28/09/22

Como conviver num ambiente em que meus familiares adoram o sentimentalismo do sertanejo e anseiam a próxima edição do BBB?

 

Já assistiu Malcolm in The Middle? Malcolm é uma criança gênio vivendo numa família grande e desfuncional. Cercado por imbecis que não o compreendem, ele se esforça para tentar se "normalizar."


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Cá no Brasil, muita gente com inclinação filosófica, intelectual e literária acaba ficando decepcionada com a mediocridade da cultura popular nacional, que vai ficando cada vez mais idiota, cada vez mais torpe, alienante e degenerada.

Essas pessoas, muitas vezes, se ressentem ou sentem dificuldades em lidar com um povo que em tudo se quer superficial e alienado, e que, por isso mesmo, é ludibriado pela imprensa, explorado pelos bancos, pelos empresários, pelos políticos, e feito de otário por charlatães pseudo religiosos e golpistas que se aproveitam das aparências.

Mesmo assim, longe de procurar tomar consciência de sua condição, procurando meios para melhorar, esse povo ostenta a ignorância quase como o maior dos valores ,olhando com desprezo e estranhamento aquelas criaturas que apreciam livros e coisas esquisitas como música erudita, silêncio ou, coisa absurda!, solidão.

Cada um se orgulha de ser exatamente como todos os outros. E esse tal povo é, ao mesmo tempo, um dos mais violentos do mundo, um dos mais promíscuos, um dos mais mal-educados e um dos mais explorados; pagando as maiores taxas de juros do mundo e vivendo no país mais desigual do universo.

Mas, como são todos muito inteligentes e cordiais, a maioria não conhece os dados estatísticos básicos do próprio país; e, não os conhecendo, não podem conhecer a realidade onde vivem; e não conhecendo a realidade de onde vivem, nada podem compreender dela. Finalmente, nada compreendendo, nada podem mudar.

Nada mudando, tudo permanece o mesmo.

Sendo assim, o que aqueles que anseiam por algo mais elevado devem fazer na convivência com essa gente?

Nada. Absolutamente nada.

Se destacar é perigoso, pois gera ressentimento. A coisa mais insuportável ao medíocre é ter jogada na cara a sua mediocridade. Se alguém é melhor que ele, ou deseja algo melhor que ele, torna-se logo um inimigo.

A realidade está ai e é preciso, para a maturidade, aceitá-la. Resignar-se é preciso. Se, por um lado, a mediocridade impossibilita o desenvolvimento da inteligência, por outro garante uma certa estabilidade psicológica, um descompromisso com os problemas do mundo e uma vida bem menos angustiosa. Há muitas vantagens na mediocridade, no não-pensar, no ir com os outros. Quem pensa menos é mais feliz.

Entenda que nem todo mundo é como você, com a sua curiosidade e vocação pensante, e que nem todo mundo deveria ser. Se as pessoas amadas preferem se atulhar de conteúdo parvo, embrutecedor do espírito e da inteligência, a escolha é delas. Elas, portanto, que arquem com as consequências disso, assim como nós deveremos arcar com as angústias e conflitos morais de uma vida de estudos e de elevada atividade cultural.

Que podemos fazer de bom pelos que amamos? Instigar, instruir. Falar, vez ou outra, sobre uma coisa importante que valha a pena saber. Presentear com um bom livro ou um bom filme. Ensinar alguma coisa útil. Mas tudo isso é pouco, porque o compromisso com o esclarecimento é uma postura majoritariamente individual. E se a pessoa realmente não quiser, não haverá estímulo que a impulsione.

A família é alienada e problemática? Saia de casa, vá morar só, faça sua vida. Ajude os seus como e quando puder. Ninguém precisa morar junto para amar. Aliás, a minha experiência na vida me fez entender que a proximidade física só atrapalha o amor.

É impossível amar quem nos é próximo.

Mas, para não ser negativo demais, aqui vai uma dica positiva: procure alguém mais novo na família e invista nessa pessoa. As crianças são mais curiosas e mais receptivas ao conhecimento que os adultos.

Presenteie as crianças da sua família com bons livros, bons quadrinhos, boas músicas, boas referências e bons filmes. Envolva-as em boa cultura. Salve-as de Anitta, de BBB e de Wesley Safadão.

                                                             

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Nota do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no Quora.

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