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28/06/23

Como se tornar um autodidata

É difícil sugerir um método categórico, universal e que se aplique a cada caso particular, pois as pessoas não possuem as mesmas habilidades e facilidades.

Contudo, pela minha experiência, diria que um bom começo é justamente essa consciência: refletir sobre como o processo de aprendizagem funciona para você, em que contextos ele ocorre de forma mais eficiente e mais prazerosa.

Em outra palavras, é preciso se questionar: O que você aprende com mais facilidade? Que tipo de assunto? Por qual tipo de abordagem? Você precisa de uma referência visual para entender bem um tópico (o famoso "quer que desenhe")? Ou prefere uma abordagem histórica?  Quando diante de um professor, você prefere a voz de um homem ou de uma mulher? Prefere estudar de dia ou no silêncio da noite? Prefere estudar em grupos ou sozinho? Em sala de aula ou fora dela?

Muito do processo do autodidata consiste numa adequação dos meios e formas de ensino às suas preferências e habilidades. O termo de ordem aqui é personalização do processo. Quanto mais ativo você é no seu processo de aprendizagem, mas natural ele se torna para você. Já experimentou fazer uma lista com os temas ou problemas que mais te interessam e depois passar um tempo investigando os melhores livros, vídeos e áudios básicos a respeito? Pois esse é um bom começo!

Existe uma série de coisas que as pessoas aprendem espontaneamente ao longo da vida, isso porque aprender é uma habilidade natural.

Dito isso, devo enfatizar que a base do autodidatismo está num imperativo moral de autorresponsabilidade. Por que esperar que a informação chegue até você, via professor ou curso, se você tem os recursos e a inteligência necessária para ir atrás dela? É antes uma questão de amor ao conhecimento, de respeitar sua curiosidade, de amar a atividade investigativa e de ter brio. Se algo realmente te interessa, é você quem deve correr atrás!

Claro que isso não significa que você vai ser capaz de aprender tudo sozinho, sem interferência externa ou sem a ajuda de alguém que entenda melhor o assunto. Autodidatismo não é isso. A rigor, ninguém aprende nada sozinho (mesmo quem aprende majoritariamente por livros está aprendendo com outra pessoa: o autor). Tudo o que você deve fazer é pesquisar e gerenciar as fontes de informação e sua interação com elas. Decidindo quais são as melhores para você e em que contexto você vai utilizá-las, estabelecendo uma ordem nas atividade, etc.

Nesse processo, você deve usar como arma as habilidades que já possui. Sua memória é boa? Ótimo, considere isso em seu sistema, não tenha pudor em memorizar esquemas.

Sua memória não é tão boa, mas você gosta muito de ler e é muito paciente? Ótimo, procure as melhores fontes básicas nos livros e as explore até dominar o conteúdo.

Você não tem nenhuma grande habilidade, mas é do tipo competitivo que faz qualquer coisa quando é desafiado? Pois bem, escolha algum sujeito metido mais inteligente que você, numa matéria que você sente que pode melhorar, e só pare de se dedicar ao assunto quando superá-lo ou for, no mínimo, tão bom quanto ele.

Outra coisa necessária para começar é ter um meio de medir o seu progresso e domínio no assunto. É possível fazer isso por meio de provas e exercícios, conversando ou debatendo com especialistas, escrevendo e dando aulas sobre o tópico em questão e, claro, produzindo algo com aqueles conhecimentos (se forem conhecimentos técnicos/ práticos). O melhor sistema de checagem é o que inclui todos esses.

Dê uma olhada neste vídeo: nele um dos maiores intelectuais do século passado fala um pouco sobre o processo de educação autodirigida: 

                              

Para resumir, as dicas básicas para começar a se tornar um autodidata são:

  1. Mapeie seu perfil cognitivo. Como você aprende, onde você aprende, em que velocidade você aprende e com quem você aprende. Saiba o que facilita eu processo de aprendizagem e o que o dificulta.
  2. Selecione todos os facilitadores da aprendizagem e crie um sistema pessoal com eles.
  3. Tenha e cultive a autonomia e resiliência, não aceite tudo o que uma suposta autoridade te diz, investige e tire suas própria conclusões. Se você pode pensar em uma pergunta, então também pode se dedicar a pesquisar e estudar para respondê-la. Quanto mais importante for a questão para você, mais dedicado você será.
  4. Saiba recorrer a todos os tipos de fontes, saiba sobre as qualidades e defeitos de cada fonte. Professores, livros-texto, dicionários, enciclopédias, vídeos-aula, audios/podcasts, paletras, etc. Experimente todos e selecione quais são as melhores para você.
  5. Adicione um elemento lúdico ou emocional que torne a coisa prazerosa, apaixonante. Que te anime ou inspire. Há muitas forma de fazer isso, desde participando de jogos e competições que envolvam conhecimento até estudando a obra de pessoas notáveis que passaram a vida se dedicando a investigar certos temas. A cultura é uma ótima forma de inspirar e motivar. Consuma filmes, livros, animes, espetáculos teatrais e shows sobre os assuntos que te interessam.

