30/11/22

Uma Introdução à História do Rock e seus Principais Subgêneros

Aquilo que nós hoje chamamos de "Rock" nasceu como "Rock N' Roll" em meados dos anos cinquenta, tendo como representantes clássicos Elvis PresleyChuck Berry e Little Richards. Era uma música descompromissada, rebelde, feita para dançar e falar sobre amor.

Para a época, o rock era chocante por vários motivos: o rebolado, o barulho, a tensão sexual evidente nas letras, as referências a bebedeira e vida noturna, etc. Diziam que o Elvis "dançava como um negro" e inicialmente os programas de TV não mostravam os movimentos sinuosos e sugestivos que, ao dançar, ele fazia com a pélvis. De fato, Elvis realmente dançava como um negro, afinal muito do rock vinha da música negra. E isso era algo totalmente inaceitável para o Establishment cultural dos anos cinquenta.




Elvis. Belo, branco e sensual. Era tudo que o Rock precisava para decolar.


Johnny B. Good - Chuck Berry. Se você gosta de cinema, já deve ter ouvido essa música em De Volta Para o Futuro, nesta cena épica: 




Como você pode ver, o rock já nasceu com vocação para o escândalo e para a fanfarrice. Tendência que só iria se acentuar com o desenvolvimento dos vários subgêneros que surgiram.

É interessante notar que o Rock N' Roll é um gênero do pós-guerra. E que embora tenha lá sua inspiração no Blues, não carregava nadinha do dramalhão dos afroamericanos sofridos que despejavam sua tristeza melodiosa em sinistros acordes de violão "endiabrado".


O clássico Blues do negro triste e místico.


Crossroads- Robert Johnson


Nada de tristeza como no Blues. O Rock era festeiro e dançante.

E esse foi o início.

Até que vieram os anos 60.

Os anos sessenta, meu chapa. A década do Woodstock, da Guerra do Vietnã, da Guerra Fria, dos Movimentos Civis, das Milícias Revolucionárias, do Assassinato de Kennedy, do Maio de 68, da Ditadura Militar no Brasil e da Viajem à Lua. O mundo estava em completa ebulição e nada mais seria como antes. E é claro que o rock iria mudar também.

Aos poucos os músicos foram adicionando, retirando e reorganizando os elementos formativos do estilo. O rock britânico dos Beatles já era muito diferente do rock do Elvis. E o próprio Elvis não gostava dos Beatles.

Se na década de 50 o Rock foi um fenômeno basicamente norte-americano, na década de 60 o rock explodiria como um fenômeno fonográfico (e cultural) mundial. E aí, em paralelo com o movimento hippie e toda a contracultura, surge a mitologia do "Sexo, Drogas e Rock N' Roll".


"Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade". Foram as palavras de Neil Armstrong ao pisar na Lua.


Agora o rock vai ficando mais sofisticado, filosófico e cada vez mais experimental. O chamado Rock "clássico" é dessa época. Além dos Beatles e dos Rolling Stones, despontando na cultura havia: Jimmy HendrixJanis Joplin, The DoorsFrank Zappa and The Mothers Of InventionCreedence Clearwater RevivalThe WhoThe AnimalsThe Velvet Underground, etc.

No Brasil nós tínhamos, sobretudo, Mutantes e Raul Seixas (Raul era muito fã de Elvis e os Mutantes eram muito fãs dos Beatles e do Rock Psicodélico).

Foi nos anos sessenta que o rock começou a se ramificar muito e todo mundo começou a flertar com ele. Mas acho que o grande estilo da década foi o Rock Psicodélico mesmo. Com suas guitarras distorcidas, vozes alucinadas e muito, muito ácido (*LSD*) na cabeça.


Alguns clássicos dos anos 60:


Twist and Shouts - Beatles


The End- The Doors


For What it's Worth - Buffalo Springfield


House of the rising sun - The Animals


All Along the Watchtower - Jimmy Hendrix (um dos pioneiros do Rock Psicodélico).

Na década seguinte, os anos 70, a loucura continua. Surgiram (ou se consolidaram) o Metal (Heavy Metal) e o Rock Progressivo.

O Heavy Metal foi o primeiro gênero do Rock que apostou de forma sistemática numa atmosfera musical mais sombria e declaradamente pagã. O principal nome do Metal é o Black Sabbath. Outra banda importante (embora nem todos concordem que ela é de Heavy Metal) foi o Led Zeppelin.



