Estive nas forças armadas e tive vários amigos fuzileiros navais que, no Haiti, a serviço da Marinha do Brasil, tiraram vidas de pessoas que eles jamais conheceram.
As respostas que vou dar para essa pergunta são baseadas nas conversas que tive com esses amigos e também em outros relatos que li.
Para começar, supondo que você não seja um psicopata e que esteja agindo em legítima defesa, ou a serviço do seu país, a sensação de matar uma pessoa, com uma arma de fogo, será complexa, pois ambígua.
Por um lado, no instante em que ela cair no chão, você se sentirá surpreso e aliviado. Pode ter alguma dúvida se ela está realmente morta, mas sua adrenalina estará tão alta que será difícil articular pensamentos racionais. Mesmo que você tenha sido treinado para isso, em seu primeiro homicídio, tudo que você vai querer é sair dali e ir para um lugar seguro. Questões morais não importam agora.
Porém, quando você acordar pela manhã no dia seguinte, vai se perguntar se foi tudo um sonho ou se você realmente matou alguém. E vai lembrar que matou.
A partir desse momento sua mente vai entrar numa terrível dissonância cognitiva, e você vai formular todas as possíveis respostas racionais para justificar o ato pregresso.
Esse é um momento crítico onde mudanças internas significativas podem acontecer. Também é o momento que vai determinar todas as suas futuras memórias e pensamentos sobre o ato. As pessoas dão respostas psíquicas variadas; mas para o caso dos fuzileiros, uma vez que é o trabalho deles, a resposta mais comum é um acréscimo de patriotismo, xenofobia e ódio generalizado ao inimigo, crenças advindas da necessidae de autojustificação.
Nesses casos, há o fato curioso de que muitos soldados geralmente são mais nacionalistas quando voltam da guerra do que quando vão para ela. Pode parecer estranho, mas faz todo o sentido psicológico: eles precisam acreditar que seu ato assassino era moral e que as mortes de seus amigos fizeram sentido, portanto, precisam acreditar que seus governos estavam corretos, que suas ações tinham um sentido nobre.
Se alguém tentar censurá-los pelo ato homicida, eles responderão algo como:
"Sabe o que eles teriam feito se nós não tivéssemos impedido? Era nosso dever intervir! Era necessário!".
Além disso, essas crenças permitem que eles continuem atuando na profissão. E até os encorajam a ser mais eficientes.
***
Por mais que a descrição acima seja razoável, ela é bem limitada, pois só serve para pessoas altamente treinandas para matar, como são fuzileitos e agentes das demais forças especiais.
Se não for o seu caso, se você não tem treinamento algum, mesmo que tenha uma arma de fogo carregada, as coisas serão muito mais complicadas. E os problemas vão começar bem antes da morte, mas justamente no "como matar".
Nesses casos, a melhor descrição que eu já vi é esta aqui :
Matar uma pessoa é fácil ou difícil?Adivinha? As duas coisas.Antes de tudo, esqueça sobre as cenas de filme onde as pessoas estão voando dez metros para trás quando você atira nelas com sua pistola. Tem muito exagero ali.Quando você atira em um homem em uma curta distância algumas coisas podem acontecer.Em alguns casos ele pode apenas cair (como se desligasse) e pronto, é isso. Ele se foi. E o mais interessante que posso dizer da minha experiência é o som da queda de um corpo. É algo como um grande saco cheio de alguma coisa molhada com pedaços duros. É basicamente o que o nosso corpo é.É um som especial e se você ouvir ele vai lembrar pelo resto da sua vida.Vamos dizer que um tiro bem posicionado, distância certa, quantidade de disparos, seu treinamento e calma fazem isso acontecer.Em outros casos você pode se encontrar em uma situação onde o agressor está vindo para cima de você rapidamente, você continua atirando nele, a distância é bem curta e nada acontece… Ele ainda está chegando, você atira, atira, grita ou apenas pensa que está gritando, algo alto continua explodindo seu ouvido e você não sabe nem se sua arma está disparando, algo talvez esteja errada com ela, o cara está chegando mais perto, ele tem uma faca enorme… “Que !#$% está acontecendo? Eu vou morrer? Deus? Mãe?”E de repente, ele cai.Aquele cara foi difícil de matar? Sim, mais tarde você descobriu que atirou nele seis ou sete vezes mas não nos lugares certos. O cara era grande e a adrenalina fez ele esquecer da dor.Os dois exemplos são experiências reais. Existem muitos fatores que podem entrar em jogo nisso.Então para responder a pergunta deste tópico eu sugiro uma fórmula simples. Se você for forçado a matar alguém, considere o fato de que uma série de fatores precisa estar de acordo para você conseguir isso, mas se está em uma situação onde alguém está tentando te matar, aja como se você fosse muito fácil de morrer.
E então? Curiosidade saciada?
Tente não matar ninguém, meu caro. Mas, se precisar fazê-lo, saiba muito bem o como.
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Texto originalmente publicado no Quora
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