27/02/22

Passado, Presente e Futuro deste Blog

 


Quando comecei este blog eu queria duas coisas. A primeira era fugir do Facebook; fugir da dinâmica dos debates perpétuos, pois desanimava-me a ideia de ter que justificar uma opinião logo depois de publicizá-la. Tenho pouca fé no debate racional e nenhuma vontade de convencer as pessoas -  ainda mais quando sei que estou certo e melhor informado.

O segundo objetivo era criar uma área de produção literária  pública e livre, mas descompromissada, ou apenas compromissada com minha dispersão cultural. Uma área para escrever sobre o que eu quisesse, com o texto que eu quisesse, do tamanho que eu quisesse, mas inicialmente orientada para crônicas e textos em formatos mais fáceis, do tipo que caberia bem num blog, coluna de jornal ou newsletter pessoal. Isso porque eu já havia constatado minha inclinação para a crônica e, coerente, desejava um meio adequado para fomentar minha produção.

Depois eu julguei que seria boa ideia aglutinar aqui meus textos espalhados em blogzinhos, redes sociais e cantos diversos da internet, fazendo desta página não apenas um blog pessoal, mas também um repositório dos textos interessantes que escrevi e publiquei online desde 2012, ano em que pela primeira vez um texto meu foi publicado em um blog (projeto feito com amigos literatos mas que acabou incipiente). Publicando os textos aqui eu posso editá-los e catalogá-los, assim ganho maior clareza sobre as temáticas e os estilos que marcaram minha produção literária até agora. O ritmo de publicação tem sido o de um texto por semana, a frequência mais fácil para manter uma rotina literária básica. 

Escrever é fundamental para minha saúde e organização mental. Não que eu seja muito são escrevendo, mas, sem escrever, eu provavelmente enlouqueceria. Há, portanto, uma orientação terapêutica neste meu vício, e o lado bom é que posso recorrer a ela sempre que um leitor mais culto e refinado praguejar contra a má qualidade de minha prosa. Acusado de mau escritor, escuso-me dizendo que não escrevo por talento, mas por necessidade. Conto sempre com a complacência do leitor.

Mas escrevo e, escrevendo, sinto também alguma ambição. O problema é que conforme a literatura perde prestígio e lugar na cultura, sendo a cada dia mais substituída pela vídeomania, meu pouco interesse em produzir alguma forma mais elaborada de literatura vai pelo ralo, e as ideias que tenho para contos  e ensaios já sofrem com o mofo resultante da pouca exposição ao sol. 

Além disso, minha vida está uma bagunça. Escrever exige recursos: concentração, livros para consultar e ambiente adequado. O meu perene desemprego me impede de comprar os livros e de dedicar-me a estudá-los. As contas e as mesquinharias burocráticas do quotidiano acabam se impondo, então, até que eu resolva essas questões mais práticas da vida, atuarei na crônica e em formatos mais leves, o que, aliás, já venho fazendo. É pouco, mas é melhor que nada, e ao menos me impedirá de enlouquecer.

23/02/22

A Besta Que Subiu do Mar

 



Ouvi dizerem que uma grande besta destruiria este planeta. Ouvi que ela surgiria da água e que dominaria, com o passar do tempo, todas as outras formas de vida. Foi dito que empregaria uma magia  tão poderosa que a levaria a alturas e profundidades impossíveis.

Disseram-me que tal besta seria tão astuta quanto a serpente e tão cruel quanto o Demônio. 
Todavia, disseram-me também que ela, a grande e terrível besta, não teria consciência de sua perversidade, que seria vítima de si mesma. Disseram-me que tal criatura, em sua miséria e ignorância, julgar-se-ia inocente dos males que traria ao mundo.

Mas isso foi apenas o que me contaram - uma estória

O que não me contaram é que a besta, de fato, é real, e que já nos dias de hoje anda a dominar o mundo. 

O que não me contaram é que a besta, a terrível besta, não seria chamada "besta" ou "aberração", mas , vaidosa, reconheceria-se em  um curioso e inusitado nome: homo sapiens sapiens.

22/02/22

Foi-se o Comentarista



Imagino que os amigos de mesma geração tiveram experiência semelhante. No meu caso, aconteceu assim: sentado no sofá da sala, acompanhando meus pais enquanto assistiam ao Jornal Nacional (evento rigidamente tradicional para famílias brasileiras dos anos noventa), eu ficava deslumbrado e perturbado quando, em algum momento do noticiário, surgia um senhor grisalho e muito eloquente; que falava dos principais eventos com comentários irônicos, certeiros, perversamente bem-humorados e espirituosos.

