26/07/23

Intelectualidade e Solidão

 

[Os processos de cognição e significação acontecem no cérebro e no espírito do estudante. Se a pessoa é burra, não gosta de pensar e é incapaz de fazer esforço mental, não há professor que ajude, nem método de ensino que resolva.]


Aprendizagem é um processo que acontece, em grande parte, na sua mente. Não adianta o melhor professor do mundo, com a melhor didática, com a melhor aula. Se você não fizer esforço pessoal, cerebral e espiritual para compreender o tema em questão, então não irá compreendê-lo.

E aí vem a causa da solidão: é a minoria que está disposta a fazer o esforço necessário para aprender tudo que é relevante e importante na vida intelectual.

Se o que se quer é ser como qualquer um, fazer as coisas no nível de qualquer um, pensar como qualquer um, então o caminho é, realmente, se misturar com qualquer um, ouvir qualquer um, fazer o que todo mundo faz e, em consequência, obter os mesmos resultados e ser como o homem médio, com aquele QI médio nada lisonjeiro, típico de uma sociedade cuja cultura contém uma dose extremamente elevada de anti-intelectualismo e de praticidade imediatista.

Por outro lado, se o que se quer é obter resultados superiores, compreensão superior, ser diferente da turba, será necessário agir de modo diferente da turba. É preciso saber que a vida intelectual, nos seus aspectos mais exigentes, mais elevados, não é uma escolha, mas um sacerdócio. É vocacional, não é para qualquer um. Ela exige mais do que o homem comum está disposto a sacrificar.

Quanto maior e mais profunda for a compreensão de um homem sobre um assunto, mais dificuldade as pessoas terão para compreender o que ele está dizendo, e por conta dessa dificuldade, menos interesse elas terão. Não estão dispostas a fazer os mesmos sacrifícios para adquirir as mesmas habilidades cognitivas, a mesma profundidade e a mesma sensibilidade intelectual. Isso acontece em qualquer área do conhecimento, é um padrão que tem a ver com a estrutura hierárquica do conhecimento, que reflete a estrutura hierárquica da Natureza.

19/07/23

Quem pode ser considerado intelectual?

                       

[George Orwell, jornalista e literato, foi um dos intelectuais mais influentes do século passado. Com seus livros, mobilizou a opinião pública na direção de questões importantes como a liberdade de pensamento e os meios que Estados totalitários empregam para controlar as mentes da população]


Para bem entender o conceito de intelectual é preciso regressar ao contexto de origem do termo.

No século XIX*, na França, houve um episódio famoso, conhecido como Caso Dreyfus. Um capitão do exército napoleônico, chamado Dreyfus, foi acusado de traição. Houve um julgamento. O problema é que o tal Dreyfus era judeu; e a França (como quase todos os países da Europa) possuía um longo e próspero histórico de antissemitismo.

No meio letrado e cultural francês o julgamento do capitão Dreyfus despertou a atenção de todos. Ele era de fato culpado ou era apenas mais um caso de antissemitismo? 

Cada grande autor e pensador escolheu seu lado e argumentou em defesa ou em ataque ao réu. Se não me engano, Victor Hugo e Émile Zola foram alguns dos que comentaram sobre o caso.

Então alguém (não me lembro quem) cunhou esse termo - "Intelectual" - para descrever essa atividade, esse fenômeno, quando um indivíduo oriundo do mundo letrado busca, com seus conhecimentos, influenciar a opinião pública, moldando as sensibilidades e orientando as escolhas, os gostos, os olhares.

Intelectuais seriam, assim, aquelas pessoas que usam de seus conhecimentos, de sua bagagem cultural, filosófica e retórica para influenciar o curso dos acontecimentos, dos povos, das crenças vigentes, para passar uma mensagem, defender uma causa, expressar uma verdade esquecida, uma visão de mundo. Eles seriam uma espécie de "consciência crítica, moral e cultural" da humanidade, ou da sociedade moderna. Tornariam públicos os debates que nós travamos internamente, em nossas consciências. Sua função seria mais ou menos a de externalizar e dar luz a questões importantes, de educar o público ou uma classe em particular.

Coisa que eles fazem por meio de jornais, revistas, ativismos, livros e atuações em centros culturais e políticos. O que os define é mais a atividade intelectual, cultural e letrada, não a formação. Não existe graduação, pós, doutorado ou titulação para isso. Existe uma vocação, uma vida de estudos humanísticos, culturais ou científicos, e a atividade na área.

Há intelectuais de todas as origens, pobretões, autodidatas, aristocratas, artistas, burgueses, cientistas, reis, literatos, engenheiros, bandidos, políticos, jornalistas, etc.

Machado de Assis era um pobretão mulato autodidata e era intelectual. Dom Pedro II era o Imperador do Brasil e era intelectual. Aliás, o pendor para esse tipo de atividade foi o que os aproximou e os tornou amigos.

Para um intelectual, pouco importa a classe ou a origem; se há uma mente pensante, fértil, dada a reflexão, se há uma inteligência em ação, buscando descortinar os significados das coisas, o intelectual vê ali um irmão, um semelhante, um de mesma classe.

Por outro lado, há classes inteiras de diplomados que, embora se considerem muito inteligentes e sofisticados, são a antítese do intelectual. Um exemplo são alguns professores universitários, cujas obras ninguém lê; são pessoas que não participam da vida cultural do povo, que não se achegam a ele.

Nesse sentido, Paulo Coelho e Augusto Cury são muito mais intelectuais que parte considerável dos professores universitários. Primeiro porque eles detectaram um problema cultural autêntico: a angústia espiritual do nosso povo (coisa que nenhum intelectual de esquerda conseguiu notar até hoje, pois acham que o problema é sempre financeiro, material). Segundo, porque eles, bem ou mal, levaram ideias e influência literária até as pessoas. Você, como eu, pode até acreditar que essas ideias são pobres, toscas e duvidosas, mas aí já é outra conversa.

