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02/08/23

Como é a vida de um vagabundo

 

[Novos Baianos - A face da vagabundagem artística]


Embora seja verdade que ando procurando emprego, não posso, não devo e não tenho a mínima pretensão de negar que sou, em espírito e em ideologia, um vagabundo.

"Vagabundo Intelectual", "Ocioso Profissional", "Vagabundo de Elite" são alguns dos termos que poderia usar para me descrever. O que mais gosto, no entanto, é o sonoro e retumbante "Elite da Escória" (Será, se tudo der certo, título de algum livro ou conto futuro).

A vida de um vagabundo profissional, dentro dos seus limites, é boa - provavelmente melhor que a vida de muitos de vocês. Certamente não é para qualquer um, já que exige um nível de desapego e de distanciamento social considerável; junto da permanente instabilidade financeira, é claro.

Contarei já tudo o que é necessário saber sobre esse estilo de vida. Mas antes, como me é típico, trarei alguns esclarecimentos prévios. O amigo leitor, caso queira, pode pular para a segunda parte.


[Colin Wilson - o vagabundo literato]

  1. De como me tornei um vagabundo profissional

Ao contrário do que se pensa, não é fácil se tornar um vagabundo. Não estou considerando aqui aqueles casos em que não houve escolha, onde o processo foi consequência de fracassos pessoais e de uma certa maré de azar. Não foi o meu caso, nem o dos meus amigos. O nosso processo foi ideológico/ filosófico: está totalmente atrelado a um sistema de crenças e valores que desafia os modelos e as imposições sociais da civilização atual.

Sofri influências diversas. Literárias, cinematográficas, filosóficas. A ideia de uma vida simples e contemplativa, do Thoreau; a sugestão de uma vida boêmia e calorosa, do Jack Keruac. Um modelo mais próximo e contemporâneo, Eduardo Marinho, outro; o Alexander Supertramp. A história do Leonardo Maceira; viajar sem dinheiro pelo Brasil tirando fotos de belas mulheres nuas em meio à natureza. Contagiante. Qual artista aventureiro não gostaria de uma experiência dessas? E a base filosófica mais profunda veio do Bertrand Russel em seu Elogio ao Ócio. Também os relatos de Orwell sobre seu tempo de vagabundo - Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios - e o ensaio de Tocqueville sobre a pobreza me cativaram. Tolstoi, com seu cristianismo anarquista naturalista, uma influência mais distante. Thomas Merton, com sua apologia da solidão, também.

Enfim, modelos não me faltaram. Fossem aristocratas, burgueses, intelectuais, drogados, monges ou pobretões.

Entendam: sou um sujeito livresco, artístico, cultural e contracultural, com certa admiração pelo que foge à regra. O que as pessoas normais acham absurdo, fora do comum, coisa de maluco, acho interessante, faz parte do meu imaginário. Então viajar de carona, levar uma vida boêmia ou ser um tanto vagabundo sempre foram ideias bastante aceitáveis para mim, pois me lembravam as experiências de pessoas que eu admirava.

No entanto, perceber que o modelo de vida vagabundo era, para mim, psicologicamente mais saudável do que uma vida integrada ao sistema foi algo que só aprendi com o tempo. Já fui um agente do sistema. Já estive em suas entranhas, vi seu funcionamento torpe e corruptor por dentro. Estive nas forças armadas, convivi com autoridades, tinha uma carreira estável. Estive numa das melhores universidades públicas do país, tive acesso à nossa elite, seja a intelectual seja a econômica. Em todos esses lugares, sempre me impressionou a mesquinharia, o imaginário débil, a preguiça intelectual, a burrice, o medo da superioridade alheia, a hipocrisia, o corporativismo tacanho, a sujeição bovina aos símbolos de status e autoridade, a burocracia kafkaniana, as leis sem sentido, o fuzuê geral que se instaura em cada instituição, em cada debate, em cada círculo do funcionalismo.

Com o tempo, foi ficando claro que eu tinha uma forma de pensar, um tipo psicológico, um certo sentimento filosófico - outsider - que não era comum. Fui percebendo que nessa sociedade, nessa cultura, as pessoas como eu acabavam enlouquecendo. Alguns dos meus amigos, iguais à mim, foram parar no hospício. Outros, no caixão. Eu iria pelo mesmo caminho, não tenho dúvidas. Já tinha até carta de suicídio pronta.

