29/08/24

Rock Higiênico

Andou fazendo frio considerável há algumas semanas. Um frio bem considerável mesmo: incomum para o Rio de Janeiro. Frio assim tem lado bom e tem lado ruim. O bom é que eu prefiro o frio ao calor, o ruim é que o frio, quando acima do aceitável, traz algumas complicações. Uma delas é na hora do banho. Acontece que eu só tomo banho em temperatura ambiente, e para conseguir isso em época de alto frio... só com estratégia. 

A minha é pôr na caixa de som um Rock pesado, geralmente Heavy Metal ou Punk. Minha lista de músicas para tal ocasião - batizada apropriadamente de "Rock Higiênico" - inclui bandas como Slipknot e Offspring e músicas como "Before I Forget" e "The Kids Aren't All Right".

                                      

Ponho no volume máximo e durante o banho eu canto junto, gritando (berrando mesmo), dançando e urrando como um doido; olhos arregalados, energia de psicopata. Quando dou por mim, recuperado do transe musical, o banho acabou e foi bem divertido. 

Salvo pelo rock. Rock higiênico. 

Você pode até achar um método estranho, mas tem de admitir que, ao menos, é original e divertido.

28/08/24

O sistema dos três níveis de produção literária para escritores iniciantes


Aqui eu lhes apresento o meu sistema dos três níveis de produção literária, até então inédito. Se bem que compartilhado em conversa com uns dois amigos, que, espero eu, não o tenham divulgado.

O que ele é e pra que ele serve? Trata-se de uma estrutura que formaliza, em etapas lógicas progressivas, a organização, treino e exposição da produção literária de escritores iniciantes. 

O sistema é meu por que eu o inventei. Não o tirei do zero, pois, como se poderá ver, ele é extremamente lógico, e, há vinte anos atrás, era praticado intuitivamente por escritores iniciantes. Meu pioneirismo está em formalizá-lo e apresentá-lo aos novatos. O que há de interessante nele é que, além de valorizar os diários secretos, apregoa o uso do blogspot como um dos melhores ambientes, senão o melhor, para  o desenvolvimento literário de escritores iniciantes.  

Como não sou possessivo, até deixo você usa-lo, desde que me dê o devido crédito e não o divulgue a terceiros. Fica reservado exclusivamente aos meus amigos, afilhados intelectuais e demais leitores deste blog.

Pois bem. Os três níveis de produção literária contidos no meu sistema são: 

1) O nível secreto, 

2) O nível discreto (ou doméstico)

 e 3) O nível público.

O nível um consiste em escrever num diário pessoal secreto (virtual ou físico). O nível dois consiste em fazer um blog reservado e treinar nele vários estilos. E por fim, no terceiro nível, o objetivo é escrever numa mídia totalmente aberta. As etapas não são excludentes: trata-se duma progressão cumulativa.

O diário secreto confere total privacidade. Isso significa a possibilidade de dizer qualquer coisa, inclusive coisas que não podem ser ditas em público - como os crimes de pensamento e os crimes em pensamento. No diário secreto você pode planejar meticulosamente, passo por passo, o assassinato de todos os seus companheiros de classe idiotas, dos seus inimigos, daquele professor iletrado que não reconhece sua genialidade e, claro, do seu insuportável vizinho funkeiro. 

Mas só escreva isso se for da sua vontade e do seu gosto, ao menos no momento da raiva. Vale, no diário, a máxima sinceridade. Se depois de cinco ou dez anos você não se envergonhar do que escreveu nele, então não escreveu do jeito certo.

Se não houve nele a manifestação letrada e explícita do crápula interior que habita em você, então não serviu para nada: pois (se não sabia então fique sabendo): um diário secreto é, sempre, um veículo para o autoconhecimento. Nele toda autocensura é proibida. É como falar ou discursar o que quiser quando ninguém está olhando. Simplesmente não tem como não ser uma prática atrativa e interessante para um escritor. E outra vantagem é que, em termos gramaticais, você pode errar à vontade, ao menos no início.

