19/07/23

Quem pode ser considerado intelectual?

                       

[George Orwell, jornalista e literato, foi um dos intelectuais mais influentes do século passado. Com seus livros, mobilizou a opinião pública na direção de questões importantes como a liberdade de pensamento e os meios que Estados totalitários empregam para controlar as mentes da população]


Para bem entender o conceito de intelectual é preciso regressar ao contexto de origem do termo.

No século XIX*, na França, houve um episódio famoso, conhecido como Caso Dreyfus. Um capitão do exército napoleônico, chamado Dreyfus, foi acusado de traição. Houve um julgamento. O problema é que o tal Dreyfus era judeu; e a França (como quase todos os países da Europa) possuía um longo e próspero histórico de antissemitismo.

No meio letrado e cultural francês o julgamento do capitão Dreyfus despertou a atenção de todos. Ele era de fato culpado ou era apenas mais um caso de antissemitismo? 

Cada grande autor e pensador escolheu seu lado e argumentou em defesa ou em ataque ao réu. Se não me engano, Victor Hugo e Émile Zola foram alguns dos que comentaram sobre o caso.

Então alguém (não me lembro quem) cunhou esse termo - "Intelectual" - para descrever essa atividade, esse fenômeno, quando um indivíduo oriundo do mundo letrado busca, com seus conhecimentos, influenciar a opinião pública, moldando as sensibilidades e orientando as escolhas, os gostos, os olhares.

Intelectuais seriam, assim, aquelas pessoas que usam de seus conhecimentos, de sua bagagem cultural, filosófica e retórica para influenciar o curso dos acontecimentos, dos povos, das crenças vigentes, para passar uma mensagem, defender uma causa, expressar uma verdade esquecida, uma visão de mundo. Eles seriam uma espécie de "consciência crítica, moral e cultural" da humanidade, ou da sociedade moderna. Tornariam públicos os debates que nós travamos internamente, em nossas consciências. Sua função seria mais ou menos a de externalizar e dar luz a questões importantes, de educar o público ou uma classe em particular.

Coisa que eles fazem por meio de jornais, revistas, ativismos, livros e atuações em centros culturais e políticos. O que os define é mais a atividade intelectual, cultural e letrada, não a formação. Não existe graduação, pós, doutorado ou titulação para isso. Existe uma vocação, uma vida de estudos humanísticos, culturais ou científicos, e a atividade na área.

Há intelectuais de todas as origens, pobretões, autodidatas, aristocratas, artistas, burgueses, cientistas, reis, literatos, engenheiros, bandidos, políticos, jornalistas, etc.

Machado de Assis era um pobretão mulato autodidata e era intelectual. Dom Pedro II era o Imperador do Brasil e era intelectual. Aliás, o pendor para esse tipo de atividade foi o que os aproximou e os tornou amigos.

Para um intelectual, pouco importa a classe ou a origem; se há uma mente pensante, fértil, dada a reflexão, se há uma inteligência em ação, buscando descortinar os significados das coisas, o intelectual vê ali um irmão, um semelhante, um de mesma classe.

Por outro lado, há classes inteiras de diplomados que, embora se considerem muito inteligentes e sofisticados, são a antítese do intelectual. Um exemplo são alguns professores universitários, cujas obras ninguém lê; são pessoas que não participam da vida cultural do povo, que não se achegam a ele.

Nesse sentido, Paulo Coelho e Augusto Cury são muito mais intelectuais que parte considerável dos professores universitários. Primeiro porque eles detectaram um problema cultural autêntico: a angústia espiritual do nosso povo (coisa que nenhum intelectual de esquerda conseguiu notar até hoje, pois acham que o problema é sempre financeiro, material). Segundo, porque eles, bem ou mal, levaram ideias e influência literária até as pessoas. Você, como eu, pode até acreditar que essas ideias são pobres, toscas e duvidosas, mas aí já é outra conversa.

Hoje em dia, há intelectuais populares, como Cortela, Karnal, Cloves de Barros e Pondé. Eles sim são ao mesmo tempo professores universitários e intelectuais, capazes de influenciar as pessoas com suas ideias (que em geral acho tosquíssimas e pobres).

Olavo de Carvalho foi, sem dúvidas, o maior intelectual do Brasil em seus anos de atividade. Independente da qualidade ou da validade de sua obra, ele mobilizou, por meio de seus livros, artigos, aulas e palestras, classes inteiras, inclusive classes políticas e militares, em torno do seu discurso. E fez isso ao mesmo tempo em que lutava contra quase toda a classe intelectual/ letrada do país. Um feito no mínimo impressionante para "um véio gagá".

Se um "véio gagá e ex-astrólogo" conseguiu obter tanta influência apesar de ser odiado e rejeitado por toda a classe intelectual jornalística e acadêmica, isso diz muito sobre como essas classes estão distantes da cultura brasileira e dos problemas brasileiros.

Um intelectual outsider e artista que eu gosto bastante é o Eduardo Marinho. Ele escreve no blog Observar e Absorver. O contato dele com o povo brasileiro e sua história de vida é muito interessante. Há um texto dele, em especial, "se eu pudesse falar com a esquerda" que é muito verdadeiro.

Aqui uma explanação do Eduardo:

                                       

Por fim, há uma acepção tosca, menos qualificada, que se refere a qualquer pessoa com tendência comportamental que envolva leitura, debate, escrita, atividade cultural e esforço mental. Dizem lá em casa, por exemplo, que eu sou "o intelectual da família".

Eu sou qualquer coisa, menos intelectual. Aliás, para ser sincero, na maior parte do tempo eu odeio intelectuais. Como já mencionei aqui antes, a maioria são pedantes, mesquinhos, medíocres e mentirosos. Especialmente os acadêmicos. (De fato, na minha experiência pessoal, a maioria dos intelectuais autodidatas que conheci tinham maior amplitude, mente mais aberta, mais contato com o povo, etc.)

                                                                               ***

*Agradeço a gentil correção do Leonardo Suzuki, já que eu havia, originalmente, indicado o século XVIII. Um erro que poderia facilmente ter sido evitado se a minha preguiça e vaidade intelectual não me impedisse de consultar o Google.

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Nota do Editor: a primeira versão deste texto foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

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