Isso é só um início, mas deve ajudar.

                                                 

                                                                   ***


      Dica originalmente publicada no site Quora, em 25 de Junho de 2019

16/11/22

Rick Beato: o produtor que te ensina a compreender a estrutura musical das grandes canções do rock


Esse cara manja dos paranauês

Falta música neste blog. Para corrigir essa falha, a postagem de hoje inaugura a minha série de dicas e digressões sobre temas musicais - bandas, gêneros, canções, cantores, clássicos, alternativos, álbuns, produtores, bastidores, tretas, listas e o que mais houver de interessante no mundo da música. O critério é falar sobre música de qualidade, especialmente de gêneros e bandas que eu gosto, ou ao menos dos relevantes históricamente e musicalmente. Mas claro que, como John Ramalho é John Ramalho, pode aparecer por aqui algumas referências musicais kitsch, trash, humorísticas e bizarríssimas para provar que nem só de Chopin vive o homem. Espere por Rogério Skylab e coisas ainda mais doentias. Mas tenha calma: tudo em seu devido tempo.

Por hora, a minha dica número um é o canal de Youtube do músico e produtor norte-americano Rick Beato. Artista e produtor experiente, Rick faz exatamente o que eu sempre quis ver algum professor de música fazer: decompõe a música original mostrando a pegada de cada instrumento, fala sobre a mixagem, os efeitos sonoros, a progressão de acordes e o que torna a música em questão especial ou interessante. E faz tudo isso com uma naturalidade que é absolutamente inspiradora. É definitivamente um mestre em sua área. Seu canal é excelente para quem está começando a estudar música ou simplesmente gosta de saber um pouco mais. (Sugiro fortemente conferir a lista dele de melhores guitarristas, cita uma grande variedade de clássicos dos anos 30 e 40, do blues e até do jazz, sobre os quais eu jamais tinha ouvido falar.)

Abaixo, em sua série de vídeos chamada "What Makes This Song Great", no episódio 75, Rick explica a estrutura, a sonoridade e as sacadas de Under The Bridge, canção famosa da banda Red Hot Chilli Peppers:

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A dica está dada. Confira o canal do Rick, veja suas playlists, procure um vídeo de uma banda que te interesse e aprenda sobre música enquanto se diverte ouvindo música (e ainda pratica o seu inglês).

26/10/22

A Importância da Literatura

 

[Raul Seixas, meio mulambo, lendo Orwell. De onde você acha que saiu a inteligência irreverente do Raul? E aquelas letras profundas e geniais? O cara lia de tudo.]

                          [Metamorfose, hein? Que sujeito mais kafkaniano!]

Vejamos o que o próprio Raul diz sobre a Literatura :

O Pasquim – Você poderia explicar sua formação literária, como você chegou a esse texto?
Raul Seixas Isso aí é uma coisa interessante. Antes de eu vir pro Rio eu pensava em ser escritor. Eu sempre escrevi. Antes de cantar, eu pensei em escrever. Eu tenho alguma coisa escrita guardada no baú que eu penso em publicar algum dia. Eu sou muito dado a filosofias, eu estudei muito filosofia, principalmente a metafísica, ontologia, essa coisa toda. Sempre gostei muito, me interessei. Minha infância foi formada por, vamos dizer, um pessimismo incrível, de Augusto dos Anjos, de Kafka, Schopenhauer. Depois eu fui canalizando e divergindo, captando as outras coisas, abrindo mais e aceitando as outras coisas. Estudei literatura. Comecei a ver a coisa sem verdades absolutas. Sempre aberto, abrindo portas para as verdades individuais. Assim, sabe? E escrevia muita poesia. Vim pra cá pra publicar.


Assim como o Raul Seixas, em muitos aspectos a literatura foi crucial para minha formação, a tal ponto que não consigo me imaginar, como ser humano, sem ela.

O caráter formativo, expansivo, educativo, os mistérios insolúveis, a riqueza psicológica, geográfica, as sutilezas e ambiguidades humanas, quase tudo o que aprendi de relevante sobre a vida, sobre o mundo, sobre Deus, sobre eu mesmo e sobre os homens, vi exemplificado nas narrativas literárias.

De todos os meus professores, os grandes autores da literatura foram os melhores, os mais honestos e os que menos negligenciaram minha inteligência e minha curiosidade. Diria até que não conseguiria ter atingido o nível de maturidade e estabilidade psicológica ao qual cheguei não fosse a literatura.

Poderia dizer que a Filosofia me ensinou a ter profundidade crítica, a História me ensinou a ser justo com os tempos e a Psicologia me esclareceu sobre as contradições humanas. Mas foi a Literatura que fundiu tudo isso em casos e contextos mais amplos, cheios de vitalidade, pessoalidade e transcendência, tão ricos de significados, interpretações, lições e possibilidades quanto a própria vida.