Ao se habituar a escrever no  diário secreto, o novato desenvolverá, com a sua prática, os primeiros rudimentos de um estilo. Esses rudimentos devem ser desenvolvidos, expandidos, trabalhados, de modo a criar um estilo pessoal e único, que é o objetivo primário da expressão literária. Tal treinamento, por sua vez, deve ocorrer num blog restrito, acessado apenas por amigos entendidos, para que esses leiam, critiquem e dêem dicas de melhoria. 

A vantagem do blogspot é que, além de ser fácil e prático para uso,  tem um sistema de organização muito intuitivo, e é uma mídia naturalmente restrita, que não se destaca tanto nos buscadores. Os textos do blog devem ser reeditados e constantemente melhorados. Ele é o laboratório de produção textual por excelência. E serve também para que o escritor possa mapear, com as tags, seus temas de interesse.

Quando o novato sentir, ou seus amigos lhe mostrarem, que já consolidou um estilo e melhorou sua gramaticidade, é hora de pensar em expor alguns de seus textos - os melhores e mostráveis - para um público mais amplo, numa mídia mais aberta. 

Essa é a etapa mais problemática, porque nela o escritor tem de reagir aos humores do público amplo. Sempre há o risco de ficar refém do público, escrever apenas num estilo ao qual ele esteja acostumado, ou apenas sobre temas que já são comuns, pois assim o retorno positivo é garantido. 

Os dois primeiros níveis de produção servem, entre outras coisas, para fomentar no escritor as seguintes habilidades: independência, identidade, autonomia e paciência.  Jovens escritores que começam escrevendo em redes sociais, expondo-se ao público geral, são acometidos de vários defeitos, mas os dois maiores são, sem sombra de dúvidas, a ansiedade e o desejo de ser apreciado pelos leitores, isto é: a fome de reações rápidas.

É preciso ter em mente que um bom texto pode demorar. É normal que demore, que seja resultado de um esforço que inclui várias revisões e reescritas. Se o jovem escritor não adquirir essa habilidade, de trabalhar o texto no ambiente solitário, com calma, ele será privado de um recurso fundamental.  Ele deve compreender que um dos grandes segredos dos bons textos está na edição. Portanto, é imperativo ser paciente: reler e editar, reler e reeditar - sempre.

26/08/24

Laguna Sunrise e outras como ela


Estava ouvindo Laguna Sunrise e de repente me pareceu muito errado não escrever a respeito. Eu, quando era jovem e queria explorar o básico do gênero Heavy Metal (que alguns consideravam "satânico"), fiquei surpreso ao descobrir a bela melodia:

                               

Até então eu jamais imaginara que uma banda como o Black Sabbath, conhecida por sua atuação agourenta, fosse capaz de produzir uma baladinha instrumental tão agradável e harmônica. Tive a certeza que se colocasse minha mãe crente para ouvir, dizendo que era uma música instrumental gospel, ela acreditaria. E foi exatamente o que fiz.

Antes que você me julgue um inveterado mitomaníaco corruptor de inocentes mães crentes, explico que era uma gambiarra moral necessária. Lá em casa não entrava "música do mundo". Era uma restrição da minha mãe que meu pai aceitava (e eu detestava). Então ou eu ficava apenas com música "gospel" ou mentia para poder ouvir outras músicas. Apelei para a santa ignorância dos meus pais: passei a mentir o gênero das bandas e cantores.

O resultado foi épico: os meus pais não só ouviam, mas cantavam e se deliciavam com as boas canções que eu descobria nas minhas explorações na internet. Entre elas, Laguna Sunrise. 

Curioso  pensar nisto agora, mas a minha mãezinha morreu sem saber que, durante alguns anos, foi ouvinte e apreciadora da obra de uma banda que, no olhar dos crentes, alegra o Satanás. Caso eu tivesse revelado, ela faria uma careta de desaprovação; e, no entanto, por ser patologicamente indulgente com os filhos, me perdoaria.