Pré-adolescente, eu não entendia muito, mas catava, numa frase ou em outra, um deboche, uma sátira, um pastiche. Notava que ali havia humor e achava estranho, pois contrastava com a sisudez do jornal. E não era o humor que eu conhecia. Era algo novo, mais refinado.
Esse curioso comentarista tinha nome: Arnaldo Jabor.
Mais tarde, soube que ele era um figurão da cultura nacional. Participou do Cinema Novo, ajudando a fazer história num período de grande efervescência da cultura brasileira. Como colunista, antes de se focar no mundo político, entreteve e ilustrou milhares de leitores durante décadas. Publicado semanalmente em 23 jornais, esbanjava crônicas culturais engraçadas, inteligentes e enriquecidas com referências à dramaturgia, cinema, pintura, música, quadrinhos, literatura e história. Há em sua prosa o olhar desiludido de um ex-militante comunista, mas também a confissão cínica de quem viveu nossa história; e, para não enlouquecer, fez tragicomédia com nossos personagens e enredos quotidianos.
Certo ou errado, sempre culto e opinativo, era uma mente instigante.

16/02/22

O Que Mais O Amedrontava

   


A verdade era uma só: ele tinha medo. Era isso o que sentia todas as vezes quando saia às ruas. Tinha medo deles. Tinha medo de suas leis, de seus chefes, de suas mentiras, de seus exércitos, de suas religiões, governos e ciências. Por isso pensou em ir para as montanhas, para as cavernas, para o mato. Mas o procurariam lá, ele sabia. Trariam holofotes e iriam fotografá-lo, fariam reportagens, contariam sua historia em jornais e logo ele ficaria famoso. Então iriam visitá-lo, tratá-lo como aberração e talvez alguns até o seguissem.

Ele pensava nestas coisas e seus olhos lacrimejavam. Os homens, que doença os teria dominado? Que loucura era esta a deles? não sabia. Só sabia que era de todo cruel e perturbadora. Ele pensou que não se poderia fugir deles, por que tinham tomado todo o globo para si. Assustava-lhe a natureza virótica que a raça emanava. Haviam chegado aos 7 bilhões, ele bem sabia. Vejam só, criaram números para medir seus bens e riquezas mas não haviam números para medir sua ignorância, para a sua miséria, para a sua vergonha. Lembrou-se daqueles por quem nutria alguma admiração e respeito. Aqueles que ousaram ensinar, que ousaram pensar, aqueles que foram por eles reconhecidos como sábios e iluminados. "Sempre idolatrados mas nunca escutados" disse de si para si. E pensou no quanto isto era assustador.

De certo modo, isto o enchia de medo, de pavor. Então ele continuava, como há muito, cabisbaixo e deprimido, com Deus e com os homens. Olhava a si no espelho num impulso qualquer de autopiedade e ali detinha-se e se assustava ainda mais. Era talvez aquilo que mais lhe causava sofrimento, pesar e amargura. Olhar-se no espelho, ver a si e saber que todos aqueles que tinham feito de um mundo maravilhoso um mundo que só se podia expressar com lamúrias e prantos, todos aqueles que se poderiam em perfeita coerência chamar de 'virus humanidade' eram, cada membro, exatamente como ele. Isto o fazia chorar. Isto lhe fazia por inteiro amedrontado.

09/02/22

Argumentos são discutíveis, opiniões não...



Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verdade, me constrangem um bocado; pois, vindas de pessoas inteligentes, só fazem reiterar minhas suspeitas quanto a eficácia da (des)educação tupiniquim.

 Falo da liberdade que as pessoas se dão para, com insistência, defenderem ideias a respeito de assuntos sobre os quais estão completamente desinformadas ou, na maioria dos casos, possuem apenas informações aleatórias, jornalísticas, toscas, oriundas do senso comum e de páginas de curiosidades da internet.

Tal fenômeno pode ser constatado em conversas corriqueiras sobre qualquer assunto. Se considerarmos tais opiniões quando inseridas em conversas informais e descompromissadas, não há do que se queixar. O problema é que as gentes costumam confundir conversa com debate e opinião com argumento. Erro muito comum, mas também muito danoso. O que chamamos de opinião, por si só, é incapaz de sustentar um debate saudável.

O termo “debate” se refere a um tipo específico de interação onde duas ou mais pessoas travam julgamentos diversos a cerca de um assunto, usando, para a avaliação desses juízos, um ou mais critérios — lógica, conhecimento técnico, conhecimento científico, argumentação crítica, conhecimento filosófico, uma mistura de saberes ou qualquer outra área do conhecimento — sempre de forma lógica, racionalizada, analítica e argumentativa.

Em outras palavras, é preciso ter uma quantidade mínima de informações e argumentos para defender uma ideia num debate.

Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.

Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.

É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.

É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.

A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.

Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.

Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.

Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos. 

O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.

Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.

De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.