Hoje em dia, há intelectuais populares, como Cortela, Karnal, Cloves de Barros e Pondé. Eles sim são ao mesmo tempo professores universitários e intelectuais, capazes de influenciar as pessoas com suas ideias (que em geral acho tosquíssimas e pobres).

Olavo de Carvalho foi, sem dúvidas, o maior intelectual do Brasil em seus anos de atividade. Independente da qualidade ou da validade de sua obra, ele mobilizou, por meio de seus livros, artigos, aulas e palestras, classes inteiras, inclusive classes políticas e militares, em torno do seu discurso. E fez isso ao mesmo tempo em que lutava contra quase toda a classe intelectual/ letrada do país. Um feito no mínimo impressionante para "um véio gagá".

Se um "véio gagá e ex-astrólogo" conseguiu obter tanta influência apesar de ser odiado e rejeitado por toda a classe intelectual jornalística e acadêmica, isso diz muito sobre como essas classes estão distantes da cultura brasileira e dos problemas brasileiros.

Um intelectual outsider e artista que eu gosto bastante é o Eduardo Marinho. Ele escreve no blog Observar e Absorver. O contato dele com o povo brasileiro e sua história de vida é muito interessante. Há um texto dele, em especial, "se eu pudesse falar com a esquerda" que é muito verdadeiro.

Aqui uma explanação do Eduardo:

                                       

Por fim, há uma acepção tosca, menos qualificada, que se refere a qualquer pessoa com tendência comportamental que envolva leitura, debate, escrita, atividade cultural e esforço mental. Dizem lá em casa, por exemplo, que eu sou "o intelectual da família".

Eu sou qualquer coisa, menos intelectual. Aliás, para ser sincero, na maior parte do tempo eu odeio intelectuais. Como já mencionei aqui antes, a maioria são pedantes, mesquinhos, medíocres e mentirosos. Especialmente os acadêmicos. (De fato, na minha experiência pessoal, a maioria dos intelectuais autodidatas que conheci tinham maior amplitude, mente mais aberta, mais contato com o povo, etc.)

                                                                               ***

*Agradeço a gentil correção do Leonardo Suzuki, já que eu havia, originalmente, indicado o século XVIII. Um erro que poderia facilmente ter sido evitado se a minha preguiça e vaidade intelectual não me impedisse de consultar o Google.

                                                                               ***

Nota do Editor: a primeira versão deste texto foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

12/07/23

Preciso conhecê-la

 



Contaram-me de uma donzela das Letras que tem por qualidade roubar livros na Bienal.

Eu, ladrão desavergonhado de livros, imediatamente apaixonei-me. Não sei ainda a verdadeira identidade da moça, que minha fonte preferiu preservar, só sei que a amo e a quero.
Já roubastes em bibliotecas públicas, meu bem? Já roubastes de autoridades? Já deixastes bilhetinhos em lugar dos volumes? Ela e eu, quando nos conhecermos, teremos muito o que conversar, e muitas técnicas de furto a desenvolver. Creio até que juntos roubaremos melhor que ciganos e judeus. Seremos como Lampião e Maria Bonita, Bonnie e Clyde, Sid e Nancy, Tyler Durden e Marla Singer, etc, etc.
Torço, portanto, para que eu a conheça.
Aquele entre vós, amigo ou inimigo, que porventura souber o paradeiro da moça, ou de outra parecida, que tenha a gentileza, a decência, o brio moral - e mais do que ele - o compromisso de me avisar.

05/07/23

O que aprendi jogando xadrez

 

[O desafio de xadrez mortal, em Harry Potter e a Pedra Filosofal*. A vez em que o Ron Weasley salvou todo mundo, mostrando que era mais esperto e nobre do que todos suspeitavam.]


Contarei a vocês sobre como o xadrez me fez aprender ao menos duas lições essenciais, que me forneceram maturidade para a vida inteira:

  1. Meus limites intelectuais
  2. A existência de gênios (e que eu não sou um deles)
  • Sobre Limites e Tipos Cognitivos

Como todo mundo do nosso tempo, eu fui educado para pensar que "todo mundo é igual" e que "todo mundo" possui os mesmos potenciais, inteligências e habilidades. Em outras palavras; fui infantilizado por A.O.E.C's (Agentes Oficiais do Emburrecimento Coletivo, vulgo "professores") para ignorar Verdades Fundamentais da Biologia, como a variação das habilidades entre os indivíduos e a desigualdade na distribuição dos dons, níveis e tipos de inteligência.

Isso me fez acreditar, de forma absolutamente inocente e tola, que eu poderia virar um Einstein ou um Kasparov, pois era apenas uma questão de treino e esforço.

Foi jogando xadrez que eu aprendi que os A.O.E.C'S haviam me enganado.

O que aconteceu? Já conto. Mas antes, como fazem os sábios, já aviso: Senta que lá vem história!

  • A Formação Enxadrística

Aprendi xadrez, junto ao meu irmão, aos doze anos. Aos dezesseis, cansados de jogar apenas entre nós, eu e o mano decidimos procurar outros enxadristas locais. Então descobrimos, no Orkut, que havia uma comunidade de xadrez na cidade. Rapidamente entramos em contato com os sujeitos e, previsivelmente, nos tornamos amigos e rivais.

Logo montamos um grupo. E todo final de semana, religiosamente, estavámos na praça, disputando nossos torneios, treinando novas aberturas, novas estratégias e trazendo novos desafiantes ao grupo. Tendo também muitas conversas inelectualmente estimulantes, misturadas com todo tipo de zoeira, trollagem juvenil e conversas sobre mulheres.

