22/02/23

Notinha #8: Filosofia e Tatuagens

Existe na Filosofia um conceito altamente sofisticado e preciso que descreve gente com cabelo colorido e tatuagens por todo o corpo. Chama-se: Abominação Estética.

Como digno representante da geração 90, preciso deixar claro: tatuagem só presta em maoris, putas, bandido mal encarado, mafiosos, policial matador e endemoninhados da Igreja Universal. E cabelo colorido só diverte quando em foliões no Carnaval e em eventos cospley. Só.

Enquanto as novas gerações não respeitarem esses limites sociológicos teremos o fenômeno do hipster nerdola tatuado e da gatinha em idade reprodutiva fazendo cospley fora de época.

Atentai-vos a esta dolorosa (mas verdadeira) lição, que trago com autoridade e sabedoria. Acatai sem reclamar. Apliquem e verão surgir em suas vidas uma nova aura de dignidade, respeito e autoestima.

15/02/23

Rapazes, aprendam:



A grande diferença entre os rapazes da geração atual e das anteriores é que os jovens do passado, muito justos e parcimoniosos, aprendiam a desprezar as mulheres somente depois de conhecê-las e devorá-las; descobriam e apegavam-se ao que de melhor elas podem oferecer, queriam mais, ficavam dependentes, e assim o desprezo jamais os tomava por completo.

Já os moços da atualidade, cegados pela inadequação social, desprovidos do conhecimento das leis da canastrice e da patifaria, empunham a catastrófica bandeira de que o melhor é desprezá-las antes mesmo de lambuzá-las. Alguém deveria adverti-los que seu objetivo é nobre, mas seu sistema incorre em fatal equívoco; peca na disposição dos elementos. Amar primeiro; desprezar, depois.
Tu, jovem mancebo, filho destes tempos sojados, escutai com atenção as palavras do profeta: Primeiro, mamai nas tetas e nas bocetas; depois, quando estiveres falido e fodido, de tanto esbanjar as economias em orgias olimpianas com as mais belas e mais vendidas, maldiga o gênero; faça-o com retórica empolada, citações eruditas e o bom e merecido ressentimento. Mas faça na ordem correta. Depois, terás o direito ao desprezo. Antes, não.

08/02/23

O Artista entre a Técnica e a Inspiração



"Macróbio" - Arte original de Marlos Salustiano

Conhecendo as impressionantes obras dos artistas que conheço, não me atrevo a classificar-me como um. No entanto, devo ser razoável e concluir, a partir da minha longeva paixão e prática cultural independente na área, que tenho algo de artista, mesmo que menor, menor, menor.

E assim, por essa breve autoridade de "ter algo de artista", venho cá dizer que a noção de que há um dilema artístico entre o trabalho técnico e a inspiração súbita é, no mínimo, falsa. Sendo ideia perigosa, porque restritiva. 

Todos os elementos que entram na fórmula para compor um bom trabalho artístico são elementos da maior importância, indispensáveis. Não há inspiração que dê bom resultado se não houver, por parte do artista, o domínio técnico: e não há domínio técnico que transpasse o formalismo se não houver inspiração, honestidade, autenticidade e um pouco de "alma". É como o que eu já disse sobre Nick Cave: que é ateu, mas tem alma. 

Ao grande artista, ou ao que se pretende tal, quase todo recurso é igualmente bem vindo. Outro dia mesmo deparei-me com conselho de um autor que muito estimo: dizia ele que uma boa dica para escritores é aprender pintura, porque, na visão dele, é fundamental na ficção a concretude, o domínio dos pequenos detalhes da composição de uma cena, como de um quadro. Em outras palavras, a recomendação era aprender algo de outra arte para, com o aprendizado, enriquecer os recursos da sua arte. Ele falava em expansão, não em restrição. Restrição é palavra perigosa em Arte.

Além disso, a contemplação da habilidade técnica alheia nos pode inspirar e o estado mental de inspiração pode nos estimular o treino e desenvolvimento das habilidades técnicas. Lembro quando, em 2014, numa exposição no CCBB do Rio de Janeiro,  desfrutando a companhia do mestre Marlos Salustiano, apreciei, encabulado, o resultado dos estudos técnicos de Salvador Dalí. Achei absurdamente inspirador a devoção do pintor espanhol ao estudo das técnicas dos gênios que o haviam precedido. 

