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07/12/22

Quais são os efeitos negativos da leitura de livros?



Todo mundo sabe que a prática da leitura pode ser muito positiva e enriquecedora, mas e quanto a seus aspectos negativos? Existem? Quais são? Vejamos os possíveis efeitos negativos da leitura e como lidar com eles.

1. Quebra de expectativa. As pessoas dos livros raramente são como as pessoas da vida real. E as mulheres dos livros então, nem se fala. Isso, claro, pode mudar se você lê obras de brasileiros como Rubem Fonseca ou se ler autores trágico-realistas. Mas, no geral, há uma grande distância entre a mediocridade das pessoas que conhecemos na vida cotidiana e daqueles personagens notáveis dos livros. Depois de ler muito, invariavelmente, você vai achar a maioria das pessoas chatas e desinteressantes.

2. Produção de Pensamento Acrítico. Se o livro é de um autor muito assertivo, pouco autocrítico e cheio de verdades, você pode acabar ficando muito convencido de coisas questionáveis e para as quais o conhecimento humano atual não é capaz de fornecer uma resposta definitiva. Sabe aqueles religiosos que SÓ LEEM livros sobre religião e só sabem falar o que a Bíblia diz sobre a Bíblia, num loop autoreferencial diabólico? Pois é. Não queira ser um deles. E o mesmo acontece pra ateus militantes como Dawkins e Sam Harris, que tentam usar a Ciência para provar o que ela não é capaz de provar.

3. Desorientação. Alguns livros podem te deixar com mais dúvidas do que respostas, especialmente os livros de Filosofia. E isso pode realmente te deixar desorientado por um tempo (especialmente se você se focar apenas em autores com sistemas destrutivos, como Nietzsche, Foucault e o bizarro Zizek). Um exemplo notável é que a maioria das pessoas que tem algum interesse básico em Filosofia são facilmente atraídas pela falácia do Relativismo .

4. Ser enganado. Intelectuais mentem que é uma beleza. E sempre usam joguinhos linguísticos, retóricos e erísticos para convencer o leitor. Você ficaria terrivelmente chocado se fizesse uma checagem de fontes de cada livro que lê. O Noam Chomsky, por exemplo, considerado um dos maiores intelectuais do século XX, foi pego várias vezes (250 - pra ser preciso ) com a boca na botija.

E então, como enfrentar esses problemas? Bom, algumas dicas podem ajudar;

Para evitar 1) Leia livros sobre a realidade e não apenas ficção.

Para evitar 2) Leia livros sobre pontos de vista DIFERENTES sobre o mesmo assunto e veja debates de intelectuais e filósofos, não de youtubers. Isso vai te ajudar a a entender como o outro lado pensa. Mesmo que você discorde de uma ou outra premissa da pessoa, é mais fácil respeitá-la quando você entende o pensamento dela. Eu, por exemplo, leio tanto sobre Religião quanto sobre Ciência, e amo as duas áreas.

Para evitar 3) Leia livros de orientação pessoal e emocional, mesmo que pareçam auto-ajuda. Leia biografias de pessoas admiráveis e vai ver como elas lidavam com as coisas para ter sucesso. Quando a abstração torna um problema muito difícil, a prática costuma ensinar como esse problema pode ser resolvido. E quando na prática um problema parece ser simples, a abstração pode mostrar como ele é complexo.

Para evitar 4) Nunca acredite 100% no que você lê, ESPECIALMENTE SE HOUVER POLÍTICA ENVOLVIDA. Entenda - lembre-se sempre disso- que um autor SEMPRE fala mentiras e verdades. Ninguém sabe tudo. Por isso, vai ser preciso peneirar e separar o joio do trigo. E sempre que gostar demais e se sentir “crente” em um autor, trate de ler a críticas à obra e ao pensamento dele.

Pronto, seguir essas dicas vai te ajudar a ser um leitor mais maduro. Você tem sorte, eu tive que aprender na marra. Queria que alguém tivesse me dito antes.

Foto: Chomsky mentindo para uma plateia de universitários inocentes.



 ***


Nota do editor: assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

23/11/22

A Aventura Espiritual de Alexander Supertramp

Christopher Mcclandless, mais conhecido como Alexander Supertramp

Quem nunca pensou em se afastar da sociedade, da loucura e da violência dos homens, e ir morar na roça ou no mato?

O caráter patológico e a falta de sentido dominante na vida moderna são tão intensos e onipresentes que, em consequência, não há quem não viva depressivo, angustiado e ansioso. Aliás, a depressão foi considerada pela OMS como o Mal do Século.

A vida na cidade - e no mundo "civilizado"- só é possível com sérios prejuízos a saúde mental, produzindo variadas neuroses, psicoses e tic-tics nervosos. Exatamente como naquela famosíssima e tragicômica canção dos anos 80.

Pensou que era só uma canção bobinha? Nem tanto: era praticamente uma análise clínica da vida moderna! Bem humorada, mas certeira.



Estou preso no trânsito com pouca gasolina
O calor tá de rachar e lá fora é só buzina
Perdi o meu emprego, que já era mixaria
E ontem fui assaltado em plena luz do dia!

Isso me dá tic tic nervoso
Tic tic nervoso, tic tic nervoso
Isso me dá tic tic nervoso
Tic tic nervoso, tic tic nervoso

[…] Encontro uma garota,

um tremendo avião

pergunto o seu nome

ela me diz que é João!

Isso me dá tic tic nervoso

Tic tic nervoso, tic tic nervoso

Isso me dá tic tic nervoso

Tic tic nervoso, tic tic nervoso[..]

O mundo moderno, com suas cidades, prédios de arquitetura horrorosa, buzinas, carros, fábricas e tons de cinza variados e onipresentes; não é apenas feio, poluidor, fedorento e barulhento: é enlouquecedor também.