Black Sabbath- Black Sabbath. Essa música é genialmente assustadora.


Stairways to Heaven - Led Zeppelin. Acredite ou não, devido a várias referências esotéricas sutis, essa bela canção é considerada uma das músicas mais satânicas do Rock. Como diz a própria canção: "nem tudo o que reluz é ouro".


No Rock Progressivo, subgênero caracterizado por composições extremamente elaboradas, os grandes nomes foram o Pink Floyd, o Gênesis e o Yes. Os caras faziam músicas de 6, 10, 15 e até 20 minutos. Eram de uma dedicação e virtuosismo impressionante. Eu não sei dizer exatamente se o Queen chegou a ser considerado rock progressivo. Se não foi, chegou muito perto.

Nos 70 despontou também o grande David Bowie. Como definir seu estilo? Space Rock, talvez? Possível, ao menos no Ziggy. Acredite, cara, Ziggy Stardust and The Spiders From Mars é um dos melhores álbuns de rock dos anos 70. É realmente obrigatório. (Apesar de toda a estranheza da temática e do próprio Bowie).


Five Years - David Bowie
Shine on You Crazy Diamond - Pink Floy


                                                         Five Years - David Bowie


Shine on You Crazy Diamond - Pink Floyd


Bohemian Raphsody- Queen

Quem diria que aquele rockzinho do Elvis, alguns anos depois, iria se transmutar nisso aí, heim?


Também é nos anos setenta que surge o Punk Rock, cujas bandas mais famosas da época foram Ramones e The Sex Pistols. O Punk geralmente é descrito como uma reação debochada ao Rock Progressivo. Os músicos do Punk Rock pensavam: "E daí que eu não sei fazer uma composição com quinze ou vinte acordes? Será que eu preciso saber mesmo isso para ser um bom músico? Vou fazer uma musiquinha de três ou quatro acordes e vou cantar mesmo assim!". E foi o que eles fizeram. Só que acrescentaram algo: atitude. Ou melhor: muita atitude rebelde, debochada e mais ou menos antissocial.

O lema dos punks? "Do It Yourself" ("Faça você mesmo") e também tinham, claro, o bom e velho "Fuck The System" ("Foda-se o Sistema").



My Way- The Sex Pistols. Sid Vicious promovendo o caos e avacalhando a música de Frank Sinatra. (Para anarquistas arruaceiros como eu, Sid é um herói)
Pet Sematery- Ramones


My Way- The Sex Pistols. Sid Vicious promovendo o caos e avacalhando a música de Frank Sinatra. (Para anarquistas arruaceiros como eu, Sid é um herói)


Pet Sematery- Ramones



Hard Rock também surgiu nos anos setenta e os historiadores do rock apontam o AC\DC e o KISS como os maiores nomes desse subgênero. Normalmente as pessoas confundem Hard Rock com Heavy Metal, mas há uma dica que quase sempre funciona: se é muito barulhento e só fala de amor, vida noturna e putaria, então é Hard Rock (esse seria o caso de bandas como Skid Row e Guns N' Roses). Se é muito barulhento mas só fala de demônio, fantasmas, ocultismo, blasfêmias e coisas sombrias, então é Heavy Metal (como Iron MaidenJudas Priest e congêneres).




Rock and Roll All Nite - Kiss. Um clássico do hard rock.
Back in Black - AC\DC


Rock and Roll All Nite - Kiss. Um clássico do hard rock.


Back in Black - AC\DC



Nos anos oitenta a cena do Rock é praticamente dominada pelo Punk e pelo Hard Rock. O Hard vira uma loucura e surge o pessoal do chamado "Rock Farofa", bandas de qualidade duvidosa e estilo excêntrico e repetitivo, como Motley CrueEurope e Bon Jovi. Todos eles meio que surfavam na sonoridade pegajosa do KISS, mas sem a autenticidade do KISS.

Agora você pode até me julgar um rockeiro degenerado e de mal gosto, o que eu realmente sou, mas devo confessar que eu adoro rock farofa. Especialmente Bon Jovi. Que posso fazer? Eu nasci para o mal.




Europe - The Final Countdown


Living on a prayer - Bon Jovi.


Veja bem, nós ainda estamos nos anos 80 e a essa altura os rockeiros já tinham flertado com tudo: samba, bossa, funk, jazz, música erudita, reggae, soul, etc. Então eu estou apenas tentando resumir as correntes principais, o bê-a-bá para o recém chegado, ok?

