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17/05/22
Notinha #4: Quatro Anos e Vinte e Sete Notas Depois
11/05/22
O Dia Em Que Eu Percebi Que Era Apenas Um Blogueiro Metido
— Introdução —
Não é fácil lidar com a realidade, especialmente quando ela nos obriga a reconhecer que nossa posição não é tão lisonjeira quanto gostaríamos.
Só vem a maturidade quando confrontamos nossas vaidades...
Parte 1 _ Ambiguidade
Sempre me vi de formas diversas e contraditórias ao longo da vida. Tenho meu lado cético, mas também meu lado místico, sou minimamente intelectualizado, mas não chego a ser acadêmico ou cientista; amo ensinar e aprender, mas detesto escola e tenho pavor da carreira de professor; amo as mulheres, mas, desde que uma tentou me atropelar, morro de medo delas.
Por ser uma criatura essencialmente ambígua, fico perplexo quando me deparo com aquelas pessoas com posturas firmes, confiantes, repletas de crenças inabaláveis. Caramba! Como conseguem?
Parte 2 _ Matrix
Nunca fui assim, tenho tanta inveja quanto estranhamento em relação a esse povo. Há certos dias em que acordo, olho para o Merlin (meu gato preto ) e lhe acosso:
“ Confesse, Merlin. Esse mundo é a matrix e você não passa de um dèjá-vu fofinho, pode dizer”.
Então ele dá um miado, como que debochando, e fica me encarando com aqueles olhos amarelos, o que eu evidentemente interpreto como uma confirmação.
“Rá! Eu sabia, esse mundo é a matrix!”
Houve o dia em que fiquei tão fissurado nessa ideia que cheguei a responder, no Quora, explicando um pouco sobre a matrix.
Matrix, de certa forma, pode ser interpretado como a grande metáfora cinematográfica do nosso tempo para as ilusões que fazemos do mundo e de nós mesmos. Ilusões que, via de regra, costumam ser muito importantes para a manutenção da falsa autoimagem que gostamos de construir. Convenientemente falsa, porque a realidade é sempre menos glamorosa que a ficção. Belas mulheres, por exemplo, não soltam peidos na ficção, mas os soltam na realidade (e infelizmente eles não são perfumados).
Mas mesmo que estejamos fadados a nos iludir, felizmente ou infelizmente, os mais autocríticos também estão fadados a perceber e ter que encarar as próprias ilusões. Foi justamente o que aconteceu comigo no dia em que percebi que, longe de ser escritor, eu era mero blogueiro.
Parte 3 _ Pau No C# do Leitor
Há gente que escreve por hobby e sem nenhuma pretensão literária, mas esse não é exatamente o meu caso. Sempre fui polêmico e pretensioso, para o bem ou para o mal. Kafka dizia que um texto deve ser como um soco no estômago. Em outras palavras, deve ser algo que cause alguma reação e impacto no leitor. Não basta dizer uma verdade, as vezes é preciso dizê-la de forma desagradável, e até mesmo leviana. O leitor hoje em dia anda tão entorpecido com literatura best-seller idiota que já perdeu o hábito de refletir, ou mesmo de perceber o quanto a reflexão é importante.
Quando um escritor percebe isso, o dever dele é provocar os leitores, e o escritor pode realizar essa missão dizendo coisas importantes novas e inimagináveis ou dizendo coisas importantes antigas de um jeito novo e inusitado. O importante é incomodar o leitor, não deixá-lo confortável; afinal, um bom leitor é sempre um leitor incomodado, daquele tipo que te enche na caixa de mensagens ou te para na rua para falar alguma coisa daquele seu último texto, nem que seja para meter o malho. (E os bons escritores acham especialmente divertido quando os leitores metem o malho com propriedade).
Parte 4 _ Vaidade Besta
Nesse quesito, provocar a inteligência alheia, provocar reações, em minha recém carreira literária, eu tive algum sucesso, considerável até. Talvez mais sucesso do que um escritor iniciante e metido deveria ter. Tive a sorte de atrair leitores, alguns admiradores, alguns incentivadores e até um certo renome em alguns ambientes. Não quero falar em números, mas imagine ir dormir sendo um blogueiro absolutamente desconhecido e acordar sendo um nome relativamente conhecido numa das maiores plataformas para escritores online.