Em vista disso, algumas pessoas se sentem extremamente motivadas a mandar tudo para a p%$@ que o p&#$l e ir viver sossegadas em algum cantinho isolado perto da natureza, do canto dos pássaros, do ar puro.

As histórias sobre pessoas que, por esses motivos e outros, se afastaram da sociedade são muitas. Contudo, existe uma em especial que me marcou muito, visto que exerceu sobre mim uma grande influência.

É claro que irei falar aqui do Christopher Mccandless, ou, para os íntimos: Alexander "Supertramp" ("Supervagabundo").


[ Mccandless, na faculdade]

A vida que Christopher levava, para muita gente, seria considerada uma vida perfeita. Filho da alta classe média norte-americana, jovem, bonito, formado por uma das melhores universidades norte americanas, culto e inteligente.

Mas tinha um defeito: uma sensibilidade moral e crítica aguçada, que lhe fazia rejeitar profundamente as hipocrisias e artificialidades da civilização. Considerava que o afastamento humano da natureza havia sido um erro. A vida humana, pensava, era mais saudável quando o homem estava melhor integrado ao mundo natural.

Não podendo mudar o mundo, mas podendo mudar a si mesmo, Christopher se meteu no que chamou de sua "Revolução Espiritual". Doou todo o dinheiro de sua conta bancária - 24 mil dólares- para a caridade e saiu a viajar em busca de aventura e de um contato profundo com a natureza.

[Mccandless, na natureza]

Um breve resumo de sua aventura pode ser encontrado no artigo da Wiki:

Devido a um problema com o seu velho Datsun amarelo, Chris foi impelido a abandoná-lo junto ao lago Meade, no Vale Detrital, mas isso não o impediu de continuar. Encarou a situação como um sinal do destino e, abandonando junto ao carro grande parte dos seus pertences e queimando todo o dinheiro que trazia consigo – cerca de cento e vinte e três dólares –, Chris McCandless partiu a pé em direção ao Oeste, adotando um novo estilo de vida, no qual era livre e assumia o nome de Alexander Supertramp, seguindo os ideais de Henry David Thoreau, Leon Tolstói e Jack London, em busca de experiências novas e enriquecedoras.

Foi à boleia que chegou a Fairbanks, no Alasca, fazendo amigos e conhecendo lugares magníficos pelo caminho. Entre as suas aventuras destacam-se uma descida do rio Colorado em canoa. Walt e Billie McCandless, pais de Chris, ainda tentaram encontrá-lo, mas em vão. Apenas a sua irmã Carine recebia uma carta de vez em quando, e mesmo ela não sabia a sua localização. Os anos foram passando, e Chris continuava sozinho, algures na América, passando por Carthage, Bullhead City, Las Vegas, Orick, Salton City, entre outros, até chegar finalmente ao destino pretendido: o Stampede Trail. Conheceu Jan e Bob Burres, Wayne Westerberg, Ronald Franz (nome fictício), que se tornaram seus amigos inseparáveis a quem se ia correspondendo por cartas; permaneceu em alguns sítios durante meses, mas partia de seguida para outras aventuras.

Por onde passou, Chris alterou as vidas das pessoas que o conheceram. A sua personalidade forte, muito inteligente e simpática deu uma nova vitalidade a Jan, Franz e Westerberg. Raramente falava de Annandale e de casa, e eram muitas as vezes em que era reservado e ponderado. Mas o rapaz de vinte e quatro anos, que todos conheceram como Alex, cumpriu o seu destino e partiu de Fairbanks em direção ao Monte McKinley, dois anos depois de ter iniciado a sua viagem.

Gallien deu carona a Chris até o Parque Nacional Denali, através do Stampede Trail, um caminho que levava ao interior do Alasca. Também ele simpatizou com o rapaz, que gentilmente lhe contou os planos de permanecer alguns meses na floresta. A única comida que levava era um saco com cinco quilos de arroz, e o seu equipamento era inadequado para quem planejava fazer o que ele se propunha. Ainda assim, o rapaz parecia determinado, e nada o podia dissuadir. Partiu assim para o desconhecido, ignorando a hora e o dia, numa quinta-feira de abril, sem deixar rastro.

Através de um diário que manteve na contracapa de vários livros, com cento e treze entradas, podemos compreender o que realmente aconteceu a Chris McCandless na sua viagem ao interior do Alasca. O seu diário contém registos cobrindo um total de 113 dias diferentes. Esses registos cobrem do eufórico até ao horrível, de acordo com a mudança de sorte de McCandless.

Alimentou-se do que trazia e de algumas bagas que colheu na natureza, tal como de alguns animais que caçou, com sucesso; leu vários livros, rabiscando-os com pensamentos próprios sobre a vida; passeou por diversos bosques, mas o local onde permaneceu mais tempo foi logo abaixo da Cordilheira do Alasca, onde ainda hoje se encontra um ônibus abandonado. O veículo, de número 142 do sistema municipal de trânsito de Fairbanks, foi a residência do Chris nos meses em que se encontrou na floresta. Em seu interior ele escreveu algumas frases, como:

“ Sem jamais ter de voltar a ser envenenado pela civilização, foge e caminha sozinho pela terra para se perder na floresta. ”

Infelizmente, a história termina de forma mais ou menos trágica: o jovem romântido, espiritual e idealista acaba como todos os idealistas: morre em consequência de seus ideais.

A história foi contada no livro:

E no emocionante filme homônimo (com trilha sonora espetacular):



Algumas fotos:


Essa última ficou tão famosa, provavelmente devido ao filme, que dezenas de pessoas a reproduziram (o ônibus ainda está lá):



"Society man, society!"


