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07/02/22

O Texto, a Divulgação e a Polêmica da Piriquita



Embora desprovido de grandes pretensões literárias e consciente de minhas limitações nessa arte, creio que - mesmo sendo blogueiro e cronista de menor categoria -, mereço ser lido pelos leitores de crônicas e blogs; especialmente pelos leitores de crônicas e blogs de menor categoria, e mais especialmente ainda pela parcela que sofre de masoquismo literário e desprezo pelos gramáticos. Em minha autoindulgência chego até a considerar que posso, em alguma ocasião, ter escrito algum texto interessante ou provocativo, digno de um público maior.

No entanto, uma dificuldade persiste. Onde publicizar um texto quando você é apenas um blogueiro desconhecido e escritor amador? Como conseguir leitores que tenham interesse no que você tem a dizer? São questões que frequentemente me afligem.

Eis uma verdade universal que todo escritor digital deve saber: para quem quer leitores, não basta escrever; divulgar é tão importante quanto. É nesse aspecto - o da publicidade - onde muitos blogueiros falham, inclusive o autor destas linhas. Encontrar o público de certos textos pode dar trabalho, é preciso uma disposição que nem sempre me anima. Sou cronista preguiçoso, reconheço.

Além disso, há vantagem na obscuridade: ela nos protege da crítica indevida. A desvantagem é que protege-nos também da crítica pertinente. Ter o texto exposto e criticado pode servir - e geralmente serve - para amadurecer o entendimento do escritor sobre o próprio texto e as reações que ele suscitou. Outra parte interessante da exposição textual na internet é a oportunidade de interagir com os leitores. Digo: interagir com os bons leitores, aqueles que compreendem o texto e têm alguma contribuição cultural ou argumentativa a fornecer. Quanto aos maus leitores: o jeito é ignorá-los.

Trarei a seguir um bom exemplo prático de como a divulgação pode trazer resultados interessantes. Mas antes devo confessar, meus caros, que apesar ter iniciado este blog com o objetivo de abandonar o Facebook, eu continuo escrevendo, ocasionalmente, na rede social do Zuckerberg. E foi surfando por lá que, outro dia, em reação à postagem de uma amiga que compartilhou a "Piriquita" - refiro-me a inusitada e recente música de Juliana Bonde - escrevi um comentário longo (para os padrões do Facebook) a respeito da manifestação do Kitsch em tão peculiar canção. No comentário eu explicava o processo de decadência que sofreu a canção "Tédio", da banda Biquini Cavadão, até virar a estrambótica e terrivelmente bem humorada versão do Bonde do Forró.

Sujeito de tendências misantrópicas, tenho poucos amigos no Facebook - cerca de 168. Desses, há um pequeno grupo, que varia entre 10 e 15 pessoas, com quem interajo de modo recorrente. Formam o seleto grupo de insensatos que lêem as bobagens que escrevo por lá. Como são leitores qualificados e que sempre acrescentam, não tenho do que reclamar. No entanto, desta vez, como fiz comentário de um evento atual, coisa que evito, fiquei curioso para saber como outros leitores reagiriam ao texto, já que o assunto está muito falado no Twitter e em outras redes sociais.

De início, achei que era boa ideia publicá-lo em meu perfil no Medium, já que faz tempo que não publico por lá. Faria bem um texto novo, pra variar. Foi o que eu fiz. Porém, logo em seguida, lembrei-me que o ritmo de interação no Medium é mais lento, e que lá não é a melhor plataforma para explorar as polêmicas da semana. Então percebi que para que o texto fosse lido por mais leitores, eu deveria divulgar o link do texto do Medium em grupos do Facebook. Felizmente, por sorte, faço parte de alguns grupos de música cujos membros são muito engajados em debates e polêmicas. Divulguei o texto num desses grupos e o resultado foi melhor do que eu esperava. Os recortes das métricas confirmam:

Recorte 1) O alcance e as reações do seleto público do meu perfil principal no Facebook.



Recorte 2) O alcance e as reações à divulgação do texto no grupo "Psicodelia Brasileira"



Recorte 3) Em um dia e meio, as estatísticas de visualização do texto no Medium subiram de 0 para 213.


Recorte 4) Comparando com os textos não divulgados, e que estão no Medium há muito mais tempo, a diferença nas estatísticas é abissal.


Tal experiência prática, além de confirmar a importância da divulgação, me fez pensar um bocado. Então, veja você, escritor iniciante, cronista, ou blogueiro, o como é possível e fácil ampliar o público de seus textos. Depois de escrever, basta a estratégia correta para divulgar. E depois é encarar as reações, boas e ruins.