Em casa, jogava contra meu irmão (que quase sempre ganhava). Nossas disputas pessoais (quando não eram resolvidas no tapa) eram resolvidas racionalmente com base no resultado das partidas. Também jogava com desafiantes e amigos na escola. Então, para mim, era uma atividade muito presente.

A consequência natural foi me interessar por campeonatos. Naquela altura, eu sabia que poderia sair do nível amador e me tornar um jogador razoável, e começava a cobiçar a possibilidade de me tornar um G.M (Grande Mestre) - um enxadrista respeitado em nível internacional (sim, eu era ambicioso!).


[Bobby Fisher, lenda do xadrez mundial, ao ser questionado se ele achava que era o melhor jogador do mundo, respondeu placidamente:"sim, eu sinceramente acho que sou o melhor jogador de xadrez vivo dos nossos tempos". Duas semanas depois da entrevita ele conquistou o título de campeão mundial.]

Você acha que todo mundo pode ser tão bom no xadrez quanto ele? Que é só treinar? Então porque outros jogadores treinaram tanto quanto, mas não conseguiram os mesmos resultados?


  • Meu Primeiro Campeonato

No campeonato da minha cidade, achei que ficaria em primeiro lugar, então convidei o Ezequias, um amigo que era um pouco melhor, e que morava no município vizinho, para participar do torneio também. Os outros participantes, por melhor que fossem, eu sabia que poderia ganhar. O Ezequias estava "uns dois degraus" acima de mim. Embora já tivesse ganho dele, sabia que seria um desafio.

A final do torneio não deu outra: eu contra ele.

Numa jogada genial, eu tomei a dama. "Pronto, agora eu ganho!" foi o que pensei. E daí em diante, como me é típico, comecei a relaxar. Mas meu rival era entendido de tática e estratégia; e, muito orgulhoso, não iria desistir fácil. Ezequias pensou um bocado e conseguiu, numa jogada ainda mais brilhante, me dar um xeque-mate totalmente inesperado e imprevisível.

Fiquei em segundo lugar. Mas sabendo que poderia ter ganho, que tive uma vantagem e vacilei. Engoli a seco, mas o que eu poderia fazer? Ezequias era um bom jogador. Se eu quisesse ter ganho, deveria ter sido mais cuidadoso, mesmo com a vantagem. Foi um bom jogo, desafiador, instigante e justo. E ficar com o segundo lugar nem era tão mal assim.


[Henrique Mecking, o "mequinho", maior enxadrista brasileiro de todos os tempos. Esteve entre os top 10 do mundo. Depois de uma partida contra ele, que acabou em empate, Bobby Fisher - A LENDA - disse: "Eu achei que iria perder!"]

Você acha que é "todo mundo" que consegue dar um susto enxadrístico no Bobby Fisher?


  • Meu Segundo Campeonato

Meu município era pequeno e não tinha tradição alguma em atividades mentais. Então eu e minha gangue enxadrista migramos para o campeonato da cidade vizinha. Esse torneio já era um pouco mais significativo, e os resultados nele nos fariam ver o quão habilidosos nós realmente éramos, já que vários enxadristas de toda a região iriam participar.

No dia do campeonato, descobrimos que o vice campeão de xadrez do Rio de Janeiro estaria por lá. Incrível! Finalmente eu poderia ver um sujeito de nível elevado jogando.

Agora, preciso dizer a vocês que nesse torneio eu empatei com um jogador extremamente experiente, um senhor que era o professor de uma escolinha de xadrez da cidade. Foi empate por tempo. Segundo o professor, eu fiz apenas uma jogada errada. É claro que ele iria me ganhar e que tudo que eu estava fazendo era postergar o xeque-mate. Porém, considerando que se tratava de um amador, "de rua", contra um jogador experiente, um mestre local, posso dizer que postergar o jogo o suficiente para chegar a um empate por tempo foi um resultado bem interessante. Até hoje esse empate é o resultado do qual mais me orgulho, e guardo com carinho a notação da partida (depois tiro uma foto e posto aqui).

Já o Ezequias, que era o melhor de nós, foi jogar contra o "o vice-Rio". Entendam bem, caros leitores: o Ezequias, em nível amador, era um bom jogador. Tinha várias aberturas, saídas e movimentos, incusive de meios e finais, decorados e exercitados. Mesmo assim ele foi absolutamente massacrado pelo vice-Rio.

Eu nunca tinha visto ninguém normal prever tantos movimentos. E olha que já tinha jogado com ótimos jogadores, que tinham boa resposta para cada jogada minha. Era óbvio que aquele cara era fora do comum. Enquanto meu amigo Ezequias estava explodindo o cérebro e se matando de raciocinar, aquele cara, aquele maldito gênio, estava simplesmente brincando. As jogadas que nós considerávamos brilhantes eram nada menos do que cócegas para ele. Cócegas, amigos! Cócegas em pés de um gigante!

Eu havia acabado de empatar com um jogador já idoso e, embora altamente experiente, normal. Mas aquele cara, o vice-Rio, só a experiência e treino não explicava a habilidade dele; havia algo mais, algum tipo de habilidade inata, específica, para a coisa. O treino dele só reforçava e ampliava essa habilidade. E era uma habilidade que nem eu, nem meus amigos, nem o mestre local e nem nenhum dos outros jogadores ali tinha, simplesmente não era uma habilidade de raciocínio comum.

Então, talvez pela primeira vez na vida, eu pensei:

"Posso até estudar muito e ficar muito bom, mas nunca vou ser como esse cara. Nunca vou ter a facilidade, a velocidade de raciocínio e a memória absurda que ele tem. O filho da puta é um gênio!".

Exatamente o mesmo sentimento que o Vegeta teve nesse dia:

                                    


[Hindenburg Melão Júnior, superdotado brasileiro, enxadrista com recorde no Guiness por ter vencido a maior simultânea do mundo de xadrez às cegas. Ou seja: jogou contra vários enxadristas profissionais SEM OLHAR PARA O TABULEIRO. E ganhou.]