07/02/22

O Texto, a Divulgação e a Polêmica da Piriquita



Embora desprovido de grandes pretensões literárias e consciente de minhas limitações nessa arte, creio que - mesmo sendo blogueiro e cronista de menor categoria -, mereço ser lido pelos leitores de crônicas e blogs; especialmente pelos leitores de crônicas e blogs de menor categoria, e mais especialmente ainda pela parcela que sofre de masoquismo literário e desprezo pelos gramáticos. Em minha autoindulgência chego até a considerar que posso, em alguma ocasião, ter escrito algum texto interessante ou provocativo, digno de um público maior.

No entanto, uma dificuldade persiste. Onde publicizar um texto quando você é apenas um blogueiro desconhecido e escritor amador? Como conseguir leitores que tenham interesse no que você tem a dizer? São questões que frequentemente me afligem.

Eis uma verdade universal que todo escritor digital deve saber: para quem quer leitores, não basta escrever; divulgar é tão importante quanto. É nesse aspecto - o da publicidade - onde muitos blogueiros falham, inclusive o autor destas linhas. Encontrar o público de certos textos pode dar trabalho, é preciso uma disposição que nem sempre me anima. Sou cronista preguiçoso, reconheço.

Além disso, há vantagem na obscuridade: ela nos protege da crítica indevida. A desvantagem é que protege-nos também da crítica pertinente. Ter o texto exposto e criticado pode servir - e geralmente serve - para amadurecer o entendimento do escritor sobre o próprio texto e as reações que ele suscitou. Outra parte interessante da exposição textual na internet é a oportunidade de interagir com os leitores. Digo: interagir com os bons leitores, aqueles que compreendem o texto e têm alguma contribuição cultural ou argumentativa a fornecer. Quanto aos maus leitores: o jeito é ignorá-los.

Trarei a seguir um bom exemplo prático de como a divulgação pode trazer resultados interessantes. Mas antes devo confessar, meus caros, que apesar ter iniciado este blog com o objetivo de abandonar o Facebook, eu continuo escrevendo, ocasionalmente, na rede social do Zuckerberg. E foi surfando por lá que, outro dia, em reação à postagem de uma amiga que compartilhou a "Piriquita" - refiro-me a inusitada e recente música de Juliana Bonde - escrevi um comentário longo (para os padrões do Facebook) a respeito da manifestação do Kitsch em tão peculiar canção. No comentário eu explicava o processo de decadência que sofreu a canção "Tédio", da banda Biquini Cavadão, até virar a estrambótica e terrivelmente bem humorada versão do Bonde do Forró.

Sujeito de tendências misantrópicas, tenho poucos amigos no Facebook - cerca de 168. Desses, há um pequeno grupo, que varia entre 10 e 15 pessoas, com quem interajo de modo recorrente. Formam o seleto grupo de insensatos que lêem as bobagens que escrevo por lá. Como são leitores qualificados e que sempre acrescentam, não tenho do que reclamar. No entanto, desta vez, como fiz comentário de um evento atual, coisa que evito, fiquei curioso para saber como outros leitores reagiriam ao texto, já que o assunto está muito falado no Twitter e em outras redes sociais.

De início, achei que era boa ideia publicá-lo em meu perfil no Medium, já que faz tempo que não publico por lá. Faria bem um texto novo, pra variar. Foi o que eu fiz. Porém, logo em seguida, lembrei-me que o ritmo de interação no Medium é mais lento, e que lá não é a melhor plataforma para explorar as polêmicas da semana. Então percebi que para que o texto fosse lido por mais leitores, eu deveria divulgar o link do texto do Medium em grupos do Facebook. Felizmente, por sorte, faço parte de alguns grupos de música cujos membros são muito engajados em debates e polêmicas. Divulguei o texto num desses grupos e o resultado foi melhor do que eu esperava. Os recortes das métricas confirmam:

Recorte 1) O alcance e as reações do seleto público do meu perfil principal no Facebook.



Recorte 2) O alcance e as reações à divulgação do texto no grupo "Psicodelia Brasileira"



Recorte 3) Em um dia e meio, as estatísticas de visualização do texto no Medium subiram de 0 para 213.


Recorte 4) Comparando com os textos não divulgados, e que estão no Medium há muito mais tempo, a diferença nas estatísticas é abissal.


Tal experiência prática, além de confirmar a importância da divulgação, me fez pensar um bocado. Então, veja você, escritor iniciante, cronista, ou blogueiro, o como é possível e fácil ampliar o público de seus textos. Depois de escrever, basta a estratégia correta para divulgar. E depois é encarar as reações, boas e ruins.

No meu caso, entre as várias reações ao texto, este comentário, presente num debate cheio de farpas entre este autor e um leitor inteligente, foi difícil de ler, pois demasiado verdadeiro. Doeu-me o coração sensível.