No meu caso, entre as várias reações ao texto, este comentário, presente num debate cheio de farpas entre este autor e um leitor inteligente, foi difícil de ler, pois demasiado verdadeiro. Doeu-me o coração sensível.


Já este outro, eu adorei, por ser mais verdadeiro que o anterior e ser expresso por uma bela mulher, o que é ainda melhor.


02/02/22

Não Caia na Falácia da Igualdade

diversidade

Existe, no mercado de crenças contemporâneo, a ideia extremamente emburrecedora (muito vendida e muito comprada) de que somos todos iguais. Ela é tão alardeada, propagandeada e massificada que aposto que você, amigo leitor, já se deparou com alguma versão.

Se você é um dos inocentes que comprou essa ideia, estou aqui pra te avisar que fez péssimo negócio: você caiu numa vigarice intelectual. Sim, meu amigo, é triste dizer, mas você foi feito de otário. 

Calma, não fique bravo comigo: meu papel aqui é te alertar, e não posso fazer isso sem ser claro, sem ser realista e sem dizer as coisas tais como elas são. Por favor, caro leitor, não seja tão vaidoso a ponto de só aceitar a verdade quando ela vem recheada de eufemismos ou quando ela só favorece o que você acredita. 

Compreendo que isso pode ser difícil numa era em que o politicamente correto ameaça dominar a linguagem, mas garanto que ser autocrítico e realista lhe trará maturidade. Honrado e nobre é o ser humano que, ao identificar um tirano filho da puta, alerta seus companheiros declarando alto e em bom som: “Eis aqui um tirano filho da puta”. Por outro lado, vil e imperdoável deve ser aquele que mascara a linguagem para transformar assassinos em santos. 

Dito isso, podemos voltar ao tema central.

Já vou explicar o por que você foi enganado. Mas, para isso, lhe darei algumas pequenas tarefas. Nada que doa, eu prometo. Só preciso que você reflita um pouquinho.

Pense por alguns minutos na pessoa mais inteligente que você já conheceu. Pensou? Ok, muito bem. Agora pense na mais burra, na mais ignorante, na mais tola. Notou alguma diferença fundamental?

Pense agora, por alguns minutos, na Madre Tereza de Calcutá. Pense em Chico Xavier, em Jesus Cristo, em Mahatma Gandhi, em Martin Luther King ou simplesmente na pessoa mais sábia que você já conheceu. Agora pense em Hitler, em Charles Manson, em Calígula, no Maníaco do Parque ou simplesmente na pessoa mais cruel e depravada que você já conheceu. Percebeu alguma diferença?

Sem dúvidas, todas essas pessoas tinham algo em comum. Todas elas tinham uma estrutura biológica similar, a estrutura biológica dos humanos. Isso só significa, contudo, que elas tinham coisas em comum, não significa que eram iguais. Ao pensar nelas e compará-las, você provavelmente percebeu que elas não eram psicologicamente iguais. Em outras palavras, você percebeu que elas não pensavam e não agiam da mesma forma. 

Os seres humanos, quando comparados, possuem coisas em comum e também discrepâncias. É justamente por conta das discrepâncias, características individuais, exclusivas, que as pessoas não podem são exatamente iguais. O que torna cada ser humano único é o fato de que ninguém possui as mesmas particularidades. É aquela coisa de existir características em você que só existem em você. Aquela coisa da sua digital ser única: a isso chamamos individualidade 

Note que é crucial aqui entender o significado da palavra “igual”. Um ente “igual” a outro é um ente cuja constituição total é a mesma que a de outro ente. Agua é igual a H20. Cachorro é igual a Cão. Na boa e velha linguagem da lógica, o princípio da igualdade é formulado como A=A.

 Ocorre que seres humanos são constituídos por elementos comuns, como a estrutura fisiológica, mas também por elementos individuais, exclusivos, como a constituição psicológica de cada um. Ou seja: seres humanos não possuem exatamente a mesma constituição total. É por isso que eu sou eu, você é você e ele é ele. Se fossemos literalmente iguais, esses pronomes nem fariam sentido.Resumindo: temos coisas em comum, mas como temos características exclusivas, não somos iguais.

Acreditar que somos iguais é, portanto, negar a realidade. E a consequência dessa negação é muito perigosa, pois não estabelece a devida distinção. Tal negação coloca os maus no mesmo nível em que os bons, os virtuosos no mesmo nível em que os depravados, os honestos no mesmo nível em que os mentirosos. Tal negação equivale a não diferenciar um tigre de um gatinho.

