25/01/23

Notinha #7: A Teoria dos Três Cânones

Tenho a ideia (não sei se alguém já disse isto antes, portanto, não assumo aqui alguma pretensão de originalidade; mas, até onde vai minha ignorância, tomo a ideia como minha) de que a formação de um intelectual alternativo ou livre pensador moderno deveria ter não um Cânone, mas três:

O primeiro seria o Cânone tradicional, bendito. A biblioteca recomendada. O segundo seria o Cânone Maldito, ou o Contra-Cânone, contendo heterodoxias, parapsicologia, ocultismo, neolamarckismo, revisionismo, conspiração, racismo, etc. Seria a biblioteca proibida. Os temas noturnos e soturnos. E o terceiro seria o Cânone Pessoal do próprio leitor, no qual ele mesmo decidiria quais são os grandes livros, os grandes homens e as grandes ideias.

Acho que essa é a extensão intelectual mínima necessária para alguém que quisesse pensar de forma crítica, independente e honesta. Eu queria fazer isso, mas daria muito trabalho.

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Notinha originalmente publicada em perfil no Facebook

18/01/23

A Lógica dos Coen

Alguns filmes dos irmãos Coen

Sempre dizem que os filmes dos irmãos Coen são caracterizados pelo niilismo e pelo absurdo não explicável das situações. Mas eu tenho a forte impressão de que quase todos (ainda não assisti a todos) os filmes da dupla apresentam um mesmo padrão lógico: falam sobre pessoas normais ou idiotas que se acham mais espertas do que realmente são. Que fazem planos apressados para se dar bem com falcatruas, mas ignoram a complexidade da realidade, sendo incapazes de suspeitar dos desdobramentos inusitados de suas ações.

Vejamos:

Em *Fargo* (1996):

Um vendedor incompetente e ressentido acha que tem o plano certo para extorquir o avarento e rico sogro por meio de um falso sequestro da própria esposa. Contrata dois bandidos tão idiotas quanto ele e tudo sai errado, e a esposa morre.

Em *Queime Depois de Ler* (2008):

Dois instrutores de academia medíocres encontram arquivos do livro de memórias de um agente da CIA. Acham que o conteúdo é importante e confidencial. Como se julgam muito espertos, eles bolam o plano genial de tentar chantagear o agente.. Tudo sai errado, e um deles morre.

Em *O Grande Lebowski* (1998):

Jeff Lebowski e seus dois amigos são três idiotas que se acham grande coisa. Lebowski é divertido porque, talvez consciente de sua própria mediocridade, é o que menos se leva a sério. Tentam trapacear um ricaço, mas tudo dá errado, e um deles morre. O "Grande" do título, aliás, é extremamente irônico, já que Lebowski é um ser humano da estatura moral de um chinelo de dedo.

Em *Onde os Fracos Não Têm Vez* (2007):

O aparente protagonista se acha muito esperto roubando a valise cheia de grana, mas é pego e, obviamente, morre. Ou seja: tudo dá errado pra ele também. A sensação ao assistir o filme é terrível. Você espera um trillher de ação que acaba no momento em que começa a ficar empolgante. Parece que o filme acaba pela metade.

Em suma, histórias ridículas que terminam de forma mais ou menos catastrófica e não oferecem lição alguma; gente normal ou idiota achando que um grande plano lhes irá livrar da ruína financeira em que vivem, golpistas e a opção pelo crime feita por gente que não consegue prever as consequências dos crimes... Tudo isso me faz gostar dos filmes dos irmãos Coen por um motivo muito particular: eles me lembram muito o Brasil.

11/01/23

Morpheus na Netflix


Sandman virou série na Netflix. Boa parte dos nerds saudosistas ficaram entusiasmados e eufóricos, mas eu pergunto: há real motivo para isso?

Infelizmente não há. A adaptação é fraca, diluída, entediante, com diálogos ruins, totalmente woke* - desnecessário para uma história que já era repleta dessa ideologia. Tiraram a maior parte do peso filosófico, do existencialismo melancólico (quase misantrópico) e do caldo de referências literárias e culturais que eram a perfumaria da HQ. A série, infantilizada para atingir maiores audiências, carece do brilho do cultuado gibi de Neil Gaiman; apesar da boa caracterização do protagonista e de que, sim, eu também acho legal ver o trevudo gótico e temperamental mestre dos sonhos (plágio descarado de Elric de Melniboné) numa versão "live action" com bons efeitos especiais.


Esse, porém, não é o único motivo. A atualização da história de Morpheus dos Perpétuos inevitavelmente provocará uma corrida ao ouro: assim como aconteceu a The Boys e The Walking Dead, os nerds que são de fato nerds - e hoje para ser nerd no Brasil basta saber ler e gostar de fazê-lo - irão buscar a fonte, recorrendo aos gibis clássicos de Gaiman. Bom para as editoras, ruim para os leitores; porque, a curto e médio prazo, como a cultura woke é a cultura oficial dos universitários e cronistas de cultura pop, veremos pipocar artigos do tipo: "Precisamos falar sobre o Machismo em Sandman"; "O Racismo e a ausência de deuses negros em Sandman"; "A gordofobia na obra de Neil Gaiman"; "Sexualidade, Transformismo e Identidade em Sandman".


E o nosso belo e querido Lorde, aristocrático e transcendente, será sequestrado para o discurso inconsequente de ateus toddynhos psolistas e jovens místicos, o que aumentará drasticamente a probabilidade de eu efetivar meus tão sonhados homicídios em massa num departamento de humanidades de uma boa e grande universidade deste país (USP, eu estou pensando em você!)