Mas dizer isso não é explicar. E para que se entenda como tudo isso ocorreu, especialmente aos não iniciados em literatura, convem explicar.

Eis, a seguir, um esforço explicativo. Uma tentativa de tornar inteligível a utilidade prática da literatura. Vou falar apenas sobre um aspecto, para o texto não ficar grande demais. Depois (me cobrem) desenvolvo sobre os outros aspectos.


Modelos Superiores

Todos os estudiosos do desenvolvimento humano estão de acordo que os jovens precisam de bons modelos. Na vida doméstica, na escola, na vida cultural e na vida religiosa. Tão pior será a sociedade quanto mais degenerados forem os modelos nos quais ela se inspira.

Pense agora nos modelos que inspiram os brasileiros do nosso tempo. Pois é! Trágico, não? Numa cultura que produziu gênios universais como Machado de Assis e Padre Landell, as pessoas só conseguem se emocionar com… Neymar. (Um sujeito cuja grande contribuição para o espírito humano foi: nada, absolutamente nada).

Assim, cresci numa cultura destroçada, carente de modelos superiores. Tinha ao meu redor, como símbolos de sucesso, funkeiros, pagodeiros, atores pornô, jogadores de futebol analfabetos e todo tipo de monstruosidade moral e estética disponível.

Como se orientar nesse caos?

Meus primeiros modelos, fora da realidade imediata, vieram da Bíblia. Mas eram modelos que não me atraiam, modelos muito arcaicos, nada tinham a ver com meu mundo. Alguns me pareciam modelos retardados, tolos. Matar o filho a mando de Deus? Não, obrigado. Abraão me parecia um idiota, e eu temia que meu pai realmente acreditasse naquilo, afinal eu era seu filho - situação perigosa!


[Machado de Assis. Quantas pessoas você conhece com uma visão tão profunda, realista e ao mesmo tempo divertida e engraçada dos defeitos e incongruências humanas?]

Vocês já leram Machado? Nunca? Meu Deus, que crime! Dá só uma olhadinha em quão divertido, revolucionário e genial ele era (em Memórias Póstumas..):

CAPITULO LV - O VELHO DIÁLOGO DE ADÃO E EVA

O velho diálogo de Adão e Eva

Brás Cubas
. . . . . ?
Virgília
. . . . .
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .
Virgília
. . . . . . !
Brás Cubas
. . . . . . . .
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .? . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília
. . . . . . . . . . . . . .
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . !
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ?
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . !
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . !

[Agora olha nos meus olhos e diz: é ou não o melhor e mais divertido capítulo de toda a Literatura Universal?]


Logo depois, encontrei variedades de modelos em outros clássicos da literatura, Gulliver e suas ácidas observações me marcaram para sempre, depois Poe, com seu caráter sombrio e excessivamente analítico. Oscar Wilde me deixou meio degenerado, confesso. Todos me trouxeram uma amplitude de espírito, de visão, de entendimento de aspectos diversos da sociedade, mas, fundamentalmente, me trouxeram modos de conduta e referências que exigiam de mim grande esforço para serem compreendidas e mimetizadas. Eu precisava de constante superação para que, de fato, pudesse ser como meus modelos literários, fossem os personagens, fossem os autores. Eu queria utilizar a linguagem que utilizavam, resolver os problemas que resolviam, ter amigos como os deles, fazer tudo com tanto charme, inteligência e perspicácia. Deixar diários e mistérios interessantes para a posteridade, ter lendas a meu respeito.

No mundo real, quem eu tinha para me inspirar? Dois ou três modelos!

Meu melhor modelo acessível no mundo real só fui conhecer aos 13 anos. Era um tio, muito erudito, bem informado sobre todos os assuntos, demonstrava uma grandeza moral, uma razoabilidade, um senso estético e uma apreciação da realidade que jamais encontrei nos círculos neopentecostais (macumbaria pseudocristã) nos quais fui criado. O tio era judeu. Diferente de todo mundo que havia conhecido até aquela idade, ele foi a primeira pessoa sobre quem pensei:

"Esse sujeito é como os personagens e os autores de livros, ele entende como o mundo funciona".

As respostas que as pessoas me davam, na maioria das vezes, não respondiam absolutamente nada, não me explicavam o mundo com clareza e distinção, só me deixavam mais confuso e produziam mais perguntas - que eu fazia, deixando as pessoas irritadas. Mas ele não, ele era realmente diferente. Contava toda a origem de um conceito, as refutações, as diversas possibilidades interpretativas, os eventos históricos que haviam sido influenciados pelas ideias, os erros da comunidade humana ao longo dos tempos... Tinha um vocabulário rico, sabia dizer quem fez o que na História. Em suma: não estava perdido no tempo e no espaço, sabia se situar na grande dimensão da aventura humana, sabia falar das conquistas e das contradições humanas, muito diferente das pessoas que só viviam por viver ou para sobreviver.