Ainda sobre minha inspiração, sei que a noite me inspira, que determinadas músicas conduzem-me a certo estado de espírito, que o isolamento me é favorável, e bem sei usar isso em minha produção, entram como recursos para alterar meu estado mental. Não fico esperando que uma bela filosófica vá cair do céu, com divina nudez, em meu quarto, a me inspirar e provocar tamanho êxtase que me leve a intuir os segredos do estilo perfeito. Nada disso: a ideia de inspiração como um estado espontâneo, recebido, passivo, quase divino, oriundo dos cantos sedutores das ninfas, é caricatura. Só alguém que já exercitou muito a técnica pode chegar a mais alta inspiração, e só quem dominou a técnica pode ir além dela. A inspiração é um estado ativo, que é estado a ser construído. E como tudo que é construção, dá trabalho.

Talvez a decadência da arte brasileira dita popular tenha se dado, em parte, justamente porque os artistas contemporâneos se deixaram levar pela má filosofia estética de que técnica e inspiração opõe-se. Passaram a considerar a arte como um assunto sentimental, subjetivo, de ordem privada, deixando de lado o estudo diligente da história de arte e o esforço de dominar todos os recursos possíveis.

O resultado dessa mentalidade vocês já sabem qual foi. Toda a gente o pode ver ecoar nas precárias manifestações que hoje chamam de "arte" e "cultura".

                                                                     ***

Nota do Editor: A primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

01/02/23

O Artista e Sua "Loucura"

Há quem pense que os artistas são, quase sempre, pessoas instáveis, de mente fértil, porém perturbada, estando a apenas alguns passos de distância dos loucos.  Acontece que, apesar das aparências, isso não é bem verdade. Não é que artistas possuam maior tendência a ter transtornos mentais, a realidade é outra: artistas são corajosos o suficiente para expor sua alma via arte. Quem olha para dentro de si, por tempo suficiente e com a profundidade devida, sempre encontra imperfeições, transtornos, traumas, vieses. O artista trabalha isso, depura a si mesmo por meio de sua arte. Trata sua psique ferida com ela, que pode ser, entre outras coisas, uma forma de terapia espiritual. Tratando a si mesmo, expondo-se, ele se aprimora, podendo exorcizar seus males, enriquecer a cultura e o imaginário da humanidade. Colabora consigo e com o mundo.

Por isso, em geral, bons artistas se conhecem bem mais do que as pessoas comuns. Eles não são "mais doidos" que as pessoas normais (ao menos não todos, e certamente não a maioria). Ocorre que, diferente das pessoas normais, os artistas foram tão fundo dentro de si mesmos que perceberam o que neles era totalmente diferente, perceberam sua loucura, ou desajuste particular. Perceberam sua singularidade, e então, num segundo passo, a aceitaram. Depois deixaram de se intimidar com isso e pararam de fingir. Assim puderam abraçar a si mesmos e expressar isso sendo autênticos.

O que a maioria das pessoas chama de loucura na classe artística é apenas expressão da individualidade, singularidade e da autenticidade. É um abandono do fingimento. Como a nossa sociedade estimula o fingimento e o comportamento de manada, o homem comum estranha e acha esquisito quando alguém se permite ser autêntico e foge dos padrões.

Raramente conheci um artista que não tivesse consciência da sua loucura e dos seus dramas pessoais. Por outro lado, o que mais conheço é gente normal cheia de traumas e problemas mentais, mas sem consciência nenhuma disso; gente que vive na base do fingimento, do remedinho para camuflar as ansiedades e do autoengano. Gente que é incapaz de ser sincera até consigo mesmo. Essa é a tal da gente normal. Credo! Eu tenho até medo...

Aliás, sempre bom lembrar: normalidade não é exatamente algo saudável, pode ser uma doença. Se você é normal demais, por favor, vá se tratar:

Salvador Dalí manda lembranças:

Nota do Editor: como outras publicações deste blog, a primeira versão deste texto foi originalmente publicada como resposta no site Quora