Por outro lado, minha vocação em escrever e ter uma vida contemplativa, em ser um observador da loucura do mundo, em pôr o dedo nas feridas, se fazia cada vez mais pujante. Até que uma série de tragédias - incluindo o suicídio de alguns bons amigos - me fez perceber que minha sanidade estava também indo para o ralo, e logo eu teria que - como a maioria de vocês- viver à base de psicoterapia, remédios de tarja preta, sessões de auto-hipnose na igreja evangélica e conselhos do Dráuzio Varíola e do Flavio Gikovate. Então, apreensivo, optei por um período de isolamento com a tríade: eremistismo urbano + misticismo cristão + vagabundagem filosófica.

Pôr a mente no lugar, deixar a vocação fluir. Encontrar Deus no Silêncio, nas Trevas e na música de Wagner. Foda-se o resto.

Inteligência, orientação e sanidade sempre foram importantes para mim. Se o único jeito de mantê-las era me afastando da sociedade e frustrando as expectativas dos meus pais, tudo bem; era um preço que eu podia pagar. Aceito bem a infâmia.


[Renton e sua trupe de vagabundos junkies - Trainspotting]

2. Aspectos da vida de um vagabundo.

Tempo

O vagabundo tem tempo, não tem pressa para quase nada. A únicas grandes preocupações são com o mínimo de comida, de saúde e de moradia (E, no meu caso, com o caminhar da vida intelectual e espiritual).

Se o vagabundo acorda e diz: "Declaro hoje feriado pessoal. Está proibido trabalhar." É a Lei e não se fala mais nisso.

Podemos passar horas sentados, descompromissadamente, observando o ambiente ao redor, refletindo, comparando nossa vida livre com as das outras pessoas, cheias de compromissos, presas a todo tipo de senhores, padrões, comportamentos, relações e ideias.

A noção do tempo dos vagabundos, obviamente, não é das melhores. O vagabundo pode demorar muito para fazer as coisas. Hoje é quinta? Sexta? Sábado? O vagabundo não sabe. E nem se importa.

Stress

Em decorrência dessa liberdade de ação, o vagabundo não tem stress, ou o tem em pouquíssima quantidade. Pode ficar ansioso quando se aproxima o dia de pagar o aluguel, ou temerário depois do segundo dia sem comer, mas a vida lhe ensinou que há, quase sempre, alguma resolução, que a Providência não abandona os justos, nem aqueles que tentam sê-lo. O vagabundo tem fé, tem fé em Deus, tem fé no Destino, tem fé em milagres, tem fé na bondade humana.

Ele é, a um só tempo, um homem só, abandonado, e um exército de resiliência.

Renda

O vagabundo sabe, mais do que todos, que dinheiro, por mais importante que seja, está longe de ser a coisa mais importante. Ele consegue as coisas, muitas vezes, na base da lábia, da amizade e da boa fé. Ele não teme se expor. Sabe de sua condição e não pretende negá-la. Mesmo não sendo apegado ao dinheiro, sabe que deve honrar seus compromissos financeiros quando são com pessoas. Como o vagabundo entende que pessoas jurídicas não são pessoas, ele se permite furtar algumas coisas do supermercado e dar alguns calotes institucionais aqui e ali.

Mas sempre há algo que o vagabundo sabe fazer. Eu, por exemplo, escrevo - mal, mas escrevo. Também desenho - mal, mas desenho. Eu sei hipnose - pouco, mas já impressiona. Também sei falar, dar aulas, entreter. Quando o vagabundo não é bom em obter dinheiro com seus talentos (meu caso), ele sabe ao menos onde ir e obter recursos de graça ou a preços irrisórios. Vai recorrer, evidentemente a caridade dos bem afortunados, sejam parentes, sejam amigos, sejam desconhecidos. Ou aos órgãos públicos destinados ao serviço social. Aqui em Brasília há, por exemplo, o "Rorizão", Restaurante Comunitário cujas refeições (café da manhã e almoço) custam apenas dois reais cada.