Em suma: ele nem parecia brasileiro. As pessoas que eu conhecia tinham só corpo, emoções e instintos. Mas ele tinha mente, tinha inteligência, profundidade psicológica, cultura universal, tinha alma. Meu tio, para usar aqui uma metáfora do Alexandre Soares Silva, "era um membro do clube".

Enquanto a maioria dos parentes o achava estranho pois não era igual a todo mundo, eu pude vê-lo grande, pois pensava e falava com a clareza dos grandes homens do passado, os quais conheci via Literatura. Tenho certeza que se não tivesse a formação literária prévia, só teria reconhecido a superioridade intelectual do meu tio tarde demais, e a teria ignorado como todo mundo fazia.


[Oscar Wilde. Quantas pessoas com um apuro estético tão fino e sofisticado você conhece? Quantos dândis estão em seu circulo de conhecidos?]


Experiência parecida me aconteceu muitas vezes ao longo da vida. Encontrei algumas pessoas sobre as quais eu podia facilmente compreender o comportamento, a lógica afetiva, o imaginário, porque já havia conhecido seus tipos psicológicos na literatura. Logo, já podia antever seus gostos, suas formas de pensar, etc. É basicamente como se eu tivesse à minha disposição um mapa de modos de pensar e de se comportar, com os quais eu podia calcular as consequências lógicas e práticas de determinadas condutas no mundo real (e comparar com as dos livros).

Tudo isso foi particularmente importante porque, com esse mapa, eu pude estabelecer critérios sobre quem me interessava no mundo e quem eu preferia manter distância. E por isso - só por isso - hoje posso me gabar de ter amigos incríveis, que me proporcionam vivências magistrais. Para dar apenas um exemplo, eu poderia citar minha amizade com uma senhora que é provavelmente uma das mulheres mais inteligentes do país.


[Nietzsche peladão com seus amigos. Quantos amigos realmente espirituosos, poéticos e irreverentes você tem?]


Uma boa analogia sobre esse aspecto tipológico da literatura pode ser feita com o jogo de xadrez. Perceba: um enxadrista é tanto melhor quanto mais preparado está para o estilo do seu rival. Quanto mais conhece o comportamento e as tendências do outro, maior é a capacidade do enxadrista de prever os movimentos, de se antecipar. A boa literatura, os clássicos literários, de Dante à Machado, te dão justamente "um mapa" dos estilos dos jogadores. É um mapa de arquétipos e também de situações possíveis. Daí o caráter universal da Literatura, daí sua relevância ao longo de toda a História humana.

O que você leu ontém, você vive amanhã.

Ter utilizado esse mapa me ajudou, por exemplo, a não ter experienciado tanto do racismo que dizem existir em nossa cultura. Afinal, já que eu conseguia entender como as pessoas pensavam, pude me precaver, agindo da melhor forma possível.

E esse é só um dos benefícios da Literatura, ainda há vários outros.


             [ A inspiração da juventude de hoje. Sem mais comentários.]


***


Noda do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no site Quora.

19/10/22

As pessoas estão ocupadas demais para a Filosofia?

 

Não. A maioria das pessoas trata as questões filosóficas de forma leviana porque vivem num nível meramente biológico: não aprenderam nem sequer a pensar. Muitos passam a vida inteira sem ascender ao nível intelectual (abstrato). E mesmo os que atingem esse segundo nível, muitas vezes não chegam ao nível espiritual. A Filosofia, mãe de todas as ciências, encontra-se entre o segundo e o terceiro nível.

Assim como ninguém nasce sabendo tocar piano, ninguém nasce sabendo pensar de forma profunda. É preciso ser educado para isso. Se não houver ninguém para educar, será preciso se autoeducar por meio dos livros.

A educação filosófica leva tempo, demanda muito esforço mental, provoca frustração, decepção, angústia, insegurança e, muitas vezes, desestabiliza a personalidade. Raramente o estudo da Filosofia leva alguém a ser alegre e a viver melhor. Pelo contrário, boa parte, se já não era, chega mesmo a ficar depressivo ou antissocial.

O homem comum, em geral, tem asco e desconfiança do intelectual, do literato, do livresco. Ele confia mais nas palavras do pastor do que nas do acadêmico.

Sem contar que o objetivo maior na vida, para muita gente, consiste basicamente em "se divertir". A ignorância da maioria das pessoas é totalmente voluntária. As forças sociais opressoras só precisam de um pequeno esforço para incentivar as massas a continuar assim. A política do pão e circo é basicamente a mesma coisa desde a Roma dos gladiadores.