E você, o que me diz? É todo mundo que consegue isso? É só treinar? Ou é preciso algum tipo de habilidade computacional e mnemônica inata, além do treino?


  • As Lições

Depois, ao longo da vida, conheci pessoalmente alguns gênios, alguns superdotados, alguns "aspies" e algumas pessoas com alto QI. E tive sempre a mesma percepção, de que estava diante de um talento natural.

Aquele dia no campeonato foi apenas a primeira vez; e como tal, foi marcante e inesquecível. Desfez o emburrecimento que os AOEC'S haviam induzido em mim.

Nunca mais confiei em professores. Se alguém é incapaz de reconhecer um aspecto óbvio - elementar- da realidade, e o falsifica, então esse alguém não é cognitivamente confiável para mais nada, o que o torna totalmente inepto para o ensino. Até hoje, 90% dos professores que conheci eram desse tipo- o que me fez detestar a escola.

Mas não é bem culpa deles: é um fenômeno da modernidade/pós-modernidade negar a realidade em função de necessidades psicológicas e sociais. Assunto sobre o qual irei falar em outra resposta.

Se eu tivesse comprado essa balela de que "todo mundo é igual, com a mesma inteligência", eu estaria até hoje tentando, sem sucesso, ser um enxadrista tão bom quanto o Bob Fisher ou o Magnus Carlsen. Estaria infeliz e deprimido, sem saber aceitar minhas limitações e provavelmente nunca teria descoberto minhas habilidades naturais, que são outras.


[Samuel Reshevsky, com apenas oito anos, em 1920, derrotando mestres de xadrez na França.]

Você acha que toda criança é - ou pode ser - igual a esse guri?


Por outro lado, com o tempo, descobri que era muito mais habilidoso em escrever do que em jogar xadrez. E de fato, várias pessoas já me disseram que "tenho o dom". Não sei se é dom, mas realmente sinto que nasci para escrever, que é uma vocação, que tenho algum jeito para a coisa. E embora eu ainda tenha que melhorar MUITO para ser um bom escritor, posso dizer que escrever "é o meu negócio", como dizem os gringos.

Então, três coisas posso dizer para vocês: jamais confie 100% em seus professores, especialmente se algo na sua experiência pessoal - ou intuição- contradiz diretamente o que eles alegam. Segundo: saiba reconhecer quando alguém é superior a você em algo, e terceiro: busque sempre saber no que você é bom. Se fizer essas três coisas, você vai conseguir:

  • a) ir além dos seus professores- e saber quando eles estão te enganando, omitindo fontes e fatos ou apenas propagando inverdades porque é como aprenderam;
  • b) aprender com as pessoas que são muito melhores que você numa dada área ou atividade e;
  • c) impressionar e ensinar algo as pessoas (mesmo àquelas que podem ser muito superiores em outras áreas).

Hoje, por exemplo, eu sei que se não treinar muito pesado e muito consistentemente durante anos, não terei a mínima chance de vencer um enxadrista mediano.

Mas não me ressinto disso, porque sei que com meus textos, posso chamar a atenção para a história do xadrez, para os seus benefícios, para as biografias dos grandes mestres e para a beleza e grandiosidade do jogo que ao mesmo tempo é arte e guerra. E com isso posso despertar o amor e o interesse das pessoas pela Arte de Caíssa.

Esse é um prazer que eu teria perdido se tivesse ouvido o populismo de meus professores e de outros demagogos.

                                                                              

                                                                        ***

Nota do editor: Assim como outros textos deste blog, a obra acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora

28/06/23

Como se tornar um autodidata

É difícil sugerir um método categórico, universal e que se aplique a cada caso particular, pois as pessoas não possuem as mesmas habilidades e facilidades.

Contudo, pela minha experiência, diria que um bom começo é justamente essa consciência: refletir sobre como o processo de aprendizagem funciona para você, em que contextos ele ocorre de forma mais eficiente e mais prazerosa.

Em outra palavras, é preciso se questionar: O que você aprende com mais facilidade? Que tipo de assunto? Por qual tipo de abordagem? Você precisa de uma referência visual para entender bem um tópico (o famoso "quer que desenhe")? Ou prefere uma abordagem histórica?  Quando diante de um professor, você prefere a voz de um homem ou de uma mulher? Prefere estudar de dia ou no silêncio da noite? Prefere estudar em grupos ou sozinho? Em sala de aula ou fora dela?

Muito do processo do autodidata consiste numa adequação dos meios e formas de ensino às suas preferências e habilidades. O termo de ordem aqui é personalização do processo. Quanto mais ativo você é no seu processo de aprendizagem, mas natural ele se torna para você. Já experimentou fazer uma lista com os temas ou problemas que mais te interessam e depois passar um tempo investigando os melhores livros, vídeos e áudios básicos a respeito? Pois esse é um bom começo!

Existe uma série de coisas que as pessoas aprendem espontaneamente ao longo da vida, isso porque aprender é uma habilidade natural.

Dito isso, devo enfatizar que a base do autodidatismo está num imperativo moral de autorresponsabilidade. Por que esperar que a informação chegue até você, via professor ou curso, se você tem os recursos e a inteligência necessária para ir atrás dela? É antes uma questão de amor ao conhecimento, de respeitar sua curiosidade, de amar a atividade investigativa e de ter brio. Se algo realmente te interessa, é você quem deve correr atrás!

Claro que isso não significa que você vai ser capaz de aprender tudo sozinho, sem interferência externa ou sem a ajuda de alguém que entenda melhor o assunto. Autodidatismo não é isso. A rigor, ninguém aprende nada sozinho (mesmo quem aprende majoritariamente por livros está aprendendo com outra pessoa: o autor). Tudo o que você deve fazer é pesquisar e gerenciar as fontes de informação e sua interação com elas. Decidindo quais são as melhores para você e em que contexto você vai utilizá-las, estabelecendo uma ordem nas atividade, etc.