 Equivale a dizer que Hitler e Jesus eram iguais. Pior: equivale a dizer que você é essencialmente igual ao que foi Hitler. Dizer que todo mundo é igual favorece os piores membros da espécie e praticamente anula a grandeza e o esforço dos melhores.

Por isso, não caia mais nessa, meu amigo.

 Aprenda a diferenciar as coisas — e os homens — segundo suas qualidades e atributos. Afinal, é para isso que serve sua inteligência.

25/01/22

A Morte do Guru



Morreu o véio lôco. Pela erudição e erística, era interessante como ensaísta heterodoxo. Ao reviver o anticomunismo mais caricato e tacanho, digno de um Carlos Lacerda, o Guru da Virgínia fez mal danado ao jornalismo político brasileiro. Sionista declarado, Olavo chegou a dizer que muitos judeus ricos estavam envolvidos com Nova Ordem Mundial, e denunciou o infame George Soros, o que surpreende.
Certa vez, foi condescendente com o Integralismo, dizendo que ter pertencido ao movimento não macula o passado de ninguém, opinião que lhe rendeu a ridícula acusação de antissemitismo, feita pelo ridículo Intercept.
Em artigo para o seu excelente blog Matemática e Sociedade, o físico Adonai Sant'Anna, comentando uma entrevista antiga do ensaísta, escreveu que Olavo conseguia misturar uma descrição precisa e inteligente da situação educacional brasileira com opiniões problemáticas e nonsense.
De gênio desequilibrado à doido varrido, de místico iluminado à agente da CIA, as opiniões sobre Olavo são tantas e tão diversas que só confirmam a complexidade do sujeito. Erudito de personalidade cativante e belicosa, tido por alguns como líder de seita, Olavo foi uma espécie de Chacrinha intelectual da Nova Direita: comandou um programa bizarro que influenciou grandes setores da cultura brasileira.
Essencialmente um anarquista místico que se fez conservador, Olavo formou-se na tradição intelectual do entre guerras - que incluia pensadores como Arthur Koestler, Curzio Malaparte, Rene Guenon e Aldous Huxley (foi provavelmente à partir de Huxley que chegou em Guenon) - e na escola do Realismo Fantástico dos franceses Jacques Berguier e Louis Pauwels, veiculado pela famosa revista Planète.
Revista que, aliás, teve uma versão nacional - "Planeta" - para a qual Olavo, ao lado de Paulo Coelho, chegou a colaborar. Tenho a edição que uma ex-amiga furtou da Biblioteca da UnB para me presentear- sabia ela que eu era fã da revista e leitor de Olavo -, nessa edição há artigo do ex-astrólogo sobre Cristianismo Esotérico, onde ele faz seus primeiros comentários públicos da obra de René Guenon e, de passagem, menciona que os conhecimentos de Dante Alighieri sobre alquimia árabe foram expressos na Divina Comédia.
Sempre atraído pelo bizarro e pelo heterodoxo, ao longo dos anos recorri à erudição arcana de Olavo e me vi seduzido por seu carisma galhofeiro e depravado. Mas não tardei a ver - certamente com a ajuda de amigos, como o Marlos Salustiano e o Hugo Motta - que a influência do homem era nefasta.
Uma vez, em casa de amigos hipsters, feministos e desconstruídos, citei o nome maldito. Os presentes emudeceram, o ar tornou-se aspero, o chão tremeu, nuvens negras subiram aos ceus, faltou o teto cair: e então, para minha surpresa e espanto, os presentes me olharam como se eu acabasse de confessar o estupro de minha genitora.
Noutra ocasião, na Baratos da Ribeiro (o tradicional sebo alternativo do Rio de Janeiro), em roda de intelectuais mesmo sem ser um deles, descobri que o Maurício Gouveia, o icônico dono da loja, também havia lido e criticado os livros do guru. Conversamos a respeito das reações exageradas à obra do Olavo, e os méritos e deméritos da mesma. Logo alguns presentes na roda fizeram aquela carinha de nojo. "Ah, não. Olavo não!" alguém bradou.
É sempre assim, o que talvez seja compreensível. Todas as opiniões sobre Olavo têm algum mérito, porque o homem era tudo isso ao mesmo tempo. Não era um todo coerente. Era uma dessas misturas impossíveis que só o Brasil é capaz de fabricar.
Com a morte de Olavo e o favoritismo de Lula na disputa eleitoral deste ano a Nova Direita perde força. O Olavismo era um de seus pilares. Resistirá o Olavismo sem Olavo de Carvalho? Em carisma e erudição, não há nenhum discípulo que se equipare ao mestre. O que tem mais chances é Ítalo Marsili, mas este peca pela arrogância, sempre ostentando seu vínculo a uma família de passado aristocrático, seu público é menor e em grande parte vinha pelo Olavo. Quanto aos filhos do guru, o mais inteligente é Luiz Gonzaga de Carvalho Neto (o "Gugu"), mas este é bem menos político e mais esotérico; e é muçulmano, não católico.
De minha parte, creio que o Olavismo não morrerá com Olavo. O que é vil e equívoco tende a perdurar entre os homens. O mais provavel é que continuaremos ouvindo as ideias estranhas de Olavo, mas através de outras faces e vozes. O exército de papagaios olavetes fará a única coisa que sabe fazer: repetirá Olavo. Mas sem o charme e o estranho carisma do mestre.
Para o bem ou para o mal, Olavo deixa este mundo para entrar na História. Foi o homem que ajudou a enlouquecer um Brasil que já não era muito são. Ajudou a eleger o demente retardado que usurpa a faixa presidencial e presta continência à bandeira estadunidense.
Olavo de Carvalho foi um homem carismático, inteligente, manipulador e perigoso. Que sua morte inaugure uma era de decreptude aos movimentos que ele ajudou a alimentar.

