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A Espiral de Livros |
Na educação escolar nós revemos o mesmo assunto em níveis cada vez mais avançados e séries sucessivas no tempo. Essa progressão didática é inevitável e eu a chamo de Estudo em Espiral. A forma geométrica da espiral descreve um fluxo concêntrico que, mesmo repetindo o movimento, expande-se à cada volta.
Na espiral há começo, mas não há fim. O mesmo ocorre em relação ao conhecimento. É possível passar toda a vida estudando apenas as obras de Aristóteles ou a Biodivesidade da Amazônia. Fato esse que entristece os polímatas, pois eles, capazes de alcançar o ponto mais alto da vida intelectual, gostariam de saber o máximo que se pode saber sobre todos os assuntos que importam.
I- A Superioridade dos Polímatas
O excesso de informação, a senescência e o curto tempo de vida impedem a máxima realização da libido sciendi dos polímatas. O que lhes restitui o ânimo é a consciência da sua inteligência superior, a posse do cérebro extraordinário, com alto QI e memória privilegiada.
Mentalmente avançados, seu desempenho é muito acima da média em quase todas as tarefas de ordem intelectual. É nesse nível que estão os grandes gênios intelectuais da humanidade. E o polimatismo não é outra coisa senão expressão dessa condição.
Não que não façam esforço, não precisem de disciplina ou que não sintam dificuldades; tudo isso também acontece com eles. E acontece em intensidade maior, pois os assuntos aos quais se dedicam são mais difíceis do que aqueles aos quais nos dedicamos.
Os polímatas atraem-se pelos mais difícies problemas, intuindo que podem fornecer alguma contribuição inovadora. E seu maior trunfo, não há dúvidas, está na condição mental privilegiada.
II- Ser Intelectual Sem Ser Polímata
Mas poucos são os polímatas. Em maior número estão aqueles que, como eu, não foram abençoados com um cérebro excepcional. Esses, para o seu martírio e infelicidade, precisam trabalhar com um cérebro que mais parece processador Pentium IV que desliga ao superaquecer. Nesses casos a possibilidade do polimatismo está excluída de antemão, e o máximo que se pode fazer é cultivar um generalismo cultural esclarecido, perpetuamente engajado na busca pela Erudição.
Esse tipo de intelectual jamais será polímata, mas, com esforço, método e disciplina, poderá, em duas ou três décadas de estudo, tornar-se um intelectual digno de ser lido e comentado por gente muito inteligente; e, eventualmente, até mesmo por polímatas (como já me ocorreu).
O trunfo desses é, sem dúvidas, o método e a persistência.
III- A Espiral do Conhecimento
O Método de Estudo em Espiral é um dos métodos que gente como eu - autodidatas intelectualizados - devem usar, pois se adapta bem às exigências da vida urbana.
Suponhamos que o autodidata tenha lido “A Marcha Para o Oeste”, dos irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas, e tenha se interessado em conhecer mais a respeito da temática sertanista, antropológica e indígena no Brasil. Imaginemos ainda que ele, atualmente, não pode dar continuidade a esses estudos por estar se preparando para um concurso público.
Conseguirá minorar seu problema caso tenha o hábito de registrar num caderno de notas o que de mais importante encontrou no livro. Assim ele poderá, sem muita dificuldade, retomar esse tema de estudo no futuro.
Um blog discreto (como este) é um excelente meio de manter ao menos um caderno de registros virtuais. É mais empolgante escrever notas de estudos quando sabemos que, sem ser a última e a maior referência no assunto, elas podem ser úteis aos outros.
A cada nova incursão na espiral temática, o autodidata deve revisar e melhorar suas anotações. Daí, também, a utilidade do blog, já que neste é possível editar o texto, enquanto no caderno o jeito é escrever em nova página e censurar a antiga (o que dá mais trabalho).
Tão importante quanto ler livros é a capacidade de reter na memória o que foi lido. Com o alucinante bombardeio de informações aos quais somos submetidos, essa capacidade anda comprometida. O uso de cadernos de registros, além de aumentar o tempo de contato com o assunto, obriga o sujeito a refletir sobre o que leu e a sintetizar, de modo crítico e hierárquico, o conteúdo.