Os caridosos, por sua vez, amam o vagabundo, especialmente quando é esclarecido. A maioria das roupas que tenho, ganhei. Perfumes, ganhei. Relógios, ganhei. Livros, também.

Saúde

O vagabundo conhece os melhores métodos de sobreviver às intempéries e privações. Ele sabe o que comer para manter a imunidade elevada, sabe como se exercitar, conhece as receitas mágicas, passadas de geração em geração, para curar as moléstias. Conhece as plantas, sabe onde obtê-las. E se ele não sabe de nada disso, conhece quem sabe.

Vida interior

Não dispondo de muitos recursos externos, o vagabundo se volta para si mesmo. É um homem cuja vida interior é invejável, de imaginação aflorada, com uma memória vívida do passado. A prática da reflexão, pelo tempo, fez dele um filósofo, naquele sentido kantiano do termo, segundo a qual a maior característica do filósofo está na reflexão aprofundada e não necessariamente no conteúdo da reflexão.

O vagabundo pode conversar sobre qualquer assunto que envolva aspectos humanos. Ele desenvolveu uma capacidade incrível de separar o que é realmente importante na vida e o que não é.

Amizades

Está aí o que talvez seja a maior fonte de prazer para o vagabundo. Ele pode ficar sem comer, sem pagar o aluguel, sem atualizar seu vestuário, mas não pode ficar sem beber com seus amigos. Muitas vezes, os amigos acabam o induzindo a se entorpecer além do álcool, o que ele faz, embora vá se arrepender depois.

Há momentos em que a rabugem lhe toma conta e então ele se torna agressivo e desdenhoso. Mas logo se arrependerá e recorrerá, novamente, aos amigos. De onde sempre extraí ânimo de viver e alguma força. Por isso o vagabundo é extremamente fiel aos amigos, como um cachorro. Está disposto não só a fazer o bem, mas mesmo a fazer o mal para defender os seus.

Tragédia Existencial

O vagabundo tem muito claro para si a dimensão trágica da vida. Ele não nega suas dores, seus sofrimentos, nem os alheios. Mas nada disso o faz fraco, pelo contrário. Encara a morte de um amigo, por mais que o ame, como encara a morte de uma borboleta ou a imprevisibilidade geográfica dos raios: são fatos da vida, inevitáveis, inescapáveis.

O vagabundo é, sobretudo, um estoico. Jamais se incomoda ou se revolta com aquilo que não pode mudar. Longe de se rebelar contra a Natureza, ele a respeita profundamente.


E há, certamente, muito o que poderia ser dito. Mas creio que pude lhes dar ao menos uma breve dimensão desse estilo de vida. Não recomendo. É só para os doidos.

"As únicas pessoas que me interessam são as loucas, aquelas que são loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas; as que desejam tudo ao mesmo tempo. As que nunca bocejam ou dizem algo desinteressante, mas que queimam e brilham, brilham, brilham como luminosos fogos de artifícios cruzando o céu."

Jack Kerouac


01/02/23

O Artista e Sua "Loucura"

Há quem pense que os artistas são, quase sempre, pessoas instáveis, de mente fértil, porém perturbada, estando a apenas alguns passos de distância dos loucos.  Acontece que, apesar das aparências, isso não é bem verdade. Não é que artistas possuam maior tendência a ter transtornos mentais, a realidade é outra: artistas são corajosos o suficiente para expor sua alma via arte. Quem olha para dentro de si, por tempo suficiente e com a profundidade devida, sempre encontra imperfeições, transtornos, traumas, vieses. O artista trabalha isso, depura a si mesmo por meio de sua arte. Trata sua psique ferida com ela, que pode ser, entre outras coisas, uma forma de terapia espiritual. Tratando a si mesmo, expondo-se, ele se aprimora, podendo exorcizar seus males, enriquecer a cultura e o imaginário da humanidade. Colabora consigo e com o mundo.