Nesse processo, você deve usar como arma as habilidades que já possui. Sua memória é boa? Ótimo, considere isso em seu sistema, não tenha pudor em memorizar esquemas.

Sua memória não é tão boa, mas você gosta muito de ler e é muito paciente? Ótimo, procure as melhores fontes básicas nos livros e as explore até dominar o conteúdo.

Você não tem nenhuma grande habilidade, mas é do tipo competitivo que faz qualquer coisa quando é desafiado? Pois bem, escolha algum sujeito metido mais inteligente que você, numa matéria que você sente que pode melhorar, e só pare de se dedicar ao assunto quando superá-lo ou for, no mínimo, tão bom quanto ele.

Outra coisa necessária para começar é ter um meio de medir o seu progresso e domínio no assunto. É possível fazer isso por meio de provas e exercícios, conversando ou debatendo com especialistas, escrevendo e dando aulas sobre o tópico em questão e, claro, produzindo algo com aqueles conhecimentos (se forem conhecimentos técnicos/ práticos). O melhor sistema de checagem é o que inclui todos esses.

Dê uma olhada neste vídeo: nele um dos maiores intelectuais do século passado fala um pouco sobre o processo de educação autodirigida: 

                              

Para resumir, as dicas básicas para começar a se tornar um autodidata são:

  1. Mapeie seu perfil cognitivo. Como você aprende, onde você aprende, em que velocidade você aprende e com quem você aprende. Saiba o que facilita eu processo de aprendizagem e o que o dificulta.
  2. Selecione todos os facilitadores da aprendizagem e crie um sistema pessoal com eles.
  3. Tenha e cultive a autonomia e resiliência, não aceite tudo o que uma suposta autoridade te diz, investige e tire suas própria conclusões. Se você pode pensar em uma pergunta, então também pode se dedicar a pesquisar e estudar para respondê-la. Quanto mais importante for a questão para você, mais dedicado você será.
  4. Saiba recorrer a todos os tipos de fontes, saiba sobre as qualidades e defeitos de cada fonte. Professores, livros-texto, dicionários, enciclopédias, vídeos-aula, audios/podcasts, paletras, etc. Experimente todos e selecione quais são as melhores para você.
  5. Adicione um elemento lúdico ou emocional que torne a coisa prazerosa, apaixonante. Que te anime ou inspire. Há muitas forma de fazer isso, desde participando de jogos e competições que envolvam conhecimento até estudando a obra de pessoas notáveis que passaram a vida se dedicando a investigar certos temas. A cultura é uma ótima forma de inspirar e motivar. Consuma filmes, livros, animes, espetáculos teatrais e shows sobre os assuntos que te interessam.

Isso é só um início, mas deve ajudar.

                                                 

                                                                   ***


      Dica originalmente publicada no site Quora, em 25 de Junho de 2019

21/06/23

Um Morto Muito Louco

 


O primeiro Jorge Amado a gente nunca esquece. Pois bem, no exercício de ler e conhecer ao menos uma obra dos grandes prosadores brasileiros, depois de me impressionar com a prosa do Carlos Heitor Cony, resolvi conhecer alguma coisa do nosso grande populista Jorge Amado. Populismo esse que para o crítico Wilson Martins era um pecado e que para mim não é - ao menos não necessariamente...

A escolha pelo livro foi inspirada no fato de um dos meus gurus intelectuais, o professor Uriel Irigaray, mestre em Letras e doutorando em Antropologia, ter escrito sua monografia sobre rituais iniciáticos de morte e renascimento; na qual, para minha surpresa, citava essa obra do Jorge Amado. Como eu não tinha lido a obra, parei a leitura da monografia e resolvi voltar apenas depois de ler e assimilar a narrativa do Quincas Berro Dágua (sobre a qual eu não tinha a menor ideia).

Sem saber do que tratava a obra, o nome me parecia muito peculiar. "A morte e a morte?... Como assim a morte e a morte?... O que ele quer dizer?" Também o nome do protagonista me soava estranho, enigmático: Quincas Berro Dágua!? Que nome esquisito!

Por todos esses motivos, era um livro que eu me sentia obrigado a ler. E como eu não tenho pressa pra nada, foi neste ano de 2022 que aconteceu. Li e a experiência foi de puro deleite.

A primeira surpresa agradável foi descobrir a prosa gostosa e fluida do Jorge Amado, uma prosa que não oferece dificuldade, que tem ritmo fácil e que pela leveza - aqui eu me arrisco a sugerir- parece uma atualização ou "abrasileiramento" do estilo mais direto de autores populares ingleses e americanos do século XIX, como Robert Louis Stevenson e Jack London. Teria que reler Stevenson e conhecer as influências literárias do Jorge Amado para saber até onde essa minha aproximação tem sentido, mas, ao menos foi essa a minha impressão. Falando de outro modo: Jorge Amado escreve menos como um literato - por literato leia Machado de Assis e Camilo Castelo Branco - do que como um contador de histórias. Ele não põe nenhuma grande firula sintática ou estilística na prosa, o que lhe interessa não é a grande retórica ou o rebuscamento ou o Português belíssimo e castiço, mas a narrativa, ato a ato, gesto a gesto, acontecimento por acontecimento. Não me admira saber que tantas das suas obras foram adaptadas para Cinema e Teatro. Faz sentido. Por focarem na narrativa elas são facilmente roterizáveis. Jorge Amado é, portanto, um autor de estilo "leve", fácil, muito bom para formar leitores, para indicar a adolescentes e iniciantes em Literatura. Faz sentido que seja autor importante no currículo escolar.