Não sei de qual álbum é Laguna Sunrise e não sei se ela representa alguma variação temporária no estilo do Black Sabbath ou nos interesses musicais dos membros à época. Só sei que no mesmo período eu descobri Changes, também do Black Sabbath, canção esta que é, com certeza, um dos pequenos dramas musicais mais famosos da história do Rock.



Desde então as duas canções me acompanham. A primeira geralmente em momentos noturnos, de reflexão e leitura. A segunda quando fico nostálgico ou passo por grande mudança. Como durante esta minha vida eu morei em uns cinco estados deste país, e também em variados lugares dentro do mesmo estado, Changes era uma canção que não podia faltar. 

Certo dia na casa nova, pela noite, olhando os livros e demais objetos empacotados, pensava nos amigos e amores que perderia pela falta de contato; pensava na vida nova, na cidade nova, nas novas perspectivas, e ouvia Changes, solitário, as vezes entorpecido...

Ouvi tanto que enjoei. Hoje em dia só as escuto em momentos especiais, e geralmente covers.

Este aqui, de Laguna Sunrise, é muito bom. (Eu, particularmente, prefiro assim - só no violão).



E este, de Changes, que coisa impressionante:



Alerto que a conexão emocional profunda com uma música específica é - perdoem-me a vulgaridade do termo - uma merda. Basta a música tocar e você é logo coberto de memórias-não-solicitadas-porém-inevitáveis (se for homem frouxo, pode até chorar).

Eu, confesso a vocês, tenho problemas de sentimentalismo com as baladinhas românticas, tristes e dramáticas. Gosto delas para valer, mas já não as ouço com a inocência dos primeiros dias, nem o que sinto é apenas deslumbramento estético. Não chego a chorar, porque homem não chora. Mas admito que algumas fomentam no meu espírito uma melancolia ponderada, autoconsciente e emocionalmente carregada. 

É música que me lembra que eu, apesar de frio e insensível, também tenho coração.

24/08/24

Teclado Novo, Mente Antiga


 O escritor Cory Doctorow, que eu não conheço e nunca li, em seu belo ambiente de trabalho.

Depois de um bom tempo de abstinência, fiquei com saudades de escrever usando o teclado do notebook - essa coisa deliciosa que faço agora (num teclado novo vagabundíssimo e maravilhoso). 

Escrever no teclado físico é bem diferente de escrever no teclado virtual do celular. Usualmente, pela praticidade, recorro ao celular para escrever notas curtas, registrar ideias, referências, dicas, auto conselhos e pensamentos diversos. Porém, é com o teclado físico que eu me sinto mais confortável e mais disposto. No celular eu só escrevo pela necessidade, ou quando tomado da "febre da nota", o sentimento de urgência originado de alguma ideia que parece proveitosa e que, caso não anotada naquele momento, pode ser perdida para sempre.

Já quando uso o teclado físico, num sábado pela noite, geralmente ouvindo música, eu sinto que posso escrever mesmo sem nenhuma ideia prévia na cabeça; escrever pelo exercício de escrever. É como se a presença do teclado e da tela em branco no notebook formassem o ambiente visual adequado para engrenar minha escrita. 

Suspeito que isso aconteça por que a imagem  mental que tenho do escritor contemporâneo inclui o elemento teclado físico (seja ele de máquina de datilografar ou de computador doméstico). Por algum motivo - talvez por não existirem "celulares espertos" quando eu era adolescente - não tenho na cabeça a imagem de um escritor que usasse apenas o celular para escrever. Bom, não tinha, até me surgir agora essa ideia terrível. Mas foi só pensar nela e já reagi com careta, considerando-a esteticamente horrorosa. 

Um dia, num futuro distópico não tão distante, as revistas e sites de literatura mostrarão a foto de algum escritor hipster (tatuado, minimalista, barbudinho, nômade digital) sentado num barzinho gourmet paulistano e digitando um micro-romance a ser publicado em micro-capítulos nas redes sociais. Quando este dia chegar, eu, ao defender os notebooks, as bibliotecas físicas e os grandes romances, serei considerado ainda mais reacionário e demodé...