                                                                      ***

Tive, quando era jovem e nada sabia dessas verdades, uma conversa com um notável exemplar da mentalidade abjeta que move grande parte de nossa juventude:

[…Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente.

Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa…].

Como eu disse antes, vivem num nível meramente biológico. O ser humano é um animal racional? Alguns são, mas certamente não a maioria.

[Tirinha tosquíssima na forma, porém hiper realista no conteúdo, do genial Bruno Maron do Dinâmica de Bruto ]

                                                                     ***

É tolice pensar que todo mundo deveria aprender Filosofia ou que todo mundo deveria se importar com Filosofia. Sempre há quem vá preferir não pensar.

Filosofia não é para qualquer um. Nada há de mais aristocrático e elitista que o conhecimento e a sabedoria.

                                                                     ***


Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora.

12/10/22

Qual a razão por trás do desinteresse dos alunos?

 

Bom, vamos lá. Comecemos com um exercício mental:

Imagine que você é uma pessoa curiosa, cheia de energia, fascinada por coisas novas, com uma dose elevada de humor e vontade enorme de se divertir. Em suma: se imagine como uma criança.

Imagine agora que seus pais lhe digam que você poderá ir no maior parque de diversões multitemático do mundo e desfrutar dos melhores brinquedos, quantas vezes quiser. Mas que você precisa seguir as regras de uma autoridade: o senhor Alfredo, seu mestre-guia acompanhante.

Imagine, ao viajar para o parque com o mestre-guia, que você descobre que os dois vão precisar lidar com três problemas pricipais:

  1. Só é possível visitar os brinquedos a pé, sendo que eles ficam muito longe uns dos outros.
  2. Vocês tem apenas 5 horas para aproveitar o parque
  3. E acompanhando vocês há mais umas vinte crianças, todas elas barulhentas, cheias de energia, curiosidade, bom humor e doidas para ir a lugares do parque pelos quais você não tem o menor interesse.

Agora imagine que o senhor Alfredo já visitou o parque tantas e tantas vezes, com tantas crianças ("diabinhos barulhentos" é como ele os chama mentalmente), ao longo de tantos anos, tendo que dar sempre as mesmas respostas sobre os brinquedos, que ele não aguenta mais esse lugar- e nem as crianças. Quando começou, é verdade que ele era jovem e adorava. Mas depois de dez anos fazendo isso, sendo mal remunerado e sem os incentivos adequados, tudo que ele quer é acabar logo esta maldita tarefa e poder ir para casa assistir La Casa de Papel no Netflix.

Para você, a visita é um prazer em potencial, por tudo que ela oferece a sua imaginação e vontade de descoberta e divertimento, mas para o senhor Alfredo é uma obrigação angustiante e um tanto quanto irritante.

Agora, pior, considere que o senhor Alfredo tem um problema de saúde nas pernas, que incham e doem calorosamente quando ele anda por muito tempo.

Agora imagine que o esquema de visita acompanhada consiste em levar você e as outras crianças para uma sala mal arejada, com cores horríveis, acústica pior ainda e mostrar fotos e vídeos desbotados e antigos de como era o parque há 10 anos atrás, assim como dos brinquedos mais próximos (nenhum deles muito interessantes para você) que vocês podem visitar.

Das 5 horas disponíveis, 3 o senhor Alfredo passa com você e seus amigos barulhentos na sala mal arejada, a quarta ele gasta para aplicar uma prova sobre o que ele ensinou na sala mal arejada e a última hora ele gasta permitindo que vocês andem um pouco, jundo dele, e experimentem um brinquedo pelo qual você não tem o menor interesse.

Conseguiu imaginar?

Pois então, depois de repetir essa experiência cem vezes, como você iria se sentir em relação a ideia de visitar o parque com o mestre-guia? Se sentiria animado ou completamente traumatizado e desinteressado, já que sempre foi uma experiência tediosa, limitadora e frustrante?

Bom, essa historinha, a meu ver, é perfeita para explicar o nosso sistema de ensino e os porquês do fracasso retumbante que ele reverbera com êxito em quase todos os seus aspectos. O parque de diversões multitemático representa o conhecimento e as milhares de possibilidades incríveis que ele enseja.

Note que, por natureza, crianças são enérgicas e ficam elétricas diante de um mundo inteiro de possibilidades, coisas novas, animais, cheiros, formas, máquinas, pessoas, brincadeiras, coisas para fazer e para investigar. O mundo lhes oferece uma riqueza fabulosa onde elas mesmas podem decidir o que lhes interessa investigar.

Basta pôr uma criança num Museu, numa Biblioteca ou dar a ela um jogo, ou desafio, que você verá como ela vai, naturalmente, sendo guiada por sua curiosidade e interesse em descobrir coisas e resolver problemas. Nessas situações, vai acontecer da criança ficar tão fascinada com algo que vai imediatamente te perguntar o que é, o que significa e como funciona, aí é justamente quando a curiosidade levou à necessidade de compreensão.