O ideal é que, para cada assunto complexo que pretende estudar, o autodidata tenha um caderno de anotações. Pode ter um físico e um virtual. No virtual deve escrever mais demoradamente, fazendo resumos maiores, tomando notas. Já no caderno físico deve compactar a estrutura em mapas mentais, palavras chave, conceitos fundamentais, esquemas gráficos, significados essenciais.
Seus cadernos devem ser preservados e utilizados como fonte pessoal de esclarecimento no assunto. Ele, com o tempo, acabará por ser grato a sua versão do passado, pois verá que suas anotações, mesmo se primárias e contendo equívoco, são extremamente úteis.
Esse método é utilizado por muitos intelectuais e é a partir dele que surgiram muitos livros interessantes, como o Guia de Curiosidades Matemáticas, do professor Ian Stuart.
IV-Imagem e Peso do Esforço Cognitivo
Outra coisa importante é que, ao ver a quantidade de cadernos acumulados, o autodidata terá uma imagem mental concreta do próprio esforço reflexivo nos temas pelos quais se interessou. Pode empilhar os cadernos e sentir, literalmente, o peso de suas reflexões.
É preciso ter a consciência de que, ao exercitar essas técnicas, o que se está fazendo é, além do aspecto mnemônico, fomentar um progressivo aumento na qualidade e na profundidade das reflexões, coisa que muito ajuda no progresso da compreensão.
A compreensão individual, enquanto não for uma compreensão máxima, deve ser tomada como uma compreensão parcial e limitada, uma ferramenta intelectual apenas, e deve ser tratada como tal, o que significa manter-se aberto para receber novos dados, analisá-los, e, com isso, ampliar sempre o nível de compreensão.
Eu, de forma relativamente desorganizada, tenho aplicado, ou tentado aplicar, essa conjunção de noções e técnicas ao longo dos anos. Faço adicionando duas outras técnicas, muito importantes, que são a anotação estratégica nos livros e a releitura orientada. Mas sobre elas eu falarei numa próxima postagem.
Muitos leitores, e alguns deles inteligentes, ficam para trás no desenvolvimento intelectual por desconhecerem a importância desses pequenos hábitos. Recomendo que vocês os pratiquem com obstinada persistência.
Finalizo com uma imagem: a manifestação concreta do engajamento reflexivo deste cronista, na forma de seus diários e cadernos de anotações.
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirMuito interessante seu texto sobre os polímatas. Sou meio isso. Sempre tive interesse em vários campos do conhecimento. Gosto também de fazer anotações em cadernos. Mas por gostar de aprender sozinho, tenho grandes dificuldade em completar cursos superiores. Desisti de três por achar a rotina acadêmica chata. Não é presunção, nada disso, nem ego intelectual exacerbado, longe disso. Acho que é questão de adaptação ou incapacidade mesmo...Sou um leitor mediano. Gosto de literatura, história, teologia e filosofia. A matemática e a física me atraem mas fico na superfície.
Creio que até aqui, venho construindo o tal "generalismo cultural esclarecido - mas no meu caso, nem sempre esclarecido.
Salve, confrade! Agradeço o gentil comentário e fico feliz em saber que compartilhamos essas características. Eu costumo brincar dizendo que tenho "a curiosidade do polímata com o QI do Homer Simpson e a paciência de um santo". Sigo na boa e velha corrida da tartagura: devagar e sempre.
ExcluirQuanto à Academia, rapaz, seu mal estar nela é prova de sanidade. O ambiente nesses lugares é, muitas vezes, o pior possível para aprender. Não é por acaso que boa parte das vítimas desses antros saem idiotizadas repetindo frases feitas como se fossem fórmulas mágicas de um conhecimento fixo, eterno, imbatível e acima de quaisquer argumentos.
Sobre esclarecimento: talvez duvidar do próprio, como você fez, seja já o primeiro passo para ele. Era assim que o Sócrates pensava, né? E se um dos fundadores da Filosofia dizia isso, quem sou eu para discordar.