                                                                        ***

Assim como outros textos publicados neste blog, a primeira versão do texto acima foi originalmente publicada como resposta no site Quora.

26/10/22

A Importância da Literatura

 

[Raul Seixas, meio mulambo, lendo Orwell. De onde você acha que saiu a inteligência irreverente do Raul? E aquelas letras profundas e geniais? O cara lia de tudo.]

                          [Metamorfose, hein? Que sujeito mais kafkaniano!]

Vejamos o que o próprio Raul diz sobre a Literatura :

O Pasquim – Você poderia explicar sua formação literária, como você chegou a esse texto?
Raul Seixas Isso aí é uma coisa interessante. Antes de eu vir pro Rio eu pensava em ser escritor. Eu sempre escrevi. Antes de cantar, eu pensei em escrever. Eu tenho alguma coisa escrita guardada no baú que eu penso em publicar algum dia. Eu sou muito dado a filosofias, eu estudei muito filosofia, principalmente a metafísica, ontologia, essa coisa toda. Sempre gostei muito, me interessei. Minha infância foi formada por, vamos dizer, um pessimismo incrível, de Augusto dos Anjos, de Kafka, Schopenhauer. Depois eu fui canalizando e divergindo, captando as outras coisas, abrindo mais e aceitando as outras coisas. Estudei literatura. Comecei a ver a coisa sem verdades absolutas. Sempre aberto, abrindo portas para as verdades individuais. Assim, sabe? E escrevia muita poesia. Vim pra cá pra publicar.


Assim como o Raul Seixas, em muitos aspectos a literatura foi crucial para minha formação, a tal ponto que não consigo me imaginar, como ser humano, sem ela.

O caráter formativo, expansivo, educativo, os mistérios insolúveis, a riqueza psicológica, geográfica, as sutilezas e ambiguidades humanas, quase tudo o que aprendi de relevante sobre a vida, sobre o mundo, sobre Deus, sobre eu mesmo e sobre os homens, vi exemplificado nas narrativas literárias.

De todos os meus professores, os grandes autores da literatura foram os melhores, os mais honestos e os que menos negligenciaram minha inteligência e minha curiosidade. Diria até que não conseguiria ter atingido o nível de maturidade e estabilidade psicológica ao qual cheguei não fosse a literatura.

Poderia dizer que a Filosofia me ensinou a ter profundidade crítica, a História me ensinou a ser justo com os tempos e a Psicologia me esclareceu sobre as contradições humanas. Mas foi a Literatura que fundiu tudo isso em casos e contextos mais amplos, cheios de vitalidade, pessoalidade e transcendência, tão ricos de significados, interpretações, lições e possibilidades quanto a própria vida.

Mas dizer isso não é explicar. E para que se entenda como tudo isso ocorreu, especialmente aos não iniciados em literatura, convem explicar.

Eis, a seguir, um esforço explicativo. Uma tentativa de tornar inteligível a utilidade prática da literatura. Vou falar apenas sobre um aspecto, para o texto não ficar grande demais. Depois (me cobrem) desenvolvo sobre os outros aspectos.


Modelos Superiores

Todos os estudiosos do desenvolvimento humano estão de acordo que os jovens precisam de bons modelos. Na vida doméstica, na escola, na vida cultural e na vida religiosa. Tão pior será a sociedade quanto mais degenerados forem os modelos nos quais ela se inspira.

Pense agora nos modelos que inspiram os brasileiros do nosso tempo. Pois é! Trágico, não? Numa cultura que produziu gênios universais como Machado de Assis e Padre Landell, as pessoas só conseguem se emocionar com… Neymar. (Um sujeito cuja grande contribuição para o espírito humano foi: nada, absolutamente nada).

Assim, cresci numa cultura destroçada, carente de modelos superiores. Tinha ao meu redor, como símbolos de sucesso, funkeiros, pagodeiros, atores pornô, jogadores de futebol analfabetos e todo tipo de monstruosidade moral e estética disponível.

Como se orientar nesse caos?

Meus primeiros modelos, fora da realidade imediata, vieram da Bíblia. Mas eram modelos que não me atraiam, modelos muito arcaicos, nada tinham a ver com meu mundo. Alguns me pareciam modelos retardados, tolos. Matar o filho a mando de Deus? Não, obrigado. Abraão me parecia um idiota, e eu temia que meu pai realmente acreditasse naquilo, afinal eu era seu filho - situação perigosa!


[Machado de Assis. Quantas pessoas você conhece com uma visão tão profunda, realista e ao mesmo tempo divertida e engraçada dos defeitos e incongruências humanas?]

Vocês já leram Machado? Nunca? Meu Deus, que crime! Dá só uma olhadinha em quão divertido, revolucionário e genial ele era (em Memórias Póstumas..):

CAPITULO LV - O VELHO DIÁLOGO DE ADÃO E EVA

O velho diálogo de Adão e Eva

Brás Cubas
. . . . . ?
Virgília
. . . . .
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .
Virgília
. . . . . . !
Brás Cubas
. . . . . . . .
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .? . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília
. . . . . . . . . . . . . .
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . !
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ?
Brás Cubas
. . . . . . . . . . . . . . !
Virgília
. . . . . . . . . . . . . . !

[Agora olha nos meus olhos e diz: é ou não o melhor e mais divertido capítulo de toda a Literatura Universal?]