Mas isso não é tudo, e nem é o melhor. A cereja do bolo, para mim, está na boa ironia e no saboroso humor com os quais Jorge Amado vai tecendo a sua trama. Eu dei muitas e boas risadas durante a leitura do livro, diverti-me como há tempos não me divertia numa leitura. Até emprestei o livro ao meu irmão, que nem é grande leitor literário, e ele teve ótima recepção; chegou a agradecer-me pela indicação.

Outro elemento do estilo e da narrativa que merece destaque é a dimensão simbólica da obra, pois ela pode ser vista como metáfora para a ideia de que a nossa vida, identidade e autopercepção é determinada pelo meio social, pelas relações sociais; de modo que, ao alterarmos drasticamente nosso comportamento e status social, podemos simultaneamente morrer para um grupo e viver para outro. Enquanto essa interpretação (de que a primeira morte seria apenas simbólica, erro da família de Quincas, que o queria morto) é uma leitura possível e talvez provável, resta uma outra que ainda está no quadro de possibilidades: teria Quincas Borba realmente morrido na primeira vez? Se sim, a história ganha então contornos fantásticos, e aqui a figura do morto-vivo celebrando e festejando ganha ares de um mórbido carnaval, uma festa grotesca e ao mesmo tempo hilária. Acho que essa segunda interpretação é a que vem sendo adotada pela crítica, o que acaba por aproximar a obra do assim chamado Realismo Fantástico. Lembrando agora: bem que a monografia do mestre Uriel falava algo sobre Bakhtin e a ideia de "corpo grotesco"...

Concluo dizendo que gostei um bocado. Livro para reler e indicar aos amigos.

Ah, e antes que eu me esqueça: o livro oferece uma ótima e divertida explicação para esse nome tão esquisito!

OBS: está nos meus planos escrever um comentário melhor e mais organizado a respeito dessa obra. Se você gostou dessa resenha, que não é bem uma resenha, siga meu blog e veja se alguma coisa lá te desperta a curiosidade. Tem lá um bocado de crônicas, algumas notas, comentários sobre blogs, filmes, causos culturais e até alguns downloads.

Neste link a monografia do erudito Uriel (finalmente poderei terminá-la!)


                                                                 ***

       Resenha originalmente publicada na rede social SKOOB em 27\07\2022

07/06/23

Elas não querem que saibamos





As mulheres não querem que os homens saibam que elas não sabem o que querem.

Mulheres: elas não querem que eles saibam que estão confusas e que em breve mudam de ideia.

Elas não querem que saibamos que, para serem felizes, dependem de nós - de nosso amor, aprovação, força, estabilidade, proteção e carinho. Não querem que saibamos que: se lhes dermos tudo o que querem, jamais, nunquinha mesmo, serão felizes. A mulher, meu amigo, só é plena quando tem do que se queixar.

Que não saibamos - nós, homens - o que elas realmente pensam: é definitivamente o que querem.

Que é a mulher, afinal? É a enguia disfarçada de ninfa, que nos avilta com descargas elétricas emocionais para depois escapar de nossas masculinas mãos. É a Esfinge, cheia de infernais enigmas. É a bênção e ao mesmo tempo a sacanagem. É filha de Deus, mas também - e mais do que tudo - do Diabo. Geralmente demônio cruel, as vezes é anjo. É a lua: bela e com alguma luz; mas imersa em trevas insuperáveis.

A mulher, as mulheres: tão boas que, sem saber perdê-las, acabamos nós, pobres homens, no álcool, no surto e às vezes na cadeia.

As mulheres não querem que saibamos; mas eu, que contemplei a verdade, sei e vos afirmo:

A mulher é bruxa, portal do diabo.

A mulher é tragédia, loucura e escárnio.

A mulher é tão terrível perdição, que, mesmo tentando, não se pode fugir dela - e por isso todo homem, pela própria natureza, está condenado. 

Quase tanto quanto o homem, a mulher é uma tragicomédia anunciada...

31/05/23

Algumas Dicas Para Melhorar Sua Escrita

Tenho pretensões literárias, culturais e intelectuais: alguns livros para terminar de escrever, ao menos uma editora para criar e muitos livros para traduzir.

De experiência, tive alguns contos e crônicas publicados em blogs e revistas literárias online, algum flerte com fanzines, alguns artigos opinativos espalhados pela internet, e performances literárias variadas em ambientes virtuais variados. Blogs, já os tive aos montes. No mínimo, uns treze. Mas eu chutaria uns quinze.

[Jack Kerouac tendo um orgasmo literário. Quem nunca?]

Passei em duas universidades públicas federais, sendo que uma delas é considerada uma das melhores do Brasil. Sem cursinho e sem sequer ter estudado muito. Tudo isso, em parte considerável, pelo peso das redações - e em outra parte pela cultura humanística que adquiri como autodidata. No vestibular de uma dessas instituições - uma das melhores e "mais difíceis" universidades do país- minha nota de redação foi 9.9.9.8. Ridículo, não é mesmo? Nem ostentar um dez eu consigo!

Já fiz mulheres inteligentes se apaixonarem por mim, com textos. Já fiz moças lindas se encantarem por mim, com textos. Já troquei e-mails com amigos, de forma recorrente, promovendo debates, durante alguns anos. Já fui convidado para escrever em site de amigo e até em revista de intelectual acadêmico. Ah, e já interagi e conquistei a atenção - as vezes até o respeito - de colunista famoso da Folha e de gênio de elevado QI com registro no Guiness.

Por meio dos meus textos, consegui a admiração de uma quantidade significativa de gente extremamente inteligente e brilhante. Gente com uma inteligência que provavelmente eu nunca vou ter. É tentador citar os nomes das pessoas que já me elogiaram (por que algumas delas são de enorme relevância para o cenário intelectual e cultural brasileiro) mas mesmo assim não o farei. E por que? Bom, porque sei que, embora tenha melhorado muito desde que começei a escrever, embora tenha vivido algumas coisas das quais me orgulhe, tenho a plena, visceral e tortuosa consciência de que estou longe, MUITO LONGE, de ser um bom escritor.