Gosto de Sandman e acho tudo isso lastimável. Assistam a série porque ainda assim é interessante e divertida, mas estejam avisados. E percam as esperanças...


* OBS: Por comodidade e espaço, usei aqui este termo gringo - "woke" - que refere-se a fenômenos como o identitarismo esquerdoso, o politicamente correto e a cultura do cancelamento.


                                                                        ***

Nota do Editor: o texto acima reflete uma opinião crítica milimetricamente fabricada para irritar fanboys e "guerreiros da justiça social", originalmente publicada em perfil no Facebook

04/01/23

Como convencer alguém a acreditar em algo surreal e absurdo

É possível fazer alguém acreditar no que você diz,  mesmo que se trate de inverdades, teorias mirabolantes e surreais. Mas, cuidado, pois sempre depende do nível mental do ouvinte e do contexto. Vamos às explicações:

[Não é só o Frank que manipula seus eleitores. Quase toda autoridade te manipula intencionalmente]

Basicamente, para convencer alguém a aceitar alguma crença absurda (especialmente se ela for falsa) você precisa de três fatores, todos baseados em manipulação de viézes cognitivos.

1.Alegação de Autoridade. Seja ela real ou fictícia. Essa autoridade pode ser sua, expressa em superioridade intelectual, superioridade espiritual, superioridade social, bélica, política, etc. Ou pode ser de outro, com quem você alegue ter tido contato ou de quem seja próximo (ou pode mesmo ser até algum livro ou mesmo uma experiência).

2.Repetição Exaustiva. Mesmo as crenças mais irracionais e absurdas passam a ser aceitas quando repetidas um número suficiente de vezes por um número suficiente de autoridades. (Se uma pessoa tende a não ser crítica sobre algo que acabou de aprender, a consequência natural é que quanto mais ela escute a mesma explicação, mais acredite nela. Crenças também são hábitos condicionados e modelados por reforço.

3.Vantagem Emocional e Apelo à Vaidade. Aqui está uma chave crucial: é preciso que a crença traga alguma vantagem emocional para o seu portador. Ela precisa favorecê-lo em algum sentido. Seja elevando seu ego, seja pacificando seus temores, seja lhe dando coragem, seja oferecendo esperança. (As pessoas tendem a acreditar primeiro no que lhes agrada e parece oportuno e conveniente.)

                             [Ben Linos, mestre da manipulação e da trapaça em Lost]

Tenha em mente que o comportamento humano foi modelado pela evolução e pela cultura para obedecer e seguir líderes (os "alfas"), então existe um forte viés cognitivo para acreditar no que é dito por pessoas em tais posições, daí o fundamento da nossa tendência de crença irracional em autoridades. Sobre isso, vale se informar sobre o famoso Experimento de Milgram

Sobre repetição, pequise a repeito de Goebbels e da propaganda nazista, assim como sobre Edward Bernays e as técnicas da propaganda moderna.

Sobre vantagem emocional, pesquise sobre o "maior 171 do Brasil" Marcelo Nascimento, que enganava pessoas oferecendo benefícios e vantagens absurdas, o que despertava a cobiça das vítimas e lhes atiçava a vaidade, já que se imaginavam muito espertas por conseguirem um negócio tão vantajoso.

Mas cuidado! Não é qualquer público que vai acreditar em qualquer discurso. Pessoas mais inteligentes, mais informadas, mais maliciosas e com senso crítico mais apurado tendem a ser mais criteriosas, mais céticas e a ter uma atitude investigativa quando se deparam com conjuntos de crenças ou afirmações aparentemente absurdas ou que demandam comprovação. Existe um bordão dos céticos que ilustra bem essa disposição crítica/analítica:

"Alegações extraordinárias demandam evidências extraordinárias."

Então, um primeiro passo é fazer uma medição geral das inteligências - a famosa "caça aos trouxas" - e deixar de lado aquelas pessoas que estão bem informadas sobre o assunto ou que são inteligentes e investigativas.

Em outras palavas: tentar convencer um geofísico de que a Terra é plana não é boa ideia. É melhor tentar convencer aquele seu vizinho abobado que se acha um espertalhão, mas todos sabem que é um idiota.

Sobre isso, aprenda com os erros do ex-astrólogo, jornalista, pseudofilósofo e guru da Nova Direita Olavo de Carvalho. Quase todas as vezes em que ele se meteu a desafiar um especialista no assunto, foi ridiculamente humilhado. Vou citar aqui as vezes em que, a meu ver, foram as mais interessantes:

Note que esses episódios constrangedores jamais acontecem dentro da seita olavista, pois, via de regra, Olavo é a pessoa melhor informada em seu bando, que é onde ele sempre é reconhecido como a autoridade suprema, o que o permite manipular os demais. Uma coisa básica que se pode notar em qualquer "olavette" é o culto a personalidade e a erudição do Olavo (sim, ele pode ser vigarista em alguns aspectos, mas é um erudito genuíno).

Olavo consegue convencer seus seguidores de que a Terrra não é redonda, de que Barack Obama não nasceu nos USA, que existe uma conspiração comunista orquestrada pelo Foro de São Paulo, que a Teoria da Relatividade está errada, que Georges Cantor não entendia matemática e que Newton era uma anta. Ele é provavelmente o maior guru, manipulador e mestre da persuasão que o Brasil já teve, o que, evidentemente, me faz ter uma extrema simpatia por ele. Recomendo acompanhá-lo e ficar de olho em suas técnicas e retórica delirante.

Aprenda a mentir, trapacear e bem enganar que o mundo será seu!

                                                                         

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OBS: Assim como outras postagens deste blog, o texto acima foi originalmente publicado como resposta no site Quora.