Por isso, em geral, bons artistas se conhecem bem mais do que as pessoas comuns. Eles não são "mais doidos" que as pessoas normais (ao menos não todos, e certamente não a maioria). Ocorre que, diferente das pessoas normais, os artistas foram tão fundo dentro de si mesmos que perceberam o que neles era totalmente diferente, perceberam sua loucura, ou desajuste particular. Perceberam sua singularidade, e então, num segundo passo, a aceitaram. Depois deixaram de se intimidar com isso e pararam de fingir. Assim puderam abraçar a si mesmos e expressar isso sendo autênticos.

O que a maioria das pessoas chama de loucura na classe artística é apenas expressão da individualidade, singularidade e da autenticidade. É um abandono do fingimento. Como a nossa sociedade estimula o fingimento e o comportamento de manada, o homem comum estranha e acha esquisito quando alguém se permite ser autêntico e foge dos padrões.

Raramente conheci um artista que não tivesse consciência da sua loucura e dos seus dramas pessoais. Por outro lado, o que mais conheço é gente normal cheia de traumas e problemas mentais, mas sem consciência nenhuma disso; gente que vive na base do fingimento, do remedinho para camuflar as ansiedades e do autoengano. Gente que é incapaz de ser sincera até consigo mesmo. Essa é a tal da gente normal. Credo! Eu tenho até medo...

Aliás, sempre bom lembrar: normalidade não é exatamente algo saudável, pode ser uma doença. Se você é normal demais, por favor, vá se tratar:

Salvador Dalí manda lembranças:

Nota do Editor: como outras publicações deste blog, a primeira versão deste texto foi originalmente publicada como resposta no site Quora

14/12/22

Mata, Entorpece, Faz Gozar e dá Lucro: Corona Faz Tudo Isso e Muito Mais.


Sempre que, entoando aquela caricata voz paternalista e conselheira, uma autoridade pública lhe disser para não entrar em pânico, fique atento, pois é precisamente isso o que você deve fazer. Infelizmente não ensinam essas coisas na escola, mas, no mundo real, os jornais, governos e autoridades só te dizem para não entrar em pânico quando eles sabem que há motivos de sobra para entrar em pânico. Portanto, toda vez que você ver uma autoridade tentando minimizar um problema dizendo que não há motivos para o caos generalizado, pode ter certeza: ela mente e, muito provavelmente, irá haver caos generalizado.

Misantropo velhaco que sou, conhecedor nato da farsa humana, ao ver o noticiário, algumas semanas atrás, contemplei alguma dessas apresentadoras magrinhas e insossas dizer alguma coisa sobre como o Ministério de alguma dessas áreas importantes que jamais deveriam ser administradas por políticos (Saúde, acho) estava se preparando para o combate ao tal vírus com nome de cerveja cult. Logo em seguida, a mocinha indicou uma série de procedimentos lógicos e básicos de higienização para combater o vírus.

Vejam só! Pleno 2020 - mais de cem anos depois de São Freud! - e eu ainda tenho que aturar essa gente "respeitável" apelando para a racionalidade humana. Ainda mais gente do jornalismo, cuja base de atuação é a propaganda e a criação de consenso, que funcionam com... apelos e mais apelos ao inconsciente.


Se o Corona mata, a Corona salva. Se não salva, ao menos traz aquele bom entorpecimento alcoólico. O qual, no fim das contas, não deixa de ser uma forma de salvação.


Naquele infernal dia, como em geral são os dias no Rio de Janeiro, olhei cauteloso para minha inconsequente progenitora (inconsequente porque me pariu) e lhe fiz o único pronunciamento que um cético social poderia:

_ É sério que alguém ainda espera racionalidade e higiene social do povão?

Nosso povão certamente tem muitas qualidades, mas higiene social certamente não é uma delas. Se nas camadas mais gerais domina uma certa "cultura do corpo" ( em nosso país, por algum motivo, todo popular quer ser Schwarzenegger e toda popular quer ser Kardashian), essas mesmas camadas carecem de cultura cívica - e higiênica - do espaço. Qualquer pessoa com alguma vivência urbana diversa sabe que a lógica espacial do nosso homem urbano médio é a mesma lógica organizacional dos bloquinhos de carnaval e das micaretas. Ou seja: há muita ordem, gente bonita, disciplina e uma organização quase prussiana. Só que tudo ao contrário.