Escrever, eu escrevo, só não escrevo bem!

Todos os elogios que recebi servem muito bem para me motivar a continuar escrevendo e mostrar que estou no caminho certo, mas nenhum deles vai melhorar minhas habilidades literárias: e é isso o que me interessa.

Sendo assim, mesmo sem ser um bom escritor, acho que, dada essa leve bagagem, posso te deixar algumas dicas que me ajudaram muito.

Vamos lá:

Por hora, vou deixar as dicas apenas para quem quer dar uma melhorada no texto. Outra hora repasso algumas dicas para quem quer ser escritor, viver de texto e de livro (algo que eu ainda não consegui, mas que devo conseguir num futuro relativamente próximo).

Notem que determinadas dicas serão mais úteis para determinadas pessoas. Mas, de início, eu recomendaria que se investisse em cada uma delas. Selecione as que achar mais apropriadas e anote-as.

#1 Você não precisa ser um expert em Gramática

                      [Antonio Houass. Esse cara sabia tudo, só não sabia escrever]

Dica contra intuitiva? Talvez! Mas extremamente verdadeira. E é especialmente verdadeira no meu caso. Alguém entendido em português e gramática sente calafrios na alma ao ler meus textos, já que estão atulhados de erros.

Se isso é verdade por um lado, por outro é verdade que o conteúdo, a didática, a clareza e o bom (ou mal) humor chama a atenção. Então, existe esse aspecto, não formal e qualitativo, do texto; que se relaciona mais às ideias, ao ritmo de condução e encadeamento das mesmas do que à correção.

Claro: sem um domínio mínimo, elementar, de pontuação, sintaxe, regência, ortografia, colocação pronominal, tempos, modos verbais e demais ferramentas, você não faz muita coisa. E meu ponto é justamente este: domine ao menos o básico, o resto você melhora com o tempo, a prática, o estudo e com a ajuda dos mestres.

Não espere dominar a língua primeiro para depois escrever. Essa é a maior besteira que alguém pode te falar, pelo simples motivo de que você só domina alguma coisa quando a pratica exaustivamente. Se você não praticar os usos, aplicações e características do idioma em seus textos, como é que vai se tornar um bom escritor? Seria como tentar ser bom jogador lendo livros sobre a natureza do futebol e não praticando o esporte.

Acredite em mim: o futuro de todo formalista é virar um gramático ou crítico literário que não é lido por nenhuma pessoal normal, ou então um lexicógrafo ranhoso e pedante. Nesse sentido, cabem aqui as palavras de Millôr Fernandes sobre Antônio Houaiss (que, embora fosse um dos maiores eruditos da língua, era considerado mal escritor):

"Houaiss conhece todas as palavras da língua, ele só não sabe juntá-las"

Não vá me entender errado: não estou dizendo para abandonar os manuais, estou dizendo para não ficar apenas neles. É preciso estudar E praticar.

#2 Faça experimentações psiquico-literárias.

[O grande segredo que os escritores não te contam: escrever é fazer lavagem cerebral no leitor]

Essa dica é um complemento da anterior. Você deseja que seus textos sejam lidos e produzam algum efeito na sociedade ou ao menos em seu leitor, certo? Pois, para isso, você precisa conhecer não só o seus textos, mas os leitores disponíveis. Muitas vezes, para alcançar um público maior, você precisará simplificar vocabulário, modulando e adequando a linguagem e o conteúdo ao nível do ouvinte. Logo em seguida, conforme desperta a curiosidade dele, pode ir elevando-o para patamares e elocubrações mais sofisticadas.

Mas antes você precisa de leitores. Então não tenha medo de agradar, de provocar, de chocar. Atraia leitores. Escreva sobre o que o brasileiro gosta: putaria, sexo, futebol, novela, política, piada, fofoca. Mas escreva sob sua ótica, dê o seu ponto de vista, seja honesto, seja falsificado, seja polêmico. Eu odeio futebol e falo mal dele vez ou outra. Mas falo de futebol citando Nelson Rodrigues e Lima Barreto, ou seja: se a pessoa não conhece nada de literatura, mas gosta de futebol, eu já expando o universo dela, e expando para dentro do meu mundo, que é o mundo literário.

Escrever, em grande parte, é seduzir pessoas para o seu mundo mental, emocional, intelectual e filosófico. Também é invadir sutilmente a mente dos outros e plantar lá as suas ideias, ou deixar a sementinha delas. É entrar lá e corrigir perspectivas, ampliar horizontes, desfazer nós cegos que maus professores e educadores ajudaram a dar.

Em suma, o escritor é muito mais poderoso do que comumente se pensa. Mas antes ele precisa ser lido! Então aprenda a chamar a atenção e angariar leitores.

Faça textos para amigas, para professores, para seus pais, para blogs, para o facebook, para o Wattpad, para o Medium. Vá em eventos, organizações, escreva cartas para escritores ou blogueiros, enfim. Vá criando redes com leitores e escritores. Estudando como reagem aos seus textos, se adequando ao público de um nicho para depois roubar e conduzir esse público ao seu nicho.

#3 Não se deixe abater pela crítica especializada

[Olha, se não é um crítico da Folha/FLIP! Aposto que sei o que ele está pensando: "Hum…como vou citar o Philip Roth no meu artigo de amanhã sobre essa exposição cubo-dadaísta?"]

"O que é um crítico de arte? É um artista frustrado!"

Esse é um bordão malicioso, mas contém alguma verdade. Em geral, como todos os intelectuais, os críticos tendem a se agremiar em Torres de Marfim para ficar exaltando seus autores favoritos:

"Olha esse novo romance do Philip Roth, meu deus, como ele é bom!"