Por conta dessas misturebas todas, todo mês aparecia uma banda de rock nova expressando uma sonoridade muito maluca que ninguém sabia como chamar. Todo mês, cara. Loucura total. Até que um dia algum jornalista espertinho teve a brilhante ideia de chamar todos esses estilos diferentões de… "Rock Alternativo".

E desde então, sob essa alcunha, nada original, se encontram bandas que nada tem a ver umas com as outras, como Red Hot Chilli PepersSmashing PumpkinsNick Cave and The bad seedsThe PixiesTalking Heads, quase todas as bandas de "pós-punk" e qualquer coisa que não se enquadrasse nas categorias usuais.




É tão inovador que você não sabe como chamar? Relaxa, meu compradre: é Rock Alternativo!



Where is my mind- Pixies.



Psycho-Killer- Talking Heads


Aliás, importante saber: o Rock é o gênero musical com mais divisões, subdivisões, microdivisões, discordâncias sobre as divisões e, para facilitar, cantores que não aceitam rótulos. Eu já vi amigo brigando sobre a diferença entre "Black Metal" e "Death Metal", chega a ser hilário.



Black Metal ou Death Metal? Para mim tanto faz. Só sei que se tem mulher diaba envolvida, eu tô dentro.


No Brasil, nos anos 80, desponta o que hoje nós chamamos de B-Rock ou Rock BR, que nada mais é do que o Rock Nacional popular, que tocava nas rádios. Se for ouvir escute as bandas clássicas: Barão VermelhoLegião UrbanaParalamasTitãsRPMIraCapital InicialEngenheiros do Hawaí, Biquíni Cavadão e afins.




Uma boa playlist de rock br:




Chegando ao fim dos 80 e início dos 90 temos a explosão do Grunge.

NirvanaPearl Jam e Stone Temple of Pilots. O grunge é uma espécie de punk sofisticado, menos intenso e muito mais cínico. Há atitude no grunge , mas não é uma atitude de mudança ou de faça você mesmo. É mais aquela coisa do vagabundo desiludido com o mundo. Grunge não toma banho, anda com roupa rasgada, tá se lixando para sucesso material. (Dizem as más línguas que o Kurt Cobain fedia um bocado).

O Grunge tem aquela coisa de "Ah, tudo é uma merda, a humanidade é uma merda, a mídia é uma merda, a politica é uma merda, a indústria musical é uma merda; então vamos encher a cara e tirar sarro desses idiotas". Mano, vou te falar uma coisa: eu adoro grunge! Rs.




Clássicos do Grunge:


Come As You Are - Nirvana


Alive- Pearl Jam


Ainda nos anos noventa desponta o BritPop, rock popular britânico, como Oasis e Blur, e ainda tem o que nós poderíamos chamar de "Rock Eletrônico", que englobaria o Trip Rock do Gorillaz, do Massive Attack e, talvez, a sonoridade do Radiohead e das bandas de New Metal, que iriam misturar música eletrônica, rock e hip-hop (Linkin Park, Rage Against The Machine e Limp Biskit).





Don't Look Back In Anger - Oasis


Clint Eastwood- Gorillaz


Faint - Linkin Park


Dos anos 90, cá no Brasil, nós tivemos o interessante MangueBeat, encabeçado pelo Chico Science e Nação Zumbi e pelo Mundo Livre S/A. Tivemos os Mamonas Assassinas, que eram um rock de humor anárquico e também Raimundos, que conseguiam ser ainda mais anárquicos que os Mamonas.

Mamonas e Raimundos são bem divertidos, especialmente se você é adolescente ou jovem ou adora uma piada de duplo sentido e uma letra sacaninha. (Evidentemente é o meu caso).





Selim - Raimundos (com a clássica frase: "Eu queria ser a calcinha daquela menina, para ficar bem perto da vagina e as vezes até me molhar")


Vira- Mamonas


Também nos 90, cá no Brasil, tivemos duas bandas muito influentes de rock: O Rappa e Planet Hemp. Duas bandas obrigatórias para rockeiros cariocas.




A culpa é de quem - Planet Hemp. Todo maconheiro adora essa música.


Tribunal de Rua - O Rappa. Essa música é a cara do Rio.