E para melhorar temos o toque. O brasileiro, especialmente o carioca, é um sentimental. Tem sempre aquela coisa (nojenta) do aperto de mão, do beijinho no rosto (arghh!!) e do abraço. Coisas que só são úteis para órfãos carentes, turistas carentes e, claro, terroristas bacteriológicos.

Eu, cá no meu cantinho, observando a loucura dos outros e do mundo, indago: por que, meu Deus, por que as pessoas não podem se comunicar apenas por acenos de mão e cabeça? E por que o vírus só é mais perigoso para os mais idosos? Quer dizer que os detestáveis millenials vão continuar vivos e atuantes? Quer dizer que aqueles que conhecem a história, aqueles que possuem alguma sabedoria, alguma maturidade, alguma malícia, alguns valores tradicionais, algum racismo essencial, algum preconceito notável, algum machismo salvífico, esses, que são os meus, irão morrer? E isso tinha que acontecer logo durante uma das minhas crises de ateísmo!?

Mas tenham calma, meus amigos. Não façam como eu, não se desesperem, não comprem manuais de combate a zumbis e nem estoquem comida em casa. Ainda - ainda!-não há motivo para pânico. Afinal, nessa onda de vírus já criaram até um novo fetiche pornô, sobre o qual nos poderíamos dizer que é um tanto quanto... virótico.

Enquanto você está aí temendo o vírus, tem gente gozando e lucrando com ele. Aparentemente, não há desgraça que não possa ser, de algum modo, cooptada para gerar lucro para algum empresário oportunista.

A estratégia quase sempre é a mesma: apelar aos instintos, nunca a razão.


                                                                      ***


Nota do editor: como outros textos abrigados neste blog, a crônica acima foi originalmente publicada  no site Quora (mais especificamente: em Março de 2020).

30/11/22

Uma Introdução à História do Rock e seus Principais Subgêneros

Aquilo que nós hoje chamamos de "Rock" nasceu como "Rock N' Roll" em meados dos anos cinquenta, tendo como representantes clássicos Elvis PresleyChuck Berry e Little Richards. Era uma música descompromissada, rebelde, feita para dançar e falar sobre amor.

Para a época, o rock era chocante por vários motivos: o rebolado, o barulho, a tensão sexual evidente nas letras, as referências a bebedeira e vida noturna, etc. Diziam que o Elvis "dançava como um negro" e inicialmente os programas de TV não mostravam os movimentos sinuosos e sugestivos que, ao dançar, ele fazia com a pélvis. De fato, Elvis realmente dançava como um negro, afinal muito do rock vinha da música negra. E isso era algo totalmente inaceitável para o Establishment cultural dos anos cinquenta.




Elvis. Belo, branco e sensual. Era tudo que o Rock precisava para decolar.


Johnny B. Good - Chuck Berry. Se você gosta de cinema, já deve ter ouvido essa música em De Volta Para o Futuro, nesta cena épica: 




Como você pode ver, o rock já nasceu com vocação para o escândalo e para a fanfarrice. Tendência que só iria se acentuar com o desenvolvimento dos vários subgêneros que surgiram.

É interessante notar que o Rock N' Roll é um gênero do pós-guerra. E que embora tenha lá sua inspiração no Blues, não carregava nadinha do dramalhão dos afroamericanos sofridos que despejavam sua tristeza melodiosa em sinistros acordes de violão "endiabrado".


O clássico Blues do negro triste e místico.


Crossroads- Robert Johnson


Nada de tristeza como no Blues. O Rock era festeiro e dançante.

E esse foi o início.

Até que vieram os anos 60.

Os anos sessenta, meu chapa. A década do Woodstock, da Guerra do Vietnã, da Guerra Fria, dos Movimentos Civis, das Milícias Revolucionárias, do Assassinato de Kennedy, do Maio de 68, da Ditadura Militar no Brasil e da Viajem à Lua. O mundo estava em completa ebulição e nada mais seria como antes. E é claro que o rock iria mudar também.

Aos poucos os músicos foram adicionando, retirando e reorganizando os elementos formativos do estilo. O rock britânico dos Beatles já era muito diferente do rock do Elvis. E o próprio Elvis não gostava dos Beatles.