Logo depois, encontrei variedades de modelos em outros clássicos da literatura, Gulliver e suas ácidas observações me marcaram para sempre, depois Poe, com seu caráter sombrio e excessivamente analítico. Oscar Wilde me deixou meio degenerado, confesso. Todos me trouxeram uma amplitude de espírito, de visão, de entendimento de aspectos diversos da sociedade, mas, fundamentalmente, me trouxeram modos de conduta e referências que exigiam de mim grande esforço para serem compreendidas e mimetizadas. Eu precisava de constante superação para que, de fato, pudesse ser como meus modelos literários, fossem os personagens, fossem os autores. Eu queria utilizar a linguagem que utilizavam, resolver os problemas que resolviam, ter amigos como os deles, fazer tudo com tanto charme, inteligência e perspicácia. Deixar diários e mistérios interessantes para a posteridade, ter lendas a meu respeito.

No mundo real, quem eu tinha para me inspirar? Dois ou três modelos!

Meu melhor modelo acessível no mundo real só fui conhecer aos 13 anos. Era um tio, muito erudito, bem informado sobre todos os assuntos, demonstrava uma grandeza moral, uma razoabilidade, um senso estético e uma apreciação da realidade que jamais encontrei nos círculos neopentecostais (macumbaria pseudocristã) nos quais fui criado. O tio era judeu. Diferente de todo mundo que havia conhecido até aquela idade, ele foi a primeira pessoa sobre quem pensei:

"Esse sujeito é como os personagens e os autores de livros, ele entende como o mundo funciona".

As respostas que as pessoas me davam, na maioria das vezes, não respondiam absolutamente nada, não me explicavam o mundo com clareza e distinção, só me deixavam mais confuso e produziam mais perguntas - que eu fazia, deixando as pessoas irritadas. Mas ele não, ele era realmente diferente. Contava toda a origem de um conceito, as refutações, as diversas possibilidades interpretativas, os eventos históricos que haviam sido influenciados pelas ideias, os erros da comunidade humana ao longo dos tempos... Tinha um vocabulário rico, sabia dizer quem fez o que na História. Em suma: não estava perdido no tempo e no espaço, sabia se situar na grande dimensão da aventura humana, sabia falar das conquistas e das contradições humanas, muito diferente das pessoas que só viviam por viver ou para sobreviver.

Em suma: ele nem parecia brasileiro. As pessoas que eu conhecia tinham só corpo, emoções e instintos. Mas ele tinha mente, tinha inteligência, profundidade psicológica, cultura universal, tinha alma. Meu tio, para usar aqui uma metáfora do Alexandre Soares Silva, "era um membro do clube".

Enquanto a maioria dos parentes o achava estranho pois não era igual a todo mundo, eu pude vê-lo grande, pois pensava e falava com a clareza dos grandes homens do passado, os quais conheci via Literatura. Tenho certeza que se não tivesse a formação literária prévia, só teria reconhecido a superioridade intelectual do meu tio tarde demais, e a teria ignorado como todo mundo fazia.


[Oscar Wilde. Quantas pessoas com um apuro estético tão fino e sofisticado você conhece? Quantos dândis estão em seu circulo de conhecidos?]


Experiência parecida me aconteceu muitas vezes ao longo da vida. Encontrei algumas pessoas sobre as quais eu podia facilmente compreender o comportamento, a lógica afetiva, o imaginário, porque já havia conhecido seus tipos psicológicos na literatura. Logo, já podia antever seus gostos, suas formas de pensar, etc. É basicamente como se eu tivesse à minha disposição um mapa de modos de pensar e de se comportar, com os quais eu podia calcular as consequências lógicas e práticas de determinadas condutas no mundo real (e comparar com as dos livros).

Tudo isso foi particularmente importante porque, com esse mapa, eu pude estabelecer critérios sobre quem me interessava no mundo e quem eu preferia manter distância. E por isso - só por isso - hoje posso me gabar de ter amigos incríveis, que me proporcionam vivências magistrais. Para dar apenas um exemplo, eu poderia citar minha amizade com uma senhora que é provavelmente uma das mulheres mais inteligentes do país.


[Nietzsche peladão com seus amigos. Quantos amigos realmente espirituosos, poéticos e irreverentes você tem?]


Uma boa analogia sobre esse aspecto tipológico da literatura pode ser feita com o jogo de xadrez. Perceba: um enxadrista é tanto melhor quanto mais preparado está para o estilo do seu rival. Quanto mais conhece o comportamento e as tendências do outro, maior é a capacidade do enxadrista de prever os movimentos, de se antecipar. A boa literatura, os clássicos literários, de Dante à Machado, te dão justamente "um mapa" dos estilos dos jogadores. É um mapa de arquétipos e também de situações possíveis. Daí o caráter universal da Literatura, daí sua relevância ao longo de toda a História humana.

O que você leu ontém, você vive amanhã.

Ter utilizado esse mapa me ajudou, por exemplo, a não ter experienciado tanto do racismo que dizem existir em nossa cultura. Afinal, já que eu conseguia entender como as pessoas pensavam, pude me precaver, agindo da melhor forma possível.

E esse é só um dos benefícios da Literatura, ainda há vários outros.


             [ A inspiração da juventude de hoje. Sem mais comentários.]


***


Noda do editor: o texto acima foi originalmente publicado como resposta no site Quora.

19/10/22

As pessoas estão ocupadas demais para a Filosofia?

 

Não. A maioria das pessoas trata as questões filosóficas de forma leviana porque vivem num nível meramente biológico: não aprenderam nem sequer a pensar. Muitos passam a vida inteira sem ascender ao nível intelectual (abstrato). E mesmo os que atingem esse segundo nível, muitas vezes não chegam ao nível espiritual. A Filosofia, mãe de todas as ciências, encontra-se entre o segundo e o terceiro nível.

Assim como ninguém nasce sabendo tocar piano, ninguém nasce sabendo pensar de forma profunda. É preciso ser educado para isso. Se não houver ninguém para educar, será preciso se autoeducar por meio dos livros.