Dos anos 2000 para cá quase tudo que surgiu de interessante no Rock foi chamado de "Indie Rock". "Indie" sendo uma corruptela de "Independent". Aconteceu que com a popularização dos computadores e a ascensão da globalização, a acessibilidade dos recursos de composição e edição aumentou drasticamente. Algumas bandas dessa leva são Artistic Monkeys, Kaiser Chiefs e Franz Ferdinand.





I predict a Riot - Kaiser Chiefs


Take Me Out - Franz Ferdnand


Nas primeiras décadas deste século houve também o Pop Punk (Green DayBlink 182Avril Lavigne…), o Emo (My Chemical RomancePanic Até The DiscFall Out Boy… ).

E depois veio aquela coisa estrambótica chamada Happy Rock (Restart e congêneres) . Mas aí a coisa é triste e sobre esse tipo de subgênero me dá ânsia de vômito, então acho melhor terminar por aqui.

O que veio depois eu não acompanhei muito. Mas tem coisa boa sendo feita atualmente. Eu recomendaria fortemente MGMTTime Impala, qualquer coisa do John Frusciante e, claro, Beirut.





Nantes - Beirute


Minha a dica seria procurar as melhores músicas de cada uma das bandas que eu mencionei, em ordem cronológica, e ouvir ao menos cinco músicas de cada banda, para conhecer. Gostou muito de uma banda? Vá ouvir o melhor álbum dela. Gostou demais desse álbum? Escute os outros. Não perca tempo demais numa banda, pois há muita coisa para se conhecer. Conheça tudo o que puder, depois selecione apenas os seus favoritos.

Mas cuidado! Rock vicia! Digo por experiência própria!

Aprecie sem moderação!



                                                                                   ***


Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.


23/11/22

A Aventura Espiritual de Alexander Supertramp

Christopher Mcclandless, mais conhecido como Alexander Supertramp

Quem nunca pensou em se afastar da sociedade, da loucura e da violência dos homens, e ir morar na roça ou no mato?

O caráter patológico e a falta de sentido dominante na vida moderna são tão intensos e onipresentes que, em consequência, não há quem não viva depressivo, angustiado e ansioso. Aliás, a depressão foi considerada pela OMS como o Mal do Século.

A vida na cidade - e no mundo "civilizado"- só é possível com sérios prejuízos a saúde mental, produzindo variadas neuroses, psicoses e tic-tics nervosos. Exatamente como naquela famosíssima e tragicômica canção dos anos 80.

Pensou que era só uma canção bobinha? Nem tanto: era praticamente uma análise clínica da vida moderna! Bem humorada, mas certeira.



Estou preso no trânsito com pouca gasolina
O calor tá de rachar e lá fora é só buzina
Perdi o meu emprego, que já era mixaria
E ontem fui assaltado em plena luz do dia!

Isso me dá tic tic nervoso
Tic tic nervoso, tic tic nervoso
Isso me dá tic tic nervoso
Tic tic nervoso, tic tic nervoso

[…] Encontro uma garota,

um tremendo avião

pergunto o seu nome

ela me diz que é João!

Isso me dá tic tic nervoso

Tic tic nervoso, tic tic nervoso

Isso me dá tic tic nervoso

Tic tic nervoso, tic tic nervoso[..]

O mundo moderno, com suas cidades, prédios de arquitetura horrorosa, buzinas, carros, fábricas e tons de cinza variados e onipresentes; não é apenas feio, poluidor, fedorento e barulhento: é enlouquecedor também.

Em vista disso, algumas pessoas se sentem extremamente motivadas a mandar tudo para a p%$@ que o p&#$l e ir viver sossegadas em algum cantinho isolado perto da natureza, do canto dos pássaros, do ar puro.

As histórias sobre pessoas que, por esses motivos e outros, se afastaram da sociedade são muitas. Contudo, existe uma em especial que me marcou muito, visto que exerceu sobre mim uma grande influência.

É claro que irei falar aqui do Christopher Mccandless, ou, para os íntimos: Alexander "Supertramp" ("Supervagabundo").


[ Mccandless, na faculdade]

A vida que Christopher levava, para muita gente, seria considerada uma vida perfeita. Filho da alta classe média norte-americana, jovem, bonito, formado por uma das melhores universidades norte americanas, culto e inteligente.

