um forte viés cognitivo para acreditar no que é dito por pessoas em tais posições, daí o fundamento da nossa tendência de crença irracional em autoridades. Sobre isso, vale se informar sobre o famoso Experimento de Milgram

Sobre repetição, pequise a repeito de Goebbels e da propaganda nazista, assim como sobre Edward Bernays e as técnicas da propaganda moderna.

Sobre vantagem emocional, pesquise sobre o "maior 171 do Brasil" Marcelo Nascimento, que enganava pessoas oferecendo benefícios e vantagens absurdas, o que despertava a cobiça das vítimas e lhes atiçava a vaidade, já que se imaginavam muito espertas por conseguirem um negócio tão vantajoso.

Mas cuidado! Não é qualquer público que vai acreditar em qualquer discurso. Pessoas mais inteligentes, mais informadas, mais maliciosas e com senso crítico mais apurado tendem a ser mais criteriosas, mais céticas e a ter uma atitude investigativa quando se deparam com conjuntos de crenças ou afirmações aparentemente absurdas ou que demandam comprovação. Existe um bordão dos céticos que ilustra bem essa disposição crítica/analítica:

"Alegações extraordinárias demandam evidências extraordinárias."

Então, um primeiro passo é fazer uma medição geral das inteligências - a famosa "caça aos trouxas" - e deixar de lado aquelas pessoas que estão bem informadas sobre o assunto ou que são inteligentes e investigativas.

Em outras palavas: tentar convencer um geofísico de que a Terra é plana não é boa ideia. É melhor tentar convencer aquele seu vizinho abobado que se acha um espertalhão, mas todos sabem que é um idiota.

Sobre isso, aprenda com os erros do ex-astrólogo, jornalista, pseudofilósofo e guru da Nova Direita Olavo de Carvalho. Quase todas as vezes em que ele se meteu a desafiar um especialista no assunto, foi ridiculamente humilhado. Vou citar aqui as vezes em que, a meu ver, foram as mais interessantes:

Note que esses episódios constrangedores jamais acontecem dentro da seita olavista, pois, via de regra, Olavo é a pessoa melhor informada em seu bando, que é onde ele sempre é reconhecido como a autoridade suprema, o que o permite manipular os demais. Uma coisa básica que se pode notar em qualquer "olavette" é o culto a personalidade e a erudição do Olavo (sim, ele pode ser vigarista em alguns aspectos, mas é um erudito genuíno).

Olavo consegue convencer seus seguidores de que a Terrra não é redonda, de que Barack Obama não nasceu nos USA, que existe uma conspiração comunista orquestrada pelo Foro de São Paulo, que a Teoria da Relatividade está errada, que Georges Cantor não entendia matemática e que Newton era uma anta. Ele é provavelmente o maior guru, manipulador e mestre da persuasão que o Brasil já teve, o que, evidentemente, me faz ter uma extrema simpatia por ele. Recomendo acompanhá-lo e ficar de olho em suas técnicas e retórica delirante.

Aprenda a mentir, trapacear e bem enganar que o mundo será seu!

                                                                         

                                                                   ***

OBS: Assim como outras postagens deste blog, o texto acima foi originalmente publicado como resposta no site Quora.

07/12/22

Quais são os efeitos negativos da leitura de livros?



Todo mundo sabe que a prática da leitura pode ser muito positiva e enriquecedora, mas e quanto a seus aspectos negativos? Existem? Quais são? Vejamos os possíveis efeitos negativos da leitura e como lidar com eles.

1. Quebra de expectativa. As pessoas dos livros raramente são como as pessoas da vida real. E as mulheres dos livros então, nem se fala. Isso, claro, pode mudar se você lê obras de brasileiros como Rubem Fonseca ou se ler autores trágico-realistas. Mas, no geral, há uma grande distância entre a mediocridade das pessoas que conhecemos na vida cotidiana e daqueles personagens notáveis dos livros. Depois de ler muito, invariavelmente, você vai achar a maioria das pessoas chatas e desinteressantes.

2. Produção de Pensamento Acrítico. Se o livro é de um autor muito assertivo, pouco autocrítico e cheio de verdades, você pode acabar ficando muito convencido de coisas questionáveis e para as quais o conhecimento humano atual não é capaz de fornecer uma resposta definitiva. Sabe aqueles religiosos que SÓ LEEM livros sobre religião e só sabem falar o que a Bíblia diz sobre a Bíblia, num loop autoreferencial diabólico? Pois é. Não queira ser um deles. E o mesmo acontece pra ateus militantes como Dawkins e Sam Harris, que tentam usar a Ciência para provar o que ela não é capaz de provar.