19/01/22

Teoria da Solidão Positiva

 

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Ludwing Wittgenstein, que deliberadamente se isolou para realizar um dos trabalhos filosóficos mais impactantes do século XX.

Os relacionamentos interpessoais, especificamente aqueles que não se baseiam exclusivamente no pragmatismo das necessidades cotidianas, só valem à pena quando o desenvolvimento individual — intelectual, moral, emocional — dos membros atinge maiores alturas do que ocorreria com os indivíduos isoladamente.

Se a companhia de um ser humano x não me acrescenta uma probabilidade de evolução maior do que a minha própria companhia, então a solidão (que é ter apenas a minha própria companhia), será mais produtiva evolutivamente do que a companhia de x.

Esse é um raciocínio simples que explica por que ficar sozinho pode ser muito mais produtivo do que se relacionar com uma determinada pessoa. Subindo um degrau, penso que o mesmo raciocínio pode ser aplicado a grupos sociais.

O que há de interessante aqui é a informação (talvez nova para alguns) de que, em alguns contextos,  ficar sozinho produz uma evolução maior do que participar de grupos.

Daí que no atual status quo do mundo em que vivemos, ser solitário, para algumas pessoas, tem mais a ver com a baixa oferta de indivíduos notáveis, aqueles indivíduos que podem oferecer contribuições significativas ao aperfeiçoamento do homem, do que com algum pretenso ódio as pessoas, misantropia ou alguma outra psicopatologia.

Em síntese; algumas pessoas precisam ficar sozinhas pois, no meio em que vivem, essa é a maneira mais eficiente de evoluírem.


***


Nota do editor: o texto acima  foi escrito em 2017 e originalmente publicado no Medium.

02/01/22

Lucas Fez Contato: Breve Nota Sobre o Meu Amigo Mais Descolado

A foto do Lucas que capturou um interessante período de nossas vidas.

Fotógrafo e mestre em historia da arte, Lucas Lopes está entre os amigos que mais invejei. Um dos meus  mais longevos camaradas, a origem de nossa amizade deu-se há muitos anos numa divertida turma de oitava série. A paixão por rock, cinema, terror e contracultura nos uniu; assim como nossa sensibilidade melancólica, ou existencialista. Veio dele o primeiro CD do System of a Down que eu ouvi na vida. Sempre gentil, Lucas emprestou-me até o discman para que eu ouvisse o cd. Era 2006 e eu o achava muito descolado por ter um discman, além disso, simpatizava com seu estilo grunge, de cabelos grandes e desgrenhados, vez ou outra declamando alguma frase triste de Kurt Cobain.

Branco, de olhos claros, volumosos cabelos negros, lábios de um vermelho incisivo, olhar sereno, corpo magro e esbelto, deve ter quase um metro e setenta e cinco de altura. Seu rosto, fino e alongado, lembra um pouco o do escritor Robert Louis Stenvenson. Sua aparência, que sugere um perfil de modelo ou ator, sempre encantou as meninas. Daí parte de minha inveja, já que era impossível vencê-lo na arte de encantar as fêmeas. E, de fato, o safado abocanhou algumas meninas com quem eu gostaria de ter ficado, incluindo a bela e badalada Miss R.... Apesar da inveja, nunca levei para o lado pessoal. Não se pode ter tudo, afinal.

