[Paulo Francis fumando um… cigarro…]
Certa vez, acho que no Manhathan Connection, perguntaram ao Paulo Francis quais drogas ele já havia usado, ao que ele respondeu:
"Todas. A melhor é speed ball. E maconha não faz mal algum".
Pois bem. Diferente do Francis, eu usei poucas drogas.
E só as usei quando já havia saído de casa, tinha já meu emprego, minha independência e, finalmente, era "o dono do meu nariz": livre para cometer a burrada que me desse na telha.
Mas devo confessar que, de início, drogas não me atraiam. Como fui criado numa cultura puritana, não via o entorpecimento com bons olhos. Lembro de, já adulto, um amigo ter me oferecido maconha várias vezes e eu sempre ter recusado, cheio de orgulho do que considerava minha pureza de caráter. E eu teria permanecido em tal postura não fosse um motivo de ordem puramente intelectual:
É a Teoria do Símio Chapado ("Stoned Ape Theory"), que está jocosamente sintetizada no video abaixo:
Na época, já andava sendo influenciado por um universo intelectual que orbitava o mundo junkie. Tinha lido Admirável Mundo Novo, de Huxley, Almoço Nu, do Burroughs e Trainspotting era meu filme predileto. Tinha entre 21 e 23 anos. Por meio dessas influências, estava começando a conhecer a cultura junkie/psicodélica. Então era até natural que a curiosidade me levasse a experimentar o que parecia a mais leve dentre todas as substâncias psicotrópicas: a marijuana, na forma do bom e velho cigarrinho do capeta.
- Experimentação Psiconauta
[Vai unzinho aí?]
Marcamos de acampar em Barra de Guaratiba, ouvir uns mantras e fumar uns baseados em meio à Mãe Natureza.
Então, para mim, foi uma situação muito confortável, muito saudável. Estava entre meus melhores amigos, num ambiente paradisíaco, fazendo uma experiência psiconauta consciente como um adulto. Todos nós tinhamos algum tipo de busca ou jornada espiritual e filosófica, além da angústia e de infinitos conflitos existênciais. Mas eramos criaturas literárias, espirituosas, jovens dotados de um espírito ao mesmo tempo inquisitivo e romântico, algo rebeldes, algo idealistas. Ouvíamos Raul Seixas, invejávamos Alexander Supertramp e nos inspirávamos em Thoreau.
Foi uma experiência incrível.
- Alguns do efeitos:
No início, depois das primeiras tragadas, tem-se a impressão de que nada aconteceu, pois as mudanças fisiológicas são sutis e gradativas. Isso é o que primeiro surpreende. Então, logo você se dá conta de que seu corpo parece menos pesado, quase como se estivesse dentro d'agua. Você não sabe ainda se está tudo certo e esse é o efeito que deve sentir, então olha ao redor para ver como estão seus amigos. Nesse momento você nota que estão todos calados, sentindo e pensando mais ou menos a mesma coisa que você. É quando você pensa: "estão doidões" e aí, por algum motivo que você não entende bem, as fisionomias deles, suas posições e seus olhares parecem incrivelmente engraçados, então você sente vontade de rir e de acusá-los de maconheiros, de tirar sarro da situação.
[William Burroughs, o Senhor das Drogas]
Eu descobri que ficava incrivelmente divertido depois de um baseado. Ok, eu sabia que podia ser carismático, mas realmente não tinha descoberto ainda que podia ser tão espirituoso e divertido. Fiz muitas piadas, encarnei um bocado nos amigos e o riso vinha fácil, rico, como se fosse criança.
Eu nunca tinha visto nada como aquilo. Realmente não entendi como uma coisa que faz as pessoas rirem e socializarem podia ser considerada algo tão nefasto na sociedade.
Então, gradativamente, a vontade de rir e falar vai dando espaço ao aspecto sensorial e sinestésico. As cores evocan sons, tudo é pareidolia, as ondas, o mar, tudo parece harmônico, divino, com propósito. Deus existe, o sobrenatural existe, é óbvio. Qualquer atividade que se faz nesse momento parece absurdamente rica e incrível. Você é como um garotinho indo pela primeira vez ao zoológico, tudo é novo e fantástico. Você quer andar, sentir seu corpo, fazer algo.
Depois costuma vir a onda instrospectiva. Nesse momento as ideias ganham uma força enorme. Quase qualquer coisa que você consegue pensar parece incrivelmente real. Pode ser difícil distinguir o que é imaginação e o que não é. Aquilo ali, perto da água, será uma tartagura? Ou você só está chapado? Meu deus, será que eu estou muito chapado?
[John Ramalho e os Vagabundos Iluminados]
E aí, preocupado, você faz a pergunta: E então, pessoal, como vocês estão? "Bem…", "Tô de boas…" eles respondem. Mas você sabe que eles estão, no mínimo, tão chapados quanto você.
E depois vem a fome. Quando você come, a comida parece diabolicamente gostosa. Que tempero é esse, hein? Dai alguem diz: "Que tempero o quê, rapá! Não tem tempero nenhum aí!". Incrível! Então você finalmente entende aqueles malucos da Marcha da Maconha. Agora eles te parecem como aqueles visionários dos anos sessenta que marchavam em defesa dos direitos civis e da convivência entre brancos e negros. Você pensa:"no futuro esses caras serão lembrados como heróis".
Por algum tempo, você pensa em quantos parentes chatíssimos e pessoas mal humoradas poderiam ter a qualidade de vida melhorada simplesmente fumando um baseado ocasionalmente, se permitindo ser um tanto infantil, descompromissado e boboca.
Mas como isso não vai acontecer, de repente, o mundo lhe parece um lugar triste, careta e meio castrador. Não é um lugar para sonhadores, nem para aqueles que preferem sorrir à guerrear. Mas quer saber? Foda-se, porque hoje você está com seus amigos. Hoje é um bom dia e logo mais vocês irão fumar outro beck enquanto escutam Om Mani Pad Me Hum e meditam olhando as estrelas.
Afinal de contas, às vezes, é bom ser meio idiota, rir fácil, voltar a ser criança, acreditar em algumas ideias malucas e ver o mundo com outros olhos novamente. Nem que seja uma vez ou outra.
Antes de dormir, no meio da escuridão iluminada pelas estrelas, você propõe: O que acham de vermos o nascer do sol chapados amanhã, rapazeada? E alguém responde:
"Ótima ideia, cara, ótima ideia!"
Dedico este relato/resposta a todos os meus grandes amigos maconheiros. Artistas, poetas, escritores, músicos, ciclistas, místicos, viajantes. Aos vivos, aos mortos. Aos que pararam, aos que continuaram. E especialmente aos Pés Pretos.
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