3. Desorientação. Alguns livros podem te deixar com mais dúvidas do que respostas, especialmente os livros de Filosofia. E isso pode realmente te deixar desorientado por um tempo (especialmente se você se focar apenas em autores com sistemas destrutivos, como Nietzsche, Foucault e o bizarro Zizek). Um exemplo notável é que a maioria das pessoas que tem algum interesse básico em Filosofia são facilmente atraídas pela falácia do Relativismo .

4. Ser enganado. Intelectuais mentem que é uma beleza. E sempre usam joguinhos linguísticos, retóricos e erísticos para convencer o leitor. Você ficaria terrivelmente chocado se fizesse uma checagem de fontes de cada livro que lê. O Noam Chomsky, por exemplo, considerado um dos maiores intelectuais do século XX, foi pego várias vezes (250 - pra ser preciso ) com a boca na botija.

E então, como enfrentar esses problemas? Bom, algumas dicas podem ajudar;

Para evitar 1) Leia livros sobre a realidade e não apenas ficção.

Para evitar 2) Leia livros sobre pontos de vista DIFERENTES sobre o mesmo assunto e veja debates de intelectuais e filósofos, não de youtubers. Isso vai te ajudar a a entender como o outro lado pensa. Mesmo que você discorde de uma ou outra premissa da pessoa, é mais fácil respeitá-la quando você entende o pensamento dela. Eu, por exemplo, leio tanto sobre Religião quanto sobre Ciência, e amo as duas áreas.

Para evitar 3) Leia livros de orientação pessoal e emocional, mesmo que pareçam auto-ajuda. Leia biografias de pessoas admiráveis e vai ver como elas lidavam com as coisas para ter sucesso. Quando a abstração torna um problema muito difícil, a prática costuma ensinar como esse problema pode ser resolvido. E quando na prática um problema parece ser simples, a abstração pode mostrar como ele é complexo.

Para evitar 4) Nunca acredite 100% no que você lê, ESPECIALMENTE SE HOUVER POLÍTICA ENVOLVIDA. Entenda - lembre-se sempre disso- que um autor SEMPRE fala mentiras e verdades. Ninguém sabe tudo. Por isso, vai ser preciso peneirar e separar o joio do trigo. E sempre que gostar demais e se sentir “crente” em um autor, trate de ler a críticas à obra e ao pensamento dele.

Pronto, seguir essas dicas vai te ajudar a ser um leitor mais maduro. Você tem sorte, eu tive que aprender na marra. Queria que alguém tivesse me dito antes.

Foto: Chomsky mentindo para uma plateia de universitários inocentes.



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Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

12/10/22

Qual a razão por trás do desinteresse dos alunos?

 

Bom, vamos lá. Comecemos com um exercício mental:

Imagine que você é uma pessoa curiosa, cheia de energia, fascinada por coisas novas, com uma dose elevada de humor e vontade enorme de se divertir. Em suma: se imagine como uma criança.

Imagine agora que seus pais lhe digam que você poderá ir no maior parque de diversões multitemático do mundo e desfrutar dos melhores brinquedos, quantas vezes quiser. Mas que você precisa seguir as regras de uma autoridade: o senhor Alfredo, seu mestre-guia acompanhante.

Imagine, ao viajar para o parque com o mestre-guia, que você descobre que os dois vão precisar lidar com três problemas pricipais:

  1. Só é possível visitar os brinquedos a pé, sendo que eles ficam muito longe uns dos outros.
  2. Vocês tem apenas 5 horas para aproveitar o parque
  3. E acompanhando vocês há mais umas vinte crianças, todas elas barulhentas, cheias de energia, curiosidade, bom humor e doidas para ir a lugares do parque pelos quais você não tem o menor interesse.

Agora imagine que o senhor Alfredo já visitou o parque tantas e tantas vezes, com tantas crianças ("diabinhos barulhentos" é como ele os chama mentalmente), ao longo de tantos anos, tendo que dar sempre as mesmas respostas sobre os brinquedos, que ele não aguenta mais esse lugar- e nem as crianças. Quando começou, é verdade que ele era jovem e adorava. Mas depois de dez anos fazendo isso, sendo mal remunerado e sem os incentivos adequados, tudo que ele quer é acabar logo esta maldita tarefa e poder ir para casa assistir La Casa de Papel no Netflix.

Para você, a visita é um prazer em potencial, por tudo que ela oferece a sua imaginação e vontade de descoberta e divertimento, mas para o senhor Alfredo é uma obrigação angustiante e um tanto quanto irritante.

Agora, pior, considere que o senhor Alfredo tem um problema de saúde nas pernas, que incham e doem calorosamente quando ele anda por muito tempo.

Agora imagine que o esquema de visita acompanhada consiste em levar você e as outras crianças para uma sala mal arejada, com cores horríveis, acústica pior ainda e mostrar fotos e vídeos desbotados e antigos de como era o parque há 10 anos atrás, assim como dos brinquedos mais próximos (nenhum deles muito interessantes para você) que vocês podem visitar.