Desde os tempos do ensino fundamental continuamos amigos, travando contato as vezes mais e as vezes menos. Acho curioso notar que nosso desenvolvimento pessoal ocorreu por vias contrárias. Enquanto eu tornava-me cada vez mais ressentido, antissocial e arrogante intelectualmente, Lucas tornava-se cada vez mais aberto, humilde e acessível. Enquanto eu permanecia trancado em meu quarto cultuando filósofos mortos, Lucas desbravava o mundo, cultivando as pessoas legais e artísticas que existem nele. Sempre que nos encontrávamos eu ficava admirado com a popularidade e o carisma de meu amigo, que eu percebia pela quantidade de pessoas interessantes que o cercavam. Apesar disso, na maior parte do tempo eu desprezava sua abertura social. Apesar de bom leitor, Lucas não era tão intelectualizado quanto eu - ele era um hipster, e eu um projeto de intelectual diletante - ou ao menos era o que eu pensava, e por esse raciocínio eu concluía que para ele era mais fácil socializar com não-literatos e "cult-bacaninhas". (Na época, não me passava pela cabeça que o nível intelectual não é o melhor critério para julgar as pessoas. Eu realmente achava que era.)

Lucas e eu numa foto improvisada, num momento lúdico-canábico, há oito ou nove anos.

Hoje eu sei perfeitamente bem que a abertura social é uma das melhores qualidades de meu amigo, e que isso lhe proporcionou  muitas  experiências interessantes com gente diversa. Qualidade que aprendi a admirar e invejar. 

Por vezes noto certa atmosfera de mistério em meu amigo, algo difícil de descrever... Sempre achei que ele tinha algo de melancólico, não digo depressivo, mas uma aura de solidão resignada, com certo ar de nouvelle vague, apesar de vê-lo muito mais sociável e melhor integrado. Posso estar errado, mas parece que há um sentimento nele... Algo profundo e doloroso que eu não sei o que é. Impressão que faz lembrar a frase de Cobain que ele costumava citar: "Se meus olhos mostrassem minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo".

Eu e Lucas vivemos algumas boas aventuras juntos (uma delas foi acampar com amigos em comum). A última vez que o vi foi no início de 2019. Como eu visitava o Rio de Janeiro, marcamos encontro na casa do Matheus Antunes, um velho amigo em comum, aproveitando a ocasião para reunir alguns membros de nossa antiga gangue juvenil, os "Pés Pretos". Foi uma divertida noite, regada a boas substâncias ilícitas, bom álcool, boa conversa, sentimentos nostálgicos e boas músicas. Infelizmente, meu contato com Lucas arrefeceu consideravelmente nos últimos tempos, em parte porque passei anos morando em outro estado (Brasília) e em parte devido a escolhas naturais que nos levaram a caminhos distintos, o imprevisível fluxo da vida. Mas a amizade continua. Quem tem um bom amigo sabe como é: o respeito e o carinho permanece mesmo quando a frequência do contato se vai.

Em fins de 2021, uma grande surpresa: Lucas, que tem redes sociais mas raramente as usa, enviou enorme texto a um de meus perfis no Facebook. Com sua prosa poética e intimista, o amigo trazia sua perplexidade diante da vida, mandava um abraço e denunciava sua saudade. Foi inesperado mas ótimo presente de fim de ano. Uma dessas boas surpresas que a vida traz, e ótima oportunidade para retomar o contato.

29/12/21

Educação e Crescimento do Pênis


Concordo cem por cento com a frase do Daniel Fraga de que “pobre deveria pedir licença para existir”. Contudo, devo esclarecer: penso em outro tipo de pobre.

O Sr.Fraga, um anarco-capitalista, provavelmente se refere ao pobre da classificação econômica. Já eu, estudioso de Psicologia, penso numa pobreza mais séria, mais profunda e mais difícil de ser resolvida: a pobreza mental, da psique, do espírito.

Daniel Fraga
O lendário Daniel Fraga
Como apesar de novo sou um tanto vivido, já conheci fortes candidatos a mais baixos exemplares de nossa espécie (excluindo a hipótese — bastante provável — de que fossem neanderthais infiltrados).

Durante dois anos, senti-me como Immanuel Kant se sentiria se fosse obrigado a viver entre galinhas, que são, como diz meu irmão, os bichos mais burros que existem. A burrice, no meio onde fiquei, era tanta, mais tanta, que cheguei a me sentir primeiro um sujeito esperto; depois, inteligente; e, por fim, um gênio de capacidade incontestável.

conhecimento
O pobre de mente

Nesse lugar, superabundavam os pobres de mente. Pessoas que são incapazes de compreender a função de um livro, ou o prazer do aprendizado, ou de qualquer coisa que exija algum grau de abstração pós-primário.

Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê eu lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.
 

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

“Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!”

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente. Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa.
 
O mais curioso, no entanto, é que ele estava errado.




***


Nota do editor: a crônica acima  foi originalmente escrita no ano de 2015.

29/11/21

Blogueiro: O Cronista da Cultura Esquecida


Assistiu, leu, ouviu? Registre, blogueiro, registre!

Acrescentei a este blog o recurso de exibir os assuntos em tags por frequência. Feito isso, descobri que até agora (depois de 6 postagens) o tema sobre o qual eu mais falei foram blogs. Um blog falando sobre blogs e sobre pessoas que escrevem blogs - que recursivo, não? 

Felizmente criei este site para publicar nele o que eu quiser, e como é um blog sem leitores, ou de leitor único, tem a rechonchuda felicidade de ser um blog acima de críticas. Em verdade, confesso ao meu público inexistente: gosto do que estou fazendo aqui. É simples, é econômico e me impele a escrever. 

Há, para escritores iniciantes, várias vantagens em ter um blog, a principal delas talvez seja a efetivação de uma rotina, de uma regularidade no ofício. Outra coisa muito legal e interessante é que não importa o quão descompromissado possa ser um blog, se ele fala a respeito de algo (um produto cultural, uma notícia, um evento) que as mídias maiores não falam, então ele se torna uma fonte alternativa, uma mídia alternativa. Desse ponto de vista os blogs nada mais são que os fanzines da era digital.

Apenas para exemplificar, citarei dois exemplos de blogs descompromissados e em estilo antigo, amador, que me trouxeram informações sobre assuntos culturais não tratados em mídias maiores. 

O primeiro deles foi o divertido e meio monótono meuqiabaixodezero.blogspot.com, que é divertido por ser um daqueles blogs "nerds" que compilam informações sobre desenhos, séries e músicas dos anos 80, 90 e início dos 2000, e que é meio monótono porque em todas as postagens a autora começa com a mesma frase: "pois é, minha gente..."

Foi nele que encontrei informações sobre um desenho antigo chamado "Creepy Crawlers", que aqui no Brasil foi batizado como "Os Monstruosos". E foi fuxicando esse blog  que encontrei a indicação de uma banda divertida e pouco conhecida, chamada Jumbo Elektro.

Já recentemente, depois de ouvir esta divertida paródia (que é ainda mais divertida para quem já morou ou visitou Sepetiba):



Como eu dizia: depois de ouvir a paródia, indicada pelo meu queridíssimo irmão, eu quis saber quem eram os autores. Lá fui eu pesquisar no Google, e, para minha surpresa, cai num bloguezinho descompromissado de um amante de rock contando sobre sua experiência de ouvir um álbum da tal "Didi Subiu No Cristo", a obscura banda autora do Sepetiba Dreams.

Nos dois casos, os blogs, notavelmente despretensiosos, documentaram fenômenos culturais que não chamaram a atenção da mídia maior, mas que nem por isso deixam de ser interessantes ou relevantes para certos públicos. 

E assim o blogueiro cultural, esse personagem menor das Letras e do Web-Jornalismo, se afirma como um cronista da cultura esquecida. Nós lembramos daquilo que os outros esquecem. 

Eu gosto, e quem acha que cultura e informação nunca é demais, agradece.


30/04/21

Em Defesa do Charlatão — ou: porque Olavo de Carvalho é um mal necessário

 

Em artigo originalmente publicado na (ótima) revista Café Colombo, Joel Pinheiro da Fonseca — mestre em Filosofia, baluarte do EPL e integrante do Partido Novo— ataca com unhas, dentes e argumentos um antigo conhecido e colaborador. O atacado é ninguém menos que Olavo de Carvalho, o famoso Guru da Virgínia.

O senhor Pinheiro, que vem conquistando um público cada vez maior, é figurinha carimbada nos meios liberais. Eu mesmo já fui fã de seu trabalho e devo a ele, entre outros, a possibilidade de, anos atrás, ler in portuguese divergências inteligentes e racionais às falácias histéricas do Guru e de seus asseclas. Coisa que se deu no finado Ad-Hominem, blog do qual Joel fez parte e onde travou duelos intelectuais com seus amigos olavettes. Onde vislumbrei pela primeira vez na internet uma esgrima intelectual jovem, madura e inteligente, sem os vícios, xingamentos e aberrações que tanto vi em outras páginas de esquerda e direita.