Se na década de 50 o Rock foi um fenômeno basicamente norte-americano, na década de 60 o rock explodiria como um fenômeno fonográfico (e cultural) mundial. E aí, em paralelo com o movimento hippie e toda a contracultura, surge a mitologia do "Sexo, Drogas e Rock N' Roll".


"Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade". Foram as palavras de Neil Armstrong ao pisar na Lua.


Agora o rock vai ficando mais sofisticado, filosófico e cada vez mais experimental. O chamado Rock "clássico" é dessa época. Além dos Beatles e dos Rolling Stones, despontando na cultura havia: Jimmy HendrixJanis Joplin, The DoorsFrank Zappa and The Mothers Of InventionCreedence Clearwater RevivalThe WhoThe AnimalsThe Velvet Underground, etc.

No Brasil nós tínhamos, sobretudo, Mutantes e Raul Seixas (Raul era muito fã de Elvis e os Mutantes eram muito fãs dos Beatles e do Rock Psicodélico).

Foi nos anos sessenta que o rock começou a se ramificar muito e todo mundo começou a flertar com ele. Mas acho que o grande estilo da década foi o Rock Psicodélico mesmo. Com suas guitarras distorcidas, vozes alucinadas e muito, muito ácido (*LSD*) na cabeça.


Alguns clássicos dos anos 60:


Twist and Shouts - Beatles


The End- The Doors


For What it's Worth - Buffalo Springfield


House of the rising sun - The Animals


All Along the Watchtower - Jimmy Hendrix (um dos pioneiros do Rock Psicodélico).

Na década seguinte, os anos 70, a loucura continua. Surgiram (ou se consolidaram) o Metal (Heavy Metal) e o Rock Progressivo.

O Heavy Metal foi o primeiro gênero do Rock que apostou de forma sistemática numa atmosfera musical mais sombria e declaradamente pagã. O principal nome do Metal é o Black Sabbath. Outra banda importante (embora nem todos concordem que ela é de Heavy Metal) foi o Led Zeppelin.



Black Sabbath- Black Sabbath. Essa música é genialmente assustadora.


Stairways to Heaven - Led Zeppelin. Acredite ou não, devido a várias referências esotéricas sutis, essa bela canção é considerada uma das músicas mais satânicas do Rock. Como diz a própria canção: "nem tudo o que reluz é ouro".


No Rock Progressivo, subgênero caracterizado por composições extremamente elaboradas, os grandes nomes foram o Pink Floyd, o Gênesis e o Yes. Os caras faziam músicas de 6, 10, 15 e até 20 minutos. Eram de uma dedicação e virtuosismo impressionante. Eu não sei dizer exatamente se o Queen chegou a ser considerado rock progressivo. Se não foi, chegou muito perto.

Nos 70 despontou também o grande David Bowie. Como definir seu estilo? Space Rock, talvez? Possível, ao menos no Ziggy. Acredite, cara, Ziggy Stardust and The Spiders From Mars é um dos melhores álbuns de rock dos anos 70. É realmente obrigatório. (Apesar de toda a estranheza da temática e do próprio Bowie).


Five Years - David Bowie
Shine on You Crazy Diamond - Pink Floy


                                                         Five Years - David Bowie


Shine on You Crazy Diamond - Pink Floyd


Bohemian Raphsody- Queen

Quem diria que aquele rockzinho do Elvis, alguns anos depois, iria se transmutar nisso aí, heim?


Também é nos anos setenta que surge o Punk Rock, cujas bandas mais famosas da época foram Ramones e The Sex Pistols. O Punk geralmente é descrito como uma reação debochada ao Rock Progressivo. Os músicos do Punk Rock pensavam: "E daí que eu não sei fazer uma composição com quinze ou vinte acordes? Será que eu preciso saber mesmo isso para ser um bom músico? Vou fazer uma musiquinha de três ou quatro acordes e vou cantar mesmo assim!". E foi o que eles fizeram. Só que acrescentaram algo: atitude. Ou melhor: muita atitude rebelde, debochada e mais ou menos antissocial.