Foi mais ou menos o que me aconteceu. Um dia eu percebi que minhas iniciativas literárias estavam dando frutos, monetários, inclusive. Não era muita coisa, mas para alguém que achava que iria demorar ao menos uns vinte anos, era muita coisa. E foi então que comecei a querer introduzir um elemento de glamur na coisa. Mas, felizmente, em minha defesa, eu posso culpar uma mulher. Na verdade, duas.
Parte 5_ Golpista Afetivo
Tudo começou numa festa safada numa capital federal. Daquelas festas que as pessoas vão para fazer coisas inconfessáveis com pessoas que nunca viram na vida. E lá estava eu, no auge dos meus vinte e cinco, em minha fase junkie-intelectual, experimentando os prazeres da vida boêmia e da sexualidade desregrada. Conversava com duas loiras lindas, alunas de medicina, e preparava o bote. Conversa vai, conversa vem, uma delas pergunta o que eu faço.
Tecnicamente, na época, eu era um vagabundo profissional, blogueiro, golpista afetivo e psiconauta intelectualizado. Mas eu não respondi com a verdade. O diabo sussurrou a poderosa palavra em meus ouvidos: escritor. Fiquei excitado com aquela possibilidade, me apresentar como um homem de letras, um profissional da palavra, não um iniciante. Nenhuma mulher fica excitada com iniciantes. Não, eu tinha que posar de profissional, de garanhudo literato, e tinha de fazer isso porque era cool, divertido e interessante. E foi o que eu fiz.
Parte 6_ Pacto Com o Tinhoso
Deu certo. E eu peguei as louras. As duas. Assim o pacto com o Diabo foi consolidado. E eu não parei mais. Em qualquer canto que chegasse, dava a carimbada: “escritor”. Como o meu meio social não é o de pessoas letradas (no Brasil nem as classes letradas são realmente letradas), o impacto era fulminante. Todos os olhares se voltavam para mim, todas as atenções. E logo vinham as sugestões: “bem que você poderia escrever um livro sobre isso, ou sobre aquilo”.
Não vou mentir: foi bastante divertido. Mas, para ser franco, algo, em meu íntimo, me incomodava. Pelo simples fato de que, embora eu escreva, ainda não sou um escritor. Nem tenho livro publicado ainda. Sou apenas um blogueiro intelectualizado que conseguiu cativar algum público em alguns ambientes na internet. Blogueiro, futuro escritor. Sou um quase, uma promessa. Se eu terminar meu livro, e publicar, viro escritor. Estreante. Que não é lá grande coisa, mas já é um começo.
Parte 7 _ Blogueiro
“Ué, John, mas blogueiro não é escritor?”
Alguns são, outros não. A maioria não é. Eu não sou. Se for pegar o significado mecânico do termo, então até quem escreve bula de remédio é escritor, pois está escrevendo. Mas se considerarmos o aspecto artístico ou cultural da coisa, ou o caráter intelectual, veremos que nem todo mundo que escreve é, de fato, escritor.
Houve o dia em que percebi isso. Foi o dia em que eu saí da matrix. Foi quando finalmente percebi que só poderia virar um escritor quando reconhecesse que eu sou, por hora, um blogueiro. Um blogueiro interessante e promissor? Talvez. Mas preciso melhorar. Melhorar em muita coisa.
E, claro, preciso terminar o livro que comecei.
Até foi legal fingir que eu era escritor, mas resolvi parar.
Parte 8 _ Escritor Safadinho
É hora de começar a tentar ser um, de fato.
Afinal, ainda há muitas louras, e morenas, e negras, para quem quero me apresentar, e conceder alguns íntimos autógrafos. Se é que vocês me entendem…
20/04/22
Esquizofrenia Afetiva e Impermanência
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John Nesh e seu grande amigo imaginário. Cena do filme Uma Mente Brilhante. |
Ao contrário do que normalmente se supõe, a perda do senso de realidade não é o que distingue os loucos dos sãos, mas justamente o que os aproxima.
Usualmente, o louco é caracterizado pela total ou quase total perda do senso de realidade. O homem comum, contudo, é caracterizado pela perda sempre pontual e parcial desse senso; perda essa que - diferente do caso do louco - não chega a impossibilitar as atividades do dia à dia, mesmo produzindo grandes angústias e confusões no espírito.