A educação filosófica leva tempo, demanda muito esforço mental, provoca frustração, decepção, angústia, insegurança e, muitas vezes, desestabiliza a personalidade. Raramente o estudo da Filosofia leva alguém a ser alegre e a viver melhor. Pelo contrário, boa parte, se já não era, chega mesmo a ficar depressivo ou antissocial.

O homem comum, em geral, tem asco e desconfiança do intelectual, do literato, do livresco. Ele confia mais nas palavras do pastor do que nas do acadêmico.

Sem contar que o objetivo maior na vida, para muita gente, consiste basicamente em "se divertir". A ignorância da maioria das pessoas é totalmente voluntária. As forças sociais opressoras só precisam de um pequeno esforço para incentivar as massas a continuar assim. A política do pão e circo é basicamente a mesma coisa desde a Roma dos gladiadores.

                                                                      ***

Tive, quando era jovem e nada sabia dessas verdades, uma conversa com um notável exemplar da mentalidade abjeta que move grande parte de nossa juventude:

[…Nesse antro, um sujeito me questionou certa vez o porquê lia tanto. Pensei que era impossível explicar sobre educação àquela criatura. Então, respondi apenas que gostava e que aprendia como o mundo funcionava. Dizendo também que, caso ele se interessasse por algum assunto, ler a respeito poderia informá-lo e esclarecê-lo.

Ele, brilhante, filosoficamente me respondeu:

Ah, fala sério, ler não vai fazer minha pica crescer!

Depois disso, eu compreendi que existem pessoas que realmente não tem interesse algum de enriquecer a própria mente.

Foi só então que percebi que há membros da massa, meus caros, que adoram ser massa…].

Como eu disse antes, vivem num nível meramente biológico. O ser humano é um animal racional? Alguns são, mas certamente não a maioria.

[Tirinha tosquíssima na forma, porém hiper realista no conteúdo, do genial Bruno Maron do Dinâmica de Bruto ]

                                                                     ***

É tolice pensar que todo mundo deveria aprender Filosofia ou que todo mundo deveria se importar com Filosofia. Sempre há quem vá preferir não pensar.

Filosofia não é para qualquer um. Nada há de mais aristocrático e elitista que o conhecimento e a sabedoria.

                                                                     ***


Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora.

12/10/22

Qual a razão por trás do desinteresse dos alunos?

 

Bom, vamos lá. Comecemos com um exercício mental:

Imagine que você é uma pessoa curiosa, cheia de energia, fascinada por coisas novas, com uma dose elevada de humor e vontade enorme de se divertir. Em suma: se imagine como uma criança.

Imagine agora que seus pais lhe digam que você poderá ir no maior parque de diversões multitemático do mundo e desfrutar dos melhores brinquedos, quantas vezes quiser. Mas que você precisa seguir as regras de uma autoridade: o senhor Alfredo, seu mestre-guia acompanhante.

Imagine, ao viajar para o parque com o mestre-guia, que você descobre que os dois vão precisar lidar com três problemas pricipais:

  1. Só é possível visitar os brinquedos a pé, sendo que eles ficam muito longe uns dos outros.
  2. Vocês tem apenas 5 horas para aproveitar o parque
  3. E acompanhando vocês há mais umas vinte crianças, todas elas barulhentas, cheias de energia, curiosidade, bom humor e doidas para ir a lugares do parque pelos quais você não tem o menor interesse.

Agora imagine que o senhor Alfredo já visitou o parque tantas e tantas vezes, com tantas crianças ("diabinhos barulhentos" é como ele os chama mentalmente), ao longo de tantos anos, tendo que dar sempre as mesmas respostas sobre os brinquedos, que ele não aguenta mais esse lugar- e nem as crianças. Quando começou, é verdade que ele era jovem e adorava. Mas depois de dez anos fazendo isso, sendo mal remunerado e sem os incentivos adequados, tudo que ele quer é acabar logo esta maldita tarefa e poder ir para casa assistir La Casa de Papel no Netflix.

Para você, a visita é um prazer em potencial, por tudo que ela oferece a sua imaginação e vontade de descoberta e divertimento, mas para o senhor Alfredo é uma obrigação angustiante e um tanto quanto irritante.

Agora, pior, considere que o senhor Alfredo tem um problema de saúde nas pernas, que incham e doem calorosamente quando ele anda por muito tempo.

Agora imagine que o esquema de visita acompanhada consiste em levar você e as outras crianças para uma sala mal arejada, com cores horríveis, acústica pior ainda e mostrar fotos e vídeos desbotados e antigos de como era o parque há 10 anos atrás, assim como dos brinquedos mais próximos (nenhum deles muito interessantes para você) que vocês podem visitar.

Das 5 horas disponíveis, 3 o senhor Alfredo passa com você e seus amigos barulhentos na sala mal arejada, a quarta ele gasta para aplicar uma prova sobre o que ele ensinou na sala mal arejada e a última hora ele gasta permitindo que vocês andem um pouco, jundo dele, e experimentem um brinquedo pelo qual você não tem o menor interesse.

Conseguiu imaginar?

Pois então, depois de repetir essa experiência cem vezes, como você iria se sentir em relação a ideia de visitar o parque com o mestre-guia? Se sentiria animado ou completamente traumatizado e desinteressado, já que sempre foi uma experiência tediosa, limitadora e frustrante?

Bom, essa historinha, a meu ver, é perfeita para explicar o nosso sistema de ensino e os porquês do fracasso retumbante que ele reverbera com êxito em quase todos os seus aspectos. O parque de diversões multitemático representa o conhecimento e as milhares de possibilidades incríveis que ele enseja.