Contudo, apesar de minha simpatia para com Pinheiro, farei aqui, dentro das minhas limitações (que são muitas), um esforço em apresentar um sincero ponto de vista divergente do exposto em seu artigo. Tentarei apresentar um ponto de vista que, ao mesmo tempo em que reconhece certo charlatanismo em Olavo, reconhece também os aspectos positivos dele.

Em principio, estou completamente de acordo com a crítica que Joel traça ao ego acachapante, ao aspecto sectário e à afetação de sabedoria mística tão evidentes em Olavo. Como o mestre em filosofia argumenta, para aqueles que estão familiarizados com o modus operandi do Guru, com seu passado sufi-perenialista, com suas frequentes incongruências, com seus erros cabeludos, paranoias, acusações infundadas e absurdos teóricos, nada é mais notório que o fato de se tratar de um sofista bem preparado, empenhando em vencer e influenciar incautos à qualquer custo.

A questão que quero enfatizar, porém, é que embora Olavo possa atrair gente inteligente e racional para perto de si, acredito que ele, como qualquer guru, só é capaz de hipnotizar aquelas pessoas que já querem ser hipnotizadas.

Explico. Acho que Olavo se aproveita do sentimento de devoção religioso e da disposição de crença de centenas de jovens e fiéis católicos, notavelmente ignorantes em filosofia, mas ao mesmo tempo ansiosos para fundamentar suas expectativas religiosas e condenar a plenos pulmões tudo o que destoe de seus dogmas. Assim, Olavo põe no ar a velha ideia medieval de que a “filosofia é serva da teologia” e os fiéis sentem que aderindo ao credo católico-olavético estarão a contemplar a mais sofisticada e profunda das ciências. Aqui, vê-se que Olavo é, acima de tudo, um místico disfarçado de filósofo.

Já o Olavo político, que só é ouvido e levado a sério pelos sectarios fiéis conquistados através da erística místico-filosófica, aparece como uma bizarra síntese de Gurdgieff, Alborghetti, Joseph Mccarthy e Alex Jones. Uma cria autêntica do espírito brasileiro de compor misturas impossíveis.

Para pessoas razoáveis, é difícil levar Olavo de Carvalho a sério depois de ler o que Orlando Fedeli escreveu sobre sua “Gnose Tradicionalista”. Ou depois de saber que ele, Olavo, rejeita a Teoria da Relatividade, defendendo a terra como centro do universo. Ou, ainda, que covardemente desistiu de um debate — que já havia sido marcado — com o vlogger e Biólogo Pirulla. E fica mais difícil quando compararmos seu comportamento de vinte anos atrás ao comportamento que tem hoje. Vê-se que o homem anda cada vez mais paranoico e enfurecido, vendo em todo lugar “agentes não pagos” do KGB.

Por isso, penso, Olavo só é levado a sério por gente desinformada ou fiéis que seriam capazes de levar a sério qualquer irracionalismo, qualquer guru, uma vez que a cosmovisão religiosa é pautada por uma necessidade de crença no absoluto e não pela necessidade de investigação sobre a natureza última da realidade, como é requisito da busca filosófica.

Entretanto, para nós outros — não olavettes em geral — , Olavo aparece como uma figura ímpar que merece ser lida e analisada, que merece ser discutida por quem pode evidenciar com racionalidade e seriedade suas paranoias e equívocos, justamente para desmascará-los. Falo aqui de conhecedores da obra de Olavo que hoje se opõe a ele, como Francisco Razzo, Jorge Velasco, Caio Rossi e o próprio Joel.

Apesar disso, é importante lembrar que não é em tudo que o guru se equivoca. Ouso dizer que há coisas boas na obra olavética. Sem dúvidas, a melhor delas é a diversidade de referências bibliográficas e intelectuais (“a bibliografia arcana” como chamou um amigo). Eu mesmo, por exemplo, conheci o excelente Antônio Paim lendo artigos do Olavo. E sei que muita gente só atentou para autores como Vilém Flusser, J.G. Merquior, Meira Penna, Alan Sokal, Otto Maria Carpeaux, Roger Scruton, Mario Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva depois de ler artigos dele ou de seguidores. Neste caso, ao menos devemos reconhecer que Olavo é eficiente em indicar autores notáveis. Ao menos como propagandista de intelectuais de peso ele presta.

Em segundo plano, como temas relevantes na obra de Olavo, pode-se citar as explanações sobre importância da Filosofia e Educação Clássica; validade de sistemas de ensino como Trivium e Quadrivium; discussões metodológicas sobre o filosofar; discussões sobre a argumentação, a erística e a lógica simbólica; assim como sobre a questão da importância da biografia de determinado filósofo no que se refere ao entendimento de sua filosofia. Tudo isso aparece na obra do guru, as vezes em forma de duelo com intelectuais divergentes. A rigor, tais conteúdos me parecem questões pertinentes e que devem ser discutidas.