Esse tipo de experiência: o prazer da dúvida, do contato com o misterioso, da descoberta, é o que move a curiosidade natural e resulta na necessidade de compreender, apreender e resolver problemas, ou seja: é a base do amor ao conhecimento. É o que move cientistas, intelectuais, investigadores, filósofos e inventores. É o que move meu autodidatismo e minha paixão em aprender coisas interessantes e resolver problemas que são importantes para mim.

E, bom, a escola mata isso. Estraçalha, na verdade.

Na escola tudo já vem pronto: o que estudar, o como estudar, o onde estudar, o quando estudar e o com quem estudar. Não existe espaço para inovação, arte e criatividade. As matérias são divididas artificialmente, como se no mundo real não houvesse conexão entre Matemática e Português ou Matemática e História, ou seja: como os brinquedos do parque, estão distantes umas das outras.

Assim, mesmo que uma criança possa ser curiosa, a má abordagem de um professor ou de um livro sobre o assunto pode parecer a ela bem menos interessante do que, por exemplo, uma visita ao zoológico ou uma interação com outro grupo de crianças, tão divertidas, curiosas e animadas quanto ela.

Tudo o que a escola requer da criança é a obediência bovina e respostas condicionadas, ou seja: conformação. Quando na verdade a função de um bom mestre deveria ser guiar a curiosidade da criança para apresentar a ela novos universos, nunca sufocar o interesse, as habilidades e gostos pessoais para lhe oferecer a mesma fórmula oferecida a todas as outras.

Como o mestre-guia da metáfora, a maioria dos professores são descontentes, doentes (alguns com sérios transtornos psicológicos), frustrados e tem um domínio quetionável sobre sua matérias, um método sofrível e uma exposição mais questionável ainda.

Ora, agora pense bem: Que tipo de criança ou adolecente vai achar emocionante e inspirador ficar trancado entre quatro paredes, copiando textos e olhando para videos e imagens antigas enquanto escuta a voz monótona de um professor frustrado? Ainda mais quando lá fora tanto as pessoas quanto as coisas parece mais vivas, mais autênticas, mais desafiadoras, mais apaixonantes e mais interessantes!

Em suma: a escola, e seu esquema padrão de ensino, é chata, desinteressante, morta, cafona e limitadora. Enquanto o mundo e os desafios não. É por isso que as crianças preferem os esportes, os jogos e qualquer expansão de contato com o mundo por meio de viajens a lugares desconhecidos.

Jamais esqueça que foi justamente nesse sistema de ensino, que é o mesmo até hoje, que Einsten ouviu de um professor que "nunca chegaria a ser alguém".

Não precisa dizer mais, precisa?

                                          

                                                                *** 

Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora em 2019. Até a presente data teve mais de 7 mil visualizações, 257 votos positivos, 23 comentários e 14 compartilhamentos. Entre os comentaristas da resposta uns concordaram e outros discordaram. Um deles, no entanto, trouxe relato que, pela força da verdade que carrega, urge compartilhar:

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10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


                                                 ***

Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora

07/05/22

Notinha #2: É melhor nem ler...

Decidi, à partir de hoje, não mais ler análises e artigos sobre a educação no Brasil. É tudo muito repetitivo, as observações e conclusões são sempre as mesmas: nossa educação é ruim,  nossos professores são despreparados e mal remunerados, nosso povo é ignorante - pra não dizer estúpido - e não há perspectiva de mudança sem intervenção política inteligente, bem informada e atenta às necessidades nacionais e locais. Ou seja: essa merda toda nunca vai mudar. Problema sem solução.

É mais fácil acreditar no sol parando, ou na cobra falante do Éden, do que acreditar que os brasileiros um dia serão educados, articulados, cultos, escrevendo com correção e lendo livros relevantes. Isso seria mais milagroso do que todos os relatos fantásticos das escrituras ditas sagradas. Ora, o espírito do brasileiro é profundamente farisaico e mesquinho. Nada, nem Deus, é capaz de salvar os brasileiros de si mesmos. Nada salvará o Brasil. Talvez um dilúvio, ou um vesúvio...

Notinha #1: Falta educação...

Aqui no Brasil, na vida em sociedade, muitas coisas seriam mais fáceis - e uma quantidade magnífica de problemas seriam evitados, se as pessoas recebessem educação apropriada.

20/03/22

11 Conselhos Para Jovens Nerds


[Dexter, o pequeno e arrogante gênio.]
                                          
Há poucas coisas realmente importantes na vida. Inteligência é uma delas. Alguém aí duvida que tudo que temos de bom e de valoroso na sociedade (e que todos os bens, físicos ou conceituais,dos quais desfrutamos) são frutos da inteligência e do esforço contínuo dos homens do passado?