Mas tinha um defeito: uma sensibilidade moral e crítica aguçada, que lhe fazia rejeitar profundamente as hipocrisias e artificialidades da civilização. Considerava que o afastamento humano da natureza havia sido um erro. A vida humana, pensava, era mais saudável quando o homem estava melhor integrado ao mundo natural.

Não podendo mudar o mundo, mas podendo mudar a si mesmo, Christopher se meteu no que chamou de sua "Revolução Espiritual". Doou todo o dinheiro de sua conta bancária - 24 mil dólares- para a caridade e saiu a viajar em busca de aventura e de um contato profundo com a natureza.

[Mccandless, na natureza]

Um breve resumo de sua aventura pode ser encontrado no artigo da Wiki:

Devido a um problema com o seu velho Datsun amarelo, Chris foi impelido a abandoná-lo junto ao lago Meade, no Vale Detrital, mas isso não o impediu de continuar. Encarou a situação como um sinal do destino e, abandonando junto ao carro grande parte dos seus pertences e queimando todo o dinheiro que trazia consigo – cerca de cento e vinte e três dólares –, Chris McCandless partiu a pé em direção ao Oeste, adotando um novo estilo de vida, no qual era livre e assumia o nome de Alexander Supertramp, seguindo os ideais de Henry David Thoreau, Leon Tolstói e Jack London, em busca de experiências novas e enriquecedoras.

Foi à boleia que chegou a Fairbanks, no Alasca, fazendo amigos e conhecendo lugares magníficos pelo caminho. Entre as suas aventuras destacam-se uma descida do rio Colorado em canoa. Walt e Billie McCandless, pais de Chris, ainda tentaram encontrá-lo, mas em vão. Apenas a sua irmã Carine recebia uma carta de vez em quando, e mesmo ela não sabia a sua localização. Os anos foram passando, e Chris continuava sozinho, algures na América, passando por Carthage, Bullhead City, Las Vegas, Orick, Salton City, entre outros, até chegar finalmente ao destino pretendido: o Stampede Trail. Conheceu Jan e Bob Burres, Wayne Westerberg, Ronald Franz (nome fictício), que se tornaram seus amigos inseparáveis a quem se ia correspondendo por cartas; permaneceu em alguns sítios durante meses, mas partia de seguida para outras aventuras.

Por onde passou, Chris alterou as vidas das pessoas que o conheceram. A sua personalidade forte, muito inteligente e simpática deu uma nova vitalidade a Jan, Franz e Westerberg. Raramente falava de Annandale e de casa, e eram muitas as vezes em que era reservado e ponderado. Mas o rapaz de vinte e quatro anos, que todos conheceram como Alex, cumpriu o seu destino e partiu de Fairbanks em direção ao Monte McKinley, dois anos depois de ter iniciado a sua viagem.

Gallien deu carona a Chris até o Parque Nacional Denali, através do Stampede Trail, um caminho que levava ao interior do Alasca. Também ele simpatizou com o rapaz, que gentilmente lhe contou os planos de permanecer alguns meses na floresta. A única comida que levava era um saco com cinco quilos de arroz, e o seu equipamento era inadequado para quem planejava fazer o que ele se propunha. Ainda assim, o rapaz parecia determinado, e nada o podia dissuadir. Partiu assim para o desconhecido, ignorando a hora e o dia, numa quinta-feira de abril, sem deixar rastro.

Através de um diário que manteve na contracapa de vários livros, com cento e treze entradas, podemos compreender o que realmente aconteceu a Chris McCandless na sua viagem ao interior do Alasca. O seu diário contém registos cobrindo um total de 113 dias diferentes. Esses registos cobrem do eufórico até ao horrível, de acordo com a mudança de sorte de McCandless.

Alimentou-se do que trazia e de algumas bagas que colheu na natureza, tal como de alguns animais que caçou, com sucesso; leu vários livros, rabiscando-os com pensamentos próprios sobre a vida; passeou por diversos bosques, mas o local onde permaneceu mais tempo foi logo abaixo da Cordilheira do Alasca, onde ainda hoje se encontra um ônibus abandonado. O veículo, de número 142 do sistema municipal de trânsito de Fairbanks, foi a residência do Chris nos meses em que se encontrou na floresta. Em seu interior ele escreveu algumas frases, como:

“ Sem jamais ter de voltar a ser envenenado pela civilização, foge e caminha sozinho pela terra para se perder na floresta. ”

Infelizmente, a história termina de forma mais ou menos trágica: o jovem romântido, espiritual e idealista acaba como todos os idealistas: morre em consequência de seus ideais.