O lema dos punks? "Do It Yourself" ("Faça você mesmo") e também tinham, claro, o bom e velho "Fuck The System" ("Foda-se o Sistema").



My Way- The Sex Pistols. Sid Vicious promovendo o caos e avacalhando a música de Frank Sinatra. (Para anarquistas arruaceiros como eu, Sid é um herói)
Pet Sematery- Ramones


My Way- The Sex Pistols. Sid Vicious promovendo o caos e avacalhando a música de Frank Sinatra. (Para anarquistas arruaceiros como eu, Sid é um herói)


Pet Sematery- Ramones



Hard Rock também surgiu nos anos setenta e os historiadores do rock apontam o AC\DC e o KISS como os maiores nomes desse subgênero. Normalmente as pessoas confundem Hard Rock com Heavy Metal, mas há uma dica que quase sempre funciona: se é muito barulhento e só fala de amor, vida noturna e putaria, então é Hard Rock (esse seria o caso de bandas como Skid Row e Guns N' Roses). Se é muito barulhento mas só fala de demônio, fantasmas, ocultismo, blasfêmias e coisas sombrias, então é Heavy Metal (como Iron MaidenJudas Priest e congêneres).




Rock and Roll All Nite - Kiss. Um clássico do hard rock.
Back in Black - AC\DC


Rock and Roll All Nite - Kiss. Um clássico do hard rock.


Back in Black - AC\DC



Nos anos oitenta a cena do Rock é praticamente dominada pelo Punk e pelo Hard Rock. O Hard vira uma loucura e surge o pessoal do chamado "Rock Farofa", bandas de qualidade duvidosa e estilo excêntrico e repetitivo, como Motley CrueEurope e Bon Jovi. Todos eles meio que surfavam na sonoridade pegajosa do KISS, mas sem a autenticidade do KISS.

Agora você pode até me julgar um rockeiro degenerado e de mal gosto, o que eu realmente sou, mas devo confessar que eu adoro rock farofa. Especialmente Bon Jovi. Que posso fazer? Eu nasci para o mal.




Europe - The Final Countdown


Living on a prayer - Bon Jovi.


Veja bem, nós ainda estamos nos anos 80 e a essa altura os rockeiros já tinham flertado com tudo: samba, bossa, funk, jazz, música erudita, reggae, soul, etc. Então eu estou apenas tentando resumir as correntes principais, o bê-a-bá para o recém chegado, ok?

Por conta dessas misturebas todas, todo mês aparecia uma banda de rock nova expressando uma sonoridade muito maluca que ninguém sabia como chamar. Todo mês, cara. Loucura total. Até que um dia algum jornalista espertinho teve a brilhante ideia de chamar todos esses estilos diferentões de… "Rock Alternativo".

E desde então, sob essa alcunha, nada original, se encontram bandas que nada tem a ver umas com as outras, como Red Hot Chilli PepersSmashing PumpkinsNick Cave and The bad seedsThe PixiesTalking Heads, quase todas as bandas de "pós-punk" e qualquer coisa que não se enquadrasse nas categorias usuais.




É tão inovador que você não sabe como chamar? Relaxa, meu compradre: é Rock Alternativo!



Where is my mind- Pixies.



Psycho-Killer- Talking Heads


Aliás, importante saber: o Rock é o gênero musical com mais divisões, subdivisões, microdivisões, discordâncias sobre as divisões e, para facilitar, cantores que não aceitam rótulos. Eu já vi amigo brigando sobre a diferença entre "Black Metal" e "Death Metal", chega a ser hilário.



Black Metal ou Death Metal? Para mim tanto faz. Só sei que se tem mulher diaba envolvida, eu tô dentro.


No Brasil, nos anos 80, desponta o que hoje nós chamamos de B-Rock ou Rock BR, que nada mais é do que o Rock Nacional popular, que tocava nas rádios. Se for ouvir escute as bandas clássicas: Barão VermelhoLegião UrbanaParalamasTitãsRPMIraCapital InicialEngenheiros do Hawaí, Biquíni Cavadão e afins.




Uma boa playlist de rock br:




Chegando ao fim dos 80 e início dos 90 temos a explosão do Grunge.