Se alguém ainda tem dúvidas, basta olhar ao redor. Celulares, arranha-céus, carros, geladeiras, televisores, lâmpadas, trens… Todos esses bens não vieram do nada, não se construíram sozinhos. O processo de construção de apenas alguns deles, como um computador ou um carro, ou mesmo um simples lápis, é tão complexo e apresenta tantas dificuldades técnicas que causa profunda impressão observar tais artefatos serem construídos aos montes, apesar de toda a dificuldade envolvida na confecção.

A inteligência humana aplicada tem permitido identificar e resolver problemas não apenas em questões de engenharia, mas também na medicina, na psicologia, no direito, na política e em qualquer outra área que você possa imaginar. Além disso, a quantidade de conhecimento acumulado, utilizado e acessível nunca foi tão alta em toda a história humana (o amigo leitor certamente já ouviu falar que vivemos na “Era da Informação”) e nossa civilização é totalmente dependente desses conhecimentos, dessa estrutura informacional.

Sabendo disso, percebendo que a manutenção da nossa frágil civilização e de seus bens depende do conhecimento e da inteligência, era de se esperar que nossas crianças e jovens tivessem sua curiosidade natural (esse elemento formador da inteligência) mais do que estimulada. Era de se esperar que as mentes mais destacadas, os espíritos introspectivos, dados à leitura e à reflexão, ao cálculo, à descoberta e à solução de problemas difíceis, fossem encorajados e incentivados, tidos até como heróis mantenedores da vida, da civilização e do progresso, afinal, se não houver ninguém para guardar, descobrir e utilizar o conhecimento, que será de uma civilização baseada nele?

Infelizmente, porém, o brasileiro está longe, muito longe, de compreender isso. E consequentemente está longe de valorizar e de incentivar a inteligência e a curiosidade dos mais jovens. Por outro lado, os brasileiros são excelentes em incentivar a sexualização precoce e o retardamento infanto-juvenil.

09/02/22

Argumentos são discutíveis, opiniões não...



Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verdade, me constrangem um bocado; pois, vindas de pessoas inteligentes, só fazem reiterar minhas suspeitas quanto a eficácia da (des)educação tupiniquim.

 Falo da liberdade que as pessoas se dão para, com insistência, defenderem ideias a respeito de assuntos sobre os quais estão completamente desinformadas ou, na maioria dos casos, possuem apenas informações aleatórias, jornalísticas, toscas, oriundas do senso comum e de páginas de curiosidades da internet.

Tal fenômeno pode ser constatado em conversas corriqueiras sobre qualquer assunto. Se considerarmos tais opiniões quando inseridas em conversas informais e descompromissadas, não há do que se queixar. O problema é que as gentes costumam confundir conversa com debate e opinião com argumento. Erro muito comum, mas também muito danoso. O que chamamos de opinião, por si só, é incapaz de sustentar um debate saudável.

O termo “debate” se refere a um tipo específico de interação onde duas ou mais pessoas travam julgamentos diversos a cerca de um assunto, usando, para a avaliação desses juízos, um ou mais critérios — lógica, conhecimento técnico, conhecimento científico, argumentação crítica, conhecimento filosófico, uma mistura de saberes ou qualquer outra área do conhecimento — sempre de forma lógica, racionalizada, analítica e argumentativa.

Em outras palavras, é preciso ter uma quantidade mínima de informações e argumentos para defender uma ideia num debate.

Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.

Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.

É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.

É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.

A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.

Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.

Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.

Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos. 

O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.

Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.

De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.

02/02/22

Não Caia na Falácia da Igualdade

diversidade

Existe, no mercado de crenças contemporâneo, a ideia extremamente emburrecedora (muito vendida e muito comprada) de que somos todos iguais. Ela é tão alardeada, propagandeada e massificada que aposto que você, amigo leitor, já se deparou com alguma versão.

Se você é um dos inocentes que comprou essa ideia, estou aqui pra te avisar que fez péssimo negócio: você caiu numa vigarice intelectual. Sim, meu amigo, é triste dizer, mas você foi feito de otário. 

Calma, não fique bravo comigo: meu papel aqui é te alertar, e não posso fazer isso sem ser claro, sem ser realista e sem dizer as coisas tais como elas são. Por favor, caro leitor, não seja tão vaidoso a ponto de só aceitar a verdade quando ela vem recheada de eufemismos ou quando ela só favorece o que você acredita. 

Compreendo que isso pode ser difícil numa era em que o politicamente correto ameaça dominar a linguagem, mas garanto que ser autocrítico e realista lhe trará maturidade. Honrado e nobre é o ser humano que, ao identificar um tirano filho da puta, alerta seus companheiros declarando alto e em bom som: “Eis aqui um tirano filho da puta”. Por outro lado, vil e imperdoável deve ser aquele que mascara a linguagem para transformar assassinos em santos. 

Dito isso, podemos voltar ao tema central.