Note que, por natureza, crianças são enérgicas e ficam elétricas diante de um mundo inteiro de possibilidades, coisas novas, animais, cheiros, formas, máquinas, pessoas, brincadeiras, coisas para fazer e para investigar. O mundo lhes oferece uma riqueza fabulosa onde elas mesmas podem decidir o que lhes interessa investigar.

Basta pôr uma criança num Museu, numa Biblioteca ou dar a ela um jogo, ou desafio, que você verá como ela vai, naturalmente, sendo guiada por sua curiosidade e interesse em descobrir coisas e resolver problemas. Nessas situações, vai acontecer da criança ficar tão fascinada com algo que vai imediatamente te perguntar o que é, o que significa e como funciona, aí é justamente quando a curiosidade levou à necessidade de compreensão.

Esse tipo de experiência: o prazer da dúvida, do contato com o misterioso, da descoberta, é o que move a curiosidade natural e resulta na necessidade de compreender, apreender e resolver problemas, ou seja: é a base do amor ao conhecimento. É o que move cientistas, intelectuais, investigadores, filósofos e inventores. É o que move meu autodidatismo e minha paixão em aprender coisas interessantes e resolver problemas que são importantes para mim.

E, bom, a escola mata isso. Estraçalha, na verdade.

Na escola tudo já vem pronto: o que estudar, o como estudar, o onde estudar, o quando estudar e o com quem estudar. Não existe espaço para inovação, arte e criatividade. As matérias são divididas artificialmente, como se no mundo real não houvesse conexão entre Matemática e Português ou Matemática e História, ou seja: como os brinquedos do parque, estão distantes umas das outras.

Assim, mesmo que uma criança possa ser curiosa, a má abordagem de um professor ou de um livro sobre o assunto pode parecer a ela bem menos interessante do que, por exemplo, uma visita ao zoológico ou uma interação com outro grupo de crianças, tão divertidas, curiosas e animadas quanto ela.

Tudo o que a escola requer da criança é a obediência bovina e respostas condicionadas, ou seja: conformação. Quando na verdade a função de um bom mestre deveria ser guiar a curiosidade da criança para apresentar a ela novos universos, nunca sufocar o interesse, as habilidades e gostos pessoais para lhe oferecer a mesma fórmula oferecida a todas as outras.

Como o mestre-guia da metáfora, a maioria dos professores são descontentes, doentes (alguns com sérios transtornos psicológicos), frustrados e tem um domínio quetionável sobre sua matérias, um método sofrível e uma exposição mais questionável ainda.

Ora, agora pense bem: Que tipo de criança ou adolecente vai achar emocionante e inspirador ficar trancado entre quatro paredes, copiando textos e olhando para videos e imagens antigas enquanto escuta a voz monótona de um professor frustrado? Ainda mais quando lá fora tanto as pessoas quanto as coisas parece mais vivas, mais autênticas, mais desafiadoras, mais apaixonantes e mais interessantes!

Em suma: a escola, e seu esquema padrão de ensino, é chata, desinteressante, morta, cafona e limitadora. Enquanto o mundo e os desafios não. É por isso que as crianças preferem os esportes, os jogos e qualquer expansão de contato com o mundo por meio de viajens a lugares desconhecidos.

Jamais esqueça que foi justamente nesse sistema de ensino, que é o mesmo até hoje, que Einsten ouviu de um professor que "nunca chegaria a ser alguém".

Não precisa dizer mais, precisa?

                                          

                                                                *** 

Nota do editor: a resposta acima foi originalmente publicada no Quora em 2019. Até a presente data teve mais de 7 mil visualizações, 257 votos positivos, 23 comentários e 14 compartilhamentos. Entre os comentaristas da resposta uns concordaram e outros discordaram. Um deles, no entanto, trouxe relato que, pela força da verdade que carrega, urge compartilhar:

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01/09/22

Como Escandalizar os Doutos


John Ramalho meditabundo


Ontem cometi o crime de sair de casa. Fui até a UERJ para participar de uma inovadora pesquisa que põe a física a serviço da parapsicologia; buscando responder uma pergunta velha e intrigante: pode a intenção humana influênciar as probabilidades dos acontecimentos?

Os voluntários: um grupo de professores universitários, sete universitários e eu. Depois de conversar com os professores, esbanjando carisma e erudição, ficaram admirados com o fato de eu parecer bem informado sobre tudo (conversei com o físico, com a professora de artes e a de cinema). Alguém me perguntou: você é professor de que? E depois outro: você é jornalista, né? Respondi, claro, a verdade: blogueiro. Humilde blogueiro. Sempre blogueiro. Blogueiro blogspot. Blogueiro que escreve textinhos. Escrevinhador, croniqueiro.

E aí as caretas de incompreensão. A dúvida no olhar. O escândalo. Não entendem. Como ele sabe tudo isso sem um curso superior, sem um diploma, sem uma posição social de autoridade? Serei sempre um tormento para os seus corações, amanhã esquecerão que existo: espírito livre de vaidade, pobretão e vagabundo, sou para eles uma anomalia.

A resposta é simples: o conhecimento não está nos títulos, está nos livros, nos vídeos e na internet. Basta ser curioso, saber pesquisar, ter boa curadoria e ter um bocado de amigos inteligentes para te auxiliar e inspirar no processo. E, claro, é bom aprender a lembrar do que estudou. Escrever ajuda.

Não é a primeira vez que me acontece isso, de impressionar doutos, autoridades. Na marinha, a minha prosa cultural e filosófica angariou as simpatias do meu capitão. E mesmo marujo, eu era convidado a almoçar com ele, o que na marinha é quase quebra de hierarquia, pois oficiais e praças não podem comer juntos.

Marginal, quando me metia em encrencas com a lei, meu juridiquês criava a ponte com meus defensores, que por me crerem estudioso, melhor me defendiam. E houve algumas ocasiões em que me passei por bacharelando em Direito para evitar a má vontade de algumas autoridades.