Já este outro, eu adorei, por ser mais verdadeiro que o anterior e ser expresso por uma bela mulher, o que é ainda melhor.


02/02/22

Não Caia na Falácia da Igualdade

diversidade

Existe, no mercado de crenças contemporâneo, a ideia extremamente emburrecedora (muito vendida e muito comprada) de que somos todos iguais. Ela é tão alardeada, propagandeada e massificada que aposto que você, amigo leitor, já se deparou com alguma versão.

Se você é um dos inocentes que comprou essa ideia, estou aqui pra te avisar que fez péssimo negócio: você caiu numa vigarice intelectual. Sim, meu amigo, é triste dizer, mas você foi feito de otário. 

Calma, não fique bravo comigo: meu papel aqui é te alertar, e não posso fazer isso sem ser claro, sem ser realista e sem dizer as coisas tais como elas são. Por favor, caro leitor, não seja tão vaidoso a ponto de só aceitar a verdade quando ela vem recheada de eufemismos ou quando ela só favorece o que você acredita. 

Compreendo que isso pode ser difícil numa era em que o politicamente correto ameaça dominar a linguagem, mas garanto que ser autocrítico e realista lhe trará maturidade. Honrado e nobre é o ser humano que, ao identificar um tirano filho da puta, alerta seus companheiros declarando alto e em bom som: “Eis aqui um tirano filho da puta”. Por outro lado, vil e imperdoável deve ser aquele que mascara a linguagem para transformar assassinos em santos. 

Dito isso, podemos voltar ao tema central.

Já vou explicar o por que você foi enganado. Mas, para isso, lhe darei algumas pequenas tarefas. Nada que doa, eu prometo. Só preciso que você reflita um pouquinho.

Pense por alguns minutos na pessoa mais inteligente que você já conheceu. Pensou? Ok, muito bem. Agora pense na mais burra, na mais ignorante, na mais tola. Notou alguma diferença fundamental?

Pense agora, por alguns minutos, na Madre Tereza de Calcutá. Pense em Chico Xavier, em Jesus Cristo, em Mahatma Gandhi, em Martin Luther King ou simplesmente na pessoa mais sábia que você já conheceu. Agora pense em Hitler, em Charles Manson, em Calígula, no Maníaco do Parque ou simplesmente na pessoa mais cruel e depravada que você já conheceu. Percebeu alguma diferença?

Sem dúvidas, todas essas pessoas tinham algo em comum. Todas elas tinham uma estrutura biológica similar, a estrutura biológica dos humanos. Isso só significa, contudo, que elas tinham coisas em comum, não significa que eram iguais. Ao pensar nelas e compará-las, você provavelmente percebeu que elas não eram psicologicamente iguais. Em outras palavras, você percebeu que elas não pensavam e não agiam da mesma forma. 

Os seres humanos, quando comparados, possuem coisas em comum e também discrepâncias. É justamente por conta das discrepâncias, características individuais, exclusivas, que as pessoas não podem são exatamente iguais. O que torna cada ser humano único é o fato de que ninguém possui as mesmas particularidades. É aquela coisa de existir características em você que só existem em você. Aquela coisa da sua digital ser única: a isso chamamos individualidade 

Note que é crucial aqui entender o significado da palavra “igual”. Um ente “igual” a outro é um ente cuja constituição total é a mesma que a de outro ente. Agua é igual a H20. Cachorro é igual a Cão. Na boa e velha linguagem da lógica, o princípio da igualdade é formulado como A=A.

 Ocorre que seres humanos são constituídos por elementos comuns, como a estrutura fisiológica, mas também por elementos individuais, exclusivos, como a constituição psicológica de cada um. Ou seja: seres humanos não possuem exatamente a mesma constituição total. É por isso que eu sou eu, você é você e ele é ele. Se fossemos literalmente iguais, esses pronomes nem fariam sentido.Resumindo: temos coisas em comum, mas como temos características exclusivas, não somos iguais.

Acreditar que somos iguais é, portanto, negar a realidade. E a consequência dessa negação é muito perigosa, pois não estabelece a devida distinção. Tal negação coloca os maus no mesmo nível em que os bons, os virtuosos no mesmo nível em que os depravados, os honestos no mesmo nível em que os mentirosos. Tal negação equivale a não diferenciar um tigre de um gatinho.

 Equivale a dizer que Hitler e Jesus eram iguais. Pior: equivale a dizer que você é essencialmente igual ao que foi Hitler. Dizer que todo mundo é igual favorece os piores membros da espécie e praticamente anula a grandeza e o esforço dos melhores.

Por isso, não caia mais nessa, meu amigo.

 Aprenda a diferenciar as coisas — e os homens — segundo suas qualidades e atributos. Afinal, é para isso que serve sua inteligência.