NirvanaPearl Jam e Stone Temple of Pilots. O grunge é uma espécie de punk sofisticado, menos intenso e muito mais cínico. Há atitude no grunge , mas não é uma atitude de mudança ou de faça você mesmo. É mais aquela coisa do vagabundo desiludido com o mundo. Grunge não toma banho, anda com roupa rasgada, tá se lixando para sucesso material. (Dizem as más línguas que o Kurt Cobain fedia um bocado).

O Grunge tem aquela coisa de "Ah, tudo é uma merda, a humanidade é uma merda, a mídia é uma merda, a politica é uma merda, a indústria musical é uma merda; então vamos encher a cara e tirar sarro desses idiotas". Mano, vou te falar uma coisa: eu adoro grunge! Rs.




Clássicos do Grunge:


Come As You Are - Nirvana


Alive- Pearl Jam


Ainda nos anos noventa desponta o BritPop, rock popular britânico, como Oasis e Blur, e ainda tem o que nós poderíamos chamar de "Rock Eletrônico", que englobaria o Trip Rock do Gorillaz, do Massive Attack e, talvez, a sonoridade do Radiohead e das bandas de New Metal, que iriam misturar música eletrônica, rock e hip-hop (Linkin Park, Rage Against The Machine e Limp Biskit).





Don't Look Back In Anger - Oasis


Clint Eastwood- Gorillaz


Faint - Linkin Park


Dos anos 90, cá no Brasil, nós tivemos o interessante MangueBeat, encabeçado pelo Chico Science e Nação Zumbi e pelo Mundo Livre S/A. Tivemos os Mamonas Assassinas, que eram um rock de humor anárquico e também Raimundos, que conseguiam ser ainda mais anárquicos que os Mamonas.

Mamonas e Raimundos são bem divertidos, especialmente se você é adolescente ou jovem ou adora uma piada de duplo sentido e uma letra sacaninha. (Evidentemente é o meu caso).





Selim - Raimundos (com a clássica frase: "Eu queria ser a calcinha daquela menina, para ficar bem perto da vagina e as vezes até me molhar")


Vira- Mamonas


Também nos 90, cá no Brasil, tivemos duas bandas muito influentes de rock: O Rappa e Planet Hemp. Duas bandas obrigatórias para rockeiros cariocas.




A culpa é de quem - Planet Hemp. Todo maconheiro adora essa música.


Tribunal de Rua - O Rappa. Essa música é a cara do Rio.


Dos anos 2000 para cá quase tudo que surgiu de interessante no Rock foi chamado de "Indie Rock". "Indie" sendo uma corruptela de "Independent". Aconteceu que com a popularização dos computadores e a ascensão da globalização, a acessibilidade dos recursos de composição e edição aumentou drasticamente. Algumas bandas dessa leva são Artistic Monkeys, Kaiser Chiefs e Franz Ferdinand.





I predict a Riot - Kaiser Chiefs


Take Me Out - Franz Ferdnand


Nas primeiras décadas deste século houve também o Pop Punk (Green DayBlink 182Avril Lavigne…), o Emo (My Chemical RomancePanic Até The DiscFall Out Boy… ).

E depois veio aquela coisa estrambótica chamada Happy Rock (Restart e congêneres) . Mas aí a coisa é triste e sobre esse tipo de subgênero me dá ânsia de vômito, então acho melhor terminar por aqui.

O que veio depois eu não acompanhei muito. Mas tem coisa boa sendo feita atualmente. Eu recomendaria fortemente MGMTTime Impala, qualquer coisa do John Frusciante e, claro, Beirut.





Nantes - Beirute


Minha a dica seria procurar as melhores músicas de cada uma das bandas que eu mencionei, em ordem cronológica, e ouvir ao menos cinco músicas de cada banda, para conhecer. Gostou muito de uma banda? Vá ouvir o melhor álbum dela. Gostou demais desse álbum? Escute os outros. Não perca tempo demais numa banda, pois há muita coisa para se conhecer. Conheça tudo o que puder, depois selecione apenas os seus favoritos.

Mas cuidado! Rock vicia! Digo por experiência própria!

Aprecie sem moderação!



                                                                                   ***


Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.