John Ramalho meditabundo |
Ontem cometi o crime de sair de casa. Fui até a UERJ para participar de uma inovadora pesquisa que põe a física a serviço da parapsicologia; buscando responder uma pergunta velha e intrigante: pode a intenção humana influênciar as probabilidades dos acontecimentos?
Os voluntários: um grupo de professores universitários, sete universitários e eu. Depois de conversar com os professores, esbanjando carisma e erudição, ficaram admirados com o fato de eu parecer bem informado sobre tudo (conversei com o físico, com a professora de artes e a de cinema). Alguém me perguntou: você é professor de que? E depois outro: você é jornalista, né? Respondi, claro, a verdade: blogueiro. Humilde blogueiro. Sempre blogueiro. Blogueiro blogspot. Blogueiro que escreve textinhos. Escrevinhador, croniqueiro.
E aí as caretas de incompreensão. A dúvida no olhar. O escândalo. Não entendem. Como ele sabe tudo isso sem um curso superior, sem um diploma, sem uma posição social de autoridade? Serei sempre um tormento para os seus corações, amanhã esquecerão que existo: espírito livre de vaidade, pobretão e vagabundo, sou para eles uma anomalia.
A resposta é simples: o conhecimento não está nos títulos, está nos livros, nos vídeos e na internet. Basta ser curioso, saber pesquisar, ter boa curadoria e ter um bocado de amigos inteligentes para te auxiliar e inspirar no processo. E, claro, é bom aprender a lembrar do que estudou. Escrever ajuda.
Não é a primeira vez que me acontece isso, de impressionar doutos, autoridades. Na marinha, a minha prosa cultural e filosófica angariou as simpatias do meu capitão. E mesmo marujo, eu era convidado a almoçar com ele, o que na marinha é quase quebra de hierarquia, pois oficiais e praças não podem comer juntos.
Marginal, quando me metia em encrencas com a lei, meu juridiquês criava a ponte com meus defensores, que por me crerem estudioso, melhor me defendiam. E houve algumas ocasiões em que me passei por bacharelando em Direito para evitar a má vontade de algumas autoridades.
Também me acontece com o homem comum.Outro dia, na rua, depois de comprar cerveja, um senhor que estava no bar me elogiou: disse que eu era educado porque ao entrar dei boa tarde a todos os presentes. Outra vez, na fila de um caixa, eu sai da fila para pesquisar na internet como fazer a operação que eu queria, um senhor reparou minha saída e, curioso, pediu explicação. Contei a ele que eu não queria atrasar ninguém e que me parecia melhor aprender primeiro e fazer depois. O velhinho imediatamente me acusou de "não ser brasileiro". Disse que em seus 60 anos de vida experimentada, raramente vira um brasileiro sensato. Eu não soube o que dizer, mas sorri, meio sem jeito.
Eu não sou ambicioso. Tenho alguma vaidade intelectual, é verdade. Mas não ligo muito para o mundo material. Não sustento cinco minutos numa conversa sobre casas, roupas de marca, restaurantes chiques, carros e viajens a lugares impressionantes. E menos ainda numa conversa sobre futilidades. Um óculos elegante e uma combinação de roupas charmosa e com personalidade me encanta muito mais do que a pessoa ter passado as férias em Dubai. E, claro, as leituras e as referências culturais, e a personalidade, e a prosa, e as virtudes, as habilidades, e as paixões e anseios superiores, a história de vida, os dramas, é isso que olho antes de decidir se vou ou não me relacionar com alguém.
Naturalmente, por ser criterioso, vivo numa bolha, e boa parte dos meus amigos comungam do meu espírito ou, ao menos, compreendem essa minha disposição existencialista, humanista, bucólica, contemplativa, quase anarquista, certamente anarcodidata, vulgarmente literária, intelectualóide e um pouco cristã. Mais do que isso: sabem os amigos dos meus problemas mentais, da minha frágil sanidade, do demônio que me domina, e compreendem a minha reclusão, a minha autoproteção, o meu medo de perder o equilíbrio.
Disse-me o senhor: amai o teu inimigo; e para cumprir o mandamento tive que amar a mim mesmo. E amar-me significou querer-me melhor, e querer-me melhor significou renunciar aos prazeres do mundo, às glórias banais. Como poderia eu me integrar perfeitamente a um mundo que abomino, a um sistema social que me embrulha o estômago e me afronta a inteligência? A maioria dos que conseguem fazem-no com severos prejuízos no desenvolvimento moral e espiritual. São ansiosos, depressivos, vivem à base de pílulas.
O homem médio de nosso tempo é infantil, imaturo, desorientado, inculto, fútil e tolo. Pior: porque tamanha inépcia existencial vem coroada com a absurda certeza de que é ele o ás da evolução, a culminância do progresso, o ser mais avançado de todas as épocas. Terrível e fatal ilusão!
E assim, ao sair de minha bolha, encontro as vezes o homem comum, as vezes os doutos. Os dois me elogiam e se admiram do que sou...
Mas nenhum deles me compreende.
Ser como eu - apaixonadamente autodidata e cinicamente plebeu - é ser um manual de como escandalizar os doutos.
...
A versão original desta crônica foi publicada no Facebook
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