O primeiro Jorge Amado a gente nunca esquece. Pois bem, no exercício de ler e conhecer ao menos uma obra dos grandes prosadores brasileiros, depois de me impressionar com a prosa do Carlos Heitor Cony, resolvi conhecer alguma coisa do nosso grande populista Jorge Amado. Populismo esse que para o crítico Wilson Martins era um pecado e que para mim não é - ao menos não necessariamente...
A escolha pelo livro foi inspirada no fato de um dos meus gurus intelectuais, o professor Uriel Irigaray, mestre em Letras e doutorando em Antropologia, ter escrito sua monografia sobre rituais iniciáticos de morte e renascimento; na qual, para minha surpresa, citava essa obra do Jorge Amado. Como eu não tinha lido a obra, parei a leitura da monografia e resolvi voltar apenas depois de ler e assimilar a narrativa do Quincas Berro Dágua (sobre a qual eu não tinha a menor ideia).
Sem saber do que tratava a obra, o nome me parecia muito peculiar. "A morte e a morte?... Como assim a morte e a morte?... O que ele quer dizer?" Também o nome do protagonista me soava estranho, enigmático: Quincas Berro Dágua!? Que nome esquisito!
Por todos esses motivos, era um livro que eu me sentia obrigado a ler. E como eu não tenho pressa pra nada, foi neste ano de 2022 que aconteceu. Li e a experiência foi de puro deleite.
A primeira surpresa agradável foi descobrir a prosa gostosa e fluida do Jorge Amado, uma prosa que não oferece dificuldade, que tem ritmo fácil e que pela leveza - aqui eu me arrisco a sugerir- parece uma atualização ou "abrasileiramento" do estilo mais direto de autores populares ingleses e americanos do século XIX, como Robert Louis Stevenson e Jack London. Teria que reler Stevenson e conhecer as influências literárias do Jorge Amado para saber até onde essa minha aproximação tem sentido, mas, ao menos foi essa a minha impressão. Falando de outro modo: Jorge Amado escreve menos como um literato - por literato leia Machado de Assis e Camilo Castelo Branco - do que como um contador de histórias. Ele não põe nenhuma grande firula sintática ou estilística na prosa, o que lhe interessa não é a grande retórica ou o rebuscamento ou o Português belíssimo e castiço, mas a narrativa, ato a ato, gesto a gesto, acontecimento por acontecimento. Não me admira saber que tantas das suas obras foram adaptadas para Cinema e Teatro. Faz sentido. Por focarem na narrativa elas são facilmente roterizáveis. Jorge Amado é, portanto, um autor de estilo "leve", fácil, muito bom para formar leitores, para indicar a adolescentes e iniciantes em Literatura. Faz sentido que seja autor importante no currículo escolar.
Mas isso não é tudo, e nem é o melhor. A cereja do bolo, para mim, está na boa ironia e no saboroso humor com os quais Jorge Amado vai tecendo a sua trama. Eu dei muitas e boas risadas durante a leitura do livro, diverti-me como há tempos não me divertia numa leitura. Até emprestei o livro ao meu irmão, que nem é grande leitor literário, e ele teve ótima recepção; chegou a agradecer-me pela indicação.
Outro elemento do estilo e da narrativa que merece destaque é a dimensão simbólica da obra, pois ela pode ser vista como metáfora para a ideia de que a nossa vida, identidade e autopercepção é determinada pelo meio social, pelas relações sociais; de modo que, ao alterarmos drasticamente nosso comportamento e status social, podemos simultaneamente morrer para um grupo e viver para outro. Enquanto essa interpretação (de que a primeira morte seria apenas simbólica, erro da família de Quincas, que o queria morto) é uma leitura possível e talvez provável, resta uma outra que ainda está no quadro de possibilidades: teria Quincas Borba realmente morrido na primeira vez? Se sim, a história ganha então contornos fantásticos, e aqui a figura do morto-vivo celebrando e festejando ganha ares de um mórbido carnaval, uma festa grotesca e ao mesmo tempo hilária. Acho que essa segunda interpretação é a que vem sendo adotada pela crítica, o que acaba por aproximar a obra do assim chamado Realismo Fantástico. Lembrando agora: bem que a monografia do mestre Uriel falava algo sobre Bakhtin e a ideia de "corpo grotesco"...
Concluo dizendo que gostei um bocado. Livro para reler e indicar aos amigos.
Ah, e antes que eu me esqueça: o livro oferece uma ótima e divertida explicação para esse nome tão esquisito!
OBS: está nos meus planos escrever um comentário melhor e mais organizado a respeito dessa obra. Se você gostou dessa resenha, que não é bem uma resenha, siga meu blog e veja se alguma coisa lá te desperta a curiosidade. Tem lá um bocado de crônicas, algumas notas, comentários sobre blogs, filmes, causos culturais e até alguns downloads.
Neste link a monografia do erudito Uriel (finalmente poderei terminá-la!)
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Resenha originalmente publicada na rede social SKOOB em 27\07\2022
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