Ass: crítico literário qualquer da Folha de SP.

Raramente eles param para olhar o que se passa lá em baixo, entre o povo.

Eu conheço um bocado de gente que é leitor voraz, inclusive de literatura, e nunca conheci na vida alguém que lia Philiph Roth. Mas que lia Paulo Coelho e Augusto Cury eu conheci um monte.

Na verdade, Paulo Coelho e Cury só ficaram tão grandes justamente por que a crítica especializada não dava atenção nenhuma para eles. Você já conheceu gente normal que dá ouvido a críticos literários? Não existe. Gente normal gosta de resenha de blogueiro, lista da Amazon, Buzzfeed e literatura modinha.

Enfim, não queira escrever para agradar intelectual, nem para agradar professor. Escreva para comunicar algo que você acredita relevante, que tenha a ver com seus valores ou que produza no leitor os comportamentos e pensamentos que você julga apropriados e saudáveis, ou que apenas conte a história que você quer contar.

#4 Mostre seus textos como dançarinas de funk mostram a bunda.

[O que é bonito é para se mostrar, o que é feio também!]

Mostre seus textos, sem pudor, para amigos mais cultos, mais intelectualizados e com maior bagagem literária. Eles lhe darão os feedbacks mais produtivos. Se conseguir angariar o elogio do leitor comum e deles, vais estar no caminho certo.

#5 Aprenda com os melhores/ Seja humilde

[Seja um eterno aprendiz dos gênios. No seu caso, dos literários]

Faça um monte de amigos mais fodas que você, cerque-se de gente melhor que você em tudo, e seja minimamente humilde para aprender com todos. Gente inteligente e culta adora falar e ensinar o que aprendeu. Ainda mais num país em que as pessoas fogem de livro e de reflexão como o diabo foge da cruz

#6 Seja Eficiente

[A famosa poesia-porcaria]

Poesia? PARA A PUTA QUE PARIU COM A POESIA!

Grande parte do que se chama poesia hoje são textículos vagabundos sentimentalóides que fazem joguinhos de palavras. E quer uma novidade? Isso não impressiona ninguém! Qualquer mocinha de 13 anos que tenha sentimento romântico e um Minidicionário Aurélio faz isso.

Poesia de verdade é um treco difícil para cacete. Tem métrica, exige um domínio desgraçado da sintaxe e das figuras de linguagem. Esse treco que o pessoal faz é, no máximo, peido poético: a expressão de um sentimento genuíno que a preguiça intelectual impediu que se transformasse em algo realmente impressionante.

Comece pela prosa. Aprenda a ser claro, a distinguir bem o significado da palavra. Tenha bagagem semântica, filosófica, lógica, gramática. Quando você souber usar o básico dessas ferramentas, aí sim pode começar a brincar com as palavras e tentar torcer o idioma expressivamente.

Mas antes disso, sem recursos, seria como tentar construir uma casa só com tijolos. Não dá: precisa de argamassa, cimento, telhas, sapatas, vergalhões, janelas, portas, etc.

#7 Jamais seja comedido

       [Pavonei-se sempre que for conveniente. Se você tem algo a oferecer: exiba!]

Eis aqui um grande segredo que aprendi com o Ray Cruz, um amigo poeta underground que infelizmente não se encontra mais entre nós. Que é:

"Transforme-se em um personagem, antes que a sociedade faça isso com você"

As pessoas gostam de personagens. E entendem as coisas melhor por meio de caricaturas. Então saiba abusar disso, dos clichês. Você acha que o Bolsonaro seria eleito se não endossasse o mito do Comunismo Onipresente? Não, não seria. Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e vários outros autores ficaram anos moldando o imaginário popular com a ideia de que todos os setores culturais no Brasil estavam dominados por Comunistas.

Se você for sensato, comedido, justo, ninguém vai te ler. Seja radical, bata em todo mundo, fale mal de gente famosa, você quer ser lido, ou não? (Até hoje o meu texto mais comentado é o que eu dou pancada carinhosa no Olavo.)

Claro, é possível fazer contraposições e ataques com classe, estilo, ironia e sofisticação. Com o tempo, você pode aprender a fazer críticas pesadas, mas extremamente pertinentes, com um humor absolutamente genial. Quer um exemplo? Deixarei quatro:


Por hora, é isso. Leiam meus textos, me sigam, acompanhem minhas dicas, me façam boas perguntas, corrijam meus erros nos comentários, me escrevam cartas de amor, de ódio, me xinguem nos comentários, me mandem propostas indecentes inbox, me deem um emprego.

Me façam rico e bem sucedido, e então eu escrevo um livro com tudo o que sei ("TODOS OS SEGREDOS DA VIDA, DA ARTE, DA FILOSOFIA, DO SEXO E DA RELIGIÃO - VOLUME ÚNICO- especial para antigos amigos, leitores e colaboradores do Quora) só para vocês.

Abraços,

especialmente nas leitoras

:)

24/05/23

Notinha #11: Andressa Urah e o futuro do Brasil

Li a notícia de que um menino europeu de doze anos derrotou um Grande Mestre de Xadrez e não contou a ninguém de sua classe, simplesmente porque não queria se gabar.

Aparentemente, existe gente assim no mundo. Enquanto isso, aqui no Brasil, Andressa Urah, conhecida enxadrista de pintos, dá entrevistas detalhando suas atividades zoofílicas na infância. Inaugurando, assim, uma nova e surpreendente parafilia: a PedoZoofilia.

De graça, e no Youtube.

Penso no enxadrista mirim europeu, penso na vanguardista Andressa Urah. Lembro de Stephan Zweig. Lembro de sua frase, quase certeira: "Brasil, país do futuro."

Faltou dizer que era um futuro distópico.