Também me acontece com o homem comum.Outro dia, na rua, depois de comprar cerveja, um senhor que estava no bar me elogiou: disse que eu era educado porque ao entrar dei boa tarde a todos os presentes. Outra vez, na fila de um caixa, eu sai da fila para pesquisar na internet como fazer a operação que eu queria, um senhor reparou minha saída e, curioso, pediu explicação. Contei a ele que eu não queria atrasar ninguém e que me parecia melhor aprender primeiro e fazer depois. O velhinho imediatamente me acusou de "não ser brasileiro". Disse que em seus 60 anos de vida experimentada, raramente vira um brasileiro sensato. Eu não soube o que dizer, mas sorri, meio sem jeito.

Eu não sou ambicioso. Tenho alguma vaidade intelectual, é verdade. Mas não ligo muito para o mundo material. Não sustento cinco minutos numa conversa sobre casas, roupas de marca, restaurantes chiques, carros e viajens a lugares impressionantes. E menos ainda numa conversa sobre futilidades. Um óculos elegante e uma combinação de roupas charmosa e com personalidade me encanta muito mais do que a pessoa ter passado as férias em Dubai. E, claro, as leituras e as referências culturais, e a personalidade, e a prosa, e as virtudes, as habilidades, e as paixões e anseios superiores, a história de vida, os dramas, é isso que olho antes de decidir se vou ou não me relacionar com alguém.

Naturalmente, por ser criterioso, vivo numa bolha, e boa parte dos meus amigos comungam do meu espírito ou, ao menos, compreendem essa minha disposição existencialista, humanista, bucólica, contemplativa, quase anarquista, certamente anarcodidata, vulgarmente literária, intelectualóide e um pouco cristã. Mais do que isso: sabem os amigos dos meus problemas mentais, da minha frágil sanidade, do demônio que me domina, e compreendem a minha reclusão, a minha autoproteção, o meu medo de perder o equilíbrio.

Disse-me o senhor: amai o teu inimigo; e para cumprir o mandamento tive que amar a mim mesmo. E amar-me significou querer-me melhor, e querer-me melhor significou renunciar aos prazeres do mundo, às glórias banais. Como poderia eu me integrar perfeitamente a um mundo que abomino, a um sistema social que me embrulha o estômago e me afronta a inteligência? A maioria dos que conseguem fazem-no com severos prejuízos no desenvolvimento moral e espiritual. São ansiosos, depressivos, vivem à base de pílulas.

O homem médio de nosso tempo é infantil, imaturo, desorientado, inculto, fútil e tolo. Pior: porque tamanha inépcia existencial vem coroada com a absurda certeza de que é ele o ás da evolução, a culminância do progresso, o ser mais avançado de todas as épocas. Terrível e fatal ilusão!

E assim, ao sair de minha bolha, encontro as vezes o homem comum, as vezes os doutos. Os dois me elogiam e se admiram do que sou...

Mas nenhum deles me compreende.

Ser como eu - apaixonadamente autodidata e cinicamente plebeu - é ser um manual de como escandalizar os doutos.

...

A versão original desta crônica foi publicada no Facebook

24/08/22

Como saber quando alguém é perigoso?




Bom, antes é preciso se perguntar: isso é possível?

A resposta é ambígua: sim e não. Veja bem:

Embora existam pessoas que deem claros sinais de que são uma ameaça, existem outras que nunca dão esses sinais. E algumas das pessoas mais perigosas serão extremamente carismáticas e aparentemente inofensivas (mais ou menos como eu).

Portanto, é preciso ter uma postura de desconfiança geral, uma suspeita de todos, a mentalidade de não se colocar em risco e a habilidade de reconhecer os sinais de periculosidade.

Para começar, quem é perigoso? Resposta: quase todo mundo. De fato, pouquíssimas pessoas são realmente não violentas. Entenda que as pessoas são basicamente bestas camufladas por um verniz de civilidade, bestas esperando um momento, um pretexto, para descarregar toda a repressão de animalidade que a civilização lhes obriga a manter.

"Ain, nossa… Mas esse John Ramalho é exagerado…"

Sou? Vejamos:

Pois é. Você está cercado de bárbaros sorridentes, sensuais e hipócritas. Doces bárbaros? Doces eu não sei, mas que são bárbaros e perigosos, ah, isso são.

No meio de tanta gente pacífica e "cordial", como se prevenir e prever o grau de periculosidade de alguém? Difícil, né? Por isso nestas terras a melhor postura é aquela do Fox Mulder de Arquivo X: Não confie em ninguém!

Assim como a melhor forma de combater um incêndio é evitando que ele ocorra, a melhor forma de se prevenir contra a periculosidade alheia é sendo desconfiado, paranóico e mantendo uma distância preventiva, sempre.


Dito isso, existem algumas dicas que podem ajudar a separar o joio do trigo, afinal ninguém é capaz de desconfiar de todo mundo 24 horas por dia.

Anote aí:

#1- Desenvolva critérios rigorosos para confiar em alguém.

Acho absolutamente engraçado como as pessoas possuem uma tendência bovina para confiar em gente que tem: a) sorriso no rosto/ carisma; b) discurso bonitinho e politicamente correto; c) autoridade e; d) grana.

Inclusive, cheguei a responder sobre como é fácil enganar as pessoas utilizando alguns desses elementos: Resposta de John Ramalho a É possível convencer alguém a acreditar em algo que você diz, por mais surreal que seja? Se sim, como?

Se você vai realmente confiar em alguém a ponto de sair sozinho com a pessoa, se expor, entregar informações importantes e ficar vulnerável, ao menos tenha a sensatez de fazer isso com alguém que você conhece MUITO bem. Alguém que você já tenha noção sobre o grau de periculosidade e lealdade.