Já vou explicar o por que você foi enganado. Mas, para isso, lhe darei algumas pequenas tarefas. Nada que doa, eu prometo. Só preciso que você reflita um pouquinho.

Pense por alguns minutos na pessoa mais inteligente que você já conheceu. Pensou? Ok, muito bem. Agora pense na mais burra, na mais ignorante, na mais tola. Notou alguma diferença fundamental?

Pense agora, por alguns minutos, na Madre Tereza de Calcutá. Pense em Chico Xavier, em Jesus Cristo, em Mahatma Gandhi, em Martin Luther King ou simplesmente na pessoa mais sábia que você já conheceu. Agora pense em Hitler, em Charles Manson, em Calígula, no Maníaco do Parque ou simplesmente na pessoa mais cruel e depravada que você já conheceu. Percebeu alguma diferença?

Sem dúvidas, todas essas pessoas tinham algo em comum. Todas elas tinham uma estrutura biológica similar, a estrutura biológica dos humanos. Isso só significa, contudo, que elas tinham coisas em comum, não significa que eram iguais. Ao pensar nelas e compará-las, você provavelmente percebeu que elas não eram psicologicamente iguais. Em outras palavras, você percebeu que elas não pensavam e não agiam da mesma forma. 

Os seres humanos, quando comparados, possuem coisas em comum e também discrepâncias. É justamente por conta das discrepâncias, características individuais, exclusivas, que as pessoas não podem são exatamente iguais. O que torna cada ser humano único é o fato de que ninguém possui as mesmas particularidades. É aquela coisa de existir características em você que só existem em você. Aquela coisa da sua digital ser única: a isso chamamos individualidade 

Note que é crucial aqui entender o significado da palavra “igual”. Um ente “igual” a outro é um ente cuja constituição total é a mesma que a de outro ente. Agua é igual a H20. Cachorro é igual a Cão. Na boa e velha linguagem da lógica, o princípio da igualdade é formulado como A=A.

 Ocorre que seres humanos são constituídos por elementos comuns, como a estrutura fisiológica, mas também por elementos individuais, exclusivos, como a constituição psicológica de cada um. Ou seja: seres humanos não possuem exatamente a mesma constituição total. É por isso que eu sou eu, você é você e ele é ele. Se fossemos literalmente iguais, esses pronomes nem fariam sentido.Resumindo: temos coisas em comum, mas como temos características exclusivas, não somos iguais.

Acreditar que somos iguais é, portanto, negar a realidade. E a consequência dessa negação é muito perigosa, pois não estabelece a devida distinção. Tal negação coloca os maus no mesmo nível em que os bons, os virtuosos no mesmo nível em que os depravados, os honestos no mesmo nível em que os mentirosos. Tal negação equivale a não diferenciar um tigre de um gatinho.

 Equivale a dizer que Hitler e Jesus eram iguais. Pior: equivale a dizer que você é essencialmente igual ao que foi Hitler. Dizer que todo mundo é igual favorece os piores membros da espécie e praticamente anula a grandeza e o esforço dos melhores.

Por isso, não caia mais nessa, meu amigo.

 Aprenda a diferenciar as coisas — e os homens — segundo suas qualidades e atributos. Afinal, é para isso que serve sua inteligência.

19/01/22

Teoria da Solidão Positiva

 

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Ludwing Wittgenstein, que deliberadamente se isolou para realizar um dos trabalhos filosóficos mais impactantes do século XX.

Os relacionamentos interpessoais, especificamente aqueles que não se baseiam exclusivamente no pragmatismo das necessidades cotidianas, só valem à pena quando o desenvolvimento individual — intelectual, moral, emocional — dos membros atinge maiores alturas do que ocorreria com os indivíduos isoladamente.

Se a companhia de um ser humano x não me acrescenta uma probabilidade de evolução maior do que a minha própria companhia, então a solidão (que é ter apenas a minha própria companhia), será mais produtiva evolutivamente do que a companhia de x.

Esse é um raciocínio simples que explica por que ficar sozinho pode ser muito mais produtivo do que se relacionar com uma determinada pessoa. Subindo um degrau, penso que o mesmo raciocínio pode ser aplicado a grupos sociais.

O que há de interessante aqui é a informação (talvez nova para alguns) de que, em alguns contextos,  ficar sozinho produz uma evolução maior do que participar de grupos.

Daí que no atual status quo do mundo em que vivemos, ser solitário, para algumas pessoas, tem mais a ver com a baixa oferta de indivíduos notáveis, aqueles indivíduos que podem oferecer contribuições significativas ao aperfeiçoamento do homem, do que com algum pretenso ódio as pessoas, misantropia ou alguma outra psicopatologia.

Em síntese; algumas pessoas precisam ficar sozinhas pois, no meio em que vivem, essa é a maneira mais eficiente de evoluírem.


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Nota do editor: o texto acima  foi escrito em 2017 e originalmente publicado no Medium.