A história foi contada no livro:

E no emocionante filme homônimo (com trilha sonora espetacular):



Algumas fotos:


Essa última ficou tão famosa, provavelmente devido ao filme, que dezenas de pessoas a reproduziram (o ônibus ainda está lá):



"Society man, society!"


                                                                        ***

Assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

16/11/22

Rick Beato: o produtor que te ensina a compreender a estrutura musical das grandes canções do rock


Esse cara manja dos paranauês

Falta música neste blog. Para corrigir essa falha, a postagem de hoje inaugura a minha série de dicas e digressões sobre temas musicais - bandas, gêneros, canções, cantores, clássicos, alternativos, álbuns, produtores, bastidores, tretas, listas e o que mais houver de interessante no mundo da música. O critério é falar sobre música de qualidade, especialmente de gêneros e bandas que eu gosto, ou ao menos dos relevantes históricamente e musicalmente. Mas claro que, como John Ramalho é John Ramalho, pode aparecer por aqui algumas referências musicais kitsch, trash, humorísticas e bizarríssimas para provar que nem só de Chopin vive o homem. Espere por Rogério Skylab e coisas ainda mais doentias. Mas tenha calma: tudo em seu devido tempo.

Por hora, a minha dica número um é o canal de Youtube do músico e produtor norte-americano Rick Beato. Artista e produtor experiente, Rick faz exatamente o que eu sempre quis ver algum professor de música fazer: decompõe a música original mostrando a pegada de cada instrumento, fala sobre a mixagem, os efeitos sonoros, a progressão de acordes e o que torna a música em questão especial ou interessante. E faz tudo isso com uma naturalidade que é absolutamente inspiradora. É definitivamente um mestre em sua área. Seu canal é excelente para quem está começando a estudar música ou simplesmente gosta de saber um pouco mais. (Sugiro fortemente conferir a lista dele de melhores guitarristas, cita uma grande variedade de clássicos dos anos 30 e 40, do blues e até do jazz, sobre os quais eu jamais tinha ouvido falar.)

Abaixo, em sua série de vídeos chamada "What Makes This Song Great", no episódio 75, Rick explica a estrutura, a sonoridade e as sacadas de Under The Bridge, canção famosa da banda Red Hot Chilli Peppers:

\


A dica está dada. Confira o canal do Rick, veja suas playlists, procure um vídeo de uma banda que te interesse e aprenda sobre música enquanto se diverte ouvindo música (e ainda pratica o seu inglês).

09/11/22

Download: Um Sonho de Liberdade (1994)



Filme baseado em conto de Stephen King, "Um Sonho de Liberdade" - "The Shawnshank Redemption" no original - é daqueles filmes obrigatórios.

Embora ficcional, a obra é convincente ao mostrar as fragilidades da burocracia econômica e estatal. Já na prisão, dispondo de conhecimento privilegiado do sistema financeiro e fiscal, o protagonista decide auxiliar na feitura das declarações de imposto de renda dos guardas e na lavagem de dinheiro praticada pelo diretor. Com isso, naturalmente, recebe alguma condescendência das autoridades.

Em certo momento do filme, Dufresne, o protagonista que foi condenado injustamente, reflete: "Lá fora eu era um santo. Entrei na prisão e me tornei um vigarista". Ao que "Red", seu comparsa, interpretado por Morgan Freeman, responde com uma bela gargalhada.

Outro aspecto interessante do filme é sobre certos usos "acidentais" do conhecimento. A trama, no que tem de alegórica, sugere que o saber adquirido pela curiosidade descompromissada pode se revelar importante quando menos esperamos, como no caso de Dufresne com a Geologia. Isto é: não apenas o conhecimento técnico revelou-se útil, mas também o conhecimento amador, diletante.

Não sendo um homem particularmente poderoso ou magnânimo, e ainda em situação desfavorável, Dufresne realiza feitos inusitados e impressionantes, tudo isso porque possui inteligência, conhecimento e astúcia.

Esse é um dos filmes preferidos de muita gente; e é, sem dúvidas, um ótimo filme para assistir - especialmente em família.

Abaixo, o link para download do filme + legenda (o download é via arquivo torrent. Para baixar é preciso ter cadastro no Terabox):

02/11/22

Brasília Esotérica

O que um turista deveria saber sobre Brasília?