Quando o assunto é Olavo, há que se falar também da questão do desenvolvimento intelectual dos indivíduos, coisa que se dá através do fundamental encontro com o erro. Eu mesmo já fui olavette e — quão difícil é confessar! — já andei a ruminar contra o Foro de São Paulo.

Sei que Joel e tantos outros já passaram por essa fase também. E suspeito que se voltarmos um pouco mais no tempo, veremos que provavelmente já fomos também mais inocentes às ideias de esquerda e às armadilhas da vida intelectual como um todo. Agora, um pouco mais preparados, podemos constatar que evoluímos e fomos desenvolvendo, aprimorando, nossa capacidade de juízo. Ora, tal progresso seria completamente impossível se não tivéssemos errado, não é mesmo? Afinal, que é o progresso senão a superação dos erros? Olavo é, creio, um dos erros mais importantes pelos quais devemos passar.

Costumo dizer ao meu irmão que há três passos para se iniciar na vida filosófica e intelectual: O primeiro é refutar o relativismo; o segundo é refutar o marxismo; e o terceiro é refutar o olavismo. Certamente que é uma piada, mas não deixa de ser séria. Creio mesmo que é preciso dialetizar, absorver o que há de bom e depois derrotar a erística olavética. Insisto que para o real investigador do mundo não há outra alternativa: é preciso investigar toda filosofia — ou filodoxia — que reivindique o status de verdade última. 

Puxando sardinha para o meu lado, faço notar que outro tema importante na obra de Olavo é o estímulo ao autodidatismo, aspecto educacional e cognitivo praticamente ignorado no sistema de ensino oficial. Jamais conheci um intelectual de língua portuguesa que desse tanta ênfase à curiosidade intelectual autônoma e espontânea e ao mesmo tempo fosse tão acessível quanto Olavo, e digo isso como um interessado em autodidatismo.

Não que não haja grandes defensores da pedagogia libertária entre os intelectuais brasileiros. Ainda reluzem os nomes de Jaime Cubero e Maurício Tragtenberg entre os expoentes do assunto. Mas, verdade seja dita, nenhum deles possui a mesma acessibilidade que a obra de Olavo.

Vejamos, por exemplo, o meu triste caso. Sou um sujeito pobre, e livro no Brasil é um troço bastante caro. Bibliotecas públicas, para quem mora no interior, são sempre distantes e extremamente precárias. Se desejo me educar, me informar, e então passo a ter contato com a obra de um sujeito preocupado justamente em não se prender a ideia de que educação é algo externo, feita num lugar específico e validada por carimbos oficiais; sendo ainda um sujeito culto e com variadas referências bibliográficas, é óbvio que ele terá papel importante em incentivar minha vida intelectual.

Precisamente o mesmo incentivo que me levou a instruir-me sobre posições outras e chegar até intelectuais como Joel Pinheiro ou mesmo o heterodoxo e interessantíssimo Uriel Irigaray. Nesse aspecto, Olavo está muito a frente dos intelectuais da academia que falam para pessoas que desejam carimbos e ignoram por completo as que estão ávidas por conhecimento. Afinal, porque as pessoas fora da universidade não poderiam buscar se educar e obter um bom nível cultural e humanístico? A falta quase total de consideração aos autodidatas deste país mostra que tal questão nem sequer passa pela cabeça de nossos pedagogos.

De qualquer forma, assuma ou não o Joel, a verdade é que Olavo tem lá suas qualidades, algumas das quais procurei mencionar neste texto. Além disso, Olavo também tem mérito: é o pai espiritual da Nova Direita, sendo uma figura proeminente no novo vigor que recebeu o ambiente intelectual brasileiro, principalmente na internet, particularmente nos últimos dez anos.

Sem dúvidas, é preciso falar sobre ele. Diria ainda que é preciso lê-lo e enfrentá-lo, e até mesmo expô-lo como fez o Marco Antônio Villa, como o próprio Joel está a fazer agora.

Enfim, digo com todas as letras: até que apareça um intelectual popular, realmente culto e bem mais simpático, o Guru da Virgínia será um mal necessário. E os que, como Joel, Uriel e Razzo, conseguirem passar por ele, certamente sairão fortalecidos e poderão contribuir intelectualmente, confrontado as incongruências do guru e abrindo os olhos das pessoas.