Das 5 horas disponíveis, 3 o senhor Alfredo passa com você e seus amigos barulhentos na sala mal arejada, a quarta ele gasta para aplicar uma prova sobre o que ele ensinou na sala mal arejada e a última hora ele gasta permitindo que vocês andem um pouco, jundo dele, e experimentem um brinquedo pelo qual você não tem o menor interesse.

Conseguiu imaginar?

Pois então, depois de repetir essa experiência cem vezes, como você iria se sentir em relação a ideia de visitar o parque com o mestre-guia? Se sentiria animado ou completamente traumatizado e desinteressado, já que sempre foi uma experiência tediosa, limitadora e frustrante?

Bom, essa historinha, a meu ver, é perfeita para explicar o nosso sistema de ensino e os porquês do fracasso retumbante que ele reverbera com êxito em quase todos os seus aspectos. O parque de diversões multitemático representa o conhecimento e as milhares de possibilidades incríveis que ele enseja.

Note que, por natureza, crianças são enérgicas e ficam elétricas diante de um mundo inteiro de possibilidades, coisas novas, animais, cheiros, formas, máquinas, pessoas, brincadeiras, coisas para fazer e para investigar. O mundo lhes oferece uma riqueza fabulosa onde elas mesmas podem decidir o que lhes interessa investigar.

Basta pôr uma criança num Museu, numa Biblioteca ou dar a ela um jogo, ou desafio, que você verá como ela vai, naturalmente, sendo guiada por sua curiosidade e interesse em descobrir coisas e resolver problemas. Nessas situações, vai acontecer da criança ficar tão fascinada com algo que vai imediatamente te perguntar o que é, o que significa e como funciona, aí é justamente quando a curiosidade levou à necessidade de compreensão.

Esse tipo de experiência: o prazer da dúvida, do contato com o misterioso, da descoberta, é o que move a curiosidade natural e resulta na necessidade de compreender, apreender e resolver problemas, ou seja: é a base do amor ao conhecimento. É o que move cientistas, intelectuais, investigadores, filósofos e inventores. É o que move meu autodidatismo e minha paixão em aprender coisas interessantes e resolver problemas que são importantes para mim.

E, bom, a escola mata isso. Estraçalha, na verdade.

Na escola tudo já vem pronto: o que estudar, o como estudar, o onde estudar, o quando estudar e o com quem estudar. Não existe espaço para inovação, arte e criatividade. As matérias são divididas artificialmente, como se no mundo real não houvesse conexão entre Matemática e Português ou Matemática e História, ou seja: como os brinquedos do parque, estão distantes umas das outras.

Assim, mesmo que uma criança possa ser curiosa, a má abordagem de um professor ou de um livro sobre o assunto pode parecer a ela bem menos interessante do que, por exemplo, uma visita ao zoológico ou uma interação com outro grupo de crianças, tão divertidas, curiosas e animadas quanto ela.

Tudo o que a escola requer da criança é a obediência bovina e respostas condicionadas, ou seja: conformação. Quando na verdade a função de um bom mestre deveria ser guiar a curiosidade da criança para apresentar a ela novos universos, nunca sufocar o interesse, as habilidades e gostos pessoais para lhe oferecer a mesma fórmula oferecida a todas as outras.

Como o mestre-guia da metáfora, a maioria dos professores são descontentes, doentes (alguns com sérios transtornos psicológicos), frustrados e tem um domínio quetionável sobre sua matérias, um método sofrível e uma exposição mais questionável ainda.

Ora, agora pense bem: Que tipo de criança ou adolecente vai achar emocionante e inspirador ficar trancado entre quatro paredes, copiando textos e olhando para videos e imagens antigas enquanto escuta a voz monótona de um professor frustrado? Ainda mais quando lá fora tanto as pessoas quanto as coisas parece mais vivas, mais autênticas, mais desafiadoras, mais apaixonantes e mais interessantes!

Em suma: a escola, e seu esquema padrão de ensino, é chata, desinteressante, morta, cafona e limitadora. Enquanto o mundo e os desafios não. É por isso que as crianças preferem os esportes, os jogos e qualquer expansão de contato com o mundo por meio de viajens a lugares desconhecidos.

Jamais esqueça que foi justamente nesse sistema de ensino, que é o mesmo até hoje, que Einsten ouviu de um professor que "nunca chegaria a ser alguém".

Não precisa dizer mais, precisa?

                                          

                                                                *** 

Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora em 2019. Até a presente data teve mais de 7 mil visualizações, 257 votos positivos, 23 comentários e 14 compartilhamentos. Entre os comentaristas da resposta uns concordaram e outros discordaram. Um deles, no entanto, trouxe relato que, pela força da verdade que carrega, urge compartilhar:

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