E quando você sabe que conhece alguém muito bem? Resposta: quando você conhece os piores defeitos, podres e tendências negativas da pessoa.

Se você não sabe de nada errado que uma pessoa já fez, nunca ouviu falar dos grandes defeitos ou mesmo dos pequenos, NÃO CONFIE! Quanto mais perigosa, mais a pessoa vai esconder informações negativas sobre seu passado e seu caráter; chegando, às vezes, a usar nomes ou identidades falsas.

Desconfie de todos, mas se parecer bonzinho demais, desconfie ainda mais!

#2- Cuidado dobrado com falastrões:

[fique esperto com os mentirosos a lá Ben Linus]

Um outro jeito de te manipular para ganhar sua confiança é quando a pessoa fala muito a respeito de si mesma, sempre contando vantagem ou destacando uma certa característica positiva. Ao mesmo tempo que ela pode estar sendo sincera, ela pode estar criando uma teia de autoficção para te enganar, te distrair e te desviar de alguma informação pessoal que ela quer esconder.

#3- Aprenda a se defender e a matar se necessário: não seja nem uma ovelha e nem um lobo, mas um cão de guarda.

[Walter White, da série Breaking Bad. Aprenda a ser durão e parecer perigoso, e então ninguém vai querer se meter contigo. Mas, pelo amor de Deus, nada de traficar metanfetamina!]

Mesmo sendo totalmente vigilante, paranoico e criterioso, você vai estar sujeito a riscos. Infelizmente, a vida é imprevisível e o comportamento humano é mutável. Pessoas que antes eram confiáveis podem te trair. Pessoas pacíficas podem surtar e cometer barbaridades. Nada é como parece, todo cuidado é pouco e nunca é demais se prevenir. Por isso, não pareça uma vítima, não seja uma vítima, APRENDA A SE DEFENDER: usar armas de fogo, lutar com facas, saber artes marciais, imobilização, enfim; tudo o que você puder aprender. Nunca se sabe quando será útil:

O melhor curso de defesa pessoal que conheço, e recomendo, é o Kombato:


Abaixo, algumas páginas com material, informações, análises e conselhos importantes:

#4- Ore ou reze todos os dias.

Ao acordar e antes de sair de casa, reze. Acredite: ajuda muito. (Mas se puder ande de armadura ou carro blindado, ajuda mais ainda).

Texto publicado originalmente no Quora

10/08/22

Como Expressar Melhor Suas Opiniões

 


1- Leia mais, especialmente Literatura (romances de ideias, como os de Machado e Dostoiévisky) e Filosofia (especialmente Lógica, Argumentação e Ensaios). Ler material dessas áreas vai te permitir ampliar seu vocabulário, sua visão de mundo, sua imaginação e conhecer discursos e formas de pensar variadas. Ler artigos opinativos e articulísticos de revistas e jornais, e acompanhar debates nesses veículos, vai te ajudar muito também.

A vantagem de se conhecer Filosofia é saber enquadrar suas ideias em categorias e saber sobre a natureza dessas ideias e como elas se relacionam com outras, assim como raciocinar de forma lógica, coerente e bem estruturada. A vantagem de se dominar a literatura é conhecer as formas mais belas, poderosas, engraçadas, sarcásticas, sérias, dramáticas, nebulosas e eficientes de expressar as ideias, de concretizá-las em imagens e histórias e de ridicularizá-las.

2-Escreva. Mantenha um diário, um caderno de registros ou algo do tipo. E sempre o releia de tempos em tempos. Ao contrário do que os idiotas pensam, um diário não serve para escrever coisas tolas como “hoje eu fiz isso e isso”, mas para meditar, refletir, raciocinar, estudar, entender e dar significado a eventos importantes na sua história pessoal. Portanto, você só deve escrever quando sente que precisa registrar algo ou compreender algo que se passou contigo, seja na vida prática, seja na vida mental ou emocional.

Na medida em que você for ampliando seu conhecimento em filosofia e literatura, vai notar que sua forma de pensar e suas opiniões vão ficando mais complexas e sofisticadas do que antes.

3. Trave debates (respeitosos) escritos e orais com gente mais inteligente que você. Essas atividades vão exigir que você pense, avalie, reflita, busque conhecimento e aprenda a desenvolver suas ideias.

4- Ensine outras pessoas. Quando eu era mais novo, uma das formas que eu mais usava pra memorizar o que lia nos livros era contando aos meus pais, irmãos e amigos. Eu não esperava, mas acabei desenvolvendo uma habilidade razoável em expor minhas ideias e opiniões. Note que quanto mais claro algo estiver para você, maior será sua facilidade em expressá-lo.

5- Faça listas ou textos para você mesmo, buscando esclarecer suas opiniões. Coisas do tipo “O que eu penso sobre aborto?” e do tipo “Quais as principais razões para ser contra ou a favor do aborto?”.

6. Consuma Cultura que te obrigue a pensar. Leia bons livros, veja bons filmes, bons documentários,escute bons podcasts eouça boas músicas sobre os assuntos que te interessam. Mas não coisas rasas e tolas, procure o material que esteja acima do seu nível de compreensão atual. Isso vai te forçar a estudar e se atualizar. E quanto mais informado, melhor e mais fundamentadas serão suas opiniões.

7- Outra dica boa é prestar atenção em pessoas inteligentes e educadas falando, notar o modo como elas falam, e começar a se apropriar desse modo. Você pode tornar sua opinião mais acessível ou convincente apenas mudando algumas palavras ou expondo o raciocínio de forma mais sequencial e didática.


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Obs: O texto acima foi originalmente publicado como resposta  no Quora