Morei no Distrito Federal por quase cinco anos. E se alguém me fizesse tal pergunta, minha resposta instantânea seria aquela que, dentre todas as informações disponíveis, considero a mais curiosa, inusitada e divertida de se saber:

"Brasília é a capital mística do Brasil".

Supreso? Pois vamos aos fatos:

Para começar, o caráter místico da cidade antecede em muito sua construção. Reza a lenda que São João Bosco, já no século XIX, teria sonhado com a capital:

“Entre os graus 15 e 20 havia uma enseada bastante longa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Disse então uma voz repetidamente: -Quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.”

Em agosto de 1883, Dom Bosco, como é mais conhecido, sonhou que fazia uma viagem à América do Sul – continente que jamais visitou. No sonho, ele passou por várias terras entre a Colômbia e o sul da Argentina, vislumbrando povos e riquezas. Ao chegar à região entre os paralelos 15° e 20°, viu um local especial, onde, nas palavras de um anjo que o acompanhava em sua visão, apareceria “a terra prometida” e que seria “uma riqueza inconcebível”.

Setenta e sete anos depois do sonho, era inaugurada no Planalto Central brasileiro a cidade de Brasília, exatamente dentro do intervalo de coordenadas geográficas mencionado na visão de Dom Bosco e emoldurada pelo Lago Paranoá.

A vinculação com o sonho do santo existiu desde o começo da construção da capital, tanto que a primeira obra de alvenaria a ser erguida foi a Ermida Dom Bosco, uma pequena capela em forma piramidal, projetada por Oscar Niemeyer e localizada às margens do Lago Paranoá. Foi construída em 1957 como uma homenagem ao santo – mais tarde feito padroeiro de Brasília ao lado de Nossa Senhora Aparecida – e como um pedido para que ele abençoasse a nova cidade. Além disso, a congregação fundada por São João Bosco, a dos Salesianos, desde 1956 se fez presente nos acampamentos dos trabalhadores – foi a primeira ordem religiosa a chegar ao Distrito Federal. 

Intrigante, não?

Existe também a especulação de que Brasília teria sido moldada como uma versão moderna da cidade egípica de Akhetaton, pois há semelhanças entre as duas. Dizem que Juscelino Kubitschek era maçom (não é informação confirmada), e como maçons gostam de embutir simbolismo críptico em suas obras, as semelhanças não seriam mero acaso. E claro, há quem alegue até que JK foi a reencarnação do imperador egípcio Akhenaton...

[Brasília e Akhetaton lado a lado]

[JK e Akhenaton. Reencarnação ou coincidência?]


Além dessas circunstâncias misteriosas, ou talvez por causa delas, Brasília está repleta de organizações espiritualistas, místicas e iniciáticas. Abaixo uma breve lista de algumas delas, com fotos e anúncios.

  • Maçonaria (Sim, os templários modernos dominam Brasília também).

  • Unipaz - ( Também conhecida como Universidade Holística de Brasília. Já estive lá. O lugar é lindo, e as moçoilas que o frequentam também...)

  • GETAP UNB - (Grupo de Estudos de Terapias Alternativas, com atuação na Universidade de Brasília e na Unipaz. O rapaz com o microfone, criador do grupo, é o psicólogo contracultural Erik Von Berh, meu amigo e uma das mentes mais instigantes que tive a oportunidade de conhecer.)

  • Eubiose (Não sei nem direito o que é. Mas aprovo.)


Há também os usuais: Espíritas, umbandistas, pessoal do Santo Daime e o pessoal do candomblé. E claro, os mais piradinhos, esquisitinhos:

  • Inri Cristo - (Ele mora no Gama, cidade-satélite. Morei lá algum tempo e já fui praticamente vizinho do todo poderoso.)


Então, caro amigo turista, se for a Brasília: vá preparado. É um lugar assombrado por políticos, espíritos, doidos, paranóicos, lunáticos, charlatães, bruxos e milagreiros de todos os tipos. Até o filho de Deus anda por lá.

Venha, mas não esqueça seu chapéu paranóico-protetor!

E não se esqueça, para atingir o Bom Senso e descobrir a Origem da Humanidade, leia o livro: UNIVERSO EM DESENCANTO!




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Noda do editor: como outros textos publicados neste blog, o texto acima foi originalmente  publicado como resposta no site Quora.