Vejamos: o homem comum é levado, pelo hábito ou pela inércia, a crer na realidade dos laços afetivos que cria tal como é levado a crer na realidade do vento ou das árvores. Na infância, se bem educado, ele aprendeu que o destino das coisas naturais é a finitude. Ele sabe que os ventos mudam de direção, sabe que as árvores morrem. Contudo, por algum motivo, quando os laços afetivos parecem fortes e poderosos, ele quer, ele deseja, ele espera que durem para sempre. Pior: ele conta com isso. Diz frases tolas e, inadvertidamente, em discursos apaixonados, faz uso do "para sempre" ou "de até que a morte nos separe". Ele faz planos. E sonha. De tal modo que a ilusão se agiganta, tornando-se alucinação. Ele alucina na intenção de fazer perene um estado de coisas que, assim como tudo o que existe, está fadado a destruição.
É quando o laço subitamente se rompe, por um jorro qualquer de realidade inesperada - não é preciso a morte para separar, a realidade já basta - que ele vê a ilusão esquizofrênica ir pelos ares. O que parecia real e perene já não é mais. A realidade concreta, cruel, imprevista, atual, golpeia, viola, zomba do que ele julgava a realidade efetiva. E pela primeira vez o homem comum se sente obrigado a indagar-se sobre a natureza das coisas, sobre a natureza da realidade, das relações, dos afetos. Ao refletir sobre o contraste entre a realidade esperada e a realidade vivida, chega, enfim, à metafísica. Levanta questões: "Que é, afinal, a realidade? Que devo esperar dela? Como posso ter me iludido tanto, julgado real o que era imaginário, julgado perene o que era momento?"
Se bem educado, ele se lembrará de Heráclito, lembrará a máxima da impermanência, lembrará que "tudo flui". Ou talvez - mais provável- vá lembrar da canção de Lulu Santos: "...nada do que foi será/ do jeito que já foi um dia/ Tudo muda/ Tudo sempre mudará...". Se for dado a narrativas orientais, lembrará do princípio do "Tao". E talvez, como Proust ou como todos os grandes memorialistas, ficará obcecado pelo tempo, pelas interações humanas, pela natureza ilusória das coisas. Dará algum sorriso de suas tolas pretensões de juventude, quererá ter aproveitado melhor determinados momentos, dito certas coisas a certas pessoas.
Mais tarde, com o passar dos anos, vacilará em suas memórias. Voltará a duvidar do que foi real, do que pareceu real. "Ela me amou?" "Foi minha amiga?" "Era tudo ilusão?", "O que não existe mais, existiu algum dia?". Mas já não dá mais para saber. É tarde demais para saber. Nunca foi possível saber. Nunca será. Ele então aprenderá que a realidade nunca é óbvia e que sempre há algo de esquizofrênico nos afetos: no início você acredita neles, julga poder provar que existem. Mais tarde, contudo, sabe perfeitamente bem que são ilusões, tudo coisa da sua cabeça.
Nas palavras dos Titãs "...Eu aprendi/ A vida é um jogo/ Cada um por si/ E Deus contra todos...."
Quando se trata das relações humanas, a única certeza que se pode ter é a da impermanência. Todo o resto é ilusão e esquizofrenia afetiva.
09/02/22
Argumentos são discutíveis, opiniões não...
Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.
Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.
É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.
É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.
A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.
Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.
Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.
Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos.
O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.
Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.
De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.
19/01/22
Teoria da Solidão Positiva
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Ludwing Wittgenstein, que deliberadamente se isolou para realizar um dos trabalhos filosóficos mais impactantes do século XX. |
Os relacionamentos interpessoais, especificamente aqueles que não se baseiam exclusivamente no pragmatismo das necessidades cotidianas, só valem à pena quando o desenvolvimento individual — intelectual, moral, emocional — dos membros atinge maiores alturas do que ocorreria com os indivíduos isoladamente.
O que há de interessante aqui é a informação (talvez nova para alguns) de que, em alguns contextos, ficar sozinho produz uma evolução maior do que participar de grupos.
Em síntese; algumas pessoas precisam ficar sozinhas pois, no meio em que vivem, essa é a maneira mais eficiente de evoluírem.
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Nota do editor: o texto acima foi escrito em 2017 e originalmente publicado no Medium.
05/01/22
Como Não Fazer Amigos, Não Pegar Gatinhas e Não Influenciar Pessoas
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Nota do editor: a crônica acima foi originalmente escrita no ano de 2015.